Sobre o Fascismo

Ernest Mandel

IV


Como esta teoria trotskista do fascismo suporta o confronto com as teorias provenientes de outras correntes do movimento obreiro? Quais são os traços específicos que aparecem quando se compara a teoria de Trotski com outros estudos sobre o fascismo baseados também no método marxista?

O mais chocante nos autores social-democratas é o pragmatismo, o tom de desculpa que utilizam nas suas análises: a teoria deve vir em ajuda duma prática arqui-oportunista e explicar o seu fracasso pola «culpa dos nossos opositores». Nessa época, este oportunismo não tinha ainda cortado o cordão umbilical que o ligava ao marxismo vulgar, fatalista e objectivista de Kautsky. Quando não se invoca «culpa dos nossos opositores», é o peso das contradições objectivas que se deplora: a «relação de forças» não permitia melhores resultados. O facto de, pola acção, se poder modificar esta relação de forças — em particular, o facto de, pola própria passividade, se fazer pender a relação de forças em favor do inimigo de classe — nunca foi assimilado por esta escola. O conteúdo essencial destas teorias aparece claramente na tese segundo a qual a agitação radical dos «bolcheviques» forneceu a ocasião, ou, polo menos, uma desculpa ao fascismo para mobilizar as camadas amedrontadas e conservadoras da população: o fascismo é o castigo que inflige a grande burguesia ao proletariado pola sua agitação comunista. «Se não quiserem assustar a pequena burguesia e aborrecer os grandes capitalistas, mantenham-se moderados». A cordura muito liberal da «via dourada»(1) esquece com efeito que é precisamente a falência do parlamentarismo burguês «moderado», rotineiro, confrontado com a intensificação da crise estrutural do neo-capitalismo que lança a pequena burguesia desesperada nos braços dos fascistas. O meio para impedir isto é propor uma alternativa eficaz, surgida da actividade militante quotidiana. Se esta alternativa não for avançada, e se a pequena burguesia, pauperizada e em vias de perder os seus privilégios de classe, se encontrar perante a escolha entre um parlamentarismo impotente e um fascismo em plena força, optará, sem qualquer dúvida, polo fascismo. E é precisamente a «moderação», a reserva e o temor da classe obreira que reforçam nas massas o sentimento de que o fascismo será o vencedor.

A fraqueza da teoria social-democrata do fascismo é particularmente revelada na tese «agarrai-vos à legalidade a qualquer preço». Esta tese decorre da falsa convicção segundo a qual, enquanto que os fascistas abandonam a esfera da legalidade, as organizações dos trabalhadores assalariados devem contentar-se estritamente em agir nesta esfera. Este ponto de vista particular esquece o facto que a legalidade e o Estado não são reificações de conceitos abastractos, mas sim a expressão de classes e de interesses sociais concretos. A «legalidade» e o «Estado» eram, em última análise, os juízes, os coronéis e os comandantes cujas ligações com os seus «camaradas» do Stahlhelm e dos S.S. era múltiplas e que odiavam e combatiam o movimento organizado dos trabalhadores tanto como os bandos fascistas, mesmo quando o faziam duma maneira mais «civilizada». Querer utilizá-los como defesa contra estes bandos significa na realidade enfrentá-los de mãos vazias.

O isolamento na análise (hipostatização) dos factores «crise econômica» e «desemprego de massa» constitui um elemento importante na teoria do fascismo dos social-democratas: se não houvesse crise econômica, o perigo do fascismo desapareceria. Assim esquece-se que a crise estrutural é mais importante que a crise conjuntural, e que, enquanto uma persistir, as melhorias experimentadas pola outra não podem de modo nenhum cambiar fundamentalmente a situação. Isto aprenderam os social-democratas belgas Spaak e de Mann à sua custa, quando concentraram todas as suas forças para reduzir o desemprego — sacrificando mesmo posições de força, e ainda mais, a capacidade de luita dos assalariados — e, apesar de todos os seus esforços, viram aumentar a vaga fascista e não o contrário.

