Depois do 1º de Maio

Georgi Mikhailovich Dimitrov

Maio de 1906


Primeira edição: «Novo Vreme» N.° 5, Maio de 1906 Assinado: G. D.
Fonte:
Dimitrov e a Luta Sindical. Edições Maria da Fonte, Tradução: Ana Salema e Carlos Neves; Biografia e notas: Manuel Quirós.
Transcrição: João Filipe Freitas
HTML:
Fernando A. S. Araújo
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Este ano, em todas as grandes cidades búlgaras, a festa do trabalho foi celebrada de um modo particularmente empolgante. O abandono em massa das oficinas e das fábricas, a interrupção da publicação da imprensa diária e de uma série de actividades produtivas, a participação nas manifestações do 1.° de Maio de uma parte apreciável de operários ainda ontem indiferentes às lutas dos seus camaradas organizados — tudo isto confere ao 1.° de Maio deste ano um carácter de demonstração e de agitação sem precedentes.

Neste dia, grandioso pela sua importância histórica e política, tivemos a feliz ocasião, não só de manifestar com o proletariado do mundo inteiro a nossa solidariedade de classe e as nossas reivindicações proletárias, de a manifestar contra o regime capitalista existente, como também de avaliar as nossas forças, de nos darmos conta do caminho percorrido, a fim de nos convencermos, de forma ainda mais firme, que o movimento operário socialista na Bulgária, apesar de todas as suas hesitações e abalos internos, se desenvolve a um ritmo normal e caminha resolutamente para a frente.

Graças à agitação e à propaganda, conduzidas constante e energicamente entre os operários, ao longo do ano que decorreu depois do mês de Maio precedente, em todos os centros proletários mais importantes, como Sófia, Plowdiw, Russe, Sliwen, Plewen, etc., as nossas organizações do Partido e dos sindicatos podem ostentar sucessos apreciáveis, tanto no que respeita à sua actividade no domínio cultural e de organização, como nas suas lutas visando melhorar as condições de trabalho, desobstruir o caminho ao movimento operário e desembaraçá-lo de influências estranhas e obstáculos que a burguesia se esforça sistematicamente por criar. Sob a influência de organizações operárias socialistas, as greves frequentes, que em princípio não eram mais do que a expressão espontânea do descontentamento efervescente dos operários contra a exploração ilimitada, adquirem nestes últimos tempos, e cada vez mais, o carácter de uma luta organizada com vista a melhorar as condições de trabalho dos operários, a tornarem-se uma boa escola para a sua educação de classe. Embora os resultados práticos sejam muito limitados, a utilidade sobre o plano da organização e da educação dos operários é inapreciável. Ora, o número de operários que conscientemente toma parte nas lutas políticas sob a bandeira do nosso Partido, aumenta sem cessar. A manifestação de Dezembro contra a lei sobre o artesanato e as reuniões operárias de protesto que tiveram lugar em todo o país, em 19 de Fevereiro, para a aplicação, extensão e correcção da lei sobre o trabalho das mulheres e das crianças, constituem uma prova manifesta da consciência política crescente dos operários. Imediatamente após o 1.° de Maio, esta consciência pode ser igualmente observada a propósito da luta dos tipógrafos de Sófia contra a imprensa governamental personificada pela «Vetcherna Pochta» de Chongow, seu representante mais típico.

Assim como nos damos conta destes sucessos é preciso não esquecer que, embora o que foi feito e realizado pelas nossas organizações não seja insignificante, é muito insuficiente. Há ainda muito a fazer para atingir o grau de força, consciência e disciplina indispensáveis para se poder conduzir vitoriosamente as próximas lutas operárias.

