Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos

V. I. Lênin


4. Dimensão média das farms. A "decomposição do capitalismo"


Após termos examinado os principais traços distintivos das três grandes regiões dos Estados Unidos e o caráter geral das condições económicas, podemos passar à análise dos dados utilizados habitualmente. Trata-se, de início, de dados sobre a dimensão média das farms, a partir dos quais vários economistas, incluindo o Sr. Guimmer, retiram as mais categóricas conclusões.

Anos Superfície Total
(em acres)
Superfície cultivada
(em acres)
1850 202,6 78,0
1860 199,2 79,8
1870 153,3 71,0
1880 133, 7 71,0
1890 136,5 78,3
1900 146,2 72,3
1910 138,1 75,2

Logo de início é possível constatar uma redução da média relativa à superfície total, e variações indeterminadas' — ora uma redução, ora um acréscimo no tocante à média da superfície cultivada. Mas o período 1860-1870 estabelece uma nítida demarcação; assim, nós o separamos com um traço. È no curso deste período que se observa uma enorme redução — de 46 acres (199,2-153,3) — na superfície média total das explorações, e a maior modificação (79,8-71,0), também no sentido de uma redução, da superfície média cultivada.

Dimensão Média das Farms em acres
Anos No Sul No Norte
Superfície Média Superfície Média

Total

Cultivada

Total

Cultivada
1850 332,1 101,1 127,1 65,4
1860 335,4 101,3 126,4 68,3
1870 214,2 69,2 117,0 69,2
1880 153,4 56,2 114,9 76,6
1890 139,7 58,8 123,7 87,8
1900 138,2 48,1 132,2 90,9
1910 114,4 48,6 143,0 100,3

Qual é a causa desta ocorrência? Aparentemente, a guerra civil de 1861-1865 e a abolição da escravidão. Um golpe decisivo foi aplicado nos grandes domínios escravistas. Logo veremos numerosas confirmações deste fato, de testo tão conhecido que é espantoso que seja necessário confirmá-lo. Façamos uma distinção entre os dados referentes ao Sul e ao Norte, respectivamente.

Verificamos que a superfície média cultivada por farm diminuiu consideravelmente no Sul durante o período 1860-1870 (101,3-69,2), e que aumentou um pouco no Norte (68,3-69,2). Portanto, o que está em causa são precisamente as condições de evolução do Sul. Mesmo após a abolição da escravidão, ainda observamos aí uma redução progressiva, ainda que lenta e descontínua, da extensão média das farms.

"A agricultura fundada no trabalho familiar estende aqui o campo de sua dominação", conclui Guimmet, "e o capital abandona a agricultura por outros campos de aplicação" (. . .)."A decomposição extremamente rápida do capitalismo agrário nos Estados do Atlântico-Sul".

Eis uma bizarrice que talvez só possa ser equiparada aos argumentos de nossos populistas sobre a "decomposição do capitalismo" na Rússia depois de 1861, depois que os grandes proprietários fundiários substituíram a corvéia pelo pagamento em trabalho (isto é, por semicorvéias!). A desagregação dos latifúndios escravistas é qualificada como "decomposição do capitalismo". A transformação da terra não-cultivada dos ex-proprietários de escravos em pequenas farms exploradas pelos negros, dos quais a metade é formada de parceiros (recordemos que a percentagem de parceiros aumenta constantemente entre um e outro recenseamento!), é qualificada de "decomposição do capitalismo". Não é possível ir mais longe na desfiguração das concepções fundamentais da ciência económica!

No capítulo 12 do texto explicativo que acompanha o recenseamento de 1910, os estatísticos americanos fornecem detalhes sobre as plantations típicas do Sul, tais como elas se apresentam em nossos dias e não nos tempos da escravidão. Nas 39.073 plantações, existem 39.073 landlords farms ("fazendas do Senhor"), e 398.905 explorações de arrendatários. O que corresponde, em média, a 10 arrendatários por "latifundiário" ou "landlord", A extensão média de uma plantação é de 724 acres, dos quais apenas 405 são cultivados: mais de 300 acres por plantação não são cultivados; não é uma reserva modesta para que os senhores escravistas de ontem possam ampliar seus planos de exploração amanhã.

A distribuição da terra de uma plantação média é a seguinte: a "farm do grande proprietário ou senhor" estende-se por 331 acres, dos quais 87 são cultivados. As farms dos "arrendatários", ou seja, os lotes dos parceiros negros, que trabalham como antes para o lord e sob sua vigilância, possuem em média 38 acres de terra, dos quais 31 são cultivados.

Os antigos proprietários de escravos do Sul, que possuem imensos latifúndios onde mais de 9/10 da terra permanece inculta até o presente, começam gradativamente, à medida que cresce a população e a demanda de algodão, a vender estas terras aos negros, ou mesmo, o que é mais frequente, a distribuídas em pequenas parcelas em troca da metade da colheita. (De 1900 a 1910, o número dos farmers detentores da propriedade integral de toda a sua terra passou de 1.237.000 a 1.329.000, ou seja, um aumento de 7,5%, enquanto o número de parceiros passou de 772.000 a 1.021.000, ou seja, um aumento de 32,2%.) E ainda encontramos um economista para qualificar este fenómeno como "decomposição do capitalismo".

