A Luta de Classes em África

Kwame Nkrumah


Elitismo


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O elitismo é uma ideologia burguesa nascida durante a segunda metade do século xix, dos trabalhos de dois sociólogos italianos, Vilfredi Pareto (1840-1923) e Gaetano Mosca (1858-1941). Nesta época, a burguesia, que acabava de arrancar o poder político das mãos da aristocracia, via-se, por sua vez, ameaçada por uma classe operária cada vez mais activa e imbuída dos princípios marxistas. Pareto e Mosca pretendiam refutar a doutrina marxista e desmentir formalmente a possibilidade de uma revolução socialista que eliminaria o sistema de classes. Opondo-se a Marx, afirmavam que o talento político designava os verdadeiros dirigentes e que, por outro lado, toda a sociedade seria sempre governada por uma ou mais elites.

Os defensores do elitismo afirmam que é praticamente quase sempre uma minoria que detém o Poder, e que esta escapa ao controle da maioria, quaisquer que sejam as instituições democráticas em vigor. A coesão das elites é a sua força principal. Ainda que numericamente fracas em comparação com o conjunto da nação, possuem um poder desproporcionado com o seu tamanho.

A ideologia elitista é, portanto, perfeitamente ajustável à doutrina capitalista e justifica a dominação da burguesia numa sociedade de classes.

Uma tal ideologia, ao permitira defesa do mito da superioridade e inferioridade racial, intensifica os preconceitos raciais.

Recentemente o estudo das elites tem sido desenvolvido, e surgiu ultimamente uma multiplicidade de teorias elitistas. É interessante constatar que este desenvolvimento coincide historicamente com a explosão revolucionária que rebentou no mundo inteiro. Ao pretender trazer uma justificação para a continuação da exploração capitalista, os teóricos burgueses viram-se obrigados a aproveitar a doutrina elitista, porque nenhum argumento racional podia justificar a cruel irracionalidade do capitalismo. Tentaram demonstrar que haveria sempre uma elite no Poder e que um movimento estaria sempre nas mãos dos mais capazes. Deste modo, negam a estrutura das classes económicas, assim como a existência da luta de classes no seio da sociedade capitalista.

Um dos princípios fundamentais da teoria elitista pretende que o poder gera o poder, e que, no que diz respeito à política, as massas são apáticas, submissas e diferentes. A democracia foi definida como um conflito de oligarquias rivais. Está na moda, hoje em dia, falar-se de homens com poder de decisão e disentir que grupo ou grupos exercem realmente o Poder no seio de um Estado. Pergunte-se: «Existe concentração ou difusão do Poder? Como são tomadas as decisões políticas? São tomadas por uma elite no Poder? Qual é o grau de influência das massas?» Ou ainda: «As decisões políticas são o resultado do concerto entre várias elites? É verdade que os governos não governam, mas se limitam a controlar o aparelho estatal, estando eles próprios sob o controle duma autoridade oculta?»

Segundo os pluralistas, o Poder não está nas mãos de uma elite, mas de um conjunto de elites. Diz-se então que o Poder é cumulativo (sendo intervenientes a fortuna, o estatuto social e o poder político). Relacionado com esta ideia surge o conceito de consenso elitista ou coesão política de elites importantes.

Os primeiros elitistas não escondiam a sua intenção de demolir o mito da «democracia». Pretendiam provar que, nas pretensas democracias, o povo ou a maioria do povo não governa, e que, pelo contrário, isso é trabalho de uma elite. Indo mais longe, afirmam que participar no governo não é uma característica da democracia e não é um ideal essencial.

Não pode haver classes no seio de uma classe única. Pode haver várias elites no seio de uma só classe. As elites são o resultado do desenvolvimento e da formação de uma classe.

As estruturas sociais europeias são aproximadamente as seguintes:

A aristocracia tradicional — assente na propriedade imobiliária e títulos;

A classe média — assente nas finanças e dividida em alta, média e pequena burguesia;

A classe operária — assente na agricultura e indústria e dividida em média e baixa classe operária.

Na classe média (nova aristocracia) é preciso ainda citar os plutocratas, administradores, intelectuais, burocratas, tecnocratas, etc., cada um destes grupos constituindo uma elite. Com o progresso do desenvolvimento tecnológico e da especialização, os tecnocratas — outra burguesia — passam a participar activamente na vida política. Certos elitistas afirmam que a meritocracia, ou governo dos peritos, é agora realidade.

A burguesia africana tem elites europeizadas. Na época colonial, a elite era constituída por aqueles que estavam à cabeça dos conselhos legislativos e dos serviços administrativos, ou nas profissões jurídicas, médicas, administrativas, ou que desempenhavam altos cargos no exército e na polícia. A sua posição foi reforçada após a independência. De resto, já não estavam submetidos a uma autoridade colonial. Nos Estados novos, os membros das profissões liberais beneficiaram da política de africanização.

