Discurso na Sessão de Dinamização Cultural do M.F.A. no Sabugo

Vasco Gonçalves

20 de Fevereiro de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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De facto, na verdade, é aqui que eu me sinto em minha casa, entre as Forças Armadas e o nosso Povo.

Eu procurei vir aqui a uma sessão de dinamização das Forças Armadas precisamente porque quero manifestar publicamente quanta esperança e quanta confiança nós temos nesta acção cívica desenvolvida pelas Forças Armadas no seio, em particular, das classes trabalhadoras.

Nós não vimos aqui com intuitos paternalistas, nós não vos vimos trazer a verdade, nós não vos vimos trazer a solução dos vossos problemas, não vimos aqui com intuitos paternalistas, nós vimos aqui aprender convosco, ajudar-vos e aprender convosco, repito, porque é no contacto directo com as populações que as F.A. avaliam das suas necessidades concretas e não na teoria dos livros. Os militares ao deslocarem-se por todo o País contactam com a massa de que eles próprios são feitos. Os militares verificam no local os problemas das populações e quando regressam vão mais conscientes dos seus deveres para com a sua Pátria, das pesadas responsabilidades que hoje cabem aos militares no desenvolvimento deste processo revolucionário que é ímpar, digamos, na nossa história. O Povo Português tem hoje uma oportunidade rara de abrir à sua frente um futuro que tem que ser construído pelo próprio Povo em conjugação com as F.A. Para esse futuro, nós fizemos o 25 de Abril. Nós procuramos dar os passos que necessários for para que de facto possamos construir no nosso país uma verdadeira democracia política, económica e social. Nós consideramos que é uma função fundamental das F.A. vir aqui até vós. Todos os militares desde o oficial ao soldado, ao modesto soldado. O militar antes de mais é um educador mas os educadores têm que aprender com aqueles que procuram educar, com aqueles que procuram ensinar, com aqueles que procuram ajudar. Só assim desempenharão eficazmente as suas funções de educadores. Os militares quando regressam, quando regressam destas sessões, eles próprios vão mais politizados, vão mais conscientes das suas tarefas, vão mais democráticos; nós também democratizamos as F.A. com estas sessões de esclarecimento cívico da nossa população, e fortalecemos assim a unidade Povo—F.A. que é uma condição fundamental do nosso progresso, do nosso progresso em paz e sem tiros.

Infelizmente nós não vos trazemos no bolso as soluções dos vossos problemas, que vos afligem há centenas de anos, mas auscultamos as populações, fazemos um inventário, ficamos com a ideia das suas necessidades, apontamos, e isto é fundamental, o caminho da tomada de consciência acerca das forças que se opõem à satisfação das necessidades mais elementares do nosso Povo. Apontamos o caminho da associação, do associativismo, da união que faz a força, o caminho da libertação de mitos ancestrais que amedrontam tanta gente de há tanto tempo, apontamos as mentiras, desmascaramos calúnias a respeito dos nossos soldados, mas também há crucifixos, os nossos soldados também se deslocam a vós com crucifixos ao peito. Se é assim, se é assim porque nos caluniam, porque chegam a dizer que demos ordens para retirarmos os santos e os crucifixos? Quem espalha essas calúnias? É quem está interessado em que o nosso Povo não se liberte. Antes do 25 de Abril, por exemplo, não havia trabalhadores do campo organizados em sindicatos. Hoje que vemos nós? A ideia sindical expande-se, os trabalhadores aprenderam que através dessa união poderâo defender os seus interesses e os do País que são os mesmos. E assim no distrito de Beja, por exemplo, há neste momento as maiores searas de sempre. Isto é devido a quê? Ao 25 de Abril e à tomada de consciência que a nossa revolução vai dando ao nosso povo. Isto é tremendo para quantos tratavam dantes as classes mais desfavorecidas como os senhores feudais tratavam os seus servos. Em contacto com o nosso povo, mais firme na unidade Povo—F.A. os nossos militares aprendem na prática aquilo que já há pouco vos disse. E como têm o coração generoso, o espírito puro, isenção e devoção à Pátria próprio dos militares, da ética militar, eles voltam profundamente sensibilizados com o que viram, com o que aprenderam e assim são reforçadas as forças do progresso em Portugal.

É isso que alarma a reacção, é isso que alarma os homens ligados às antigas estruturas político-económico-sociais, esta é uma característica verdadeiramente original da nossa Revolução que entre outras coisas tomará muito difícil o aparecimento de um ditador qualquer em Portugal. É preciso que o país medite no alcance formidável desta dinamização cultural feita pelo M.F.A.

Nós desejamos passar às realizações práticas, desejamos trazer um verdadeiro apoio material às populações quer no campo sanitário, quer no campo da engenharia, etc., mas isso não é fácil de montar, de organizar, leva tempo. Esperamos que não sejam impacientes e compreendam que temos dificuldades na montagem e na organização dos nossos serviços.

Estamos, por exemplo, recebendo equipamento que vem de África, que vem dos antigos territórios ultramarinos. Esse equipamento chega a Portugal, tem que ser reparado, tem que ser posto em condições de funcionamento para ir dar apoio às populações, mas é esse apoio que nós desejamos dar, e desejamos dar continuidade. Quer dizer, nós pensamos que a partir do 28 de Setembro quando as FA. puderam sair amplamente dos quartéis julgamos que a partir dessa data, um caminho novo se abriu, na dinamização do nosso país.

Eu gostaria também de dizer o seguinte: por Povo nós não entendemos apenas as classes trabalhadoras mais desfavorecidas, nós entendemos também uma pequena burguesia, uns quadros da média burguesia, os homens da cidade e do campo, todos aqueles que não estejam interessados em explorar nas condições que nós todos sabemos como eram antes do 25 de Abril, todos aqueles que não façam da sua vida, não tenham por fim na sua vida, a exploração do Povo Português.

Todos esses cabem na nossa concepção de Povo. Portanto na nossa concepção de Povo cabem todos aqueles que querem lutar por uma instauração duma verdadeira democracia económica e social no nosso país. Nós não somos sectários e quando nós damos relevo sobretudo às classes trabalhadoras é porque isso está inscrito no Movimento das Forças Armadas.

Esse foi o maior motivo que nos levou a fazer o 25 de Abril.

Há quem critique a dinamização cultural, há quem aponte defeitos nossos, — nós, de facto, temos defeitos — mas, o traço fundamental, o traço que mais caracteriza a nossa acção é positivo; mesmo que mais não fizéssemos, bastavam estas conversações, este estreitamento de relações, esta amizade que se forma entre os militares e a população, para que estas campanhas já tivessem bastante valor.

E quem é que não está interessado nestas campanhas? São precisamente os que estão interessados em manter o Povo no desconhecimento dos seus interesses, das causas da sua situação, de que têm à sua mão um destino a construir, porque, o destino da Pátria Portuguesa tem de ser construído pelos Portugueses. Não é o M.F.A. que isolado, constrói o destino da Pátria Portuguesa. É o M.F.A. e sois vós; sois sobretudo vós, porque como Portugueses, sois os principais interessados na construção de um novo Portugal.

Nós desejamos que o Povo Português seja um sujeito activo da sua própria História; quer dizer: que ele próprio forje o seu destino e que não seja apenas um objecto passivo na História. Nós queremos que ele seja, de facto, o motor da sua própria História, em estreita ligação com as Forças Armadas Portuguesas.

Vivemos um período de grandes dificuldades e é natural que todos nós tenhamos graves preocupações.

Herdamos uma pesada herança, vivemos num contexto em que há graves dificuldades pela Europa fora; estamos agora como que a apanhar com a ressaca toda de problemas que se acumularam durante 48 anos. Eles eram tantos, e vós bem o sabeis!

Entre esses problemas, entre essas preocupações que mais estão presentes na nossa mente, eu desejaria salientar alguns: um deles, é o do saneamento do aparelho administrativo público. Nós herdámos um aparelho administrativo em que o Estado não estava interessado em que a função pública fosse dignificada, competente e apta; estava, apenas, interessado em que a função pública servisse os interesses dos grupos dominantes e, portanto, que fosse apública, não tivesse um verdadeiro entusiasmo pela coisa nacional, etc.