Todos estes elementos da teoria social-democrata do fascismo se encontravam já nos primeiros livros que os social-democratas italianos consagraram à catástrofe que se abatia sobre as suas cabeças. Assim, Giovanni Zibordi escrevia já em 1922: «[...] são os excessos dos extremistas os responsáveis por este clima, é também o movimento obreiro e social no seu conjunto que tem responsabilidade por estes excessos empurrarem as camadas pequeno-burguesas e intelectuais, que todavia não tinham qualquer razão econômica séria para temer e odiar o socialismo, para os braços dos fascistas»(2). Turati dirá a mesma cousa alguns anos mais tarde: «Os excessos pró-bolcheviques (philobolshevik), que eram tão inacreditáveis e tão infantis, tiveram como conseqüência que o temor das classes dominantes de perder os seus privilégios fosse, em certos momentos, muito real e muito intenso [...]. Pode-se logicamente concluir que, se não tivesse sido esta atitude, a cooperação entre a plutocracia e os fascistas teria sido impossível»(3). É lamentável constatar que Angelo Tasca, outrora um comunista e um marxista, no livro que escrevera antes da Segunda Guerra Mundial, tenha chegado à conclusão que era impossível combater ao mesmo tempo o aparelho de Estado e o fascismo, e que, portanto, era necessário estabelecer uma aliança com um para combater o outro.(4)

A social-democracia alemã serviu uma dose (rehsh) vulgar e superficial de teses semelhantes. O seu maior teórico dos anos vinte, o antimarxista belga Hendrik de Mann, tentou soldar a psicologia da pequena burguesia e as suas relações com o fascismo e chegou à conclusão, mesmo depois da catástrofe na Alemanha, que era necessário não «alarmar» a pequena burguesia. Mais concretamente, tão bem trabalhou que a vaga de entusiasmo e de vontade dos trabalhadores para luitar por uma greve geral em 1935, se dissipou bruscamente; ele criara, assim, condições favoráveis a um enorme crescimento do fascismo na Bélgica a partir desse ano. Só Léon Blum foi assaz perspicaz para declarar, depois da tomada do poder por Hitler, que, se tinham alcançado a vitória os nazis, isso era o castigo pago pola social-democracia alemã por ter esmagado os gérmenes da revolução proletária depois do desmoronamento do Império alemão e ter assim libertado e consolidado todos estes elementos (do exército aos Freikorps) que os iriam agora exterminar selvaticamente.(5) Mas, o mesmo Léon Blum, quando se viu em face duma greve de massas, alguns anos mais tarde, limitou-se a reiterar a política de apaziguamento dos Ebert e Scheidemann, o que levou ao afundamento da III República e à tomada do poder polo bonapartismo senil do regime de Vichy.

A teoria do fascismo da III Internacional Comunista depois de Lenine passou a prova sem maior sucesso que a social-democracia. Sem dúvida que nela se podem encontrar os princípios duma compreensão mais profunda do perigo que ameaçava o movimento operário internacional. Podem encontrar-se elementos duma teoria marxista do fascismo nas obras de Clara Zetkin, Radek, Ignácio Silone e mesmo, às vezes, nas de Zinoviev. Mas, muito rapidamente, as luitas de fracções do Partido Comunista da U.R.S.S. abafaram a obra teórica da Komintern. O alvo já não era a de adquirir uma compreensão científica dos processos objectivos em curso, mas sim a de dar a direcção do K.P.D. (Partido Comunista Alemão) a uma fracção totalmente devotada e obediente a Estaline. Tudo o que dizia respeito à análise marxista e à luita revolucionária de classes estava subordinado a esta objectivo.

