Materialismo e Empiro-Criticismo
Notas e Críticas Sobre uma Filosofia Reacionária

V. I. Lênin

Capítulo III - A Teoria do Conhecimento do Empiro-Criticismo e do Materialismo Dialético
(Conclusão)


16. O "Princípio da Economia do Pensamento" e o Problema da "Unidade do Mundo"


"O princípio do menor esforço", colocado por Mach, Avenarius e muitos outros na base da teoria do conhecimento, pertence, sem dúvida, a uma tendência marxista em gnoseologia."

Assim se exprime V. Bazarov nos Ensaios (p. 69), fala em "economia". Mach também. Mas existe realmente, dúvida", sombra de relação entre uma e outra?

Em sua A filosofia, concepção do mundo segundo o princípio do menor esforço. (1876), Avenarius, como já vimos, aplica esse "princípio" de modo a poder afirmar, em nome da "economia do pensamento", que sensação é tudo quanto existe. A causalidade e a "substância" (expressão que os professores empregam espontaneamente para "impor-se", em vez da palavra "matéria", mais clara e mais precisa) são declaradas "eliminadas", em nome da mesma economia; isto é, noutros termos, obtêm-se a sensação sem matéria, o pensamento sem cérebro. Essa legitima confusão não é mais do que uma tentativa de introduzir, sob novo disfarce, o idealismo subjetivo. Como já vimos, é justamente desse modo que essa obra fundamental, consagrada à famosa "economia do pensamento", é geralmente apreciada na literatura filosófica. Se os nossos discípulos de Mach não discerniram o idealismo subjetivo sob essa "nova" bandeira, ainda mais estranho é o fato.

Na Análise das sensações, Mach reporta-se (p. 40), entre outros, a seu trabalho de 1872 a respeito dessa mesma questão. E esse trabalho, como já vimos, constitui uma aplicação do ponto de vista do subjetivismo puro, uma tentativa de condicionar o mundo às sensações. As duas obras principais que introduziram na filosofia esse famoso "princípio" pertencem, portanto, à corrente idealista! Por que? Porque o princípio da economia do pensamento, se colocado, realmente, "na base da teoria do conhecimento", somente pode conduzir ao idealismo subjetivo. Se introduzimos na teoria do conhecimento uma concepção tão absurda, é, certamente, mais "econômico" "pensar" que somente eu existo, eu e minhas sensações.

É mais "econômico" "pensar" que o átomo é indivisível ou que é composto de eléctrons positivos e negativos? É mais "econômico" pensar que a revolução burguesa é realizada na Rússia pelos liberais ou que é feita contra os liberais? Basta formular a questão para ver até que ponto é absurdo e subjetivo aplicar aqui a categoria da "economia do pensamento". O pensamento do homem é "econômico" quando reflete exatamente a verdade objetiva; a prática, a experiência, a indústria fornecem, então, o critério de sua exatidão. Somente negando-se a realidade objetiva, isto é, os próprios fundamentos do marxismo, é que se pode tomar a sério essa economia do penamento na teoria do conhecimento!

Se percorremos os trabalhos posteriores de Mach, neles encontramos uma interpretação desse famoso princípio, que equivale à sua completa negação. É assim que, em sua Teoria do calor, Mach volta à sua ideia favorita do "caráter econômico" da ciência (p. 366 da 2.ª edição alemã). Mas, acrescenta logo, não cultivamos a economia por si mesma (p. 366; o mesmo pensamento é repetido na p. 391): "o objetivo da economia científica é proporcionar... o quadro mais completo... mais sereno... do universo" (p. 366). Se assim é, o "princípio da economia" é afastado, não somente dos fundamentos da gnoseologia, mas ainda de toda a gnoseologia. Dizer que o objetivo da ciência é proporcionar um quadro exato do universo (a serenidade nada tem a fazer aqui) é repetir a tese materialista. Dizê-lo é reconhecer a realidade objetiva do mundo em relação ao nosso conhecimento, a realidade do modelo em relação à sua imagem. Diante desse contexto, a economia do pensamento não passa de um termo pomposo e ridículo que significa: exatidão. Mach, segundo seu costume, cria, neste ponto, a confusão e os seus discípulos contemplam e adoram essa confusão.