Tudo isso se reflecte hoje. Sem uma Administração galvanizada por um projecto de desenvolvimento para o futuro nós temos grandes dificuldades em andar, de facto, para a frente. Isso está directamente ligado ao saneamento, falando genericamente.

É preciso que tenhamos à frente da função pública, como das empresas, pessoas capazes, dinâmicas, pessoas embuídas do espírito do 25 de Abril, pessoas que queiram, de facto, formar um Portugal Novo.

Temos muita burocracia, muito legalismo; há muitas pessoas que, habituadas ao anterior, não assumem verdadeiramente ás suas responsabilidades; têm medo das responsabilidades e então dão-se muito à burocracia e ao legalismo, mas é preciso vencer isso, é preciso que os melhores sejam colocados à frente dos lugares mais importantes. É preciso que tenhamos, de facto, uma democracia da competência.

Aí nós compreendemos a ansiedade que por vezes notamos, no país, no que respeita ao saneamento. Nós, recentemente, aprovámos uma nova Lei de saneamento; o saneamento passou a uma responsabilidade maior das Forças Armadas.

Mas o saneamento não é a perseguição vesga, nem vingativa. Temos que ter presente que todos os homens são transformáveis. Queremos gente competente. Não devemos sanear cegamente porque então, nesse caso, não seremos justos; seremos injustos; e com injustiça nos nossos actos, comprometemos o nosso futuro, comprometemos o ideal por que nos batemos. Nós temos, permanentemente, de procurar ser lúcidos e justos e admitir que as pessoas se transformam; que muitos daqueles que julgamos nossos inimigos, e o são na prática, o são porque não foram esclarecidos, porque foram criados num determinado estado de circunstâncias. Nós próprios, que aqui estamos, também combatemos os Povos para cuja libertação contribuímos no dia 25 de Abril. Nós também nos transformamos!

A tolerância não significa fraqueza, pelo contrário, os que são fortes é que são tolerantes; são seguros, são calmos, são tranquilos.

Mas, sanear não é só afastar pessoas. De maneira nenhuma... Eu tentei mostrar que não é isso o saneamento; saneamento é, sobretudo, reformar as estruturas, modificar os processos, galvanizar com o nosso entusiasmo para que possamos construir um Portugal Novo.

E precisamos de o construir de facto, mas, ele só se pode construir com homens que sejam competentes, com homens que sejam verdadeiros militantes. Nós precisamos que a função pública seja galvanizada por verdadeiros militantes.

Nós não podemos oferecer altos salários à função pública, como, aliás, ao nosso Povo. Nós só podemos prometer dificuldades e sacrifícios. Simplesmente, os sacrifícios devem ser repartidos por todos.

Mas, em compensação, podemos prometer o nosso ideal — que é o vosso ideal — e nós não vivemos só de pão. Sabemos muito bem que os homens são capazes de viver para além do mínimo de subsistência por ideais.

Nós precisamos desses homens com ideal, na função pública. É esse o sentido do saneamento que queremos imprimir. Queremos trazer até nós os homens que têm o verdadeiro sentido do ideal democrático e revolucionário do 25 de Abril para as responsabilidades que estejam à altura do seu ideal e para que trabalhem no sentido do progresso que nós necessitamos.

Portanto o saneamento não deve alarmar ninguém. Há pessoas alarmadas com ele! Mas porquê, quem é que se alarma com saneamento? Só quem tenha problemas de consciência. Mas, os que tenham confiança nas virtualidades da nossa revolução não se devem alarmar com isso porque esse é o caminho de colocar os competentes, os honestos e os homens de ideal, à frente de todos os lugares quer públicos, quer mesmo privados — quer Casas do Povo, Sindicatos, Associações, etc., ao serviço da nossa Pátria.

Nós vivemos grandes dificuldades económicas; estamos pagando os custos políticos e económicos da Revolução que fizemos e ainda não temos realizado, na prática, aquilo que desejaríamos ter realizado; mas nós não podemos, de um momento para o outro, transformar o País. Temos procurado dar passos, passos nesse sentido, e têmo-los dado. Não serão os que desejaríamos já ter dado, mas têm sido os passos possíveis. É preciso termos consciência disso; é preciso termos consciência de que isto é uma luta quotidiana, travada a todos os níveis; é uma luta profunda, temos de ter consciência disso; todos os dias temos que obter pequenas vitórias; não nos devemos impacientar, mas temos de ter consciência que de facto vivemos uma situação económica bastante difícil.

Nós, por exemplo, sentimos todos, em particular vós porque tendes outro nível de vida, a alta do custo de vida. Mas não podemos modificar isso sem mexer a fundo nas estruturas da produção, sem metermos a mão nos circuitos de distribuição, sem atacarmos a especulação; mas a inflação é própria de um certo sistema económico-social.

Nós não mudamos radicalmente as condições de vida em Portugal; tudo faremos para que essas condições venham a ser modificadas à medida que o nosso país amadureça para os passos que deve dar.

Mas nós não somos nenhuns revolucionários loucos que pensemos que, de um dia para o outro, trazemos a lua e a terra e o paraíso aos Portugueses. Ainda teremos por largo tempo que aguentar com a inflação. Teremos que aguentar com ela. Nós procuramos tudo fazer para diminuir a taxa de aceleração, para que ela não aumente. E não é com a fiscalização que nós dominamos o alto custo de vida. Nós sabemos isso. No entanto, a vigilância popular, quanto à especulação é muito importante, para não deixar aumentar os preços mais do que aquilo que não conseguimos evitar realmente. Quer dizer, é a população organizando-se em comissões de bairros, ou comissões de moradores, associações de diversos tipos, em suma; sois vós que tendes de conversar entre vós como vos haveis de organizar para evitardes a especulação, para que, no mínimo, sejam cumpridos os preços que estão estabelecidos pelo Governo, pelo Estado. Aí tendes um grande papel a desenvolver. Mas isso custa; dá trabalho; dá aborrecimento; dá quezílias; dá questões. Mas não podemos esperar que a democracia nos seja servida numa bandeja dourada. Ela tem que ser conquistada a pulso por todos vós.

Nós também temos falta de investimento privado. Queixam-se, dizem que têm falta de confiança no nosso processo. Mas, a grande parte daqueles que dizem que têm falta de confiança em nós é gente que espera fazer voltar este processo para trás. Mas este processo não voltará para trás. Nós temos problemas também com essa gente que tem grandes propriedades e que não cultivam e que precisam de um exemplo desses famosos trabalhadores alentejanos, que são eles que dão o exemplo de luta pela defesa e pelo desenvolvimento da nossa produção. Eles lutam pelos seus interesses, quando vão trabalhar, quando vão apenas exigir um salário para não estarem desempregados. Eles lutam pelos seus interesses mas esses interesses coincidem com os interesses da nossa Pátria. São eles que, nesse campo, defendem a produção, defendem a estabilidade, defendem o desenvolvimento da produção. Vós todos sabeis como as carências alimentares, em matérias alimentares básicas, são grandes entre nós, que herdamos essas carências do fascismo. Nós temos que desenvolver imenso a produção agrícola e essa produção só pode ser desenvolvida com o trabalho dos portugueses. Isso é um exemplo para todos nós. E tem sido essa a luta generosa desses trabalhadores alentejanos, e que mais não têm exigido que o seu próprio salário.

Nós temos também problemas com empresas. Nós sabemos que herdámos uma estrutura empresarial muito distorcida. Nós sabemos isso. Sabemos que havia gente que não estava à altura de dirigir as suas empresas. Mas outros estão à altura de dirigir empresas. Uma empresa é um património nacional, é uma agremiação, é uma unidade que necessita do trabalho dos portugueses. Mas do trabalho dos trabalhadores e do trabalho dos empresários. É preciso que haja consciência disso e que todos assumam as suas responsabilidades. Que os empresários assumam as suas responsabilidades e que os trabalhadores também assumam as suas responsabilidades. Os empresários— que são verdadeiros empresários — não se demitem e investem o produto do trabalho da sua empresa no desenvolvimento da sua própria empresa. Os empresários que se demitem não estão, de facto, à altura do momento que vivemos. Os trabalhadores têm que ser um exemplo permanente da consciência que é preciso, de facto, garantir a produção. Garantir a produção para a estabilização da nossa economia. De vós depende muito que a nossa economia continue a viver nas condições em que estamos envolvidos sem ter chegado ao tal caos e à tal desgraça que nos agoiravam. Isso deve-se em grande parte ao trabalho dos trabalhadores. Eles têm tido essa consciência cívica. É claro que hâ muita gente que não está interessada no desenvolvimento do nosso processo. Entre nós e lá fora, desencadeiam-se campanhas de calúnias a nível internacional contra nós; quando nós vivemos como toda a gente vive: na tranquilidade que vivemos fizemos uma revolução sem um tiro.

