Problemas Atuais da Democracia

Luiz Carlos Prestes


Prefácio
Pedro Pomar


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A edição dos trabalhos de Prestes sobre a situação de nossa Pátria, particularmente no que tange aos acontecimentos políticos desses últimos anos e meses de sua formidável participação nesses acontecimentos, tornava-se mais do que oportuna. Adquire mesmo enorme significação para a compreensão dos problemas atuais e futuros do nosso povo.

Falar de Prestes, de sua obra ou de sua figura, de sua ação enfim, não é tarefa que possa ser realizada em poucas linhas, nem com adjetivos elogiosos. Prestes é uma figura e tem uma obra cujos limites não podem ser abarcados senão tomando em consideração toda uma época histórica do nosso povo, desde o passado das nossas grandes lutas pela independência no Século XIX até a perspectiva sempre mais próxima da nossa libertação nacional das garras do imperialismo e dos restos feudais que impedem o desenvolvimento material, cultural, político e social dos brasileiros.

Aqui apresentamos a contribuição recente de Prestes para esse esforço histórico, continuado e glorioso, de nosso povo, para o progresso e a democracia. Do herói legendário da Coluna Invicta, do líder mais popular e querido dos brasileiros e quiçá da América dos dias que correm. Prestes transforma-se cada dia que passa num dirigente político lúcido, num guia revolucionário que utiliza a ciência social do marxismo-leninismo-stalinismo com segurança e maestria, num verdadeiro chefe proletário comunista. Os documentos apresentados neste volume indicam essa transformação de Prestes no maior dirigente político da classe operária do Brasil.

Todos nós, dirigentes comunistas, principalmente os que reorganizamos as forças de vanguarda do povo brasileiro e traçamos a linha política que haveria de arrancar Prestes da mão de seus algozes — com a ajuda de todos os povos na guerra antinazista e com o apoio de milhões de brasileiros antifascistas — todos nós já compreendíamos o erro de idealizar os homens. Tanto assim que logo após nosso povo conquistar o direito de ver Prestes e libertá-lo, juntamente com seus companheiros, tínhamos com maior ou menor clareza a noção do valor de Prestes para o movimento libertador de nossa Pátria. Além disso, sentíamos o peso de nossas responsabilidades para assegurarmos a Prestes as condições necessárias para o seu trabalho criador e para a sua própria vida. Recordávamos sempre, e ainda está presente em nossa consciência revolucionária, a opinião dos grandes dirigentes do proletariado revolucionário sobre a importância de Prestes para a emancipação do povo brasileiro, assim como da própria América Latina. O cumprimento de nossa missão iria depender naturalmente de nosso Partido, da nossa própria capacidade de organizar o proletariado e as mais amplas camadas de nosso povo. Mas jamais idealizamos a Prestes. Sabíamos que ele era um revolucionário, um comunista e que, pela sua firmeza e outras qualidades postas à prova diante do inimigo de classe, conquistara a posto de nosso dirigente máximo. Prestes, antes de tornar-se um militante comunista, de ser um membro efetivo do Partido Comunista do Brasil, passou por um processo do auto-educação rápida que só a sua energia e combatividade seriam capazes de realizar. Os homens, numa sociedade como a nossa, vivem cheios de preconceitos e estão sujeitos, pela sua vaidade e pelo seu individualismo, a cometer os erros mais grosseiros. Compreendendo isso e utilizando o método revolucionário da crítica e da autocrítica foi que Prestes pôde despir-se desses prejuízos que cegam os homens, às vezes mesmo os mais inteligentes.

Prestes estudou no exílio pela primeira vez a literatura marxista e encontrou a interpretação dos problemas que o preocupavam desde a juventude. A miséria do povo, a exploração da nossa Pátria pelos grandes monopólios e capitais estrangeiros, o analfabetismo, a doença, o atraso, interessavam de há muito o general revolucionário exilado. Em Buenos Aires, travando contato com vários dirigentes, políticos operários, ele começou a desenvolver-se politicamente e a aprofundar a análise da situação brasileira e americana. Acompanhou, por isso, bem de perto, a formação dos Partidos Comunistas da América Latina, particularmente a do Partido Comunista da Argentina e a do Partido Comunista do Brasil. Nossos países eram como ainda hoje são semicoloniais, isto é, vivem num regime do governo próprio mas de economia dependente onde predominam os restos semifeudais e o capital financeiro das grandes potências imperialistas. O caráter de nossa revolução é, por conseguinte, agrária e antiimperialista, exige o desenvolvimento do capitalismo nacional e o uso de métodos do governo democrático-progressista. A justa caracterização da revolução nos países latino-americanos, mesmo nos da importância do Brasil e da Argentina, era a tarefa mais importante dos comunistas, a fim de que pudessem determinar o papel da classe operária e orientar a luta da emancipação nacional dos nossos povos. Em 1930 Prestes chegou à compreensão desse problema fundamental.

