O Socialimo e a Educação dos Filhos

A. S. Makarenko


Primeira Conferência — Condições Gerais da Educação Familiar


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A educação das crianças é um domínio muito importante de nossa vida. Nossos filhos são os futuros cidadãos do país e do mundo. Eles serão os forjadores da história. São os futuros pais e mães, e serão por sua vez os educadores de seus filhos. Devem tornar-se bons cidadãos, bons pais. Eles encarnam também a esperança de nossa velhice. Uma educação correta nos proporcionará uma velhice feliz, enquanto uma educação deficiente será para nós fonte de amarguras e lágrimas e nos tornará culpados ante todo o país.

Queridos pais, nunca vos esqueçais da grande importância desse problema e de vossas responsabilidades.

Iniciamos, hoje, um ciclo de conferências sobre educação familiar. Seus diversos aspectos, como a disciplina e a autoridade paterna, os jogos, a alimentação e o vestuário, a urbanidade, etc., são todos muito importantes e seu desenvolvimento, que exige métodos adequados, será tratado mais adiante em modo minucioso. Hoje consideraremos previamente alguns princípios gerais que devem sempre ser levados em conta.

Antes de mais nada, devemos salientar que educar correta e normalmente a criança é muito mais fácil que reeducá-la. Uma educação correta desde a mais tenra infância não é uma tarefa tão difícil como muitos acreditam. Não há pai nem mãe que não possa realizá-la com facilidade se realmente se empenhar em fazê-lo e é, por outro lado, uma tarefa grata, agradável e feliz. A reeducação é uma coisa completamente diferente. Se o processo educativo sofreu sérias falhas e omissões, se foi realizado improvisadamente, de modo negligente ou leviano, será necessário reformar e corrigir muita coisa. E a tarefa de correção, de reeducação já não é coisa fácil. Exige esforços, conhecimentos e paciência que nem todos os pais possuem. Em certos casos a família se sente impotente para aplainar as dificuldades da reeducação e se vê obrigada a internar o filho ou a filha em uma colônia de trabalho. Por vezes, até mesmo a colônia nada mais pode fazer, daí resultando um homem inadaptado para a vida. E mesmo no caso de a reforma ter sido eficaz e dela resultar um homem trabalhador, todos ficariam satisfeitos porque vêem a parte positiva, mas ninguém calcula o quanto se perdeu. Se a educação do mesmo indivíduo tivesse sido correta desde o início, teria aproveitado mais experiências construtivas da vida e seria melhor dotado, mais preparado e, portanto, mais feliz. Além disso, o trabalho de reeducar, de reformar, não só é difícil como também penoso. Mesmo no caso de completo êxito, ocasiona constante amargura aos pais, desgasta seu sistema nervoso e altera frequentemente seu caráter.

Recomendamos aos pais recordarem sempre a necessidade de educar de modo a não ser necessário reformar mais tarde, que tudo se processe corretamente desde o próprio início.

Muitos erros no trabalho familiar provêm do fato de os pais se esquecerem dos tempos em que vivem. Agem como bons cidadãos da União Soviética, como membros de uma sociedade nova, socialista, em seu emprego e na sociedade, mas no lar, entre os filhos vivem à antiga. Desde logo não se pode afirmar que na velha família de antes da Revolução tudo era mau; muito pode ser aproveitado de sua experiência, mas é necessário recordar sempre que nossa vida difere muito da antiga do. ponto de vista dos princípios em que repousa. Vivemos em uma sociedade sem classes que por enquanto só existe na URSS, temos diante de nós grandes batalhas com a burguesia agonizante, e uma grande construção socialista. Nossos filhos devem converter-se em construtores ativos e conscientes do comunismo.

Os pais devem pensar em que se diferencia a família soviética da antiga. Antigamente, por exemplo, o pai tinha mais poder e os filhos viviam submetidos a seu arbítrio incontrolado, sem poder eludir sua autoridade. Muitos abusavam dela e tratavam seus filhos com crueldade, despoticamente. O Estado e a Igreja Ortodoxa apoiavam essa autoridade porque convinha a uma sociedade de exploradores. Em nossa família, ao contrário, a situação é diferente. A moça, por exemplo, não esperará que os pais lhe busquem um noivo, o que não significa que nossa família não deva guiar os sentimentos dos filhos. Mas, é evidente que esta direção já não pode mais prender-se aos mesmos métodos e deve elaborar novos, de acordo com nossos princípios.