Outro problema que nos preocupa bastante é o desemprego. É certo que esse desemprego não é só nosso. El um mal de toda a crise geral que o capitalismo atravessa. Mas simplesmente nós com isso não resolvemos os nossos problemas. Temos, de facto, esse problema do desemprego e temos de encará-lo seriamente. Os boatos e as afirmações pouco claras, com fins duvidosos; o desenhar um panorama de intranquilidade em que nós não vivemos de facto. Chega-se até a falar que estamos à beira da guerra civil. Onde é que isso se verifica? Pois se nós depois do 25 de Abril tivemos duas mudanças de Presidência da República, sem sequer impormos o recolher obrigatório. Não há aqui a maior prova da nossa tranquilidade?

Quando vos agitarem com esses papões, cheguem-se às Forças Armadas no mínimo. Vejam a sua tranquilidade, vejam a sua calma e a sua segurança e logo terão as palavras de conforto que alguns angustiados receberão imediatamente. Nós vivemos num clima de tranquilidade. Temos de facto lutas, a nível salarial, a nível de saneamento, etc., mas isso não significa que não haja tranquilidade pública, que não haja tranquilidade nas ruas, que não vivamos a nossa vida, que não sejamos um povo pacífico, um povo ordeiro. Não nos deixemos dividir por isso. Isso é muito importante; não nos deixemos dividir. É a unidade, a unidade do povo português com as Forças Armadas que poderão garantir um processo que se desenvolva num ritmo pacífico, num ritmo sereno, embora isto seja ou possa ser considerado paradoxal em face das lutas e dos problemas que nós hoje verificamos ou nas fábricas ou no campo, etc. Mas nós temos que ter a consciência que vivemos uma revolução, que se têm operado apreciáveis transformações no nosso País e que tudo isso se tem operado sem tiros. Isto é muito importante. Temos que ter a consciência que não vivemos como se tivéssemos instaurado um sistema político, económico-social há longos anos é que estivemos a viver1 os benefícios desse sistema. Nós não vivemos assim; nós vivemos uma revolução. É natural, portanto, que as pessoas falem de política, se agitem, se interroguem — tudo é natural, temos de compreender que isto é natural, para que nos possamos mover com calma e serenidade dentro das circunstâncias que vivemos.

Gostaria de falar noutro problema, que também me preocupa, que é o do desenvolvimento de tendências extremistas e muito esquerdistas entre as classes trabalhadoras. Penso que isso não contribui para a unidade dos trabalhadores, nem para a sua lucidez. Essas tendências podem encontrar entre nós um campo fácil, em virtude de que estivemos 48 anos despolitizados. Mas os trabalhadores devem ser sensatos, ser lúcidos, analisar conscientemente a situação que vivem, porque se entrarmos no campo da demagogia ou do extremismo, podemos comprometer este processo, porque temos hoje mais do que nunca que consolidar a democracia entre nós. Consolidar a nossa economia. Nós não podemos dar com a nossa economia em pantanas. Nós temos de a consolidar. Não se exige só sacrifícios dos trabalhadores, é preciso exigir-se também sacrifícios dos detentores do capital. Isso é verdade e eu sei que causa uma certa perturbação não se ver passos, digamos, dados mais firmemente no sentido de exigir também os sacrifícios aos detentores do capital. Eu sei que podem ser feitas essas críticas, podem até acusar-nos de brandura; mas, se há de facto confiança no Movimento das Forças Armadas, pensemos, antes de mais, na economia nacional, não vivamos só o âmbito restrito, limitado, da nossa empresa, mas vivamos à escala nacional. Pensemos que a economia nacional é feita da produção de todas as empresas portuguesas, quer na cidade, quer no campo. Pensemos que devemos consolidar, de facto, a produção, porque isso nos libertará de problemas imediatos a resolver e podemos dedicar-nos a outros, aos problemas das relações de trabalho, aos problemas das condições sociais de trabalho, etc. Não estou aqui a falar de maneira oportunista. Eu peço é atenção para as nossas realidades. Nós não estamos interessados em voltar atrás. Nem o Movimento das Forças Armadas o permitirá. Nós andaremos para a frente. Precisamos de dar passos firmes, sólidos e seguros. É preferível dar esses passos seguros, sólidos, firmes e numa cadência certa, do que darmos cambalhotas para a frente e depois voltarmos para trás.

Julgo que essas tendências extremistas não devem ser combatidas como qualquer coisa do demónio que aparece à nossa porta. Tem-se, antes, de procurar esclarecer, procurar mostrar os vossos pontos de vista, procurar mostrar a razão da vossa causa. Recuperar essa gente, esses trabalhadores, mostrar-lhes que já passou a idade do infantilismo nestes problemas. Temos de ter lucidez, sermos adultos, sermos conscientes. Isso obriga a quê? A que os assuntos sejam encarados frontalmente, entre uns e outros, a que sejam discutidos, a que haja muita paciência na discussão desses assuntos, a que haja tolerância. Mas que haja, também, firmeza. É preciso firmeza no combate a tendências que podem ser prejudiciais às classes trabalhadoras.

Há uma série de problemas sócio-profissionais em que tendes os vossos interesses comuns. E deveis discutir os vossos interesses. Não vos deixeis dividir por questões ideológicas de lana caprina; questões ideológicas funda» mentais, sim. Essas ou outras. Mas pensai que tendes os vossos interesses sócio-profissionais. Pensai que os pequenos empresários também têm problemas, quando lhes fazem exigências que eles não podem satisfazer e que dessas exigências pode resultar o fecho de uma pequena empresa e vós ficardes no desemprego. Pensai que os pequenos e médios empresários também são vítimas dos grandes. Eles também são vítimas dos grandes. Não quer dizer que entre eles não haja uns melhores e outros piores; isso há, como entre todos nós. Mas, simplesmente, na situação portuguesa actual, esses pequenos empresários, esses médios empresários, são homens que têm interesses comuns convosco: manter em funcionamento as empresas. Isso é basilar. E como nós temos uma estrutura distorcida, muito distorcida, acontece que há pequenas empresas que não comportam aumentos salariais exagerados. Temos de ter a noção disso.

Eu não estou aqui a pedir sacrifícios às classes trabalhadoras. Estou a pedir lucidez e sensatez e, sobretudo, amor à Pátria, que é amor de uns pelos outros. Para que possamos construir o futuro.

E é preciso, também, muita atenção àqueles que metem cunhas no nosso seio para nos dividir. A isto é preciso muita atenção: é a tal vigilância popular de que tantas vezes falo. Não é uma vigilância pidesca; é uma vigilância que se exerce, falando abertamente às pessoas: «porque é que você me está a dizer isso? Porque é que você foi dizer àquele, nas minhas costas, isto e aquilo, e não mo disse na minha frente?» Novas relações têm de se estabelecer, relações de verdade, relações de honestidade entre uns e outros. Devemos desmascarar imediatamente a mentira, porque essa mentira divide-nos. A união faz a força — nós aprendemos isso nos bancos da escola — e temos de levar isso à prática. Temos que nos convencer de que para criarmos um Portugal para o futuro precisamos de uma ampla unidade entre todos os portugueses que estejam interessados nisso. Só não cabem na nossa unidade aqueles que sabotam a economia, aqueles que não estão interessados na produção, aqueles que metem o dinheiro lá fora, aqueles que tratam mal os que trabalham. Esses não cabem na nossa unidade. Mas os outros que têm consciência dos seus deveres perante os trabalhadores, os quadros, os produtores, os que são conscientes dos deveres para com a sua Pátria, esses todos cabem na nossa unidade. E nós devemos formar a nossa unidade com todos eles, porque todos são necessários.