Nessa época, o período de estabilidade relativa do capitalismo terminara. Uma crise sem precedentes na história do capitalismo agravava a situação das colônias e semicolônias de maneira inaudita. As previsões dos chefes comunistas, especialmente de Stalin, de que o capitalismo não poderia estabilizar sua situação, ao contrário, teria suas contradições acentuadas, foram inteiramente confirmadas. Um novo período de catástrofes e de guerras imperialistas se aproximava. O fascismo denunciava a tentativa desesperada dos grandes monopólios imperialistas para sobreviver à custa do terror e do extermínio do movimento operário e democrático. Essa foi uma difícil etapa da formação do Partido Comunista do Brasil. Aumentava a disputa entre os grupos imperialistas ingleses e americanos pela hegemonia na política brasileira. Através de soluções golpistas, demagógicas, da utilização de toda a tradição tenentista e democrática, a reação feudal e os agentes imperialistas queriam conservar o seu velho predomínio. Exploravam por isso as ilusões do povo na capacidade e nas forças da classe média, do tenentismo, para resolverem os problemas nacionais. A burguesia brasileira não tinha partido próprio e pela sua ala mais progressista confiava as suas reivindicações democráticas ao grupo da pequena burguesia urbana – o grupo dos «tenentes». A outra parte da nossa burguesia, aquela mais reacionária, mantinha seus compromissos com a reação e o imperialismo, aos quais ficava cada vez mais presa. O proletariado, fraco numericamente e pouco concentrado, em virtude do próprio atraso de nosso desenvolvimento industrial, achava-se fortemente influenciado pelos métodos de ação da pequena burguesia. O Partido Comunista do Brasil refletia em seu seio essa influência ideológica e apresentava por isso imensas debilidades. O caráter democrático-burguês da revolução e o papel hegemônico do proletariado, por causa desses fatores negativos, não eram compreendidos na prática pelo Partido Comunista do Brasil. Por isso, em 1930, o Partido não possuía uma orientação única e segura a respeito do movimento popular que trouxe o Sr. Getúlio Vargas ao poder. Impunha-se assim a aplicação da medida que mandava romper com o oportunismo, com o desvio direitista nas fileiras do Partido e do movimento operário. Tornou-se necessário explicar pacientemente, mas com toda, a energia, que a classe média não pode desempenhar papel dirigente e conseqüente na luta pela libertação nacional de nosso povo. A luta contra a ideologia oportunista pequeno-burguesa no Partido foi facilitada pela prova prática dos resultados do governo apoiado pelos tenentes em 1930. A traição aos postulados e do programa da Aliança Liberal e a passagem dos seus elementos mais em evidência para o campo da burguesia e do imperialismo eram notórias. Isso acontecia porque a instabilidade da pequena burguesia como classe não lhe permite jamais assumir a responsabilidade da direção política de um movimento de tal envergadura nem do possuir um Partido monolítico, com princípios e programa definidos. A classe média só momentaneamente, e assim mesmo em torno do um homem, é que pôde reunir seus interesses instáveis e muitas vezes contraditórios.

A entrada de Prestes no Partido Comunista do Brasil deu-se precisamente quando a luta contra o desvio oportunista de direita chegava a seu fim. Entretanto, o Partido não tinha ficado livre nem do oportunismo nem do sectarismo. Prestes desde 30 estava em condições de pertencer ao Partido, quando assumiu uma posição justa em face do movimento da Aliança Liberal, que ele denunciou como sendo liderado pelos agentes do imperialismo americano contra a predominância inglesa nos nossos negócios econômicos e políticos. Mas as reservas e desconfianças ao Partido sobre sua filiação se originavam da incompreensão da luta contra o oportunismo e contra os métodos golpistas que menosprezavam o valor histórico e objetivo do movimento de massas, do trabalho de organização das massas, para a conquista da democracia e da independência de nossa Pátria. Houve uma fase em que o Partido combateu o Perigo do «Prestismo» em suas fileiras, o que correspondia à luta contra a influência pequeno burguesa dos caudilhos e a favor da adoção dos métodos de trabalho comunistas.

