Sraffa Depois de Marx

Cláudio Napoleoni

05 de Agosto de 1990


Primeira edição: excerto de um ensaio publicado em Rinascita 26 e está Incluído em Marx and Modern Economic Analysis (Aldershot, 1990).
Fonte: Revista Novos Rumos.
Tradução: Giovani Menegoz e Luiz Arturo Obojes.

HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Política de Acesso Livre: A Revista Novos Rumos oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo, seguindo o princípio de que disponibilizar gratuitamente o conhecimento científico ao público proporciona maior democratização mundial do conhecimento.


O fato de a sociedade ser a origem de uma opressão, está presente na relação capitalista como tal, ou seja, no valor absoluto — como nexo social abstrato — que subordina a todos, independentemente de sua posição no processo econômico (...). O problema essencial colocado pelo capitalismo não é o da expropriação dos proprietários e nem o da “ampliação” da propriedade do capital a “sujeitos” que foram até agora dela excluídos. É o do questionamento do lugar e do papel da produção, no ponto máximo de um processo histórico que reconduziu o próprio sujeito produtor à produção, ou seja, à objetivação.

O argumento “Marx depois de Sraffa” foi bastante estudado, após 1960, na literatura econômica. Não é um argumento muito interessante por que se sabia, bem antes de Sraffa, que a teoria do valor-trabaIho era inaceitável. Melhor, é necessário se atentar para o seguinte: A idéia de que a mais-valia, no entender de Sraffa, seja o efeito da produtividade do trabalho e que, por isso, o lucro — isto é, a apropriação de uma parte desta mais-valia pelos capitalistas – seja a conseqüência das instituições da sociedade burguesa que defendendo a propriedade do capital impedem o salário de absorver toda a mais-valia, é uma idéia que comporta a retomada literal do conceito de produtividade do trabalho como se encontra em Adam Smith. Trata-se de uma idéia para cuja crítica radical, se encontram em Marx todos os elementos necessários.

Mais interessante se apresenta, portanto, o argumento “Sraffa depois de Marx”, isto é, a questão de como deve ser interpretado Sraffa, tendo em conta os resultados teóricos obtidos por Marx, ou que podem ser obtidos com base em Marx.

Por conseguinte, o aspecto essencial da relação de Sraffa com Marx se apresentará do seguinte modo: o modelo contido na obra Produção de mercadorias por meio de mercadorias realiza a idéia própria e específica de Marx (ainda que antecipada por Ricardo), segundo a qual o capital é a totalidade, no sentido de que não é um aspecto do processo econômico (como nos neoclássicos), mas é o horizonte no qual cada aspecto determinado se desenvolve.

Sendo assim, a interpretação corrente (que, aliás, é a interpretação que Sraffa dava de si mesmo) deveria ser invertida: não se trata do fato de que o lucro existe porque o salário está impedido de absorver todo o produto líquido, mas do fato de que o salário (na medida em que significa uma participação no produto líquido acima da reintegração do “capital variável”) existe porque o lucro está impedido de absorver todo o produto líquido.

Nada de paradoxal nisso mas, simplesmente, a utilização do conceito marxiano de produtividade do capital. Naturalmente, também deve ser muito claro que esta ampliação do salário acima da mera recomposição da força-trabalho — esta ampliação, completamente arbitrária do ponto de vista do capital — é a própria base da democracia. Mas isso só confirma a tese, já sustentada por correntes importantes do pensamento político contemporâneo, segundo a qual capitalismo e democracia não são compatíveis entre si, podendo coexistir somente através de compromissos. É muito importante, obviamente, que a concepção do capital, como totalidade, seja a única que permita uma teoria econômica formalmente coerente; esta circunstância dá àquela concepção uma das confirmações mais impressionantes.

De outro lado, trata-se de uma concepção que, como vimos, não é compatível — ao contrário daquilo que Marx pensava — com alguma perspectiva de saída dialética do sistema historicamente dado. Se quisermos que uma perspectiva de saída não venha a faltar, o seu significado e o seu conteúdo devem ser completamente repensados com relação a Marx.


Inclusão 06/09/2014