Outro problema que me preocupa: a descolonização. Nós fizemos estes acordos todos num tempo quase recorde. Eu penso que é uma vitória extraordinária do Movimento das Forças Armadas. Os nossos militares deixaram de ir para a guerra e vão para a paz. Mas não quer dizer que não possam, ainda, ter de combater; porque nós temos deveres a cumprir no Ultramar; deveres a cumprir de acordo com os compromissos que assumimos. Estamos a desenvolver um processo de descolonização que é ímpar na História. Assistimos a isto: o País só perdeu com a política colonial. Alguns terão ganho, aqueles que tinham lá grandes capitais e que os deslocaram até para fora de Portugal. Esses ganhavam com as Colónias. Mas o povo português nunca ganhou com as Colónias. E herdámos um passivo tremendo — um passivo tremendo! — nesses territórios. E, mesmo assim, celebramos acordos.

Eles contribuíram para a sua libertação; não foi só o Movimento das Forças Armadas. Isto é um processo que parece esquisito, mas não é. Nós e eles contribuímos tanto para a libertação deles, nas antigas colónias portuguesas, como para a nossa libertação, aqui em Portugal.

Mas descolonizar não é abandonar. Nós temos encargos a cumprir; nós temos ajudas a prestar. Estão a construir-se novas pátrias de expressão portuguesa no Ultramar. Em África nós temos hoje uma aceitação que não tínhamos. O dinheiro do nosso povo continua hoje a ir para o Ultramar; é preciso que tenhamos a consciência disso. Das verbas do Estado português, do nosso Orçamento, vai dinheiro para o Ultramar. Porque esses povos também ficaram na miséria, depois da política do fascismo. E se nós queremos cimentar uma verdadeira amizade com eles e queremos estar à altura das nossas responsabilidades históricas, nós temos que contribuir, hoje, ainda, para a vida desses povos. Eles não estão ainda em condições de prescindir do nosso auxílio. E verificamos isto: um pequeno País como o nosso, presta, em relação à sua riqueza, muito mais auxílio do que a quase totalidade dos países do mundo presta aos países atrasados. Mas nós temos deveres históricos para com esses países, porque nós levamos a guerra a esses países. Nós, não! Mas aqueles que nos fizeram levar essa guerra! E nós não podemos voltar as costas a esses povos. E mais: temos lá as nossas Forças Armadas para garantir que nesses países se estabeleçam regimes democráticos. Nós desejamos que esses povos se tenham libertado de nós para serem livres, não para serem oprimidos por outros povos. Portanto, precisamos de contribuir com dinheiro nosso, com dinheiro que é vosso, para isso. Mas é uma necessidade. E isso também pesa no nosso nível de vida. São menos casas que aqui construímos, ou menos estradas, ou menos escolas. Mas nós temos um dever para com esses povos.

Mas, por outro lado, isso pode, até, vir a dar-nos boas condições para o futuro. Nós, hoje, verificamos que vem muita gente desses territórios. Pois é natural; há muita gente que é incapaz de se adaptar às novas relações sociais que foram criadas nesses territórios, Há pessoas que só viviam de explorar os pretos. Outros, não. Há pessoas que não são susceptíveis de se adaptar às novas relações sociais que se estabeleceram com os povos africanos e voltam. Voltam e dizem isto: que as Forças Armadas entregaram um pedaço de Portugal. Isso é uma profunda mentira, porque não há nenhum povo que possa ser livre se oprimir outro povo, se tiver bocados de terra dos outros. E são essas pessoas que poderão fazer uma nefasta propaganda entre vós. Vós deveis estar alerta contra isso. Digo-vos que hoje assiste-se a este movimento: há uns que não se adaptam e que vêm de lá para cá; mas há outros que são mais generosos, que são novos e que têm outras ideias e que vão de cá para lá. Porque eles precisam que vão daqui para lá médicos e que vão daqui para lá técnicos e que vão daqui para lá, inclusive, trabalhadores especializados. Mas é preciso que vão pensando que, por serem brancos, não são mais do que os pretos.

E queria alertar-vos para outra coisa também: é que nós continuamos a mandar soldados para os antigos territórios enquanto tivermos os deveres a cumprir, de harmonia com os nossos compromissos. Nós empenhámos a nossa palavra em acordos com esses povos. E temos de cumprir esses acordos. As relações de amizade com esses povos têm sido muito estreitas e são devidas a que os movimentos de libertação desses povos têm uma grande confiança nesta malta que aqui está. É a malta do Movimento das Forças Armadas. Sem o Movimento das Forças Armadas não era possível conduzir um processo de descolonização como tem sido conduzido. Podeis ter a certeza absoluta disso! Foram os homens das Forças Armadas que estiveram na base deste grandioso processo de descolonização.

Mas eu não acabei: eu queria dizer-vos que os nossos militares poderão continuar a ter de morrer, apesar de termos feito a paz. E isso verificou-se, outro dia, em Luanda. Mas isso não é pela nossa vontade. As nossas tropas estão ali para garantir que a independência desses povos se realize. Nós não desejamos a morte dos nossos soldados; mas temos, acima de tudo, que cumprir com a nossa honra e com os nossos compromissos e não andar- -vos aqui a enganar e dizer: a malta vai para lá agora e não corre riscos. Corre, sim senhor, corre riscos! Mas esses riscos, hoje, são os riscos da paz, são os riscos de uma luta justa e de uma luta honrosa.

E, portanto, sem ser pessimista, mas procurando, acima de tudo, a verdade, os parentes dos rapazes, dos nossos camaradas que vão para a África têm hoje muito menos preocupações, mas não poderão estar completamente descansados e considerar que seja uma traição se alguma coisa acontecer aos seus familiares. Eu não vos venho aqui trazer tintas negras; estou-vos apenas a dizer a verdade, porque, outro dia, morreram camaradas nossos em Luanda, em defesa da paz e não em defesa da guerra.

Nós temos necessidade de austeridade. Falamos muito disso, mas nós ainda não vivemos nesse clima. Mas acabaremos por viver, acabaremos por viver. Essa austeridade deve ser em relação a todos; não pode ser só em relação às classes mais desfavorecidas. Deve ser, sobretudo, até, em relação àqueles que estão mais favorecidos. Por isso nós procuramos carregar os impostos nos artigos de luxo. Nós devemos combater o luxo e a corrupção.

Os problemas com a Igreja: nós não devemos desenvolver uma luta anticlerical.

Nós sabemos que a maioria do nosso Povo é cristão.

Pensamos que cada um tem o direito de ter a religião que quiser ter e que cada um tem o direito de não ter a religião que não quiser ter. Por isso nós nos ofendemos muito e nos chocamos muito com calúnias que se lançam, por vezes, sobre o Movimento das Forças Armadas. Porque isso são verdadeiras calúnias. A Igreja tem, também, um papel fundamental nesta revolução. A Igreja deve abraçar a nossa revolução e deve ir connosco para os caminhos do futuro. E nós sabemos que isso já vai sendo feito. Portanto, é preciso que haja, também, lucidez nesses aspectos. As ideias combatem-se com as ideias. O problema religioso é um problema que é de cada um.

Uns casam com mulheres que não são religiosas e há mulheres religiosas que casam com homens que o não são; há pais que têm filhos religiosos e outros que os não têm. Vamo-nos dividir por isso? Nunca! Nós nunca devemos consentir divisões no campo da religião e devemos estar alerta contra quem nos queira dividir a propósito deste âmbito da nossa consciência.

Devemos estar alerta.

Temos, ainda, os problemas do ensino que não são só de hoje. Já vêm muito de trás.

Mas não é só pelo facto de haver este ano 28 mil alunos que há problemas na Universidade (28 mil alunos para o 1.° ano). Não é só por esse facto.

Os problemas da Universidade já se arrastam há muito tempo.

Porquê? Porque tínhamos um ensino defeituoso, um ensino ao serviço do fascismo e não um ensino ao serviço da Nação Portuguesa, do Povo Português.

Esses problemas do ensino são muito influenciados pelos estratos sociais dos estudantes.

