O Marxismo e o Problema Nacional(1)

J. V. Stálin

Janeiro de 1913


Primeira Edição: Prosveschenie”, números 3-5 — março-maio de 1913.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, 1946. Tradução de Brasil Gerson. Pág: 5-84.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo.
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O período da contrarrevolução na Rússia não trouxe somente “raios e trovões”, mas também desilusão com respeito ao movimento, falta de fé nas fôrças comuns. Enquanto acreditavam num “futuro luminoso”, lutavam todos juntos, independentemente de sua nacionalidade: os problemas comuns antes de tudo! Mas quando nos espíritos se insinuaram as dúvidas, começaram a dispersar-se pelos bairros nacionais: cada um conte só consigo mesmo! O “problema nacional” antes de tudo!

Ao mesmo tempo, produziu-se no país uma séria deslocação na vida econômica. O ano de 1905 não passou em vão: os restos do regime de servidão no campo sofreram outro golpe a mais. Uma série de boas colheitas depois dos anos de fome e o auge industrial que se produziu em seguida fizeram avançar o capitalismo. A diferenciação no campo e o crescimento das cidades, o desenvolvimento do comércio e das vias de comunicação deram um grande passo para a frente. Isto é certo, sobretudo, no que se refere às regiões da periferia. E não podia deixar de acelerar o processo de consolidação das nacionalidades na Rússia. Estas tinham necessariamente que entrar em ação ...

Nesse mesmo sentido do despertar das nacionalidades atuou também o “regime constitucional”, instaurado durante esse período. O desenvolvimento dos jornais e da literatura em geral, certa liberdade do imprensa e das instituições culturais, o desenvolvimento dos teatros populares, etc. contribuíram sem dúvida alguma para fortalecer os “sentimentos nacionais”. A Duma, com sua campanha eleitoral e seus grupos políticos, reanimou as nacionalidades, deu nova e ampla possibilidade para mobilizá-las.

E a onda de nacionalismo belicoso levantada de cima e toda uma série de repressões desencadeadas pelos “poderosos do mundo” para vingar-se da periferia pelo seu “amor à liberdade” provocaram, como réplica, uma onda de nacionalismo vinda de baixo, que muitas vezes se convertia num tosco chovinismo O fortalecimento do sionismo(2) entre os judeus, o crescente chovinismo na Polônia, o pan-islamismo(3) entre os tártaros, o recrudescimento do nacionalismo entre armênios, georgianos e ucranianos, a propensão geral dos espíritos mesquinhos para o antissemitismo — são outros tantos fatos conhecidos de todos.

A onda de nacionalismo avançava cada vez mais, ameaçando arrastar as massas operárias. E quanto mais ia em descenso o movimento de libertação, com mais esplendor florescia o nacionalismo.

Nesse momento difícil incumbia à social-democracia uma alta missão: opor resistência ao nacionalismo, proteger as massas contra a “epidemia” geral. Pois a social-democracia e somente ela podia fazê-lo, contrapondo ao nacionalismo a arma provada do internacionalismo, a unidade e a indivisibilidade da luta de classes. E quanto mais fortemente avançasse a onda de nacionalismo, mais potente devia ressoar a voz da social-democracia em prol da fraternidade e da unidade dos proletários de todas as nacionalidades da Rússia. Nestas circunstâncias requeria-se uma firmeza especial por parte dos social-democratas das regiões da periferia, que se chocavam diretamente com o movimento nacionalista.

Mas nem todos os social-democratas acreditaram estar à altura da sua missão, e nós nos referimos antes de tudo aos das regiões da periferia. O Bund, que antes se destacava nas tarefas comuns, começa agora a tratar em primeiro lugar de objetivos particulares, puramente nacionalistas(4), para chegar ao cúmulo de proclamar como um dos seus pontos de combate, na campanha eleitoral, a “celebração do sábado”(5) e o “reconhecimento” do “idish”. Atrás do Bund veio o Cáucaso: uma parte dos social-democratas caucasianos, que antes rechaçava, como os demais social-democratas locais, a “autonomia nacional-cultural”, apresenta-a agora como reivindicação imediata(6). E não falemos da conferência dos liquidacionistas(7) que sancionou diplomaticamente as vacilações nacionalistas.(8)

Disto se deduz que as concepções da social-democracia da Rússia, quanto ao problema nacional, não são claras ainda para os social-democratas.

É necessário, evidentemente, proceder a um estudo sério e completo do problema nacional. Os social-democratas consequentes devem levar a cabo um trabalho coordenado e tenaz contra o nacionalismo, venha de onde vier.

I - A Nação

Que é nação?

Uma nação é, antes de tudo, comunidade, uma determinada comunidade de homens.

Comunidade que não é de raça nem de tribo. A atual nação italiana foi formada por etruscos, romanos, germânicos, gregos, árabes, etc. A nação francesa foi constituída por gauleses, romanos, bretões, germânicos, etc. E outro tanto podemos dizer dos ingleses, alemães, etc., cujas nações foram formadas por tribos e raças diversas.

Vemos, pois, que nação não é comunidade racial ou tribal, mas uma comunidade de homens formada historicamente.

For outro lado, é evidente que os grandes Estados de Ciro ou de Alexandre não podiam ser chamados nações, mesmo que tivessem sido formados historicamente e estivessem integrados por diversas raças e tribos. Esses Estados não eram nações, mas conglomerados de grupos, acidentais e mal articulados, que se separavam ou se uniam segundo os êxitos ou as derrotas deste ou daquele conquistador.