A percentagem de operários sindicalizados é entre nós ainda muito fraca. Centenas de operários e de operárias estão inteiramente afastados da influência e da agitação socialista, ignorando ainda a ideia de se organizarem e da luta organizada. O número de operários de fábrica que estão sindicalizados é insignificante. Nos nossos sindicatos, só se contam algumas operárias. Independentemente do que precede, há sindicatos, sobretudo em Sófia e em Varna, que constituem uniões de uma espécie particular e se encontram não sob a direcção do Partido Operário Social-Democrata, mas de uma fracção da pequena burguesia. Grande número dos nossos sindicatos são fracos do ponto de vista de organização e de fundos, resultando daí que não concluem as suas funções sindicais senão irregularmente e de um modo restrito. Outros consolidam-se com dificuldade e ainda não se mantêm solidamente de pé. Em certas organizações do Partido, o elemento proletário está fracamente representado. Faz-se sentir uma grande penúria de operários altamente conscientes — agitadores e propagandistas. Em certas cidades, a educação socialista dos operários não é sistemática e é mesmo conduzida com negligência. A nossa imprensa não tem uma difusão suficiente e a sua influência sobre as massas operárias é limitada. Há mesmo operários organizados (em alguns sindicatos o seu número é de considerar) que não recebem o órgão de imprensa da sua união, o «Rabotnicheski Vestnik», e uma grande parte dos operários sindicalizados não assina o «Novo Vreme».

Independentemente disto, as condições em que trabalham e vivem os operários búlgaros são de uma grande miséria. O dia de trabalho extremamente longo, os salários baixos, as condições insalubres nas oficinas e nas fábricas, o trabalho nocturno e nos dias feriados, o largo recurso ao trabalho das mulheres e das crianças, o desemprego frequente, a ausência de todas as restrições legislativas sérias à exploração — tudo isso não permite que as largas camadas de operários levem uma existência conveniente, vota-os à degenerescência e entrava a sua elevação, organização e desenvolvimento da consciência de classe. É evidente que um operário esmagado, enfraquecido pelo trabalho dia e noite e por uma alimentação insuficiente, não poderá ser um elemento de valor para a organização operária. Não tem possibilidades de respirar fundo depois de um trabalho fatigante, de frequentar regularmente as reuniões e as palestras, de ler, de se encontrar livremente com os camaradas, de dar maior atenção à sua organização e de participar nas actividades de organização e culturais. Numerosos sindicatos e sociedades culturais são obrigados a não fazer muitas convocações para reuniões e conferências, uma vez que a maioria dos seus membros trabalham doze a quinze horas por dia, até mesmo dezassete, e não dispõem regularmente do repouso dos dias feriados. Para mais, a debilidade financeira dos nossos sindicatos e a sua consolidação muito lenta, sob este aspecto, são devidas, antes de tudo, aos salários baixos dos operários, que não permitem, nesta altura, um aumento apreciável nas cotizações, de imediato insuficientes para as necessidades da luta sindical, da agitação e da propaganda sindicais e da entreajuda sindical. Eis porque é de uma importância vital para o bom desenvolvimento das organizações operárias obter melhores condições de trabalho, uma verdadeira legislação operária.

Por outro lado, os movimentos que se manifestam no seio da nossa classe operária, a sua organização e desenvolvimento como força política e social independente, chamaram a atenção da burguesia, fizeram-na mobilizar as suas forças e adoptar uma atitude ofensiva para com o movimento socialista. A aplicação da lei sobre as pessoas jurídicas, a «política social» do governo actual, têm por missão desviar o movimento operário do seu objectivo último e natural — a abolição da exploração capitalista actual — e de lhe determinar tarefas que não ultrapassem os limites da ordem burguesa estabelecida. Tal como os capitalistas importam do Ocidente todos os métodos de produção mais aperfeiçoados — última palavra da técnica — a burguesia adopta os métodos mais modernos da luta contra a democracia social. Todos os organismos e instituções da burguesia se preocupam seriamente com a supressão deste «inimigo perigoso». A imprensa burguesa, e mais particularmente a de obediência governamental, espalha largamente por entre os centros operários informações falsas com o fim de os manter na ignorância e resignação ao estado actual das coisas. O Santo Sínodo traduz e publica, em milhares de exemplares, pequenas brochuras «científicas» contra o socialismo, distribuídas gratuitamente. Organizam-se «palestras populares» onde, paralelamente a conhecimentos de ordem geral, há também cursos sobre a «inconsequência» e a «utopia» do marxismo. O órgão governamental «Nov Vek» serve-se ainda de toda a ocasião propícia para apresentar o seu partido como defensor e benfeitor da classe operária, a que incita a abandonar as organizações socialistas e a resguardar-se sob as suas bandeiras. A polícia do governo é incitada a importar os métodos de Zubatov. Formaram uma união de ferroviários para os afastar da sua própria organização. À parte isso, o partido dos radicais-democratas prepara-se para penetrar entre os operários com a sua demagogia, a fim de os organizar em proveito dos objectivos desejados pela burguesia, contra a democracia social. Por outro lado, a União dos industriais já não se contenta com os passos destinados a favorecer este ou aquele industrial, mas, indo mais longe, quer defender a classe capitalista contra a ofensiva do movimento socialista. Ela declara-se resolutamente contra a aplicação da lei sobre o trabalho das mulheres e das crianças e reclama a todo o instante a proibição das greves por via legislativa. A União dos artífices não permanece de braços cruzados. Também dirige as suas flechas contra os operários, procurando, de todas as formas possíveis, submetê-los à influência das organizações artesanais e impedi-los de se organizarem no seio dos sindicatos socialistas.