Os estudantes devem compreender que devem ser tão trabalhadores como os outros e que é o Povo Português quem paga as Universidades e as Escolas; é o Povo quem paga aquela parte das propinas que não é paga pelos estudantes.

Os estudantes são generosos, mas também são facilmente levados por essa generosidade dos 20 anos e «tomam a nuvem por Juno», quer dizer, vêem a realidade onde está a ilusão.

O trabalho dos estudantes conscientes, é na Universidade, é nas Escolas.

Nós sabemos que as relações entre os professores e os estudantes devem ser modificadas e têm sido modificadas. Mas também se não podem inverter as relações entre professores e estudantes; os estudantes não podem passar a mandar nos professores, nem estes devem mandar nos estudantes; deve haver relações de respeito mútuo.

Os professores devem ter a consciência de que devem assumir as suas responsabilidades, pelo seu exemplo e pela sua competência.

Nunca vi estudantes desrespeitarem professores competentes e capazes. Se os desrespeitam é porque há acções perniciosas no seio dos estudantes que é preciso combater.

E são todos os portugueses que podem contribuir para o combate a essas tendências e essas acções que há entre os estudantes e que os levam até a chamar fascista ao M.F.A.

Então eles tratam-nos como antes tratavam os verdadeiros fascistas?

Como é isso possível? É aí que está a verdadeira unidade nacional? É esse o caminho do progresso e do reforço da democracia?

Nós aprovamos decretos sobre a gestão de Universidade e sobre gestão das Escolas, que são dos mais democráticos que existem na Europa; que têm em consideração a participação dos estudantes e dos professores, mas esses decretos são para gente capaz, para gente consciente, para gente sensata.

É preciso que, no seio dos estudantes, se desenvolvam forças suficientemente progressistas e forças capazes de os esclarecerem, de lhes mostrar que eles, assim, com acções como estas, de considerarem o Estado Português vigente como um Estado fascista, praticam acções que não reforçam a unidade dos Portugueses, nem a nossa Democracia. E essas acções estão intimamente ligadas aos estratos sociais a que os estudantes pertencem; eles devem fazer um esforço para compreender verdadeiramente a Revolução que hoje se está a passar em Portugal. Nós sabemos que esses problemas não são só dos estudantes portugueses. Lá fora também tem havido estes problemas e nos países mais diversos, desde uma França a uma Argélia que era um país muito atrasado, que estava num nível de atraso parecido com o nosso.

Nesses países houve necessidade de levar a verdadeira realidade da vida aos estudantes. É isso que nós pretendemos com o Serviço Cívico. O Serviço Cívico não é um mero expediente; evidentemente que tem havido dificuldades em o implantar; ele não estava logo na nossa mente quando fizemos o 25 de Abril. Foi o próprio desenvolvimento do processo revolucionário que nos levou a pensar nesse Serviço. Mas ele é eminentemente patriótico porque os estudantes, através dele, contactam directamente com o nosso Povo. É um Serviço semelhante ao Serviço Cívico das Forças Armadas.

As Forças Armadas, através deste Serviço, contactam também com o Povo.

Ele não se destina a substituir o Povo; destina-se, sim, a ilustrar, a mentalizar os estudantes de que a Cultura e o conhecimento não se aprendem só nos livros. É preciso também trabalhar, e trabalhar no duro, para conhecer; e é preciso compreender que há analfabetos que têm muito mais cultura do que tipos ilustrados.

Eu desejaria também declarar aqui, solenemente, que este ano não haverá passagens administrativas. As Finanças Públicas não se compadecem com isso, nem o conhecimento. Os próprios estudantes devem procurar, em colaboração com os seus professores, descobrir os melhores métodos de avaliação de conhecimentos. Eles não devem negar os métodos de avaliação de conhecimentos. Eu compreende muito bem o antigo ódio que os estudantes tinham aos exames.

Os estudantes, devem ser eles próprios a ter brio e honra nos conhecimentos que aprendem na Universidade; devem ter a consciência de que são também uns trabalhadores e, quando estão na Universidade a trabalhar, o Povo aguarda que eles saiam, no fim dos seus cursos, como homens competentes e capazes.

Eu desejaria falar também num outro aspecto que agora está causando perturbações no nosso País: são as ocupações dos prédios em construção, por exemplo, ou das casas desocupadas.

Considero que isso, embora corresponda à aspiração justa duma casa, a que todos têm direito, não consolida a nossa Revolução. E eu pergunto que lógica há em ocupar um prédio que está em construção, um prédio que não tem água, não tem esgotos; que não tem nada, nem paredes sequer?! Eles gozavam dumas barracas e vão viver para outras. Isso é consciência de trabalhadores?

Pois bem! Os estudantes devem ser os trabalhadores mais conscientes.

E quanto ao Povo que vive nas barracas deve ser consciente também e não tomar casas sem condições ou que lhes não foram atribuídas.

É que assim, nem os estudantes nem aqueles estão a combater pela boa ordem; estão a agravar as condições em que vive o nosso País; estão a prejudicar a produção porque quando eles tomam os prédios, os trabalhadores da construção ficam desempregados.

Parece-me que isto se mete pelos olhos dentro: que lucra mais um indivíduo que vai para dentro de um prédio que só tem pilares e pavimentos e em que o ar entra por todos os lados e em que não tem um sítio onde fazer as suas necessidades, do que viver numa barraca?

Que forças estarão a promover isto? Será a consciência do Povo que está a levá-lo a estas acções, ou será antes a sua inconsciência?

Não será preciso auxiliar e esclarecer essa gente? Será demagogia o que estou a dizer?

E desejaria focar, ainda, um assunto muito importante.

Penso que o momento histórico que estamos a viver é um momento comparável a 1820, a 1836, a 1910.

Nessas datas, perspectivas se abriram ao futuro dos Portugueses e essas perspectivas foram iludidas.

Pois bem! É dever de honra das Forças Armadas e de todas as forças progressivas e patrióticas do nosso País que não deixem quebrar-se essa esperança: que nós, desta vez, não percamos o nosso futuro. E é preciso termos a consciência do momento em que vivemos.

Nós vivemos um momento histórico; um momento como não viveram os nossos pais; como não sabemos se viverão os nossos filhos!

Estes momentos são raros na História Portuguesa. É preciso que tenhamos consciência disso e é preciso que, tendo a consciência de que somos os construtores do nosso futuro, saibamos dar os passos com lucidez. E dois homens são mais lúcidos que um só.

Não esqueçamos de que é conversando entre nós, discutindo, procurando os caminhos que interessam à nossa Pátria, que podemos resolver os problemas.

O facto de muitos Portugueses não saberem ler não quer dizer que não sejam lúcidos; eles aprenderam na sua vida prática; eles sabem resolver os seus problemas quotidianos; eles sustentam a sua família; há muita gente que não sabe ler nem escrever e manda os filhos estudar. Os filhos dessa gente nunca devem abandonar os seus pais; nunca devem renegá-los.

O MFA, nestas sessões cívicas, tem verificado que há zonas em que, infelizmente, os filhos estão muito separados dos pais; estão muito separados do estrato a que os seus pais pertencem.

É um dever de honra dos filhos dos trabalhadores, honrarem-se com a sua ascendência.

Há um outro problema também muito importante para o Povo Português: é definir bem quem é o seu inimigo, porque há uma coisa que não devemos esquecer. Eu penso, mesmo, que os nossos partidos políticos devem ter isso em atenção: é que a reacção e o fascismo ainda não morreram em Portugal: ainda não estão completamente batidos. Temos de ter isso bem presente.

Isso vê-se até em actividades quotidianas: homens que não querem, deliberadamente, cultivar as suas terras, ou gente que não trabalha na função pública como deve trabalhar. Tudo isso são variedades de fascismo ou de reacção.

Gente que queira viver como antes — nós hoje não podemos viver como vivíamos antes do 25 de Abril — não serve. Hoje não podemos ir para a cama descansados como dantes. Temos que ir para casa pensar na nossa Pátria, naquilo que vamos fazer amanhã, naquilo que é preciso fazer pela nossa Pátria. Isso é o dever de todos; não é o dever só das cúpulas, não é o dever só de meia dúzia de indivíduos, não é o dever só do MFA ou das direcções dos partidos políticos. É um dever de todos os Portugueses, é um dever das massas, é um dever vosso porque isto é vosso!