Nação não é, pois, um conglomerado acidental e efêmero, mas uma comunidade estável de homens.

Nem toda comunidade estável de homens constitui, porém, uma nação. A Áustria e a Rússia são também comunidades estáveis e, sem embargo, ninguém as qualifica de nações. Que é que distingue uma comunidade nacional de uma comunidade estatal? Entre outras coisas, a comunidade nacional é inconcebível sem um idioma comum, ao passo que para um Estado não é obrigatório que haja idioma comum. A nação tcheca, na Áustria, e a polaca, na Rússia, não seriam possíveis sem um idioma comum para cada uma delas, ao passo que para a integridade da Rússia e da Áustria não é obstáculo o fato de dentro das suas fronteiras existir toda uma série de idiomas. E ao dizer isto referimo-nos, naturalmente, aos idiomas que fala o povo e não ao idioma oficial de chancelaria.

A comunidade de idioma é, pois, um dos traços característicos da nação.

Isto não quer dizer, evidentemente, que diversas nações falem sempre e em toda a parte idiomas diversos, ou que todos os que falem um mesmo idioma constituam obrigatoriamente uma só nação. Um idioma comum para cada nação, mas não, obrigatoriamente, diversos idiomas para diversas nações. Não há nenhuma nação que fale ao mesmo tempo diversos idiomas, mas isto não quer dizer que não possa haver duas nações que falem o mesmo idioma. Os ingleses e os norte-americanos falam o mesmo idioma, e apesar disso não constituem uma mesma nação. E outro tanto pode dizer-se dos noruegueses e dos dinamarqueses, dos ingleses e dos irlandeses.

E por que, por exemplo, ingleses e norte-americanos não formam uma só nação, apesar de ter um idioma comum?

Antes de tudo, porque não vivem conjuntamente, mas em diferentes territórios. A nação só se forma como resultado de um conjunto de relações duradouras e regulares, como resultado de uma vida em comum dos homens, de geração em geração. E esta vida duradoura conjunta não é possível sem um território comum. Antigamente ingleses e norte-americanos povoavam um só território — Inglaterra — e formavam uma só nação. Mais tarde, uma parte dos habitantes da Inglaterra emigrou desse país para um novo território, a América do Norte e aí, no decorrer do tempo, formou nova nação, a norte-americana. Territórios diversos determinaram a formação de nações diversas.

A comunidade de território é, pois, outro dos traços característicos da nação.

Mas isto não é tudo. A comunidade de território por si só não determina a nação. Há de existir ainda um vínculo econômico interno que solde num todo único as diversas partes da nação. Entre a Inglaterra e América do Norte não existe esse vínculo; por isso elas constituem duas nações distintas. E os mesmos norte-americanos não mereceriam o nome de nação se as diversas partes da América do Norte não estivessem unidas entre si numa economia única, graças à divisão do trabalho estabelecida entre elas, ao desenvolvimento das vias de comunicações, etc.

Tomemos, por exemplo, os georgianos. Os georgianos dos tempos anteriores à reforma viviam num território comum e falavam o mesmo idioma, e não obstante, não formavam, estritamente, uma nação, pois, divididos em principados desarticulados uns dos outros, não podiam ter vida econômica comum: passaram séculos guerreando-se entre si e arruinando-se mutuamente, atiçando uns contra os outros os persas e os turcos. A unificação efêmera e acidental desses principados, que às vezes qualquer Czar afortunado conseguia levar a cabo, só abarcava, no melhor dos casos, as esferas administrativas superficiais, voltando a desfazer-se em seguida pelos caprichos dos príncipes e pela indiferença dos camponeses. E não podia ser de outro modo. dada a dispersão econômica da Geórgia... A Geórgia não se revelou como nação até a segunda metade do século XIX, quando a queda do feudalismo e o crescimento da vida econômica do país, o desenvolvimento das vias de comunicação e o nascimento do capitalismo estabeleceram a divisão do trabalho entre as suas diversas regiões, acabaram para sempre com o isolamento econômico dos principados e os uniram num todo.

E o mesmo é preciso dizer das outras nações que passaram pela fase do feudalismo e em cujo seio se desenvolveu o capitalismo.

A comunidade de vida econômica, a conexão econômica, é, pois, outra das particularidades características da nação.

Mas não é tudo ainda. Além do que foi dito, deve-se levar em conta também a particularidade da fisionomia espiritual dos homens unidos numa nação. As nações se distinguem umas das outras, não só pelas suas condições de vida, mas também pela sua fisionomia espiritual, que se exprime nas peculiaridades da cultura nacional. No fato de a Inglaterra, a América do Norte e a Irlanda, mesmo falando o mesmo idioma, formarem, não obstante, três nações distintas, desempenha papel de muita importância a psicologia peculiar que se foi formando em cada uma delas, de geração em geração, como resultado de condições de existência diferentes.

Claro é que, por si só, a psicologia ou o “caráter nacional”, como também se diz, se torna um tanto vago para o observador, mas, como se exprime na peculiaridade da cultura comum a toda a nação, é um fator ponderável e não pode ser desprezado.

Desnecessário seria dizer que o “caráter nacional” não é algo que existe de uma vez para sempre, que se não modifica com as condições de vida; mas, pelo fato de existir em determinado momento, imprime a sua marca na fisionomia da nação.

