Teses Sobre a Assembleia Constituinte

V. I. Lénine

25 de Dezembro de 1917

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Primeira edição: Escrito em 11 ou 12 (24 ou 25) de Dezembro de 1917. Publicado a 26 (13) de Dezembro de 1917 no n.° 213 do Pravda.
Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso - Moscovo

Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t. 35, pp. 162-166.

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, setembro 2007

Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1977.


capa

1) A reivindicação da convocação da Assembleia Constituinte entrou muito justamente no programa da social-democracia revolucionária, porque numa república burguesa a Assembleia Constituinte é a forma superior do democratismo e porque, ao criar o pré-parlamento, a república mperialista com Kérenski à cabeça preparava uma falsificação das eleições e uma série de violações do democratismo

2) Apresentando a reivindicação da convocação da Assembleia Constituinte, a social-democracia revolucionária, desde o próprio começo da revolução de 1917, sublinhou mais de uma vez que a república dos Sovietes é uma forma de democratismo mais elevada do que a república burguesa habitual com a Assembleia Constituinte.

3) Para a passagem do regime burguês ao socialista, para a ditadura do proletariado, a república dos Sovietes (de deputados operários, soldados e camponeses) é não só a forma de tipo mais elevado das instituições democráticas (comparada com a república burguesa habitual coroada por uma Assembleia Constituinte), mas também é a única forma capaz de assegurar a passagem menos dolorosa para o socialismo.

4) A convocação da Assembleia Constituinte na nossa revolução se gundo as listas apresentadas em meados de Outubro de 1917 realiza-se em condições que excluem a possibilidade de uma expressão justa da vontade do Povo em geral e das massas trabalhadoras em particular pelas eleições para esta Assembleia Constituinte.

5) Em primeiro lugar, o sistema proporcional de eleições só dá uma verdadeira expressão da vontade do povo quando as listas partidárias correspondem efectivamente à divisão real do povo nos agrupamentos partidários que se reflectem nestas listas. E no nosso país, como é sabido, o partido que entre Maio e Outubro teve mais partidários no povo e particularmente no campesinato, o partido dos socialistas-revolucionários, apresentou listas únicas para a Assembleia Constituinte em meados de Outubro de 1917, mas cindiu-se em Novembro de 1917 depois das eleições para a Assembleia Constituinte, antes da sua convocação.

Devido a isto, mesmo formalmente não há nem pode haver correspondência entre a vontade dos eleitores na sua massa e a composição dos eleitos àAssembleia Constituinte.

6) Em segundo lugar, uma fonte de classe ainda mais importante, não formal nem jurídica mas económico-social, de não correspondência entre a vontade do povo, e especialmente das classes trabalhadoras, por um lado, e a composição da Assembleia Constituinte, por outro, é a circunstância de que as eleições para a Assembleia Constituinte tiveram lugar quando a esmaga dora maioria do povo não podia ainda conhecer toda a dimensão e impor tância da Revolução de Outubro, da revolução soviética, proletária e cam ponesa, começada a 25 de Outubro de 1917, isto é, depois de terem sido apresentadas as listas dos candidatos à Assembleia Constituinte.

7) A Revolução de Outubro, conquistando o poder para os Sovietes, arrancando o domínio político das mãos da burguesia e entregando-o nas mãos do proletariado e do campesinato pobre, atravessa perante os nossos olhos sucessivas etapas do seu desenvolvimento.

8) Ela começou com a vitória de 24-25 de Outubro na capital, quando o II Congresso dos Sovietes de deputados operários e soldados de toda a Rússia, essa vanguarda dos proletários e da parte politicamente mais activa do campesinato, deu a preponderância ao partido bolchevique e o elevou ao poder.

9) A revolução envolveu depois durante Novembro e Dezembro toda a massa do exército e do campesinato, exprimindo-se em primeiro lugar na destituição e na reeleição das velhas organizações de direcção (comités de exército, comités camponeses provinciais, CEC do Soviete de deputados camponeses de toda a Rússia, etc), que exprimiam um período da revolução já ultrapassado, de conciliação, a sua etapa burguesa e não proletária, e que por isso tinham inevitavelmente de sair da cena sob a pressão das mais profundas e mais amplas massas populares.