Tendes de ter isto bem presente. É para isto que eu chamo a atenção da vossa vigilância.

Mais uma vez repito. Não é transformar os Portugueses em polícias é antes, de cara bem aberta, olhos nos olhos, criticar tudo o que virdes mal; mas com firmeza e tolerância, estardes alerta de facto contra os que são nossos inimigos, inimigos da nossa Revolução.

Quais são as vias para o Povo Português vencer o seu caminho do futuro e do progresso?

Uma das vias fundamentais é a institucionalização do MFA. Quem vos está a falar é a mesma pessoa que no dia 5 de Outubro do ano passado disse, no Porto, que uma vez instituídas as novas organizações do Estado, o MFA recolhia aos quartéis e, democratizadas, as FA defenderiam a todo o custo a Democracia. Simplesmente, a evolução, a experiência histórica dos meses decorridos mostra que o MFA tem mais alguma coisa a fazer do que isso; que as FA devem ser um impulsionador e um garante da Revolução Portuguesa.

Todos os dias nos chegam apelos de todos os lados para intervirmos neste ou naquele sector da vida nacional. É a confiança que as populações têm em nós; é a capacidade de visão dos militares; é a sua intenção, a sua generosidade e espírito de sacrifício. Tudo isto leva a que o MFA, que as FA, tenham tomado bem consciência da situação no processo que o País está vivendo.

E tenho verificado que o seu papel em conjugação com as outras forças, com todos aqueles partidos que estejam animados dos mesmos desejos que nós, é o único possível. Porque nós não podemos fazer isto sozinhos; a Revolução Portuguesa não se pode fazer sozinha; ela é, praticamente, do Povo Português; o MFA é um aliado de todos aqueles que tenham os princípios que estão no nosso programa; nós pensamos que sobre os nossos ombros há uma grande responsabilidade histórica a cumprir. Nós não desejamos, apenas, mudar as moscas em Portugal e que o resto fique na mesma e julgamos já ter dado bastantes indícios disso.

Nós desejamos, de facto, que o nosso País seja construído com firmeza através dum caminho verdadeiro para a Democracia política, económica e social; não só para a Democracia política. Mas para aquelas também.

Para isso, o nosso MFA tem de continuar a sua tarefa. Ela não termina, quando forem institucionalizadas, quando começarem a funcionar os nossos órgãos de Soberania Nacional que hão-de ser estabelecidos na futura Constituinte.

Nós procuramos que a nossa sociedade seja construída com a nossa própria experiência, não rejeitando, é certo, ensinamentos de experiências alheias mas que seja, sobretudo, um modelo nacional, uma sociedade construída, verdadeiramente, atendendo às condições em que o nosso País vive e às condições internas e externas do País e em relação às condições do ambiente internacional.

Nós desejamos construir, de facto, uma Pátria à nossa medida e à nossa escala. Nós não andamos a copiar modelos alheios; nós queremos construir uma Pátria baseada na experiência que formos tendo e no raciocínio sobre essa experiência que formos fazendo.

Nós queremos ver aplicado o esforço de todos na construção do nosso próprio futuro. Um futuro que seja de independência nacional; aberto a todos, a todos os povos do mundo; um futuro que tenha em consideração toda a abertura que hoje temos em África, por exemplo. Ainda há dias a O.U.A. levantou o embargo das relações com Portugal; quer dizer: hoje, livremente, todos os países de África se podem dar com Portugal.

Nós somos um País pobre, mas, a maneira como temos descolonizado, dá-nos um grande valor moral, uma grande autoridade moral em África.

Estão-se construindo novas pátrias de expressão portuguesa em África; nós deixámos lá tudo, nós não trouxemos nada de lá!

Isso foi e é um grande exemplo para todo o mundo. Devemos ter isso em atenção nas nossas futuras relações internacionais.

Essas relações devem ser caracterizadas pela Independência Nacional. Devemos procurar ser um País independente, na medida em que é possível ser-se hoje independente no mundo, no contexto em que nós sabemos que o mundo vive.

A primeira base da independência será a nossa base económica e, assim, teremos de fazer um grande esforço na produção de alimentos para evitarmos a dependência em que estamos nesta questão. Alimentos fundamentais em relação aos países estrangeiros. Devemos procurar, nessas matérias essenciais, sermos independentes. Isso não quer dizer que não estreitemos todas as relações que são de estreitar com os países com os quais o possamos fazer.

Mas temos de fazer um esforço para que, na matéria dos elementos essenciais de subsistência, não fiquemos dependentes do estrangeiro. Devemos fazer um esforço sobre nós próprios.

Nós, dentro de dias apresentaremos um Programa Económico e Social.

Pois bem: para que este Programa possa ir para a frente é necessária uma participação activa e impulsionadora do MFA em aliança com todos aqueles que estejam dispostos a ir para a frente connosco. Mas nós pensamos que é fundamental que sejamos impulsionadores e garantes desse Programa Económico e Social. Esse Programa que, dentro de pouco, tereis conhecimento, define orientações gerais; é um instrumento de trabalho, é uma plataforma de compromisso entre o MFA e os Partidos da Coligação.

Sobre esse Programa nós devemos ter uma participação activa; nós, o MFA, para garantirmos que ele vá dentro do sentido segundo o qual foi concebido.

Daí, também, essa necessidade de institucionalização do MFA.

Esse Programa aponta uma via socializante e, dentre outras, eu desejaria salientar, como mais progressivas, algumas das medidas que, a seguir, vou ler:

O controlo do sistema bancário; a lei sobre o arrendamento rural, sobre os baldios, sobre os planos de exploração, sobre os regadios; a nacionalização de algumas indústrias de base; racionalização dos circuitos comerciais, quer dizer, a procura, o estabelecimento de circuitos comerciais entre os produtores e os consumidores que não sejam dominados pelos intermediários parasitas; vamos continuar a reforma fiscal, com diversas medidas da reforma fiscal, como o registo obrigatório das acções, a melhoria das formas de cobrar os impostos, medidas para evitar a fraude e a infracção fiscal, alterações sobre o imposto de doações e sucessões, tributação das profissões liberais de forma a que as classes de mais elevados rendimentos sejam efectivamente tributadas; vai ser definido um código de investimentos estrangeiros e serão definidos os sectores destinados ao investimento privado e ao investimento público.

Porque nós, mais uma vez o repito, nós não somos contra a iniciativa privada. Ao serviço da Pátria, não somos contra qualquer iniciativa. Mas ela tem de estar, de facto, ao serviço da Pátria!

É isso que é preciso que os homens da iniciativa privada tenham bem na consciência.

Vamos, também, lançar uma coerente gestão das participações do Estado. Quer dizer: o Estado tem participações em numerosas empresas. Nós vamos procurar que, dessas participações, o Estado tire os melhores resultados não só sob o ponto de vista económico mas, também, sob o ponto de vista social.

Isto não se faz de um momento para o outro. Julgo que deveis estar atentos para verdes se caminhamos ou não neste sentido.

É essa a medida da honestidade dos nossos propósitos.

Mas não deveis exigir que nós, de um dia para o outro, transformemos este País, que é o mais atrasado da Europa, num País avançado, de nível de vida formidável. Não! Nós não poderemos, de um momento para o outro, dar esses passos — até porque herdámos uma pesada herança.

Mas vós deveis ver, de facto, se damos ou não passos nesse sentido.

Nisso é que consiste o esclarecimento público; isso é que é a verdadeira Democracia porque dantes ninguém podia dizer nada e hoje podeis dizer, podeis não concordar com o Governo e se assim for, podeis dizê-lo abertamente. Nós não levamos isso a mal. Nós consideramos isso a verdadeira participação dos Portugueses no seu próprio destino.

No campo da Segurança Social, temos introduzido e vamos introduzir algumas importantes melhorias aumentando e estendendo as regalias à generalidade da população.