Podemos ler, em Conhecimento e erro, de Mach, no capítulo Exemplos de meios de pesquisa:

"A "descrição completa e muito simples" (Kirchhoff, 1874), a "representação econômica dos fatos" (Mach, 1872), do mesmo modo que a "coordenação do pensamento com o ser e a coordenação dos processos do pensamento uns com os outros" (Grassmann, 1844) exprimem pouco mais ou menos o mesmo pensamento."

Isso não é um modelo de confusão? A "economia do pensamento", de que Mach deduzia, em 1872, a existência exclusiva das sensações (ponto de vista que ele mesmo teve de reconhecer mais tarde como idealista) está no mesmo plano que o axioma puramente materialista do matemático Grassmann, relativo à necessidade de coordenar o pensamento com o ser, e no mesmo plano que a descrição mais simples (da realidade objetiva, cuja existência nunca foi posta em dúvida por Kirchhoff!).

Essa aplicação do princípio da "economia do pensamento" constitui apenas um exemplo das curiosas variações filosóficas de Mach. Mas, mesmo postos de lado tais exemplos, nos quais se pretendem ver lapsos ou extravagâncias, o caráter idealista do ‘‘princípio da economia do pensamento" continua inegável. O kantista Hönigswald, por exemplo, polemizando contra a filosofia de Mach, admite seu "princípio da economia" como uma aproximação do ‘'círculo das ideias kantianas" (dr. Richard Hönigswald, Zur Kritik der Machschen Philosophie, Berlim, 1903, p. 27). Realmente, se não reconhecemos a realidade objetiva dada em nossas sensações, de onde podemos tirar o "princípio da economia" senão do sujeito? As sensações não encerram, certamente, nenhuma "economia". O pensamento proporciona-nos, então, um elemento que não existe na sensação! Por conseguinte, o "princípio da economia" não é tirado da experiência (das sensações), mas é anterior a toda experiência e constitui, como as categorias de Kant, a condição lógica de toda experiência. Hönigswald cita o seguinte trecho da Análise das sensações:

"Podemos concluir do nosso equilíbrio corporal e moral o equilíbrio, a identidade de determinação e a homogeneidade dos processos em vias de concretização na natureza" (p. 287).

O caráter subjetivo idealista dessas afirmações e a afinidade de Mach com Petzoldt, chegado ao apriorismo, estão fora de dúvida.

Tratando do "princípio da economia do pensamento", o idealista Wundt qualifica Mach, muito espirituosamente, de "Kant às avessas" (Systematische Philosophie, Leipzig, 1907, p. 128). Encontramos em Kant o a priori e a experiência. Encontramos em Mach a experiência e o a priori, constituindo o princípio da economia do pensamento, no fundo, um princípio apriorístico (p. 130). Ou as relações (Verknüpfung) são, nas próprias coisas, a lei objetiva da natureza" (que Mach nega categoricamente), ou representam um "princípio subjetivo de descrição" (p. 130). O princípio da economia é subjetivo em Mach: surge com a presteza de um tiro de pistola (kommt wie aus der Pistole geschossen), não se sabe de onde, como um princípio teleológico suscetível de ter diversas significações diferentes (p. 131). Vê-se que os especialistas da terminologia filosófica não são tão ingênuos como os nossos discípulos de Mach sempre prontos a acreditar piamente que um termo "novo" elimina a contradição do subjetivismo e do objetivismo, do idealismo e do materialismo.

Vejamos finalmente o filósofo inglês James Ward, que se qualifica a si mesmo, sem rodeios, de monista espiritualista. Longe de polemizar com Mach, tira partido, como veremos mais adiante, de toda a corrente de Mach em física, para sua campanha contra o materialismo, e afirma categoricamente que o "critério da simplicidade" é, em Mach, "sobretudo subjetivo e não-objetivo" (Naturalism and Agnosticism. 3.a edição, p. 82).

Que o princípio da economia do pensamento, considerado como o fundamento da gnoseologia, agrade aos kantistas alemães e aos espiritualistas ingleses, eis o que não pode parecer estranho depois de tudo o que vimos. Mas que pessoas que se pretendem marxistas aproximem a economia política do materialista Marx da economia gnoseológica de Mach, eis o que apenas pode causar riso.

Seria oportuno dizer aqui algumas palavras sobre a "unidade do mundo". O sr. P. Iuchkévitch apresentou com evidencia, nessa questão, pela centésima milésima vez, a indescritível confusão criada pelos nossos partidários de Mach. No Anti-Dühring, respondendo a Dühring, que deduzia a unidade do mundo da unidade do pensamento, Engels escreve:

"A unidade real do universo consiste em sua materialidade e essa última demonstra-se não com auxilio de fórmulas ilusórias, mas por toda a evolução, longa e difícil, da filosofia e das ciências da natureza’ (p. 31).