O resultado é bem conhecido: a teoria que considera o fascismo como expressão directa dos interesses dos «sectores mais agressivos do capitalismo dos monopólios» esquece completamente o carácter de massas, autónomo do movimento fascista. Desta concepção resultou a teoria segundo a qual o fascismo seria o «irmão gémeo» da social-democracia ao serviço do capital monopolista, assim a teoria da «fascização gradual» da república de Weimar, que dissimularam aos olhos dos trabalhadores a natureza catastrófica da tomada do poder polos fascistas, impedindo-os assim de combater este perigo iminente. Tudo isto foi coroado pola teoria do «social-fascismo» que conduziu, sob a sua forma extrema, à tese segundo a qual seria necessário derrotar primeiro a social-democracia para que fosse depois possível vencer ao fascismo.(6) Por fim apareceram as adições (addenda) tipicamente social-democratas e fatalistas: «A má gestão de Hitler fá-lo-á afundar-se a si próprio» (pola sua incapacidade para resolver a crise económica, entre outras razões) e «Depois de Hitler, será a nossa vez». Na prática pode ver-se como, através desta última frase, era considerada a tomada do poder por Hitler como inevitável e como se subestimavam incrivelmente as conseqüências desta tomada do poder no extermínio do movimento obreiro. Todas estas análises só podiam paralisar e embrulhar a resistência contra o ascenso do nazismo.

Foram necessários vinte e cinco anos de má consciência para que o movimento comunista «oficial» iniciasse uma discussão crítica sobre a falsa teoria estalinista do fascismo. A rotura prática com esta teoria teve lugar, com efeito, muito rapidamente quando já era tarde demais. A virada para a táctica de Frente Popular teve lugar em 1935 e implicou uma revisão completa da teoria do «social-fascismo» e uma orientação para um erro direitista paralelo, depois das conseqüências desastrosas do erro esquerdista.(7) Mas como os escritos e as proclamações de Estaline foram sacrossantos até 1956, a revisão prudente da teoria do «social-fascismo» só começou depois da pretensa destalinização.(8) Togliatti, dirigente do Partido Comunista Italiano, dizia em voz alta o que a maioria dos quadros comunista pensava em voz baixa e a muito oficial História do movimento obreiro alemão, publicada na Alemanha do Leste, submetia a teoria e a prática do K.P.D. dos anos 1930 a 1933 a uma crítica prudente mas metódica sem, no entanto, evitar novos erros na definição da natureza e função do fascismo.(9)

As teorias da «fascização gradual» e do «social-fascismo» contêm não só uma apreciação errada da conjuntura política e erros tácticos sobre a forma de conduzir a luita contra o ascenso do fascismo, como ignoram também completamente a principal característica do fascismo que Trotski soube revelar correctamente e à qual a história deu uma confirmação trágica.

O fascismo não é simplesmente uma nova etapa do processo polo qual o executivo do Estado burguês se torna cada vez mais forte e independente. Não é simplesmente a «ditadura aberta do capital monopolista». É uma forma especial do «executivo forte» e da «ditadura aberta», caracterizada pola destruição completa de todas as organizações da classe obreira — mesmo as mais moderadas e, sem nenhuma dúvida, da social-democracia. O fascismo tenta impedir fisicamente toda a forma de autodefesa da parte dos trabalhadores organizados, atomizando completamente estes últimos. Argumentar com o facto de que a social-democracia prepara o terreno ao fascismo para manifestar que a social-democracia e o fascismo são aliados e banir toda a unidade com um para combater o outro, é cometer um erro.

É justamente o contrário que é verdadeiro. Se a social-democracia, ao praticar a colaboração de classes e ao identificar-se com a democracia parlamentar falida, minou a luita de classe dos trabalhadores e preparou a tomada do poder polos fascistas, esta foi, por seu lado, o dobre de finados da social-democracia. As massas social-democratas, assim como mais dum dos seus dirigentes, tornavam-se cada vez mais conscientes disso à medida que o desastre se aproximava e projectava a sua sombra através de numerosos incidentes sangrentos. E esta tomada de consciência, que exprime todas as contradições da social-democracia, podia ter-se tornado, se uma táctica correcta de frente única tivesse sido aplicada, o ponto de partida para uma unidade real na acção e para a modificação real e súbita da relação de forças social e política, que podia conduzir não só à vitória sobre o fascismo, mas também sobre o capitalismo e, até, à vitória sobre a política de colaboração e de conciliação de classes da social-democracia.