Mas eu quero dizer isto, por exemplo: nós aprovamos ontem o subsídio de Desemprego. Simplesmente, como não somos um País rico, mas devemos ser realistas, temos limites a esse subsídio de Desemprego e, então, não podemos cobrir todo o campo que desejaríamos cobrir. Procurámos, por isso, atender os mais desfavorecidos e que estivessem em piores condições. Mas isto é um exemplo das nossas dificuldades. Nós não somos um País como a França, ou como a Inglaterra ou outros países que têm possibilidade de manter subsídios de Desemprego relativamente elevados em relação aos seus desempregados.

Nós, o que temos, é de mover uma luta muito firme contra o desemprego pela criação de novos postos de trabalho e evitando que, nos actuais, haja desemprego.

Nisso estamos todos empenhados. Mas temos limites, também, no alargamento da Segurança Social ao meio rural, por exemplo. É evidente que temos limites.

Ainda um dia destes as coisas não saíram muito bem na formulação e houve pessoas que julgaram que iam receber um certo aumento quando, afinal, iam receber menos.

Isso não foi demagogia ou propaganda; o actual Governo não usa isso nem o MFA. Isso saiu mal; a gente vai explicar.

Simplesmente nós estamos fazendo um esforço; agora, temos a consciência de que esse esforço, nas condições actuais, não é aquele que gostaríamos de fazer, não é o que satisfaria as classes mais desfavorecidas; mas é um sinal, é um caminho, é um apontamento; e não há nenhum país que tenha feito a sua revolução, tenha caminhado para o futuro sem sacrifícios, austeridade.

Há dois aspectos fundamentais nesta coisa do dinheiro: há o investimento e há o consumo e é claro que, um trabalhador que ganha pouco gasta tudo no seu consumo; até quase que gasta tudo na sua renda de casa! Mas aqueles que ganham bem já podem reservar alguma coisa de parte.

Assim, também, um país: um país que produz mais, já pode reservar mais de parte. Para quê? — Para o investimento; não para o consumo.

Nós hoje estamos a consumir mais e bem mais do que as nossas possibilidades.

Porquê? — Porque havia uma distorção formidável nos salários.

Nós não fizemos este aumento dos salários para um salário mínimo; não fizemos nenhuma coisa monumental; fizemos o que podíamos fazer no momento.

Sabemos muito bem que somos um dos países mais atrasados da Europa. Temos de ter consciência disso; do sacrifício que isso implica; evidentemente que não só a nós como aos detentores do capital. Mas fazemos tenção de que eles também paguem para essa austeridade. E estou-me a lembrar de um fotógrafo que encontrei no Algarve e me dizia assim: «Eu não tinha quase nada; não tinha nada ali ao canto, mas tinha 500 paus e agarrei neles e fui comprar uma «obrigação» dessas do Tesouro; dessas «obrigações» em cuja compra o nosso Povo tem mostrado a sua confiança no regime em que vive porque, rapidamente, foi esgotada a primeira emissão de 3 milhões de contos, não obstante ter havido uma participação dos Bancos, de cerca de 600 mil ou TOO mil contos, e logo nos lançámos numa outra de 2 milhões de contos e se essa for bem recebida, logo nos lançaremos noutra».

O que significa isto?

Significa o aproveitamento da poupança para o Investimento, para a criação de novos postos de trabalho; quer dizer, para o Estado investir em obras de carácter social, de carácter colectivo, para podermos redestribuir, digamos, as desigualdades sociais que não podemos fazer desaparecer de um dia para o outro. É importante que todos tenhamos consciência disso. Se estamos interessados em que elas desapareçam, então temos de ter a noção de que não desaparecem de um dia para o outro.

Isso é muito importante porque, mesmo os nossos inimigos, gozam muitas vezes com a nossa ignorância prometendo «mundos e fundos» e dizendo, «mas, afinal aqueles tipos fizeram o MFA e os preços continuam a subir, afinal, que melhoria tiveram vocês depois do 25 de Abril?»

É claro que houve já uma larga melhoria nas relações sociais, nas próprias relações de trabalho, nas garantias, nas liberdades públicas. Hoje é possível estarmos aqui a falar e isso não era possível antes do 25 de Abril. Isto tem algum preço e nós também vivemos disto!

Nós não nos podemos afogar em demagogia. Mas sabemos que as necessidades materiais, a sua satisfação, é fundamental. Mas quando olhardes para todos esses países onde houve convulsões sociais, grandes revoluções, etc., nesses tempos antigos e bastante antigos, vós vedes que a seguir a essas grandes transformações, houve grandes dificuldades.

É nesse sentido que eu quereria falar da poupança e do investimento.

É claro que um homem que ganha só para subsistir, ou para pouco mais do que isso, não pode investir, não pode poupar. Mas o que já ganha acima desse nível pode poupar. E é a poupança de todos os Portugueses que serve para o investimento da nossa Pátria.

Esse investimento, nas mãos de um Governo honrado e de gente honrada, não é para satisfazer os detentores do capital, mas para satisfazer as necessidades humanas dos Portugueses. É essa a confiança que deveis ter em nós.

Quando nós pedimos austeridade é porque temos a noção das realidades e sabemos que dias duros se aproximam do nosso País. Aliás vós vedes todos os dias por essa Europa fora, milhões e milhões de desempregados. Isso é próprio do sistema. Nós não ultrapassamos o sistema em que vivemos, nem o ultrapassaremos de um dia para o outro.

Nós queremos atingir essa sociedade justa mas, até lá, muito trabalho teremos de produzir, muito osso teremos de roer e teremos de ter uma coisa sempre na mente: é que devemos procurar atingir essa sociedade justa por via pacífica e isso obriga, mais uma vez e repito, à tal sensatez e à tal lucidez — a ver mais ao longe, mais adiante do que o dia imediato.

Se nós estivéssemos, neste momento, a dar os passos irreversíveis para o futuro, nós estávamos a construir uma nova Pátria para todos os Portugueses.

É com o nosso sacrifício, mas é preferível que nos sacrifiquemos assim do que andarmos a ser sacrificados pelos outros, como andávamos antes do 25 de Abril.

É preciso que tenhamos a consciência dos sacrifícios que é necessário fazer pela nossa Pátria para que ela progrida. E também nesse aspecto devemos ser vigilantes porque os sacrifícios não são só para meia dúzia de indivíduos, são para todos; todos se devem sacrificar pela sua Pátria. E quando não se sacrificam, lá estará a vossa vigilância para o verificar.

Eu sei que as classes trabalhadoras não podem ter gastos supérfluos, mas podem-nos ter outras classes que os não devem ter. E vós, pelo vosso exemplo e por essa vigilância, podeis contribuir para que esses mais abastados não gastem no luxo, se envergonhem disso e, no mínimo, não esbangem o dinheiro e tenham a noção que esse dinheiro é «construído» e obtido pelo esforço de todos, tem uma função nacional a servir e é preciso, por isso, pô-lo ao serviço do nosso País.

No que se refere às medidas a curto prazo, esse plano contém, entre outras, as seguintes:

Nisso vós tendes, também, um papel a cumprir, tal como todos os Portugueses. Todos aqueles onde quer que trabalhem têm o dever de estar atentos a que a riqueza criada nos locais do seu trabalho seja investida para bem do País e não seja gasta, superfluamente, no luxo e na opulência.

Pensamos, também, regulamentar as vendas a prestações. Pensamos em controlar os planos de produção e investimento das grandes empresas. Tudo isto está no nosso plano, mas ele não pode ser posto em prática sem o esforço de todos os Portugueses. O Movimento das Forças Armadas, os partidos políticos, todos os que sabem e os que não sabem ler, todos os Portugueses.

Esse plano fica entregue ao esforço comum dos Portugueses.

Finalmente, eu queria dizer o seguinte: aproximam-se as eleições. O senhor Presidente da República já se lhes referiu com o devido relevo.

Nós necessitamos de uma nova Constituição pois não podemos continuar a ser regidos por aquilo que não foi revogado pelo Programa das Forças Armadas. Não podemos continuar a ser regidos, pois, pela antiga orgânica do Estado; necessitamos de uma nova Constituição verdadeiramente democrática e em que estejam garantidas as conquistas obtidas.

A nova Constituição não pode ir contra as garantias e as conquistas que o Movimento das Forças Armadas e as forças progressistas, em Portugal, já obtiveram para o Povo Português. Essa nova Constituição não pode atraiçoar o espírito do Programa do Movimento das Forças Armadas. Isso é preciso que fique na cabeça de todos nós; a nova Constituição não poderá atraiçoar o espírito do Programa das Forças Armadas. Só assim se garantirá a liberdade do Povo Português.

