O Caldeirão das Bruxas e Outros Escritos Políticos

Hermínio Sacchetta


Comissões de Empresa e Oposições Sindicais Como Tarefas Imediatas(1)


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Antes repulsivo que melancólico o quadro apresentado por este 1º de maio, já sob o golpe reacionário de abril de 1964, feito governo “legal”.

Costa e Silva, em sua mensagem aos trabalhadores de todo o Brasil, lida no Sindicato dos Portuários de Santos pelo Ministro do Trabalho, dá uma resposta, sem rodeios, aos pelegos e oportunistas de “esquerda” que estavam, sôfregos, à espera do prometido “diálogo” com o governo.

O sucessor de Castelo Branco expõe a diretriz básica da “política trabalhista” que aplicará, inspirada no “humanismo social... a serviço da conciliação de propósitos entre capital e trabalho”. E nessa linha de pensamento diz o que entende pelo “sindicalismo livre” da sua pregação de “candidato” à Presidência: “O dever do Estado é proporcionar condições para o livre exercício do Sindicalismo ao mesmo tempo em que estimule a reagir contra os que dele querem aproveitar-se para outros fins”. O Estado deve defender os sindicatos “livres” do “assalto permanente dos agentes de lutas de classe que neles se infiltram com o intuito de transformá-los em instrumento dócil a serviço dos extremistas”. E a fim de que não haja dúvidas quanto ao processo que adotará na “defesa” dos sindicatos, invoca o exemplo das eleições para o Congresso atual, “cujas normas adotadas, boas que foram para a escolha da representação popular, podem servir para a sucessão na representação sindical”. Os militantes proletários de vanguarda se não conheciam, conhecem, agora, a qualidade dos “representantes do povo” que Castelo Branco e seus sequazes permitiram que fossem eleitos. Deliberadamente, os homens da Escola Superior de Guerra e seus cupinchas civis deixaram passar pela peneira uns poucos “esquerdizantes” pequeno-burgueses, para co-honestar a farsa das “eleições” parlamentares, diante da opinião democrática mundial. Mas sequer um só representante do proletariado, que tem seus partidos e organizações na mais extrema ilegalidade, figura na Câmara e no Senado.

Costa e Silva deixa, pois, bem claro o que entende por “sindicalismo livre”: o atestado de ideologia, instrumento tipicamente totalitário, será a peneira para a seleção das “lideranças” sindicais, sob a proteção do Estado. Os pelegos atuais se reelegerão ou terão substitutos de igual natureza, até que a classe operária consiga liqüidar esse punhado de “leis de arrocho”, que asfixiam o movimento sindical.

Não é sem causa que Costa e Silva — nisso, representando os interesses gerais das classes dominantes — proclama que não tolerará outro sindicalismo além daquele que esteja “a serviço da conciliação de propósitos entre o capital e o trabalho”. Sob esse aspecto, ele reflete a experiência da burguesia que já pôde sentir a combatividade do jovem proletariado do Brasil, nos raros períodos de regime democrático que conseguimos manter. Consciente de que, nesta era de revoluções, sua sobrevivência como classe dominante depende, em larga parcela, da manutenção das frágeis e arcaicas estruturas econômico-sociais em que se apóia, a burguesia “progressista” brasileira precisa conservar bem controlada a classe operária e, para isso, não pode afrouxar— ao contrário, deve ainda mais aprimorar — os controles sobre os sindicatos, que quando em mãos dos trabalhadores, constituem verdadeiras escolas de luta de classes e socialismo.

Já, agora, não se arrisca a uma nova aventura “paternalista” do tipo ge- tuliano que envolveria conseqüências ameaçadoras à sua segurança de domínio, em face da espantosa capacidade de assimilação de experiências que o proletariado revela nesta época de bruscas e violentas transformações no panorama internacional.