Classificaremos como latifúndios as farms que contam com 1.000 acres e mais de terra. Em 1910, sua percentagem nos Estados Unidos era de apenas 0,8% (50.135 farms), e elas ocupavam 167,1 milhões de acres, ou seja, 19% da superfície total, representando uma média de 1332 acres por latifúndio. A percentagem das terras cultivadas nos latifúndios é de apenas 18,7%, enquanto que para o conjunto das explorações agrícolas ela é de 54,4% - Precisemos que é o Norte capitalista que conta com o menor número de latifúndios: 0,5% do número total das farms, com 6,9% da superfície total e com a proporção de terra cultivada elevando-se a 41,1%. É no Oeste que o número dos latifúndios é mais elevado: 3,9% do número total de farms, com 48,3% da superfície total; aí, a percentagem de terra cultivada é de 32,3%. A mais elevada percentagem de terra não cultivada é encontrada nos latifúndios do antigo Sul escravista, que representam 0,7% do número total de farms e ocupam 23,9% da superfície total; apenas 8,5% das terras são cultivadas nestes latifúndios!! Assinale-se que estes dados detalhados mostram, com muita clareza, a que ponto é injustificado classificar os latifúndios dentro da economia capitalista, como se faz com frequência, sem a preocupação em analisar, de forma especial, os dados concretos relativos a cada país e a cada região.

Em dez anos, de 1900 a 1910, foi justamente nos latifúndios, e unicamente neles, que a quantidade total de terra diminuiu. E numa proporção importante: passa-se de 197,8 a 167,1 milhões de acres, ou seja, o decréscimo é de 30,7 milhões de acres. No Sul ele é de 31,8 milhões de acres (no Norte, registra-se um aumento de 2,3 milhões, e no Oeste, um decréscimo de 1,2 milhões). Consequentemente, foi justamente o Sul, e apenas o Sul escravista, onde a terra só é cultivada numa proporção mínima (8,5%), que se caracterizou por um gigantesco processo de desmembramento de seus grandes domínios.

De tudo isso resulta, inevitavelmente, que a única definição precisa do processo económico em curso deve ser a seguinte: passagem dos latifúndios escravistas, incultos em 9/10, à pequena agricultura mercantil não agricu1tura "fundada no trabalho familiar" — como gostam de afirmar o Sr. Guimmer, os populistas e todos os economistas burgueses, que entoam hinos baratos em glorificação do "trabalho" —, mas à agricultura mercantil. A expressão "fundada no trabalho familiar" não possui qualquer sentido político-económico, e induz indiretamente mo erro. Ela carece de sentido porque, em cada uma das formas sociais que a economia pode assumir, o pequeno agricultor trabalha", seja a época em que ele vive caracterizada, pela escravidão, servidão ou capitalismo. A expressão "fundada no trabalho familiar" é um termo oco, uma frase declamatória se qualquer conteúdo, que contribui para confundir as mais diversas formas sociais da economia, beneficiando apenas a burguesia. Esta expressão induz ao erro, ilude o público, leyando-o a acreditar na não-existência de trabalho assalariado.

Como todos os economistas burgueses, o Sr. Guimmer deixa de falar justamente nos dados relativos ao trabalho assalariado, quando eles são de importância fundamental no tocante ao capitalismo na agricultura e quando são fornecidos não apenas pelo recenseamento de 1900, mas também pelo "boletim" do recenseamento de 1910 (Abstract-Farm Cróps, by states(1*)), citado pelo Sr- Guimmer (p. 49 de seu artigo, nota).

Que o desenvolvimento da agricultura no Sul corresponde precisamente ao da agricultura mercantil e o que demonstra o caráter do principal produto do Sul, o algodão O conjunto dos cereais panificáveis representa, em valor, 29,3% da colheita total de cereais no Sul; o feno e as plantas forrageiras, 5,1%, e o algodão, 42,7%. De 1870 a 1910, a produção de lã no Estados Unidos passou de 162 milhões de libras a 321 milhões, ou seja, a produção dobrou; o trigo passou de 236 milhões de bushels(2*) a 635, o que corresponde a um acréscimo de pouco menos do triplo; o milho, de 1.094 milhões de bushels a 2.886 milhões, correspondendo também a um acréscimo de pouco menos do triplo; a produção de algodão passou de 4 milhões de fardos (de 500 libras) a 12 milhões, isto é, triplicou. O desenvolvimento do produto agrícola mercantil por excelência superou o do outros produtos, menos mercantis. Além disto, na principal região do Sul, o "Atlântico-Sul", desenvolveu-se uma produção de tabaco de grande importância (12,1% do valor global da colheita do Estado da Virgínia), de legumes (20,1% do valor global da colheita do Estado de Delaware, 23% da do Estado da Flórida), de frutas (21,3% do valor global da colheita do Estado da Flórida), etc. São todas culturas correspondentes a uma intensificação da agricultura, a um crescimento do volume económico da exploração paralelamente a uma redução da superfície cultivada e a uma utilização crescente do trabalho assalariado. Passaremos agora ao exame detalhado dos dados sobre o trabalho assalariado; por hora nos limitaremos a assinalar que, se o Sul, neste aspecto, apresenta um atraso em relação às outras regiões (no Sul, o emprego de mão-de-obra assalariada é menos detectável, país o sistema semi-escravista da parceria é mais desenvolvido), nele o emprego da mão-de-obra assalariada se desenvolve da mesma forma.


Notas de rodapé:

(1*) Dados obtidos de uma sondagem, feita pelo Estado, sobre a colheita das propriedades agrícolas. (Nota da edição francesa.) (retornar ao texto)

(2*) Bushels, medida de capacidade para cereais que nos Estados Unidos corresponde a 35,238 litros; na Inglaterra, 36,367 litros. (Nota da edição brasileira.) (retornar ao texto)

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Inclusão 27/02/2012