O voto do Povo Português não vai ser exercido contra a liberdade; tem de ser exercido pela liberdade. Nós não vamos perder, por via eleitoral, aquilo que tanto tem custado aos Portugueses. Por isso, os programas dos partidos devem ser progressistas; programas que tenham em conta, precisamente esses objectivos.

Eu, daqui, permito-me exortar os partidos políticos portugueses, quaisquer que sejam, a ultrapassarem as suas divergências e a lançarem-se numa campanha de esclarecimento do Povo Português.

Que a Campanha Eleitoral não seja uma campanha de ódios, mas sim de esclarecimento do Povo Português, de unidade.

Os partidos políticos ainda têm muito que se unir, ainda têm de se unir contra a reacção e o fascismo que não desapareceram em Portugal.

A Campanha Eleitoral deve decorrer em ambiente de serenidade e de lealdade para com o Povo Português;

deve decorrer em ambiente de verdade, de transparência. A política dos gabinetes e dos corredores deve desaparecer para sempre do nosso País. A política deve ser transparente para que o Povo veja bem e aprenda; aprenda nos comícios políticos, nas sessões de propaganda eleitoral, etc.

O Povo não deve ser enganado; não foi para isso que o Movimento das Forças Armadas fez esta Revolução. O Povo deve ser esclarecido e esclarecer-se de maneira transparente. Nisso tem um grande papel a Informação.

A Informação também deve esclarecer o nosso País de maneira transparente. Não se deve dar punhaladas nas costas do Povo Português, como uma vez afirmou o brigadeiro Otelo. O Povo Português deve conhecer, transparentemente, todos os programas dos partidos políticos, todos os seus objectivos. A Campanha deve ser leal, serena e tranquila. As Forças Armadas são o garante dessa tranquilidade.

Nós não podemos regressar aos ambientes conturbados de 1926.

Nós precisamos de paz, de trabalho e de serenidade. Nós até devemos adoptar, digamos, este conceito: «durante o trabalho, é trabalhar, trabalhar, mas trabalhar; mas quando acabou o trabalho, então, os que trabalham têm o dever de discutir política». Têm, com efeito, o dever de a discutir porque se trata dos seus próprios interesses, sejam homens ou mulheres; quer sejam analfabetos quer não. Portanto nós temos horas para trabalhar e horas para discutir política.

Nós precisamos que a Campanha Eleitoral não perturbe o nosso trabalho mas, antes, que ela seja esclarecedora dos interesses do Povo Português; dos verdadeiros interesses do Povo Português; e que ela conduza à eleição dos verdadeiros homens dedicados à sua Pátria.

E, daqui, exorto, também, os órgãos de Informação para que continuem a apoiar o Processo de Democratização da nossa Pátria.

É certo que há erros que se cometem; todos nós os cometemos; quem há que não cometeu erros na sua vida? Até um pai os comete em relação a um filho e não há ninguém que ame mais os filhos que os próprios pais.

Mas nós devemos ter atenção no seguinte: o erro é próprio da actividade humana e o que devemos salientar é aquilo que há de verdadeiramente positivo e combater os erros e não deitar as mãos à cabeça como os perdidos e dizer: — «Ai que erros que cometemos»! Não! Nós não devemos cometer erros irreparáveis. É por isso que apelo para a sensatez e para a calma de todos os Portugueses e, em particular, das classes trabalhadoras, para que não sejam cometidos erros irreparáveis; erros, poder-se-ão cometer, mas não cometam erros irreparáveis, pois cometê-los é voltar atrás e nós não desejamos voltar atrás; tudo faremos para que se não volte atrás.

Há outro problema que é de facto um problema que nos deve preocupar muito e que só pode ser resolvido com a participação dos trabalhadores, com os órgãos do Estado competentes e com os empresários patriotas. É o problema da reconversão da indústria portuguesa.

Vós sabeis que a nossa indústria — já há pouco o disse— é distorcida. Há empresas que quase não têm viabilidade de existir; simplesmente, nós o que é que devemos fazer? Devemos procurar converter essas em- presas em outras que tenham viabilidade de existir. Para isso, é absolutamente necessaria a participação dos trabalhadores porque eles sabem muito bem o que se passa nas empresas; têm ideias sobre o que se deve fazer, como, também, é necessária a participação do Estado e a dos empresários que estejam à altura de ser empresários. E, ainda, há muita gente, muitos empresários em Portugal que estão à altura de o serem. Esse também é um aspecto para que eu exorto, para que eu chamo a atenção no quase final desta palestra.

Apelo, também, para os professores, para que não se demitam, para que estejam à altura da sua função, não recuem perante as suas responsabilidades.

Nós precisamos de homens de carácter, desde os mais humildes aos mais elevados. Temos de cultivar o carácter. Todos sabemos que o fascismo procurou destruir o carácter do Povo Português, mas não o conseguiu como temos provado desde o 25 de Abril.

Pois bem: devemos estimular-nos uns aos outros na conquista desse carácter válido.

Os professores têm um grande papel a desempenhar nas escolas; é manterem-se à altura da sua missão. Eles são o exemplo dos seus alunos. Por isso, daqui, exorto-os a não abdicarem; que quando a causa é justa, lutem por ela até ao fim. Não tenham medo.

Aos trabalhadores eu faço o apelo de que mantenham uma vigilância constante sobre a produção, sobre o nível da produção. Nós estamos envolvidos numa batalha da produção e quem cria a riqueza é o trabalho; o capital é produto do trabalho.

Eu também apelo para o Povo Português, para que se organize entre si criando cooperativas. Não tenhais medo! Não tenhais medo das cooperativas. Aqueles que têm melhor noção disso, que expliquem aos outros; que lhes digam que hoje não é o tempo das cooperativas de antigamente. As cooperativas de antigamente eram uma falsidade. Mas nós queremos constituir cooperativas e outras associações doutro tipo que vós mesmo crieis.

Cremos que a associação é a união, E a união faz a força. Nós apelamos para a vossa unidade, para o vosso espírito associativo. Ao princípio haverá dificuldades para a associação. Mas tende paciência, tende perseverança, tende coragem moral para aguentar as críticas, os desgostos, para serdes combativos, porque deveis ter a consciência de que estais a criar um Portugal Novo. Refundi e desenvolvei o espírito associativo. Em tudo vos podeis associar. Associai-vos!

Há imensos campos em que todos temos interesses comuns, em que, portanto, nos podemos associar uns aos outros. Isso é uma característica, deve ser uma característica da Revolução Portuguesa; o espírito associativo; a entreajuda. A união faz a força.

Vós tendes presente o exemplo desses generosos trabalhadores alentejanos que se souberam unir para defender os seus interesses e os da sua Pátria. Esses homens não sabiam o que era o sindicalismo antes do 25 de Abril. No entanto, souberam constituir os seus sindicatos. Têm trabalhado ordenadamente, civicamente, pacientemente contra todas as obstruções que têm encontrado e, até, contra a malevolência que tem havido contra as suas acções.

Esses homens são um exemplo do que é o espírito associativo dentro de uma nação, de uma nação que quer construir uma nova Democracia, quer construir o futuro. E repito que temos uma rara oportunidade na nossa História de construir um Novo País.

Esses homens que contribuíram para a construção do Novo País ficarão, de facto, na nossa História como ficaram os homens do tempo de D. João I, aqueles homens que defenderam a independência de Portugal em relação a Castela; como ficaram os homens de 1640.

Nós temos hoje uma oportunidade única; não é para ficarmos na História pela vaidade e pela honra de nela ficarmos, mas por termos a consciência de sabermos construir o nosso próprio destino. Ora o que é a Liberdade senão isso, ser capaz de construir o próprio destino pelas suas próprias mãos? Isso é que é a verdadeira Liberdade.

Para construirmos a sociedade justa que os bravos dos nossos militares do Movimento das Forças Armadas viram no seu pensamento ao fazerem o 25 de Abril, é necessário a unidade inquebrantável do Povo e das Forças Armadas.


Abriu o arquivo 05/05/2014