A comunidade de psicologia, refletida na comunidade de cultura, é, pois, outro dos traços característicos da nação.

E com isto assinalamos todos os traços distintivos de uma nação.

Nação é uma comunidade estável, historicamente formada, de idioma, de território, de vida econômica e de psicologia, manifestada esta na comunidade de cultura.

Além do mais, disso se compreende que a nação, como todo fenômeno histórico, está sujeita à lei da transformação, tem sua história, começo e fim.

É necessário salientar que nenhum dos traços distintivos indicados, tomado isoladamente, é suficiente para definir a nação. Mais ainda: basta que falte um só desses signos distintivos para que a nação deixe de existir.

Podemos imaginar homens de “caráter nacional” comum, e, contudo, não poderemos dizer que formam uma nação, se estão economicamente isolados, se vivem em diversos territórios, falando idiomas diversos, etc. Assim, por exemplo, os judeus da Rússia, da Galizia, da América, da Geórgia e das montanhas do Cáucaso não formam, no nosso juízo, uma só nação.

Podemos idealizar um conjunto de homens com comunidade de território e de vida econômica, e, não obstante, não formarão uma nação se entre eles não existir comunidade de idioma e de "caráter nacional”. É o que acontece ,por exemplo, com os alemães e os letões na região do Báltico

Finalmente, os noruegueses e os dinamarqueses falam o mesmo idioma, mas não formam uma só nação por não reunirem todas as características que a definem.

Só a existência de todos esses traços distintivos, em conjunto, constitui a nação.

Poderia pensar-se que o “caráter nacional” não é precisamente um dos traços distintivos, mas o único traço essencial da nação, e que todos os demais constituem, verdadeiramente falando, condições para o desenvolvimento da nação e não signos distintivos desta. Neste ponto de vista se colocam, por exemplo, os teóricos social-democratas do problema nacional, conhecidos na Áustria: R. Springer e, sobretudo, O. Bauer.

Examinemos sua teoria da nação.

Segundo Springer, “nação é a união de homens que pensam e falam do mesmo modo”. É “a comunidade cultural de um grupo de homens contemporâneos não vinculados com o solo”(9) (sublinhado por nós).

Assim, pois, uma “união” de homens que pensam e falam do mesmo modo, por mais desunidos que se achem uns dos outros e vivam onde viverem.

Bauer vai, todavia, mais longe.

“Que é nação? — pergunta. — É a comunidade de idioma que une os homens numa nação? Mas temos os ingleses e irlandeses que ... ainda que falando a mesma língua, não formam, contudo, um povo único; e os judeus não têm língua comum alguma e, contudo, formam uma nação.”(10)

Que é, pois, nação?

“A nação é uma comunidade relativa de caráter..."(11)

Mas que é o caráter, e aqui, neste caso, o caráter nacional?

“O caráter nacional é a “soma de signos que distinguem os homens de uma nacionalidade dos de outra, o complexo de qualidades físicas e morais que distinguem uma nação de outra”.(12)

Bauer sabe, naturalmente, que o caráter nacional não cai do céu; por isso agrega;

“O caráter dos homens não se determina senão pelos seus destinos”; por isso “a nação não é mais que a comunidade de destinos”, determinada, por sua vez, pelas condições em que os homens produzem os meios para a sua vida e distribuem os produtos do seu trabalho”.(13)

Deste modo, chegamos à definição mais “completa”, segundo a expressão de Bauer, de nação.

“Nação é o conjunto de homens unidos numa comunidade de caráter à base de uma comunidade de destinos”.(14)

Assim, pois, uma comunidade de caráter nacional à base de uma comunidade de destinos, à margem de todo vínculo obrigatório com uma comunidade de território, de língua e de vida econômica.

Mas, nesse caso, que é que fica de pé da nação? De que comunidade nacional pode falar-se com respeito a homens separados economicamente uns dos outros, que vivem em territórios diferentes e que falam, de geração em geração, idiomas distintos?

Bauer se refere aos judeus como a uma nação, embora “não tenham língua comum alguma”;(15) mas que é “comunidade de destinos” e que vínculos nacionais podem mediar, por exemplo, entre judeus georgianos, daguestanos, russos e norte-americanos, completamente desligados uns dos outros, que vivem em diferentes territórios e falam distintos idiomas?

Inegavelmente, os mencionados judeus vivem uma vida econômica e política comum com os georgianos, os daguestanos, os russos e os norte-americanos, numa atmosfera cultural comum com eles, e isso não pode deixar de imprimir uma marca ao seu caráter nacional. E se neles fica algo de comum, é a religião, sua origem comum e alguns vestígios de caráter nacional. Disto tudo não resta dúvida. Como se pode, porém, sustentar seriamente que ritos religiosos fossilizados e vestígios psicológicos que se vão esfumando influam nos “destinos” dos referidos judeus com mais fôrça que a vida econômico-social e cultural que os rodeia? Pois só partindo dessa suposição se pode falar, em geral, dos judeus como de uma só nação.

Em que se distingue então a nação de Bauer desse “espírito nacional” místico e que se basta a si mesmo dos espiritualistas?