A burguesia brasileira ainda tem contra si uma grave crise de regime que só fez se agravar durante os três anos de ditadura neofascista de Castelo Branco e seu “sistema”. As reformas de superfície ou ficaram no papel ou resultaram negativas, porque não atacaram, como não podiam atacar, as raízes dos males de uma economia retardatária que vive sob a sucção e o alento do imperialismo. Costa e Silva recebe o caos aparentemente organizado e seus principais ministros bracejam no vácuo em busca de novas fórmulas mágicas, já não tiradas das cartolas de Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, mas das de Delfim Neto e Hélio Beltrão. A inflação que era de “consumo”, passou a ser, para os novos mágicos, de “custos”, mas, na verdade, para os trabalhadores há o mesmo subconsumo de antes e os “custos” elevados não se devem aos miseráveis salários reais pagos à classe operária, como querem fazer crer os economistas da escola de Eugênio Gudin, que inspira os neoliberais agraristas da equipe de Costa e Silva.

Daí não irem além da lua-de-mel do poder , os planos mirabolantes compreendidos numa prometida “Operação Impacto”, que Costa e Silva, em pânico diante das advertências do castelismo, arquivou.

A 1º de maio, o alegre Passarinho, Ministro do Trabalho, ex-socialista, ex-nacionalista, e, hoje, ao que se diz, democrata-cristão fazendo os sinos das promessas aos trabalhadores dobrarem a finados, engoliu um discurso “revolucionário” que prometera e se limitou a ler a mensagem de Costa e Silva, que anuncia sua política sindical antioperária e, como afrontosa compensação, “a exata aplicação da política salarial vigente (isto é, castelista) a atualização do percentual do resíduo inflacionário a ser introduzido a partir do 2º semestre”. Como era de esperar, a pelegada acolheu com calorosos aplausos a mensagem de Costa e Silva e a maioria dos trabalhadores, com indiferença e passividade, ainda sob o efeito da anestesia capitulacionista que lhe inoculou o nacional-reformismo dos prestistas, dos “socialistas festivos” de variada plumagem e dos aventureiros “esquerdistas” em busca de vantagens pessoais.

O ministro Passarinho encheu a pasta de memoriais reivindicatórios, alguns com exigências justas e bem formuladas, e retornou a Brasília, com a missão cumprida.

Provavelmente, Costa e Silva lançou na cesta de papéis inúteis os memoriais dos sindicatos, pois afirmara, antes, que daria exata aplicação à política salarial vigente.

O proletariado e a maioria dos assalariados defrontam com uma situação insuportável: a queda vertical dos salários reais nestes últimos três anos, isto é, cada vez menos recursos para sua sobrevivência como seres humanos. A resposta a isto — e não poderia ser o contrário — dá Costa e Silva, mantendo a política salarial que herdou de Castelo. Aplicará o punhado de decretos e leis de arrocho e fome, dentre as quais se destacam, por mais infames e espoliadoras, as leis 4725, 4930 e os decretos 15 e 17. Conservará a exigência do “atestado de ideologia”, repugnante instrumento policial, e o artigo 623 da CLT. Sustentará, em tudo, o aparelho extorsivo e de opressão que a ditadura lhe entrega montado para promover a “recuperação” da economia nacional ou, dito em outras palavras, para facilitar mais ainda a exploração dos trabalhadores pela burguesia nacional e seus sócios comandatários do imperialismo.

É aos trabalhadores e só a eles que cabe liqüidar a política salarial e anti-sindical imposta pela burguesia, através dos Castelos e Costas e Silva. Por meio da luta de classes, sem tréguas e sem conciliação. E um dos primeiros passos será a constituição de oposições revolucionárias nos sindicatos e a formação de comissões de empresa nos locais de trabalho, baseadas em um programa mínimo que traduza as mais imediatas e sentidas reivindicações como aumento real dos salários, plena liberdade e autonomia sindicais, liberdade de organização política proletária, liberdade de imprensa e tribuna para o trabalhador, abolição da Lei de Segurança e anistia a todos os presos e condenados políticos.


Notas de rodapé:

(1) “Editorial” do Bandeira Vermelha, Órgão Central do Movimento Comunista Internacionalista, n.º 4, abril de 1967. (retornar ao texto)

Inclusão 21/04/2014