Em 1º de Agosto de 1934 Prestes foi aceito como membro do Partido. Revelou no período de 30 a 34 que não somente aceitara a direção política da classe operária para a luta de independência de nosso povo, como estava pronto a submeter-se a todas as decisões do Partido. Essa foi uma conquista de significação decisiva para o proletariado brasileiro e seu Partido de vanguarda. O Partido Comunista demonstrava, aceitando Prestes, que o seu nível ideológico e político melhorava e que sua importância na vida de nossa Pátria crescia. Era também um sinal de força da própria classe operária, do magnífico despertar para a independência dos povos oprimidos como o nosso pelo imperialismo e da repercussão da vitória da construção socialista pelos trabalhadores e pelos povos da União Soviética.

Prestes, entretanto, possuía qualidades extraordinárias de dirigente. Para os comunistas, os grandes homens são aqueles que sabem acompanhar o sentido da história, da necessidade do progresso histórico e de lutar por esse progresso. Foi exatamente o que Prestes revelou quando compreendeu que a classe operária era a classe que tinha um futuro diante de si, a única que seria capaz de lutar até o fim pela libertação de nossa Pátria e pelo bem, estar da Humanidade. É evidente, por outro lado, que as qualidades de Prestes não são obra do acaso. Elas resultam da necessidade imperiosa que tem o nosso povo de progredir. E na luta por esse objetivo o povo brasileiro tem dado provas de valor, de combatividade, de inteligência e tenacidade, de que Prestes é hoje a expressão mais vigorosa.

O reflexo desse vigor está hoje traduzido em termos políticos, na ação política de Prestes depois do seu ingresso no Partido Comunista, desde a resistência, à ofensiva do fascismo contra a nossa Pátria até esta nova etapa do desenvolvimento pacifico dos povos amantes da liberdade. Os documentos de Prestes são assim profundamente políticos, de grande conteúdo político. Ele mesmo afirma que, condenado a dezenas de anos sob a acusação de tentar implantar o comunismo no Brasil, jamais pretendeu fazê-lo, porque como comunista sabe que é uma asneira querer «implantar» o comunismo. Lutando objetivamente pelo socialismo, Prestes luta primeiramente contra o atraso, a miséria e a ignorância em que vegeta o nosso povo. Esse o sentido de sua luta, da posição política de seu Partido, e tal é a missão do proletariado brasileiro.

Com uma visão de verdadeiro gênio revolucionário, colocando-se no campo do marxismo criador, Prestes compreendeu toda a importância da vitória militar contra o fascismo e os rumos que tomaria a humanidade na sua marcha progressista e democrática. Reforçou por isso a orientação do Partido Comunista na sua luta pela União Nacional para a Paz e a Democracia, dando-lhe maior conteúdo revolucionário e mostrando todas as formas novas de luta a serem utilizadas pelo povo para a sua organização e sua unidade. Situou o caráter da revolução brasileira dentro dos quadros políticos do mundo atual e alertou-nos contra o desvio pequeno-burguês, em que vínhamos caindo, que consistia na subestimação dos camponeses como aliado principal do proletariado na revolução brasileira. A questão da terra, do latifúndio e do monopólio da propriedade territorial, foi posta aos nossos olhos com grande força pela maneira lógica e clara como Prestes colocava o problema da reforma agrária como condição indispensável para progredirmos e golpearmos a base da reação e do imperialismo no Brasil.

E todos aqueles que duvidavam da capacidade política de Prestes como mestre da estratégia e da tática do proletariado podem encontrar neste volume o atestado vivo da habilidade tática e da visão estratégica desse político de novo tipo, desse guia tenaz e infatigável do nosso povo. O desmascaramento do golpismo e do imperialismo e as vitórias democráticas conseguidas contra a reação e os restos do fascismo em desespero são frutos da sabedoria de Prestes. Que os patriotas e democratas, que o proletariado e os amigos e simpatizantes do Partido Comunista do Brasil, recebam a edição desta coletânea dos trabalhos de Prestes com espírito compreensivo e como a melhor ajuda de um amigo, de um companheiro, de um chefe, para assim empreendermos, com profunda convicção, e verdadeiramente unidos, a marcha vitoriosa na construção de um Brasil democrático e independente.

Pedro Pomar


Inclusão 12/07/2007