Bauer estabelece um limite infranqueável entre o “traço distintivo” da nação (o caráter nacional) e as “condições” de sua vida, separando estas daquele. Mas que é o caráter nacional senão o reflexo das condições de vida, a cristalização das impressões derivadas do meio circundante? Como é possível limitar-se a não ver mais que o caráter nacional, isolando-o e separando-o do terreno em que brota?

Com efeito, que distinguia a nação inglesa da norte-americana, nos fins do século XVIII e nos começos do XIX, quando a América do Norte se chamava ainda “Nova-Inglaterra”?

Não era, por certo, o caráter nacional, pois os norte-americanos eram oriundos da Inglaterra e tinham levado consigo para a América, além da língua inglesa, o caráter nacional inglês e, naturalmente, não podiam perdê-lo tão depressa, embora, sob a influência das novas condições, tivesse que se desenvolver neles seu próprio caráter. E, contudo, apesar da maior ou menor comunidade de caráter, já então constituíam uma nação distinta da Inglaterra. Evidentemente, a “Nova-Inglaterra”, como nação, não se diferençava então da Inglaterra, como nação, pelo seu caráter nacional especial, ou não se diferençava tanto pelo seu caráter nacional como pelo meio, pelas condições de vida, distintas das da Inglaterra.

É claro, pois, que não existe em realidade nenhum traço distintivo único de nação. Existe uma soma de traços distintivos, dos quais, comparando umas nações com outras, se destacam com maior relevo este (o caráter nacional), aquele (o idioma) ou outro (o território, as condições econômicas). A nação representa a combinação de todos esses traços, tomados em conjunto.

O ponto de vista de Bauer, ao identificar a nação com o caráter nacional, separa a nação do terreno em que está assentada e a converte numa espécie de fôrça invisível, que se basta a si mesma. O resultado não é uma nação viva e real, mas algo místico, imperceptível e de além-túmulo. Pois — repito — que nação judaica é essa, composta de judeus georgianos, daguestanos, russos, norte-americanos e outros judeus que não se compreendem entre si (porque falam idiomas distintos), vivem em diferentes partes do planeta, não se verão nunca uns aos outros, não atuarão jamais conjuntamente, nem nos tempos de paz nem nos tempos de guerra? Não, não é para estas “nações”, que só existem no papel, que a social-democracia estabelece seu programa nacional. A social-democracia só pode levar em conta nações reais, que atuam e se movem e, portanto, obrigam a ser tratadas como tais.

Bauer, evidentemente, confunde a nação, categoria histórica, com a tribo, categoria étnica.

Além do mais, o próprio Bauer reconhece, ao que parece, a debilidade de sua posição. Depois de apresentar decididamente no começo do seu livro os judeus como nação,(16) no final se corrige, afirmando que “a sociedade capitalista não lhes permite, em geral (aos judeus), conservar-se como nação”(17) e os assimila a outras nações. A razão está, é provável, em que “os judeus não possuem um território delimitado de colonização”(18) ao passo que os tchecos, por exemplo, que segundo Bauer devem conservar-se como nação, têm esse território. Numa palavra: a causa está na ausência de território.

Argumentando assim, Bauer queria demonstrar que a autonomia nacional não pode ser reivindicação dos trabalhadores judeus,(19) mas ao mesmo tempo refutou sua própria teoria, que nega a comunidade de território como um dos signos distintivos da nação.

Mas Bauer vai mais longe ainda. No começo do seu livro declara resolutamente que “os judeus não possuem língua comum alguma e, sem embargo, formam nação”(20). E ao chegar à página 130 contradiz-se, declarando com a mesma resolução: “Inegavelmente não é possível que exista nação sem um idioma comum” (sublinhado por nós)(21).

Aqui Bauer queria demonstrar que “o idioma é o instrumento mais importante de relações entre os homens”,(22) mas ao mesmo tempo demonstrou, sem querer, algo que não se propunha demonstrar, e que é a inconsistência de sua própria teoria de nação, que nega a importância da comunidade de idioma.

Assim se refuta a si mesma essa teoria, alinhavada com fios idealistas.

II - O Movimento Nacional

A nação não é somente uma categoria histórica, mas uma categoria histórica de uma época determinada, da época do capitalismo ascensional. O processo de liquidação do feudalismo e do desenvolvimento do capitalismo é, ao mesmo tempo, o processo de agrupamento dos homens em nações. Assim acontecem as coisas, por exemplo, na Europa ocidental. Os ingleses, os franceses, os alemães, os italianos, etc; se agrupam em nações sob a marcha triunfal de capitalismo vitorioso sobre o fracionamento feudal.

A formação de nações representava ali, porém, e concomitantemente, sua transformação em Estados nacionais independentes. As nações inglesa, francesa, etc. são, por sua vez, os Estados inglês, francês, etc. O caso da Irlanda, que se conserva à margem desse processo, não modifica o quadro geral.

Na Europa oriental as coisas ocorrem de modo algo diferente. Enquanto no Ocidente as nações se convertem em Estados, no Oriente se formam Estados multinacionais, Estados formados por várias nacionalidades. Esse é o caso da Áustria-Hungria, da Rússia. Na Áustria os mais adiantados no sentido político foram os alemães, e eles assumiram o encargo de unificar as nacionalidades austríacas num Estado. Na Hungria, os mais aptos para a organização estatal foram os magiares — o núcleo das nacionalidades húngaras — e eles se tornaram os unificadores da Hungria. Na Rússia assumiram o papel de unificadores das nacionalidades os grão-russos, a cuja frente estava uma burocracia aristocrática militar historicamente formada, potente e organizada.