Contudo, é claro que nos encontramos em vésperas de lutas sindicais e políticas bastante vastas e violentas, mais com vista a melhorar a situação dos operários do que a desimpedir o caminho ao movimento operário e a repelir os assaltos reaccionários da burguesia; essas lutas exigem organizações muito mais poderosas do que aquelas de que actualmente, entre nós, a classe operária dispõe.

Eis porque, depois da celebração da festa socialista internacional, encorajadas pelos sucessos registados até ao presente, as organizações do Partido e os sindicatos devem prosseguir o seu trabalho para a organização e a educação socialista dos operários com uma redobrada energia, consagrando, em particular, a sua atenção em atrair os operários e as operárias, quaisquer que sejam as dificuldades encontradas. Todas as forças de que as organizações dispõem, devem entrar em acção e ser utilizadas judiciosamente para uma actividade socialista em todos os domínios.

Do ponto de vista de agitação, o 1.° de Maio tem uma grande importância. Os preparativos para a sua celebração, as reuniões da véspera do Primeiro de Maio, as conferências, os panfletos e sobretudo a manifestação do próprio dia puseram em movimento, de uma maneira pouco comum, as largas massas operárias e suscitaram entre elas um certo interesse pelo movimento, pelas lutas e pelas reivindicações dos operários organizados. Presentemente, os operários organizados dispõem de uma ocasião rara para impelir novos operários para os seus lugares. Devem não apenas reforçar, mas também organizar mais judiciosamente uma propaganda, velando para que o seu conteúdo seja puramente socialista. As organizações do Partido, os sindicatos e as sociedades culturais devem convocar regularmente reuniões e organizar palestras, enquanto os propagandistas operários devem lançar-se com uma aplicação particular entre os operários e aproveitar a efervescência que se segue ao Primeiro de Maio para reforçar as organizações operárias. O trabalho incessante, quotidiano, para o reforço ideológico e de organização dos sindicatos, com vista a impelir novos combatentes para as suas fileiras, para a solução fecunda de todos os conflitos entre o trabalho e o capital, deve ser conduzido com o maior ardor. O momento presente exige que todos os militantes operários, todos os camaradas do Partido e dos sindicatos, ponham ao serviço do proletariado o máximo de força, de meios e de capacidades.

Nas lutas contra a ignorância e contra as influências burguesas, para a união dos operários sob a bandeira da democracia social, contra os capitalistas e contra o Estado, para o melhoramento das condições do trabalho e reivindicação vitoriosa de uma legislação operária, contra todos os organismos da burguesia e para desimpedir o caminho ao movimento operário, as organizações socialistas operárias englobarão uma parte sempre maior da classe operária, tornando-se um factor sempre mais forte, mais poderoso, caminharão de vitória em vitória e aproximar-se-ão sempre mais rapidamente do ideal grandioso do proletariado — a libertação da humanidade da escravidão económica, política e espiritual actual.


Inclusão 01/12/2014