Encontra-se a mesma incapacidade em compreender o carácter específico do fascismo num grupo de teóricos dos que se poderia dizer que estão a meio-caminho entre o marxismo e o reformismo vulgar. Assim, Max Horkheimer vê no fascismo «a forma mais moderna da sociedade capitalista de monopólio», Paul Sering (Richard Lowwenthal) tem uma percepção bastante semelhante quando diz que o nacional-fascismo é «o imperialismo planificado».(10) A origem destes dous pontos de vista encontra-se na tese sustentada por Hilferding segundo a qual a centralização política do poder no Estado burguês e a «forma suprema da concentração de capital», que ele via materializada no capital financeiro, se unem para formar um único todo. A predição que Hilferding fez em 1907, por mais brilhante e precisa historicamente (apesar de certas simplificações) que fosse, revelou-se imperfeita durante os anos que precederam e seguiram imediatamente a tomada do poder por Hitler. Não se pode compreender o fascismo se se afastarem os dous elementos seguintes da análise: o estado supremo de centralização do Estado burguês só pode ser atingido se a burguesia abdicar do seu poder político,(11) e, este novo fenômeno não é a «forma mais moderna da sociedade capitalista de monopólio», mas, ao contrário, a forma mais aguda da crise desta sociedade.(12)

No seu livro, O Fascismo — As suas origens e o seu desenvolvimento, Ignazio Silone tenta, não sem sucesso, apresentar o fascismo como resultando da crise estrutural profunda da sociedade burguesa italiana e da incapacidade simultânea, por parte do movimento obreiro italiano, em resolver esta crise através duma transformação socialista.(13) Faz correctamente a distinção entre o fascismo e uma ditadura militar «clássica» ou um bonapartismo.(14) Mas a definição que dá da «imaturidade política» do movimento obreiro acaba precisamente no ponto onde começa o problema. Qual foi o factor que impediu o movimento obreiro de se tornar o representante de todas as camadas exploradas da nação, de ganhar ou neutralizar as largas camadas da pequena burguesia e de colocar a luita pola tomada do poder na ordem do dia? Não é por acaso que o conceito de «revolução socialista» quase não aparece no livro de Silone e também não é por acaso que este autor não compreendeu que, para realizar as tarefas complexas que ele próprio descreveu, um plano estratégico é necessário, um plano que só pode ser elaborado e realizado por um partido revolucionário, criado com esta finalidade. Apesar das suas críticas aos reformistas e aos maximalistas italianos, assim como às tendências fatalistas e ultra-esquerdistas do jovem Partido Comunista Italiano, serem correctas, não conduzem a nenhuma alternativa, e dão a impressão de que a «imaturidade política» e a capacidade para assumir a direcção política são ora acidentes biológicos («na Rússia havia Lenine»), ora resultados de algum destino místico. Compreende-se facilmente que Silone não podia permanecer por muito tempo nesta posição típica de transição; virou ràpidamente para o reformismo.

Além da de Trotski, as duas contribuições mais importantes à teoria do fascismo dum ponto de vista marxista no decurso dos anos vinte e trinta, são as de August Thalheimer e de Otto Bauer.(15) A análise de August Thalheimer aproxima-se mais da de Trotski. Mas, apegando-se demais à análise que Marx fez no século XIX do bonapartismo e exagerando a «fascização gradual», A. Thalheimer sub-estima a diferença qualitativa entre bonapartismo e fascismo: no primeiro, há uma autonomia crescente do aparelho de Estado acompanhada por uma repressão «tradicional» sobre o movimento revolucionário; no segundo, há uma autonomia crescente do aparelho de Estado, acompanhada pola destruição de todas as organizações da classe obreira e pola tentativa de atomizar completamente os trabalhadores através dum movimento pequeno-burguês. Além disso, a análise de Thalheimer reduz o problema do fascismo ao problema da relação de forças sócio-políticas (a classe obreira não é ainda capaz de exercer o poder político, a grande burguesia já não é capaz de o exercer) sem pôr em relevo a ligação desta relação de forças com a crise estrutural do neo-capitalismo.(16)