Na sociedade antiga cada família pertencia a uma classe, e seus filhos, em regra geral, permaneciam na mesma classe. Filho de camponês tomava-se camponês e de operário, também operário. Nossos filhos, ao contrário têm amplas possibilidades de escolha, em que desempenham papel decisivo unicamente sua capacidade e preparo e não as possibilidades materiais da família. Nossos filhos, assim, gozam de possibilidades incomparáveis. E isso o sabem pais e filhos. Em tais condições torna-se impossível qualquer arbitrariedade paterna e existe a necessidade de uma direção mais racional, cuidadosa e hábil.

A família deixou de ser patriarcal. Nossas mulheres gozam dos mesmos direitos que os homens e os da mãe são iguais aos do pai. O lar constitui uma coletividade soviética, não sendo mais submetido à autocracia paterna. Os pais possuem no lar certos direitos. Qual a sua fonte?

Antigamente considerava-se que a autoridade paterna tinha origem divina: a vontade de Deus, e um mandamento especial prescrevia o acatamento aos pais. Os sacerdotes explicavam-no nas escolas, contando às crianças como Deus castigava cruelmente aos que não obedeciam a seus pais. No Estado soviético não enganamos as crianças. Os pais possuem autoridade no seio de sua família porque são por ela responsáveis ante a sociedade e a lei. Apesar de todos os seus integrantes constituírem um coletivo de membros sociais de iguais direitos, a diferença consiste em que os pais o dirigem, enquanto os filhes nele se educam.

É necessário que os pais tenham uma ideia perfeitamente clara sobre tudo isto.. Cada qual deve compreender que não é senhor absoluto da família, mas unicamente o membro mais velho e o mais responsável. Se isto for completamente compreendido, todo o trabalho educativo se desenvolverá acertadamente.

Sabemos que esta tarefa nem sempre se realiza com êxito igual. Depende de muitas causas, fundamentalmente da aplicação de métodos educativos corretos; mas a própria organização e a estrutura da família constituem fator muito importante. E isto depende, em certa medida, de nossa vontade. Pode-se, por exemplo, afirmar categoricamente que a educação de um filho único é muito mais difícil do que a educação de vários filhos. Mesmo quando a família atravessa certas dificuldades materiais não deve limitar-se a um só filho. O filho único rapidamente se transforma no centro da família. Provoca nos pais preocupações que geralmente excedem o normal. O amor paterno se caracteriza nesses casos por certo nervosismo. A doença ou a morte desse filho se tornam extraordinàriamente penosos aos pais e só o temor de tal desgraça provoca neles permanente e profunda preocupação, privando-os da tranquilidade necessária. Com muita frequência o filho único se acostuma a sua situação excepcional e se transforma em verdadeiro déspota da família. Para os pais é por vezes muito difícil moderar seu amor e preocupação por ele e sem querer formam um egoísta.

Só numa família com vários filhos a preocupação paterna pode ter um caráter normal e distribuir-se uniformemente entre todos. Numa família numerosa, a criança se acostuma desde a infância à vida coletiva, adquire a experiência de conviver com outros, e se estabelece entre os mais velhos e menores a amizade e o amor. Num tal ambiente a vida proporciona à criança a possibilidade de exercitar-se nas diversas formas das relações humanas. Tem a oportunidade de passar por experiências inacessíveis aos filhos únicos: o amor ao irmão mais velho e ao menor — sentimentos que são completamente diferentes — e a capacidade de partilhar com eles as coisas e os afetos. Numa família numerosa a criança se acostuma a cada passo, até nos brinquedos, a viver em ambiente social, fator importantíssimo para a educação soviética. Este problema não tem a mesma influência na família burguesa, uma vez que a sociedade é estruturada em princípio egoísta.

Existem também outros casos de família incompleta, como o de pais separados. A separação dos pais tem um reflexo muito prejudicial sobre a educação da criança, principalmente quando os pais fazem disso um motivo de brigas e não ocultam sua animosidade recíproca.

O casal que quer separar-se deve pensar em seus filhos. As desavenças, quaisquer que sejam, precisam ser resolvidas discretamente, e, uma vez separados, os pais devem ocultar aos filhos a hostilidade e o rancor pelo ex-cônjuge. Um pai que abandona sua família, não pode continuar encarregado da educação dos filhos, e, não podendo por isso influir beneficamente em sua família anterior, será melhor que se faça esquecer por ela, o que será mais honesto. Isto não significa, no entanto, que se extinguem suas obrigações materiais para com os filhos abandonados.

o problema da estrutura familiar é muito importante e precisa ser encarado com toda seriedade.

Se os pais amam verdadeiramente seus filhos e querem educá-los da melhor forma possível, procurarão evitar com que suas desavenças os levem à separação, que sempre cria uma situação difícil para as crianças.