Assim aconteceram as coisas no Oriente.

Este modo peculiar de formação de Estados só podia existir nas condições de um feudalismo não liquidado, nas condições de um capitalismo debilmente desenvolvido, em que nacionalidades relegadas a um segundo plano não tinham conseguido ainda consolidar-se economicamente para formar nações completas.

Mas o capitalismo começava a desenvolver-se também nos Estados orientais. Desenvolvem-se o comércio e as vias de comunicação. Surgem grandes cidades. As nações se consolidam economicamente. Irrompendo na vida pacífica das nacionalidades postergadas, o capitalismo faz com que elas se agitem e as põe em movimento. O desenvolvimento da imprensa e do teatro, a atuação do Reichsrat (na Áustria) e da Duma (na Rússia) contribuem para reforçar os “sentimentos nacionais”. Os intelectuais que haviam aparecido estavam imbuídos da “ideia nacional” e atuavam nesse sentido ...

As nações postergadas que despertam para uma vida própria já não se estruturam, porém, como Estados nacionais independentes; tropeçam no seu caminho com a poderosíssima resistência que lhes é oposta pelas camadas dirigentes das nações dominantes, que se acham desde muito à testa do Estado. Chegaram tarde!

Assim se constituíram como nação os tchecos, os polacos, etc. na Áustria; os croatas, etc. na Hungria; os letões, os lituanos, os ucranianos, georgianos, armênios, etc. na Rússia. E o que na Europa ocidental era exceção (Irlanda) se converte em regra no Oriente.

No Ocidente a Irlanda reagiu contra a sua situação excepcional com um movimento nacional. No Oriente as nações que haviam despertado tinham que fazer o mesmo.

Criaram-se assim as circunstâncias que empurraram para a luta as nações jovens da Europa oriental.

A luta começou e estendeu-se, a rigor, não entre as nações no seu conjunto, mas entre as classes dirigentes das nações dominantes e das nações retardadas. A ela se entrega, geralmente, a pequena burguesia urbana da nação oprimida contra a grande burguesia da nação dominante (tchecos e alemães), ou a burguesia rural da nação oprimida contra os grandes proprietários da nação dominante (ucranianos na Polônia), ou então toda a burguesia “nacional” das nações oprimidas contra a aristocracia governante da nação dominadora (Polônia, Lituânia e Ucrânia na Rússia).

A burguesia é o personagem principal em ação.

O problema fundamental para a jovem burguesia é o mercado. Dar saída às suas mercadorias e ser vencedora na competição com a burguesia de outra nacionalidade: eis o seu objetivo. Daí o desejo de assegurar “seu” próprio mercado “nacional”. O mercado é a primeira escola em que a burguesia aprende o nacionalismo. Mas, em geral, o problema não se limita ao mercado. Na luta se mistura a burocracia semifeudal e semi-burguesa da nação dominante, com seus métodos de “tomar e não soltar”. A burguesia da nação dominante — trata-se da grande ou da pequena — ganha a possibilidade de desfazer-se “mais rápida” e mais “resolutamente” do seu competidor. As “fôrças” se unificam, e começa uma série de medidas restritivas contra a burguesia “alheia”, “medidas que se convertem em repressões. A luta se transfere da esfera econômica para a esfera política. Limitação da liberdade de movimento, perseguição ao idioma, restrição dos direitos eleitorais, redução de escolas, perseguições religiosas, etc., etc.. se amontoam sobre a cabeça do “competidor”. Naturalmente, essas medidas não servem apenas aos interesses das classes burguesas da nação dominante, mas também de um modo especifico aos objetivos de casta, por assim dizer, da burocracia governante. Mas, do ponto de vista dos resultados, eles são iguais: as classes burguesas e a burocracia dão-se as mãos neste caso, trate-se da Áustria, ou da Rússia.

A burguesia da nação oprimida, que se vê acossada por toda a parte, entra naturalmente em ação. Apela para “os de baixo de seu país” e principia a falar de “pátria”, ao pretender fazer da sua própria causa a causa de todo o povo. Recruta para si um exército entre seus “compatriotas”, no interesse ... da “pátria”. E “os de baixo” nem sempre permanecem surdos aos seus apelos, e se agrupam em torno da sua bandeira: é que a repressão de cima também os afeta, provocando o seu descontentamento.

Assim começa o movimento nacional.

A fôrça do movimento nacional é determinada pelo grau da participação que nele têm as extensas camadas da nação do proletariado e dos camponeses.

Que o proletariado se coloque sob a bandeira do nacionalismo burguês — depende do grau de desenvolvimento das contradições de classe, da consciência e da organização do proletariado. O proletariado consciente tem sua própria bandeira, já provada, e não necessita marchar sob a bandeira da burguesia.

Quanto aos camponeses, sua participação no movimento nacional depende, antes de tudo, do caráter da repressão. Se a repressão afeta os interesses da “terra”, como ocorria na Irlanda, as grandes massas camponesas se colocam imediatamente sob a bandeira do movimento nacional.

Por outra parte — se na Geórgia, por exemplo, não há um nacionalismo antirrusso mais ou menos sério, é sobretudo parque ali não existem grandes proprietários russos de terras nem uma grande burguesia russa, que possam alimentar esse nacionalismo nas massas. Na Geórgia há um nacionalismo anti-armênio, e isso porque ali existe uma grande burguesia armênia, que, ao vibrar seus golpes contra a pequena burguesia georgiana, ainda não consolidada, a conduz ao nacionalismo anti-armênio.