10) Este poderoso movimento das massas exploradas para reconstituir os órgãos dirigentes das suas organizações ainda não terminou hoje, em meados de Dezembro de 1917, e uma das suas etapas é o congresso dos ferroviários em curso.

11) O agrupamento das forças de classe da Rússia na sua luta de classes assume Consequentemente, de facto, em Novembro e em Dezembro de 1917, uma forma fundamentalmente diferente da que pôde encontrar a sua expressão nas listas partidárias de candidatos à Assembleia Constituinte em meados de Outubro de 1917.

12) Os últimos acontecimentos na Ucrânia (em parte também na Finlândia e na Bielorússia, bem como no Cáucaso) apontam do mesmo modo para um novo agrupamento das forças de classe que tem lugar no processo da luta entre o nacionalismo burguês da Rada ucraniana[N238], da Dieta finlandesa, etc, por um lado, e o Poder Soviético, a revolução proletária e camponesa de cada uma dessas repúblicas nacionais, por outro.

13) Finalmente, a guerra civil, começada com a insurreição contra-revolucionária democrata-constitucionalista-kaledinista contra o Poder Soviético, contra o governo operário e camponês, agudizou definitivamente a luta de classes e eliminou toda a possibilidade de resolver por uma via democrática formal as questões mais candentes colocadas pela história aos povos da Rússia e, em primeiro lugar, à sua classe operária e ao seu campesinato.

14) Só a vitória total dos operários e camponeses sobre a insurreição dos burgueses e dos latifundiários (que encontrou a sua expressão no movimento democrata-constitucionalista-kaledinista), só uma implacável repressão militar dessa insurreição de escravistas pode de facto assegurar a revolução proletária e camponesa. O curso dos acontecimentos e o desenvolvimento da luta de classes na revolução fizeram com que a palavra de ordem «Todo o poder à Assembleia Constituinte», que não tem em conta as conquistas da revolução operária e camponesa, que não tem em conta o Poder Soviético, que não tem em conta as decisões do II Congresso dos Sovietes de deputados operários e soldados de toda a Rússia, do II Congresso de deputados camponeses de toda a Rússia, etc, com que tal palavra de ordem se tenha tornado de facto a palavra de ordem dos democratas-constitucionalistas e dos kaledinistas e dos seus cúmplices. Para todo o povo(1*) tornou-se inteiramente claro que a Assembleia Constituinte, se se divorciasse do Poder Soviético, estaria inevitavelmente condenada à morte política.

15. Uma das questões mais agudas da vida do povo é a questão da paz. A luta verdadeiramente revolucionária pela paz só se iniciou na Rússia depois da vitória da revolução de 25 de Outubro, e esta vitória deu os primeiros frutos na forma da publicação dos tratados secretos, da conclusão do armistício e do começo das negociações públicas sobre a paz geral sem anexações nem contribuições.

Só agora as vastas massas populares obtêm de facto, completa e abertamente, a possibilidade de ver uma política de luta revolucionária pela paz e de estudar os seus resultados.

Durante as eleições para a Assembleia Constituinte as massas populares estavam privadas desta possibilidade.

E claro que também neste aspecto é inevitável a falta de correspondência entre a composição dos eleitos à Assembleia Constituinte e a verdadeira vontade do povo na questão do fim da guerra.

16. O conjunto de circunstâncias acima expostas tem por resultado que a Assembleia Constituinte, convocada segundo as listas dos partidos existentes antes da revolução proletária e camponesa, numa situação de domínio da burguesia, entre inevitavelmente em conflito com a vontade e os interesses das classes trabalhadoras e exploradas, que a 25 de Outubro iniciaram a revolução socialista contra a burguesia. É natural que os interesses desta revolução estejam acima dos direitos formais da Assembleia Constituinte, mesmo se estes direitos formais não tivessem sido minados pela ausência na PB sobre a Assembleia Constituinte do reconhecimento do direito do povo a eleger novos deputados a qualquer momento.