Foi também nesta época que surgiram o que se pode chamar «os novos ricos do partido». É uma elite que se desenvolveu no seio do próprio partido que arrancou a independência política ao colonialismo. As tendências de direita e de esquerda entraram em conflito, porque, uma vez conquistada a independência e o partido no Poder, os elementos de direita não ambicionavam senão o seu enriquecimento pessoal. Serviram-se das suas posições privilegiadas para se entregarem ao nepotismo e à corrupção, desacreditando assim o partido e abrindo o caminho a golpes de Estado reaccionários.

É então que, graças à aplicação de planos de desenvolvimento económico e — por vezes — ao encorajamento de empresas comerciais locais, os capitalistas indígenas em potência encontram novas ocasiões de fazer frutificar os seus negócios.

Mas, de um modo geral, os capitalistas africanos não são senão os subalternos do imperialismo. Recebem apenas as migalhas dos lucros tirados dos investimentos, das sociedades comerciais e dos quadros das empresas estrangeiras. Eis como, uma vez mais, caem nas armadilhas do neocolonialismo.

Devido à sua experiência colonial e neocolonial, a África não possui uma elite de homens de negócios. E como a maioria dos Estados africanos se concentra de preferência mais no sector público do que no sector privado da economia, os capitalistas africanos são pouco numerosos. Um homem de negócios africano interessa-se não tanto pelo desenvolvimento da indústria como pelo seu enriquecimento pessoal por especulação, o mercado negro, a corrupção, graças às comissões sobre contratos e diversas manipulações financeiras relacionadas com a pretensa «ajuda» recebida do estrangeiro. É assim que o capitalismo africano é o aliado da burguesia capitalista. Mas não passa de um peão no imenso tabuleiro do xadrez dos monopólios capitalistas internacionais.

O capitalismo africano está assim em relação directa com os grandes monopólios capitalistas. Segundo alguns, o papel dos homens de negócios em política é nos Estados Unidos cada vez mais importante, porque são eles os responsáveis pela elaboração das grandes medidas políticas. Compreende-se então o papel de poderosas companhias, tais como a Ford, Du Pont de Nemours e General Motors, por exemplo. Em 1953 havia nos Estados Unidos mais de 27 000 milionários, e a concentração de riquezas aumenta cada vez mais. Calcula-se que 1,69% da população possuem pelo menos 32% dos activos e quase todos os activos extraídos dos investimentos. Mas cerca de metade da população não tem praticamente nada. Não se pode dizer que nos Estados Unidos o Poder esteja nas mãos dos mais qualificados, pois a fortuna é hereditária, mas não necessariamente meritória.

No entanto, certos elitistas sustentaram que o desenvolvimento das sociedades industriais marcava a passagem de um sistema de classes a um sistema de elites, baseado no mérito e no esforço. Semelhante teoria é reduzida ao nada perante a realidade da feroz luta de classes que se desenrola no mundo capitalista. Os elitistas não são unânimes no que respeita ao grau de coesão, de consciência e conspiratividade das elites. É, evidentemente, impossível precisar a influência e o poder de decisão, assim como o grau de coesão, duma elite em particular ou de um grupo de elites.

Uma das elites políticas dos países em vias de desenvolvimento é formada pelos dirigentes nacionalistas, pelos burocratas e pela intelligentsia. Depois das eleições de 1954, no Ghana, notava-se que 29% dos deputados eleitos estavam no ensino e 17% exerciam profissões liberais. Entre os membros da Assembleia Legislativa da ex-África Ocidental Francesa (originários de oito territórios colonizados), depois das eleições de 1953, 22% ensinavam, enquanto que 27% eram altos funcionários do Governo e 20% exerciam profissões liberais.

A burguesia dos países em via de desenvolvimento era, em geral, o produto duma administração e de um sistema de ensino de tipo colonial. O papel predominante da intelligentsia burguesa deve-se à política deliberada do poder colonial, cujo interesse era formar uma intelligentsia ligada às ideologias ocidentais, de modo a assegurar o bom funcionamento da administração colonial. Ao mesmo tempo, o poder colonial refreou a formação duma classe de homens de negócios indígena.

Com o desenvolvimento das elites, surgem associações como clubes, sociedades médicas, lojas franco-maçónicas, os rotary clubs, etc. Estas associações favorecem a formação de classes ao institucionalizarem as diferenças sociais. A consciência de classe manifesta-se pelo desejo de aderir a tais associações e clubes, na certeza de reforçar a posição social.

O elitismo é essencialmente um preconceito de classe, que reforça o capitalismo e, consequentemente, o racismo. O elitismo, inerente às classes dominantes, inspira-lhes o desprezo que nutrem pelas massas. O elitismo é inimigo do socialismo e do proletariado.


Inclusão 22/03/2014