Outro problema igualmente sério é o dos objetivos da educação. Observa-se por vezes total despreocupação a respeito: os pais se limitam simplesmente a conviver com os filhos e confiam em que tudo se resolva por si mesmo. Não têm objetivos claros e um programa definido. É lógico que, em tais condições, os resultados são sempre contingentes, o que não impede que os pais fiquem mais tarde assombrados com os defeitos dos filhos. Nenhuma tarefa pode ser bem realizada se não se sabe quais são seus objetivos.

O pai e a mãe devem saber exatamente como querem educar seu filho. Devem determinar claramente suas aspirações a respeito. Desejam formar um verdadeiro cidadão soviético, um homem preparado, enérgico, honesto, fiel a seu povo, à causa revolucionária, trabalhador, corajoso, cortez? Ou querem que o filho se converta em um pequeno burguês, avaro, covarde, num negocista astuto e mesquinho? Bastará ter o trabalho de meditar bem a respeito para ver imediatamente os inúmeros erros que se cometem e os caminhos certos a seguir.

Ao mesmo tempo, a paternidade não se reduz à educação dos filhos e a ser uma fonte de alegria pessoal. O filho que se forma sob nossa direção é o futuro cidadão, um homem que participará ativa

mente na vida social, um lutador. Se o educarmos mal, o prejuízo não será só nosso, mas também de nosso pais. Não podemos deixar de lado este aspecto ou considerá-lo simplesmente como secundário. Envergonhamo-nos quando, em nossa fábrica ou estabelecimento, produzimos artigos inferiores. Muito mais vergonhoso é produzir para a sociedade homens deficientes ou daninhos!

Bastará meditar com seriedade sobre este problema para que ressalte sua importância e se tornem desnecessárias muitas palestras sobre educação, e também para que se verifique imediatamente o que deve ser feito. Mas nem todos os pais meditam sobre este problema. Amam seus filhos, sentem prazer em sua companhia e se orgulham deles, mas esquecem completamente sua responsabilidade moral pela formação do futuro cidadão.

Um mau cidadão, que se desinteressa completamente pela vida do país, por suas lutas e triunfos, e que nunca se preocupou com os ataques dos inimigos, poderia, por acaso, ter semelhante cuidado? É evidente que não. Mas não vale a pena falar de tais tipos; são poucos em nosso país.

Mas existe também outra espécie de pessoas. São as que se sentem como cidadãos quando estão em sociedade ou no ambiente de trabalho, mas que são indiferentes aos problemas domésticos: em casa se limitam a silenciar os problemas, ou, ao contrário, se comportam de modo indigno a um cidadão soviético. Antes de se iniciar a educação dos filhos é preciso que se analise a própria conduta.

Não se deve separar as questões familiares das sociais. A atividade que se desenvolve no trabalho ou no ambiente social deve refletir-se também no lar, onde a personalidade civil e política do pai deve identificar-se com a familiar. Os filhos devem acompanhar os êxitos do país através do espírito e do pensamento dos pais. Tudo o que acontece na fábrica, as coisas promissórias ou afligentes também devem interessar aos filhos. Estes devem saber que o pai é um homem de atuação social e orgulhar-se disso, de seus êxitos e de seus méritos perante a sociedade. Mas esse orgulho será sadio se compreenderem sua essência social e não se alegrarem simplesmente porque o pai possui uma boa roupa, um automóvel ou uma espingarda de caça.

O modo de agir dos pais é um fator decisivo. O exemplo é o melhor método educativo. Não se pense que se educa uma criança apenas quando se conversa com ela, se lhe ensina ou manda. Os pais a educam em todos os momentos, até mesmo quando estão ausentes. Tudo possui grande importância para a criança: a forma com que os pais se vestem, conversam com os outros ou sobre os outros, exteriorizam sua alegria ou aborrecimento, o modo de tratar os amigos e os adversários, sua maneira de rir, ler o jornal. A criança percebe ou sente a menor modificação no tom dos pais; todas as mudanças em seus pensamentos a alcançam por caminhos invisíveis que não se percebem à primeira vista. Quando o pai se comporta grosseira ou jactanciosamente em casa, se se embriaga ou, pior ainda, se ofende à esposa, causa muito mal aos filhos, os educa mal, e seu comportamento indigno terá as mais lamentáveis consequências.

O respeito do pai à família, o controle de cada ato seu, o cumprimento do próprio dever, constituem o primeiro e o mais importante método de educação.

Também existem pais que acreditam poder resolver o problema por meio de uma inteligente receita educativa. Pensam que com essa receita um ocioso pode educar de modo construtivo, um patife poderá formar um cidadão honesto, um mentiroso uma criança que ame a verdade.

Tais milagres não acontecem. Não há receita que produza efeito se o educador não possui as condições necessárias.