Iuchkévitch cita esse trecho e "objeta":

"O que, antes de tudo, carece de clareza é a asserção de que a unidade do universo consiste em sua materialidade" (loc. cit., p. 52).

Isso não é delicioso? Esse senhor põe-se a dissertar em público sobre a filosofia do marxismo, dizendo que os postulados mais elementares do materialismo não lhe parecem claros! Engels demonstrou, com o exemplo de Dühring, que uma filosofia, por pouco consequente que seja, pode deduzir a unidade do universo, ou bem do pensamento e nesse caso revela-se incapaz diante do espiritualismo e do fideísmo (Anti-Dühring, p. 30) e seus argumentos logo se associam, fatalmente, a fórmulas ilusórias, ou, então, da realidade objetiva existente independentemente de nós, que há muito possui, em gnoseologia, o nome de matéria e constitui o objeto dos estudos das ciências naturais. Falar seriamente com um senhor, para quem isso "carece de clareza", seria trabalho perdido, porque ele invoca aqui a falta de clareza apenas para desonestamente deixar de responder, no fundamental, à proposição nitidamente materialista de Engels e, desse modo, poder repetir futilidades idênticas às de Dühring a proposito do ‘‘postulado cardial da homogeneidade de princípio e da unidade da existência" (Iuchkévitch, I, p. 51) e dos postulados "considerados como proposições", a respeito das quais

"não seria exato afirmar que sejam deduzidas experimentalmente, apenas sendo possível a experiência científica porque elas estão colocadas na base da experimentação" (loc. cit.).

Pura complicação, porque se esse senhor tivesse respeito, por menos que fosse, à palavra impressa, veria o caráter idealista, e em particular kantiano, da ideia de que pode haver proposições não deduzidas da experiência e sem as quais essa última é impossível. A filosofia do sr. Iuchkévitch e seus semelhantes não passa de um amontoado de palavras tiradas de medíocres tomos e relacionadas com os erros evidentes do materialista Dietzgen.

Vejamos, antes, os raciocínios de um empiro-criticista sério, Joseph Petzoldt, relativos à unidade do universo. O § 29 do tomo II de sua Introdução é intitulado: A tendência à uniformidade (einheitlich) no domínio do conhecimento. O postulado da significação única de tudo que se concretiza. Tomemos algumas mostras desses raciocínios:

Somente na unidade se alcança o objetivo natural, além do qual nada pode ser pensado e no qual o pensamento pode, por conseguinte, se domina todos os fatos do setor correspondente, atingir a serenidade" (p. 79).

"Está fora de dúvida que a natureza nem sempre a exigência da unidade; mas está igualmente fora de dúvida que já agora, satisfaz, em muitos casos, a exigência da serenidade, e todas as nossas investigações anteriores nos levam a considerar como mais provável que a natureza satisfará, no futuro essa exigência, em todos os casos. Eis por que seria mais exato definir o estado de alma como uma tendência a estados estáveis do que defini-lo como uma tendência à unidade... O princípio dos estados estáveis é mais profundo e mais amplo... Propondo a admissão, ao lado dos reinos vegetal e animal, do dos protistas, Haeckel apenas apresenta uma solução defeituosa para a questão, uma vez que cria duas dificuldades onde não havia senão uma: antes, tínhamos uma fronteira duvidosa entre vegetais e animais e agora não podemos distinguir nitidamente os protistas nem dos vegetais e nem dos animais... É evidente que esse estado de coisas não é definitivo (endgültig). Essa ambiguidade de concepções deve ser eliminada de um modo ou de outro e isso pode ser feito, na falta de outros meios, por uma convenção dos especialistas e por uma decisão tomada por maioria de votos" (p. 81).

Já não é o bastante? É certo que o empiro-criticista Petzoldt não vale mais do que Dühring. Mas cumpre sermos justos mesmo para com o adversário: Petzoldt, pelo menos, demonstra boa fé científica para repudiar, resoluta e definitivamente, em todas as suas obras, o materialismo como corrente filosófica. Ele, pelo menos, não se rebaixa a fantasiar-se de materialista, para logo afirmar que a discriminação elementar das principais correntes da filosofia "carece de clareza".


Inclusão 22/09/2014