Ideal

Evald Vasilievich Ilienkov

1972


Primeira Edição: Artigo publicado originalmente na Grande Enciclopédia Soviética (Большая Cоветская Энциклопедия), v. 10, pp. 34-35, 1972.
Fonte: em espanhol no site Marxismo Crítico. Disponível em russo no Lendo Ilienkov (Читая Ильенкова).
Tradução do espanhol: Marcelo José de Souza e Silva.(1)
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Fernando A. S. Araújo.
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O ideal (do francês, idéal, do grego idéa – ideia, protótipo) é uma imagem que determina o modo de pensamento e a atividade do homem ou de uma classe social. A formação dos objetos naturais de conformidade com um ideal constitui a forma humana específica de atividade, pois supõe a criação especial de uma imagem do fim dessa atividade antes de sua realização prática.

O problema do ideal foi elaborado na filosofia clássica alemã. Kant o levantou, antes de tudo, em relação ao problema do “fim interior”. De acordo com Kant, os fenômenos que carecem de um fim que possa ser representado na forma de uma imagem, não podem ter um ideal. O único ser que age segundo um “fim interior” é o homem. No animal, a finalidade interior se realizada de um modo inconsciente e, por isso, não adquire a forma de um ideal, de uma imagem particular do fim. De acordo com Kant, o ideal, como a perfeição imaginada (alcançada na imaginação do gênero humano), se caracteriza pela superação total e absoluta de todas as contradições entre o indivíduo e a sociedade, quer dizer, entre os indivíduos que fazem o “gênero”. De tal forma que a realização do ideal coincidirá com o fim da história. Por causa disso, segundo Kant, o ideal é inalcançável em princípio e só constitui uma “ideia” de ordem reguladora. Em vez de criar a imagem do próprio fim, o ideal indica a direção que conduz a ele, e portanto, guia o homem mais como um sentimento da direção correta do que como uma imagem clara do resultado. O ideal só pode e deve ser representado na arte, na forma do belo. O ideal da ciência (da “razão pura”) se apresenta na forma do princípio de “não contradição”, e o ideal moral (o ideal da “razão prática”), na forma do imperativo categórico. Contudo, em ambos os casos é impossível representar claramente uma situação que corresponda ao ideal, pois este é irrealizável ao longo de um tempo finito, por mais duradouro que seja. Por isso o ideal e “o belo” se convertem em sinônimos, e só na arte lhe concede uma vida real. Essas ideias de Kant foram desenvolvidas nas obras de Schiller, Fichte, Schelling e os românticos alemães.

Hegel, que compreendeu nitidamente a debilidade da concepção kantiana do ideal, a desacreditou como uma abstração que expressa um dos momentos da realidade no desenvolvimento do “espírito” (quer dizer, da história da cultura espiritual da humanidade), contraposta a outra abstração do mesmo gênero: “a realidade empírica”, que se supõe essencialmente hostil ao ideal e incompatível com ele. Na obra de Hegel, o ideal se converte em um momento da realidade, em uma imagem do espírito humano em um eterno desenvolvimento através de suas contradições internas, do espírito superando suas próprias criações, seus estados “alienados”, e não inicialmente externo e hostil à “realidade empírica”. Portanto, o ideal da ciência (do pensamento científico) pode e deve se dar na forma do sistema da lógica, e o ideal da razão prática, na forma de exigências imperativas abstratas dirigidas ao indivíduo e irrealizáveis em essência. Por essa razão, o ideal como tal é sempre concreto e se realiza paulatinamente na história. Cada nível de desenvolvimento alcançado se apresenta, a partir deste ponto de vista, como o ideal parcialmente realizado, como uma frase da subordinação do empírico ao poder do pensamento, à força da ideia, à potência criadora do conceito. Na forma do ideal se cria sempre uma imagem de um fim concreto da atividade do “gênero”, quer dizer, da humanidade em uma etapa dada de seu desenvolvimento intelectual e moral. Na estrutura de um ideal, as contradições gerais principais, mais nítidas e, finalmente, amadurecidas, são realmente representadas resolvidas. O "espírito" sempre realiza os problemas imediatos, ao invés de um objetivo formal abstrato da "perfeição absoluta" representada como condição inerte e sem vida (e por isso contradições).

Uma vez que, no espírito das tradições da filosofia clássica alemã, Hegel define o ideal como uma imagem do fim claramente concebida, a elaboração posterior do problema em questão passa para a estética, ao sistema de determinações do “belo”. Contudo, Hegel não vincula a realização do ideal como beleza com o futuro, e sim com o passado, com a época do antigo “reino da personalidade bela”. É conectado à ela que Hegel considera o progresso da cultura burguesa (idealizado como tal) pela realização da história social das pessoas. Imortalizando teoricamente uma divisão do trabalho capitalista, Hegel considera como um sonho romântico, ou seja, um ideal reacionário, ideia do progresso completo e compreensivo do indivíduo. Mas, sem isso, a ideia da "personalidade bela" se torna inconcebível mesmo teoricamente correta. Portanto, o "belo" (e, assim, ideal como tal) aparece em Hegel mais provável na imagem do passado da cultura humana, ao invés de na imagem de seu futuro.

Ao submeter à crítica o idealismo de Hegel, os fundadores do marxismo reelaboraram de um modo materialista suas ideias dialéticas sobre o ideal, sua composição, seu papel na vida da sociedade e as possibilidades de suas realização concreta. Ao entender por ideal a imagem do fim da atividade dos homens unificada em torno de uma tarefa comum, Karl Marx e Friedrich Engels centraram suas atenção na investigação das condições reais de vida das classes fundamentais da sociedade em que viviam (a sociedade burguesa), na análise das necessidades universais reais que induzem essas classes a agir e que se refratam em sua consciência na forma de um ideal. Pela primeira vez, o ideal foi concebido a partir do ponto de vista do reflexo das contradições da realidade social em desenvolvimento na cabeça dos homens oprimidos por essas contradições. Na forma do ideal, na consciência se reflete sempre uma situação sócio-histórica contraditória, repleta de necessidades, maduras, porém não satisfeitas, da massa de homens, classes sociais e grupos mais ou menos amplos. Precisamente na forma de um ideal estes homens criam para si a imagem de uma realidade em cujos marcos as contradições existentes que os oprimem se representam como superadas, “negadas”, e a realidade aparece “depurada” dessas contradições, livre delas. O ideal se apresenta como uma força ativa que organiza a consciência dos homens e os unifica em torno da solução de tarefas plenamente definidas e concretas que amadureceram ao longo do desenvolvimento histórico. É característico das classes dominantes, que procuram eternizam uma ordem social caduca, a idealização do estado social existente. As classes de cuja atividade depende o progresso de toda a sociedade formam, em correspondência com isso, ideais progressistas que reúnem sob suas bandeiras todos os homens ativos que buscam uma saída das situações de crise. Tais foram, por exemplo, as ideias da Grande Revolução Francesa. Tais são na época contemporânea as ideias da Grande Revolução Socialista de Outubro. Hoje em dia, o único sistema de ideias que representa um ideal progressista é a concepção comunista do mundo, precisamente porque indica aos homens a única saída possível para o futuro a partir do beco sem saída das contradições que amadureceram no capitalismo: a construção do comunismo, em cujas condições se realiza o desenvolvimento livre e pleno da personalidade.


Notas de rodapé:

(1) Possui graduação em farmácia pela UFPR e é mestre em educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos Marxistas em Saúde. Contato: marcelojss @ gmail.com (retornar ao texto)

Inclusão 07/04/2014