Sujeito a esses fatores, o movimento nacional ou assume um caráter de massas, crescendo mais e mais (Irlanda, Galizia), ou se converte numa série de pequenos choques que degeneram em escândalos e em “contendas” por questões de rótulos (como em alguns povos da Boêmia).

O conteúdo do movimento nacional não pode, naturalmente, ser o mesmo em toda a parte: ele é determinado integralmente pelas diferentes reivindicações que apresenta. Na Irlanda este movimento tem um caráter agrário; na Boêmia gira em torno do “idioma”; em alguns lugares reclama igualdade de direitos civis e liberdade religiosa; em outros, “seus próprios” funcionários ou seu próprio parlamento. Nas suas diversas reivindicações transparecem, não poucas vezes, os diversos traços que caracterizam uma nação em geral (o idioma, o território, etc.). Merece destaque o fato de não se encontrar em parte alguma a reivindicação sobre o “caráter nacional” de Bauer, que tudo abarca. E é lógico: por si só, o “caráter nacional” não é compreensível, e, como observa J. Strasser,(23) “com ele não se pode fazer nada em política”.

Tais são, em geral, as formas e o caráter do movimento nacional.

Pelo exposto se vê claro que, nas condições do capitalismo ascensional, a luta nacional é uma luta das classes burguesas entre si. Às vezes a burguesia consegue arrastar o proletariado ao movimento nacional, e então a luta nacional se reveste na aparência de um caráter popular geral, mas só na aparência. Na essência esta luta não deixa nunca de ser uma luta burguesa, conveniente e grata principalmente à burguesia.

Mas daqui não se depreende, nem por sombra, que o proletariado não deve lutar contra a política de opressão das nacionalidades.

A restrição da liberdade de movimentos, a privação dos direitos eleitorais, a perseguição ao idioma, a redução de escolas e outras medidas repressivas afetam os operários em grau não menor, ou maior talvez, que à burguesia. Esta situação só pode frear o livre desenvolvimento das fôrças espirituais do proletariado de todas as nações submetidas. Não se pode falar seriamente do pleno desenvolvimento das faculdades espirituais do trabalhador tártaro ou judeu quando não se lhes permite fazer uso de sua língua materna nas assembleias ou nos comícios e quando suas escolas são fechadas.

Mas a política de repressão nacional é também perigosa sob outro aspecto para a causa do proletariado. Esta política desvia a atenção de extensas camadas da população dos problemas sociais, dos problemas da luta de classes, para os problemas nacionais, para os problemas “comuns” ao proletariado e à burguesia. E isto cria terreno favorável às prédicas mentirosas sobre a “harmonia de interesses”, ao mesmo tempo que serve de véu para esconder os interesses de classe do proletariado, para escravizar moralmente os operários. Deste modo se levanta uma barreira séria diante da obra de unificação dos trabalhadores de todas as nacionalidades. Se até agora uma parte considerável dos trabalhadores polacos se tem mantido sob a escravidão moral dos nacionalistas burgueses, se até hoje se mantêm à margem do movimento operário internacional, é principalmente porque as bases para sua escravidão, para o entorpecimento da sua libertação, são devidas à imemorial política anti-polaca dos “poderosos do mundo”.

Mas a política de repressão não se detém aqui. Do “sistema” de opressão passa não poucas vezes para o “sistema” de açulamento de umas nações contra as outras, ao “sistema” de matanças e pogrons. Naturalmente isso não acontece sempre nem em todas as partes, mas ali onde é possível — na ausência das liberdades elementares — assume não poucas vezes proporções horrorosas, ameaçando afogar em sangue e lágrimas a causa da coesão dos trabalhadores. O Cáucaso e a Rússia do Sul não dão poucos exemplos disto. “Divide e vencerás”: eis aí o objetivo da política de açulamento de umas nações contra as outras. E, à medida que prospera, essa política representa um mal tremendo para o proletariado, obstáculo formidável que se opõe à fusão dos trabalhadores de todas as nacionalidades que integram o Estado.

Por isso, precisamente, a chamada política “evolutivo-nacional”, proposta por Bauer, não se pode converter na política do proletariado. A tentativa de Bauer de identificar sua política “evolutivo-nacional” com a política “da classe trabalhadora moderna”(24) é a tentativa de adaptar a luta de classes dos trabalhadores à luta das nações.

Os destinos do movimento nacional, que é em substância um movimento burguês, se vinculam naturalmente com os destinos da burguesia. O ocaso do movimento nacional só é possível com o ocaso da burguesia. Só quando reine o socialismo se poderá instaurar a paz completa. O que é possível, até dentro dos marcos do capitalismo, é reduzir ao mínimo a luta nacional, miná-la nas suas raízes, torná-la o mais inofensiva possível para o proletariado. Assim o demonstram, embora sozinhos, os exemplos da Suíça e da América do Norte. Para isso é preciso democratizar o país e dar às nações a possibilidade de desenvolverem-se livremente.

Mas os trabalhadores estão interessados na fusão completa de todos os seus camaradas num exército internacional único, na sua rápida e definitiva libertação da escravidão moral a que a burguesia os submete, na plena e livre expansão das fôrças morais de seus irmãos, qualquer que seja a nação a que pertençam.