A teoria de Trotski sobre o fascismo reúne os elementos contraditórios numa unidade dialéctica. Por um lado, mostra as forças motrizes que, na época da crise estrutural do capitalismo, tornavam possível a conquista e o exercício do poder político pola classe obreira. Evita fazer a confusão, particularmente grave, entre a imaturidade histórica objectiva da classe operária francesa entre 1848 e 1850 e a imaturidade puramente subjectiva da classe obreira alemã entre 1918 e 1933 que se encontrava em contradição directa com as possibilidades objectivas.

Por outro lado, a teoria do fascismo de Trotski centra-se no carácter funcional da «autonomia crescente» do aparelho de Estado sob o fascismo, que tem precisamente por finalidade transformar radicalmente as condições de produção e de extração da mais-valia em favor da grande burguesia, eliminando toda a resistência de classe organizada por parte do proletariado. A crise estrutural é assim temporariamente resolvida até a próxima explosão.

Otto Bauer, na sua teoria, vê o fascismo como da unidade de três elementos: o desclassamento de alguns sectores da pequena burguesia, devido à guerra; a pauperização de outros sectores devida à crise econômica, que os empurra a romper com a democracia burguesa; e o interesse que tem o grande capital em elevar a taxa de exploração dos trabalhadores, o que exige a eliminação da oposição da classe obreira e das suas organizações.(17) Reconhece correctamente que «o fascismo não ganhou no momento em que a burguesia estava ameaçada pola revolução proletária, mas sim quando o proletariado já tinha sido enfraquecido e reduzido à defensiva muito tempo antes, num momento em que o ascenso revolucionário estava já em refluxo. A classe capitalista e os grandes proprietários não confiaram o poder de Estado aos grupos fascistas para se protegerem duma revolução proletária ameaçadora, mas sim para reduzir os salários, destruir as conquistas da classe obreira e eliminar os sindicatos e as posições de força política ocupadas pola classe operária; não para suprimir um socialismo revolucionário (revolutionary socialism), mas para destruir as conquistas do socialismo reformista».(18)

Ainda que esta análise seja superior às dos reformistas vulgares, que arremedam a própria tese dos fascistas dizendo que o fascismo foi tão só uma resposta ao «perigo bolchevique», subestima fatalmente a crise estrutural profunda que sacudiu o capitalismo em Itália de 1918 a 1927 e na Alemanha de 1929 a 1933. Esta crise não consolidou, mas polo contrário enfraqueceu a ordem social, e assim aumentou as condições objectivas que tornavam possível a existência duma estratégia orientada para a tomada do poder pola classe obreira.

Bauer, como Thalheimer, vê na vitória do fascismo o resultado lógico da contra-revolução que se propagou progressivamente depois da derrota das iniciativas revolucionárias dos anos de 1918 a 1923. Não discerne o facto que os quinze anos que vão de 1918 a 1923 foram marcados por um fluxo e um refluxo periódicos das possibilidades revolucionárias, e de nenhum modo por um declínio linear. A distinção mecânica entre «ofensiva» e «defensiva» só obscurece as relações que as ligam.

