A Destruição Como Forma de Luta

Anton Pannekoek

Março de 1933


Primeira Edição:Persdienst van de Groep van Internationale Communisten” número 7, março, 1933. Juntamente com o texto “A ação individual”.

Fonte: PANNEKOEK, Anton. Destruction as A Mean of Struggle.http://www.geocities.com/~johngray/destruct.htm. Acesso em: 20 set. 2010.

Tradução de: Claus Henrique Bianco de Castro e José Carlos Mendonça

HTML de: Fernando A. S. Araújo

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A avaliação do incêndio do Reichtag na imprensa comunista de esquerda mais uma vez nos leva a levantar outras questões. A destruição pode ser uma forma de luta para os trabalhadores?

Antes de tudo, deve-se deixar claro que ninguém vai chorar pelo desaparecimento do Reichtag. Era um dos edifícios mais horríveis da Alemanha moderna, uma pomposa imagem do Império de 1871. Mas existem outros edifícios mais bonitos e museus cheios de tesouros artísticos. Quando um proletário desesperado destrói algo precioso para se vingar da dominação capitalista, como devemos avaliar isso?

De um ponto de vista revolucionário, seu gesto aparece sem valor e de diversos pontos de vista se poderia falar de um gesto negativo. A burguesia não é nem um pouco afetada por isto já que tem continuamente destruído coisas onde quer que elas fossem um problema para seus lucros, e coloca o dinheiro-valor acima de tudo mais. Tal gesto afeta especialmente as camadas sociais mais limitadas de artistas e amantes das coisas belas, os melhores dentre eles frequentemente têm sentimentos anti-capitalistas, e alguns dos quais (como William Morris e Hermann Gorter) lutaram ao lado dos trabalhadores. Mas em todo caso, há razão para se vingar da burguesia? Por acaso a burguesia tem a tarefa de trazer socialismo ao invés de capitalismo?

É seu papel conservar todas as forças do capitalismo em seu lugar. Destruir tudo isso é o que constitui a tarefa dos proletários. Disto se deduz que se alguém pode ser responsabilizado pela manutenção do capitalismo, é a própria classe operária por haver negligenciado a luta em demasia. Por último, a quem estamos privando de uma determinada coisa mediante sua destruição? Aos proletários vitoriosos que um dia serão amos de todas elas.

Obviamente, toda luta de classe revolucionária, quando assume a forma de guerra civil, sempre provocará destruição. Em qualquer guerra é necessário destruir os pontos de sustentação do inimigo. Mesmo que o vencedor tente evitar destruição em demasia, o perdedor será tentado a causar destruição inútil por puro ressentimento. É de se esperar que ao final da luta a burguesia decadente cause uma grande destruição. Por outro lado, para a classe operária, a classe que lentamente assumirá o controle, a destruição não mais será uma forma de luta. Pelo contrário, tentará legar um mundo tão rico e intacto quanto possível a seus descendentes, à humanidade futura. Não apenas quanto aos meios técnicos, que podem ser melhorados e aperfeiçoados, mas especialmente os monumentos e as memórias das gerações do passado que não podem ser reconstruidas.

Pode-se objetar que uma nova humanidade, portadora de liberdade e fraternidade inigualáveis, criará coisas muito mais bonitas e imponentes do que as dos últimos séculos. E também que a humanidade recentemente libertada desejará fazer desaparecer os restos do passado que representavam seu estado anterior de escravidão. Foi isto que a burguesia revolucionária fez – ou tentou fazer. Para ela, toda a história anterior não era nada mais que as trevas da ignorância e escravidão, enquanto a revolução foi dedicada à razão, ao conhecimento, à virtude e à liberdade. Por contraste, o proletariado considera a história de seus antepassados de forma absolutamente diferente. Baseado no marxismo - que considera o desenvolvimento da sociedade como uma sucessão de modos de produção - enxerga uma longa e dura incorporação à humanidade de ferramentas e formas de trabalho para uma produtividade cada vez maior, com base no desenvolvimento do trabalho. Primeiro por meio de sociedades primitivas simples, depois por meio de sociedades de classes com sua luta de classes, até o momento em que, por meio do comunismo, o homem se torna senhor de seu próprio destino. E em cada período deste desenvolvimento, o proletariado encontra características que se relacionam com sua própria natureza.

Na pré-história bárbara, os sentimentos de fraternidade e solidariedade moral do comunismo primitivo. No trabalho manual pequeno-burguês, o amor pelo trabalho expresso na beleza de edifícios e utensílios de uso diário que seus descendentes consideram obras-primas incomparáveis. Na burguesia ascendente, o sentimento de orgulho pela liberdade que proclamou os direitos do homem e foi expresso nos grandes trabalhos da literatura mundial. No capitalismo, o conhecimento da natureza, o desenvolvimento inestimável das ciências naturais que permitiram ao ser humano, por meio da tecnologia, dominar a natureza e seu próprio destino.

No transcurso de todos estes períodos, essas imponentes características foram mais ou menos associados à crueldade, superstição e egoísmo. São exatamente estes vícios que combatemos, pois são um obstáculo e, portanto, os odiamos. Nossa concepção da história nos ensina que estas imperfeições devem ser entendidas como períodos naturais do crescimento, como expressão de uma luta pela vida por homens ainda não plenamente humanos, no contexto de uma natureza todo-poderosa e de uma sociedade cuja compreensão não estava aos seus alcances.

Apesar de tudo, para a humanidade libertada as coisas imponentes que foram criadas continuarão a ser um símbolo de sua debilidade, mas também um monumento de sua força, dignas de serem cuidadosamente preservadas. Hoje, a burguesia possui tudo isso, mas para nós representa a propriedade da coletividade a ser libertada para entregá-la às gerações futuras tão intacta quanto possível.


Inclusão 15/10/2010