Por isso, os trabalhadores lutam e lutarão contra a política de opressão das nações em todas as suas formas, desde as mais sutis até às mais grosseiras, do mesmo modo que contra a política de atiçar umas nações contra as outras sob todas as suas formas.

Por isso, a social-democracia de todos os países proclama o direito de autodeterminação das nações.

O direito de autodeterminação significa que só a própria nação tem o direito de determinar seus destinos, que ninguém tem o direito de imiscuir-se pela fôrça na vida de uma nação, de destruir suas escolas e demais instituições, de violar seus hábitos e costumes, de perseguir seu idioma, menosprezar seus direitos.

Isto não significa, naturalmente, que a social-democracia vá apoiar todos os costumes e instituições de uma nação. Lutando contra a violência exercida sobre as nações, só defenderá o direito de a nação determinar por si mesma seus destinos, empreendendo ao mesmo tempo campanhas de agitação contra os costumes e instituições nocivos, para dar às camadas trabalhadoras a possibilidade de libertar-se deles.

O direito de autodeterminação significa que a nação pode organizar-se conforme seus desejos. Tem o direito de organizar sua vida segundo os princípios da autonomia. Tem o direito de entrar em relações federativas com outras nações. Tem o direito de separar-se por completo. A nação é soberana, e todas as nações são iguais em direitos.

Isto não significa, naturalmente, que a social-democracia vá defender todas as reivindicações de uma nação, sejam quais forem. A nação tem até o direito de voltar à velha ordem de coisas, o que não quer dizer, porém, que a social-democracia deva subscrever esta resolução de tal ou qual instituição de uma determinada nação. Os deveres da social-democracia, que defende os interesses do proletariado, e os direitos da nação, integrada por diversas classes, são duas coisas distintas.

Lutando pelo direito de autodeterminação das nações, a social-democracia se propõe, como objetivo, dar fim à política de opressão das nações, tornar esta política impossível e, com isso, minar as bases da luta entre as nações, fazê-la menos aguda, reduzi-la ao mínimo.

Isto distingue essencialmente a política do proletariado consciente da política da burguesia, que se esforça por aprofundar e fomentar a luta nacional, prolongar e agravar o movimento nacional.

Por isso, precisamente, não pode o proletariado consciente colocar-se sob a bandeira “nacional” da burguesia.

III - Exposição do Problema

A nação tem o direito de determinar livremente seus destinos. Tem o direito de organizar-se como lhe agrade, sempre e quando, naturalmente, não menospreze os direitos de outras nações. Isto é indiscutível.

Mas como, concretamente, deve organizar-se, que formas deve ter sua futura constituição, se se levam em consideração os interesses da maioria da nação e, sobretudo, os do proletariado?

A nação tem o direito de organizar-se autônomamente. Até o direito da separação. Isto não significa, porém, que deva fazê-lo sob quaisquer condições, que a autonomia ou a separação sejam sempre e em toda a parte vantajosas para a nação, isto é, para a maioria dela ou para as camadas trabalhadoras. Os tártaros da Transcaucásia, como nação, poderão reunir-se — suponhamos — na sua Dieta, e, submetendo-se á influência dos beis e mulás, restaurar no país a velha ordem de coisas, decidir a sua separação do Estado. De acordo com o princípio da autodeterminação, têm perfeito direito de fazê-lo. Mas iria isto ao encontro dos interesses das camadas trabalhadoras da nação tártara? Poderiam os social-democratas contemplar indiferentes o fato de beis e mulás arrastarem consigo as massas para essa solução do problema nacional? Não deveria a social-democracia imiscuir-se no assunto e influir na vontade da nação num determinado sentido? Não deveria apresentar um plano concreto de solução do problema, o mais vantajoso para as massas tártaras?

Mas que solução seria a mais compatível com os interesses das massas trabalhadoras? A autonomia, a federação ou a separação?

São todos eles problemas cuja solução depende das circunstâncias históricas concretas, que rodeiem a nação em foco.

Mais ainda: as circunstâncias, como tudo, se modificam, e uma solução acertada para um momento dado pode ser completamente inaceitável para outro momento.

Nos meados do século XIX Marx era partidário da separação da Polônia russa, e com razão, pois então se apresentava o problema de libertar uma cultura superior de outra inferior, que a destruía. E por aquele tempo o problema não se apresentava somente em teoria, de modo acadêmico, e sim na prática, na realidade mesma ...

Nos fins do século XIX os marxistas polacos se manifestam já contrários à separação da Polônia, e também eles têm razão, porque nos últimos cinquenta anos se haviam produzido mudanças profundas no sentido de uma aproximação econômica e cultural entre a Polônia e a Rússia. Além disso, durante esse tempo, o problema da separação deixou de ser um problema prático para converter-se em tema de discussões acadêmicas, talvez só apaixonasse os intelectuais residentes no estrangeiro. Isto não exclui, naturalmente, a possibilidade de certas oportunidades interiores e exteriores em que o problema da separação da Polônia possa adquirir de novo atualidade.

Disto se depreende que a solução do problema nacional só é possível em relação com as condições históricas, enfocadas no seu desenvolvimento.