E esta análise inadequada conduziu a graves erros tácticos. Acreditando estar numa « fase defensiva», Otto Bauer, o «socialista revolucionário», pensava que a única cousa a fazer era permanecer nos seus postos na espera do ataque da reacção clerical-fascista contra as organizações da classe obreira. Nesse momento, e só nesse momento, tinham-se de se defender por todos os meios, incluindo as armas. É assim que se assistiu à luita heróica do Schtuzbund (Liga de defesa) em Viena, em Fevereiro de 1934 que, sem dúvida, dominou a capitulação sem combate do S.P.D. (Partido social-democrata alemão) e do K.P.D. perante o regime nazi, mas que, no entanto estava votada ao fracasso. Porque só quando o movimento obreiro reconhece a amplitude da crise estrutural e declara explicitamente que tem a intenção de resolver esta crise exclusivamente polos seus próprios métodos, e assim define a luita polo poder como um objectivo imediato, pode ganhar as camadas médias e os outros sectores vacilantes da população que o statu quo, incluindo a estrita «defesa» das organizações obreiras, não atrai.

Um historiador clarividente como Arthur Rosenberg fez coincidir o fim da República de Weimar com o ano de 1930. Escreveu: «Em 1930, a república burguesa caiu na Alemanha porque a sua sorte se encontrava nas mãos da burguesia e porque a classe obreira já não era bastante forte para salvá-la».(19) A historiografia fatalista de Rosenberg esquece que dispunha de três anos a classe obreira, se a direcção não tivesse falhado a sua tarefa, para salvar, não a democracia burguesa, mas os elementos democráticos que valiam a pena extirpando-os à democracia burguesa para confiá-los ao socialismo.


Notas:

(1) No Manifesto Comunista, MARX e ENGELS ridiculizavam já o argumento liberal segundo o qual os comunistas faziam o jogo da reacção conservadora. Durante a revolução de 1848, repetia-se incansavelmente que, se os maliciosos «socialistas» não tivessem lá estado, os regimes constitucionais liberais se tivessem podido consolidar por toda a parte, mas os socialistas tinham atemorizado à burguesia e tinham-na lançado nos braços de reacção. Depois da Revolução Francesa, os conservadores, por seu lado utilizaram um argumento semelhante contra os liberais; se não tivessem havido os excessos da Convenção e da Constituição «radical de esquerda» do ano II, a monarquia nunca teria sido restaurada. Manifestamente, não há hoje nada de novo sob o sol. (retornar ao texto)

(2) Giovanni ZIBORDI, Der Fascismos als antisozialistische Koalition, NOLTE, op. cit., pp. 79-87. (retornar ao texto)

(3) Filippo TURATI, Fascismos, Sozialismus und Demokratie, NOLTE, op. cit., pp. 143-155. (retornar ao texto)

(4) Angelo TASCA, Nascita e Avvento del Fascismo, La Nuova Italia, Firenze, 1950; publicado em inglês sob o título, The Rise of Italian Fascism, 1918-1922, Mithuen, London, 1938. (retornar ao texto)

(5) Ver, entre outros, Hendrick DE MANN, Sozialismus und National-Fascismus, A. Prosse Verlag, Postdam, 1931; as memórias de SEVERING, Mein Lebensweg, cap. II: «In, auf und ab der Politik», Greven Verlag, Köln, 1950; as memórias de Otto BRAUN, Von Weimar zu Hitler, Europa Verlag, New York, 1940, etc.
Otto Braun desculpa a sua miserável capitulação quando do golpe de Papen a 20 de Juho de 1932 dizendo que, devido à crise econômica e aos milhões de desempregados, uma greve geral como a que tinha derrotado o putsch de Kapp doze anos antes era impossível. Esquece que na altura deste putsch a economia alemã atravessava igualmente uma crise profunda. (retornar ao texto)

(6) Ver a documentação exaustiva in Theo PIRKER, Komintern und Fascismus 1920-1940, Deutsche Verlagsanstalt, München, 1965. O estudo da imprensa oficial do Komintern e do K.P.D. entre 1930 e 1933 fornece, no entanto os ensinamentos mais preciosos. (retornar ao texto)