Em primeiro lugar, deve-se dedicar séria atenção aos próprios defeitos e deixar de lado os pretensos recursos das artimanhas pedagógicas. Infelizmente há pessoas que crêem nelas. Um inventa um castigo especial, outra apela para prêmios, o terceiro faz gracinhas para divertir as crianças, o quarto 85 seduz com promessas.

A educação exige um tcan sério, simples e sincero. São qualidades que devem servir de base para nossa vida. A menor falsidade, artifício, bufonaria ou frivolidade condenam ao fracasso o trabalha educativo. Isto não quer dizer, absolutamente, que se deva ser sempre severo, afetado; é preciso, ser simplesmente sincero, que o estado de ânimo da pessoa corresponda ao momento e à essência do que acontece no seio da família.

Os artifícios dissimulam a realidade e dispersam a atenção dos pais, fazendo com que percam tempo.

E quantos se queixam de falta de tempo!

É muito bom que os pais passem com os filhos o maior tempo possível e é muita ruim quando nunca os vêem. Mas isto não significa que não se deva tirar os olhos de cima deles. Uma educação assim só pode ser prejudicial; desenvolve um caráter passivo; os filhos se habituam demasiado à companhia dos adultos e seu desenvolvimento espiritual se torna muito acelerado. Os pais gastam de se vangloriar disso, mais tarde, no entanto, se convencem de que erraram.

É necessário que se saiba o que o filho faz, onde está, com quem está, mas é precisa dar-lhe a liberdade necessária para que não viva exclusivamente sob a influência pessoal dos pais, mas que experimente também as diferentes influências da vida. Não se creia que se deva resguardá-lo das influências negativas e mesmo das hostis, pois, de qualquer maneira, terá que deparar, em sua vida, com as mais diversas tentações, com homens e circunstâncias estranhas ou prejudiciais. È necessário formar nele a capacidade de se orientar no meio delas, lutar contra elas, aprender a conhecê-las no momento oportuno. Com uma educação de estufa, com o isolamento é impossível formar essa capacidade. Para isso é conveniente que a criança conheça diversos ambientes, sempre com a devida vigilância.

É necessário ajudar a criança no devido momento, detê-la oportunamente quando se desvia e orientá-la. É uma tarefa em que a constância é decisiva, mas sem se chegar ao extremo de levar, como se usa dizer, a criança pela mão. Referir-nos-emos oportunamente a este problema, de modo mais pormenorizado. A educação não exige muito tempo; o que importa é seu aproveitamento racional. E cabe aqui repetir: a educação se processa em todos os momentos, mesmo quando os pais estão ausentes.

A verdadeira essência do trabalho educativo não consiste, na realidade — como se deverá ter depreendido — nas conversas com a criança, na influência direta sobre ela, mas na organização da família, na organização da vida da criança e no exemplo nue se lhe dá com a vida privada e social. O trabalho educativa é acima de tudo um trabalho de org?,nização. Neste assunto não existem, por isso, pequenezas. Nunca se deve considerar uma coisa como sem importância e relegá-la ao esquecimento. É lun erro grosseiro pensar que se deva concentrar a atenção numa coisa que se iulgue importante, deixando de lado tudo o mais. Não há pequenezas na tarefa educativa. Uma fita aue se amarra nos cabelos da menina, um chapeuzinho, um brinquedo, tudo isso são coisas que podem desempenhar um papel de grande importância em sua vida. Uma boa organização consiste precisamente em não omitir as menores minúcias e circunstâncias. Os pormenores agem com regularidade, diàriamenfe, em todas as horas, e são os componentes da vida. Guiar e organizar essa vida é o problema paterno de maior responsabilidade.

Nas conferências seguintes examinaremos de forma mais detalhada os diversos métodos da educação familiar. A de hoje foi uma introdução.

Façamos um breve resumo do que dissemos.

A educação deve ser correta desde o início, para que mais tarde não seja necessário reeducar, o que é muito mais difícil.

Os pais devem lembrar-se de que dirigem a nova família soviética. Na medida do possivel devem conseguir que ela se estruture corretamente.

É preciso estabelecer objetivos e programas precisos para a tarefa educativa.

Ter sempre em mente que a criança não é só um motivo de alegria para os pais, mas que é o futuro cidadão, o que encerra uma responsabilidade para com o país.

É preciso, antes de tudo, que se seja um bom cidadão e infundir na família o sentido da própria dignidade cívica.

É necessário ser o mais exigente possível em relação à própria conduta.

Não se deve confiar em nenhum tipo de receitas nem artifícios. Deve-se ser sério, simples e sincero.

É um erro pensar que a educação exige muito tempo; é preciso saber guiar a criança e não colocá-la à margem da vida real.

No trabalho educativo o principal é a organização da vida familiar, levando-se em conta atentamente todos os detalhes.


Inclusão 13/09/2012