Entrevista à Revista Brasileira «Veja»

Vasco Gonçalves

Outubro de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Pergunta 1: Num discurso proferido na cidade do Porto, no passado dia 5, o senhor afirmou: «O Movimento das Forças Armadas finca um objectivo: lançar os fundamentos para que o povo português possa livremente escolher as instituições por que se quer reger. Depois recolherá aos quartéis, para defender as conquistas democráticas. (transcrito de «O Século»). Quanto tempo poderá demorar esse processo?

Resposta: — No Programa do MFA, no capítulo das «medidas a curto prazo», vem estatuído: «o período de excepção terminará logo que, de acordo com a nova Constituição Política, estejam eleitos o Presidente da República e a Assembleia Legislativa».

Sabendo-se que os deputados da Constituinte terão seis meses para elaborar a nova Constituição Política da República Portuguesa é tendo em conta que as eleições para a Constituinte serão feitas no mês de Março de 1975, não lhe será difícil avaliar a duração do processo.

Pergunta 2:O MFA pretende continuar directamente ligado à actividade política, através de representantes seus no Governo Provisório, após a eleição da Assembleia Constituinte? Se, por exemplo, um dos seus integrantes actualmente no Governo quiser candidatar-se a um lugar de deputado, poderá fazê-lo? Para isso, teria que se desligar definitivamente das Forças Armadas?

Resposta: — A resposta a esta pergunta está em parte dada no n.° 1. Indo o período de excepção até à eleição do Presidente da República e da nova Assembleia Legislativa, será até essa altura que irá também a actividade do Governo Provisório.

Segundo a lei eleitoral, são inelegíveis para a Assembleia Constituinte os membros do Governo.

Pergunta 3:As eleições para a Assembleia Constituinte estão previstas, em princípio, para o próximo mês de Março. Em alguns sectores mais jovens dos partidos de esquerda inicia-se, porém, um movimento anti-eleitoral. Fala-se, por exemplo, em dificuldades técnicas para a feitura do necessário recenseamento do corpo eleitoral, o que justificaria um adiamento das eleições. O que há de verdade a este respeito?

Resposta: — Como o Paulo Sotero tem tido oportunidade de verificar, vivemos num país livre: as pessoas podem exprimir as suas opiniões, que não têm que ser necessariamente coincidentes com as opiniões do Programa do MFA.

O MFA continua determinado a cumprir escrupulosamente o Programa apresentado à Nação em 25 de Abril, e fá-lo-á; assim, em Março, haverá eleições para a Assembleia Constituinte.

Pergunta 4:Há cinquenta anos não se fazem eleições livres em Portugal. Tampouco se conhecem resultados de sondagens de opinião, que poderiam revelar as preferências dos portugueses. O MFA e o Governo Provisório estão dispostos a correr o risco de uma vitória da direita, o que, obviamente estaria em contradição com a política progressista seguida actualmente?

Resposta: — O MFA tem afirmado desde o 25 de Abril que respeitará a vontade soberana do Povo Português, e está certo que não correrá risco algum respeitando essa vontade.

Pergunta 5:Na prática, os órgãos de Informação do país estão hoje controlados por elementos de diferentes tendências políticas de esquerda. De que maneira o MFA e o Governo Provisório pensam assegurar o livre acesso dos partidos da direita aos jornais, rádio e televisão durante a campanha eleitoral?

Resposta: — A lei eleitoral regula o aspecto que foca na sua pergunta assegurando a igualdade de acesso de todos os partidos políticos aos vários órgãos de informação.

Pergunta 6:Prevê-se a adopção de um sistema de inelegibilidades rigoroso, para impedir candidaturas para a Assembleia Constituinte de elementos da extrema-direita ou comprometidos com o regime anterior? Por exemplo: o sr. Veiga Simão, que foi ministro do Governo de Marcello Caetano e agora é embaixador de Portugal junto à ONU, poderia eventualmente candidatar-se?

Resposta: — O sistema de inelegibilidade está neste momento em estudo a nível governamental; é pois prematura uma resposta a esta questão. Devo-lhe no entanto assegurar que serão tomadas medidas rigorosas. Quanto à segunda parte da sua pergunta, será bom lembrar que nós aceitamos como elementos válidos para a construção da democracia em Portugal todos aqueles que, através dos seus actos têm, desde o 25 de Abril, demonstrado estarem de acordo com o Programa do MFA.

Pergunta 7:Em recente entrevista colectiva à Imprensa o senhor declarou: «Fundamentalmente, o problema hoje essencial de consolidação da democracia é um problema político e não de reivindicações económicas» (transcrito da revista «Expresso»). Estes dois problemas não estariam intimamente ligados? Que medidas o Governo Provisório pensa adoptar para enfrentar um possível aumento do desemprego e a crise económica esperadamesmo por elementos dos partidos representados na coligação governamentalpara o fim do ano?

Resposta: — Não me recordo de ter feito a afirmação que me atribui, e ela até pode ter cabimento num determinado contexto. De qualquer modo, também penso que o político e o económico andam ligados, e que são dois aspectos essenciais. Em breve será anunciado um Programa Económico adaptado às nossas circunstâncias actuais, e pensamos que ele representará, estou convicto, no económico, o papel que o 25 de Abril representou no político.

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Abriu o arquivo 05/05/2014