(7) Na teoria do «social-fascismo», o papel objectivo da direcção social-democrata (que é certamente um factor tendente a estabilizar o statu quo da sociedade burguesa em declínio) é arbitrariamente isolado da sua base de massas e da forma específica que tinha; na teoria da Frente Popular, por outro lado, a vontade antifascista das massas e a pressão que elas exerciam sobre a direcção social-democrata para a autodefesa contra o perigo de extermínio polo fascismo, são também arbitrariamente isolados do contexto social geral caracterizado pola crise estrutural do neocapitalismo. No primeiro caso, as massas são paralisadas pola divisão; no segundo caso são brutalmente frenadas por respeito para com o parceiro burguês «liberal» da política de Frente Popular. O pêndulo passou dum desvio oportunista de esquerda a um desvio oportunista de direita, sem no entanto passar pola posição correcta, que é a da unidade de acção dos trabalhadores (dotada duma dinâmica clara, objectivamente anticapitalista). (retornar ao texto)

(8) Mesmo no fim dos anos cinqüenta, tentava-se desesperadamente justificar a política do K.P.D. dos anos 1930 a 1933. Ver, entre outros, a brochura Les Origines du fascisme, publicada na série «Recherches internationales à la lumière du marxisme», Editions La Nouvelle Critique, n.º 1, Paris, 1957. (retornar ao texto)

(9) Geschichte der deutschen Arbeiterbewegung, Dietz Verlag, Berlin, 1966, cap. IV, pp. 168, 171, 206, 239, 288, 303-310, 312, etc. Esta crítica tardia reconhece, sobre praticamente todos os pontos, que Trotski tinha razão... sem mesmo citar o seu nome uma única vez! (retornar ao texto)

(10) E. NOLTE, op. cit., pp. 55, 66, etc.; Harold LASKI, Reflections on the Revolution of our Time, Allen and Unwin, London, 1943. (retornar ao texto)

(11) Seria interesante procurar as causas profundas desta necessidade que se encontram, segundo nós, não só na dificuldade de atomizar a classe operária polo terror — tarefa que um aparelho repressivo «normal» é incapaz de levar a cabo —, mas também na natureza própria dum modo de produção baseado na propriedade privada dos meios de produção. Porque, num tal modo de produção, há sempre um elemento de competição que faz com que os representantes directos das diversas empresas só podam progredir para o interesse comum da classe (ou melhor, da camada decisiva desta classe) negociando e reconciliando os interesses particulares e contraditórios.
Para que o interesse comum se exprima duma forma imediata e centralizada, isto é, sem longas, difíceis discussões e negociações, a instituição que representa o interesse comum não pode simultaneamente defender os interesses particulares, isto é, que a unidade do grande capital e a direcção política tem de ser eliminada. Compreende-se assim mais claramente a tendência da sociedade burguesa para a abdicação política em período de crise. (retornar ao texto)

(12) Robert A. BRADY comete um erro semelhante no seu livro The Spirit and Structure of German Fascism, Viking Press Inc., New York, 1937. (retornar ao texto)

(13) Ignazio SILONE, Der Fascismus — Seine Entstehung und seine Entwicklung, Europa Verlag, Zürich,1934, pp. 32, 46, 52, etc. (retornar ao texto)

(14) Ibid. p. 276. (retornar ao texto)

(15) August THALHEIMER, Ueber dem Fascismus, ABENDROTH, op. cit., pp. 19, 38; BAUER, op. cit., pp. 113-141. (retornar ao texto)

(16) Este aspecto foi sublinhado por Ruediger GRIEPENBURG e K.H. TJADEN, «Fascismus und Bonapartismus», Das Argument, n.º 41, Dezembro de 1966, pp. 461-472. (retornar ao texto)

(17) O.BAUER, op. cit., p. 113. (retornar ao texto)

(18) Ibid., p. 126. (retornar ao texto)

(19) Arthur ROSENBERG, Geschichte der Weimarer Republik, Europaeische Verlag, 1961, p. 211. (retornar ao texto)

Inclusão 06/05/2007
Última alteração 05/03/2016