17) Qualquer tentativa, directa ou indirecta, de examinar a questão da Assembleia Constituinte de um ponto de vista jurídico formal, no quadro da democracia burguesa habitual, sem ter em conta a luta de classes e a guerra civil, constitui uma traição à causa do proletariado e a passagem para o ponto de vista da burguesia. É um dever incondicional da social-democracia revolucionária prevenir todos e cada um contra este erro no qual caem alguns dirigentes do bolchevismo, que não souberam avaliar a insurreição de Outubro e as tarefas da ditadura do proletariado.

18) A única possibilidade de resolver sem dor a crise criada devido à não correspondência das eleições para a Assembleia Constituinte e a vontade do povo e os interesses das classes trabalhadoras e exploradas consiste na aplicação com a maior extensão e rapidez possível do direito do povo a proceder a novas eleições dos membros da Assembleia Constituinte, na adesão da própria Assembleia Constituinte à lei do CEC sobre estas novas eleições e na declaração da Assembleia Constituinte de que reconhece sem reservas o Poder Soviético, a revolução soviética, a sua política na questão da paz, da terra e do controlo operário, na adesão decidida da Assembleia Constituinte ao campo dos adversários da contra-revolução democrata-constitucionalista-kaledinista.

19) Sem estas condições, a crise relacionada com a Assembleia Constituinte só pode ser resolvida por via revolucionária, pela via das medidas revolucionárias mais enérgicas, rápidas, firmes e decididas por parte do Poder Soviético contra a contra-revolução democrata-constitucionalista-kaledinista, quaisquer que sejam as palavras de ordem e as instituições (mesmo a qualidade de membros da Assembleia Constituinte) com que se encubra esta contra-revolução. Qualquer tentativa de atar as mãos do Poder Soviético nesta luta seria cumplicidade com a contra-revolução.


Notas de rodapé:

(1*) No texto publicado no Pravda seguiam-se as palavras: «torna-se claro que esta palavra de ordem significa na realidade a luta pela supressão do Poder Soviético e . . .». (N. Ed.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[238N] Rada Central Ucraniana: organização nacionalista burguesa contra-revolucionária constituída pela coligação dos partidos e grupos burgueses e pequeno-burgueses nacionalistas ucranianos no Congresso Nacional de Toda a Ucrânia, realizado em Abril de 1917 em Kíev.
A Rada Central procurava consolidar o poder da burguesia e dos latifundiários ucranianos, criar um Estado burguês ucraniano, utilizando para isso o movimento de libertação nacional da Ucrânia. A Rada apoiava o Governo Provisório, embora estivesse em desacordo com ele na questão da autonomia ucraniana.
Depois da vitória da Revolução Socialista de Outubro a Rada declarou-se órgão supremo da «República Popular da Ucrânia» e travou uma luta aberta contra o Poder Soviético, sendo um dos centros da contra-revolução de toda a Rússia.
Em Dezembro de 1917, no I Congresso dos Sovietes de Toda a Ucrânia realizado em Khárkov, a Ucrânia foi proclamada República Soviética. O Congresso declarou abolido o poder da Rada Central. Em Dezembro de 1917 e em Janeiro de 1918 todo o território ucraniano foi percorrido por uma vaga de levantamentos armados dirigidos contra o poder da Rada Central, pela restauração do poder soviético. Em Janeiro de 1918 as tropas soviéticas da Ucrânia passaram à ofensiva e no dia 26 de Janeiro (8 de Fevereiro) ocuparam a cidade de Kíev, tendo derrubado o poder da Rada burguesa.
A Rada Central, depois de derrotada e expulsa do territótio nacional da Ucrânia Soviética, fez uma aliança com o imperialismo alemão e concluiu com ele uma paz separada. Em Março de 1918, a Rada voltou a Kíev junto com as tropas austro-alemãs que invadiram o território da Ucrânia. Os alemães, tendo-se convencido de que a Rada era absolutamente incapaz de esmagar o movimento revolucionário na Ucrânia e de garantir o fornecimento de víveres às tropas invasoras, dissolveram-na no fim de Abril. (retornar ao texto)

Inclusão 09/10/2007