As condições econômicas, políticas e culturais que rodeiam uma nação dada: eis a única chave para a solução do problema de como deve organizar-se concretamente tal ou qual nação, de que formas se deve revestir sua futura constituição. Além disso, pode acontecer que cada nação exija sua própria solução do problema. Se há algum terreno em que seja necessário encarar o problema dialeticamente, é precisamente neste, da questão nacional.

Em virtude disto, devemos declarar-nos decididamente contrários a um método, muito difundido, mas também muito arbitrário, de "resolver” o problema nacional e que tem suas origens no Bund. Referimo-nos ao método fácil de deixar tudo ao critério da social-democracia austríaca e dos eslavos do Sul,(25) que se supõe resolveram já o problema nacional, e de quem os social-democratas russos devem pedir por empréstimo a solução. Parte-se da suposição de que tudo quanto é justo, suponhamos, para a Áustria o é também para a Rússia. Perde-se de vista o mais importante e decisivo do caso presente: as condições históricas concretas da Rússia, em geral, e da vida de cada nação era separado, dentro das fronteiras da Rússia, em particular.

Escutai, por exemplo, o conhecido líder do Bund, V. Kossovski:

“Quando no IV Congresso do Bund(26) se discutiu o aspecto de princípio do problema, (refere-se ao problema nacional, J. St.,) a solução do mesmo, proposta por um dos membros do Congresso no sentido da resolução do partido social-democrata dos eslavos do Sul, teve a aprovação geral”.(27)

Em consequência, “o Congresso adotou por unanimidade” ... a autonomia nacional.

E isto foi tudo. Nem uma análise da realidade russa, nem um exame das condições de vida dos judeus na Rússia: o que se fez foi tomar emprestada a solução do partido social-democrata dos eslavos do Sul, depois aprová-la e por fim "adotá-la por unanimidade”! Assim resolvemos do Bund o problema nacional na Rússia ...

E, contudo, a Áustria e a Rússia se apresentam em condições totalmente distintas. Assim se explica porque os social-democratas da Áustria, ao aprovar o programa nacional em Brünn (1899),(28) inspirando-se na resolução do partido social-democrata dos eslavos do Sul (com algumas emendas insignificantes, é certo), abordaram o problema de maneira completamente não-russa, por assim dizer, e o resolveram, naturalmente, de maneira não-russa.

Antes de tudo, o lançamento do problema. Como apresentam o problema os teóricos austríacos da autonomia nacional, os intérpretes do programa nacional de Brünn e da resolução do partido social-democrata dos eslavos do Sul, Springer e Bauer?

“Deixamos sem resposta aqui — diz Springer — o problema de se é possível, em geral, um Estado multinacional e de se, em particular, as nacionalidades austríacas estão obrigadas a formar um todo político; esses problemas vamos dá-los por resolvidos. Para os que não estão de acordo com essa possibilidade e necessidade, a nossa investigação carecerá, certamente, de base. Nosso tema é o seguinte: se as ditas nações estão obrigadas a levar uma existência conjunta, que formas jurídicas hão de permitir-lhes viver melhor? (sublinhado por Springer).(29)

Temos, pois, a integridade estatal da Áustria como ponto de partida.

E o mesmo diz Bauer:

“Partimos da suposição de que as nações austríacas permaneçam dentro da mesma união estatal em que vivem agora, e perguntamos quais serão, dentro dos limites desta união, as relações das nações entre si e de todas elas com o Estado”.(30)

Novamente a integridade da Áustria antes de tudo.

Pode a social-democracia da Rússia apresentar assim o problema? Não, não pode. E não pode porque se coloca desde o primeiro momento no ponto de vista da autodeterminação nacional, em virtude da qual tem a nação o direito de separar-se. Até o líder do Bund, Goldblat, reconheceu no II Congresso da social-democracia da Rússia que esta não pode renunciar ao ponto de vista da autodeterminação. Eis o que disse então Goldblat:

“Contra o direito de autodeterminação não pode objetar-se nada. Se qualquer nação luta pela sua independência, não é possível oposição a isso. Se a Polônia não quer contrair um “matrimônio legal" com a Rússia, não temos por que nos opor”.

Tudo é assim. Mas daqui se deduz que os pontos de partida dos social-democratas austríacos e russos não só não são idênticos, como são, pelo contrário, diametralmente opostos. Pode-se, depois disso, falar da possibilidade de tomar por empréstimo dos austríacos o programa nacional?

Prossigamos. Os austríacos pensam concretizar a “liberdade das nacionalidades” mediante pequenas reformas, a passo lento. Propondo a autonomia nacional como medida prática, não contam de nenhum modo com mudanças radicais, com um movimento democrático de libertação, que eles não têm em perspectiva. Em compensação os marxistas russos vinculam o problema da “liberdade das nacionalidades” com prováveis mudanças radicais, com o movimento democrático de libertação, não tendo razões para confiar em reformas. E isso faz com que a questão mude de maneira essencial, no que se refere aos prováveis destinos das nações na Rússia.

Naturalmente — diz Bauer — é difícil crer que a autonomia nacional haja de manifestar-se como fruto de uma grande decisão, de uma ação enérgica e audaz. A Áustria marchará para a autonomia nacional passo a passo, por um processo lento doloroso, através de uma dura luta, em resultado da qual a legislação e a administração se verão em estado de paralisia crônica. O novo regime jurídico do Estado não será criado por meio de um grande ato legislativo, mas de um montão de leis isoladas, promulgadas para territórios isolados e para comunidades isoladas.”(31)

E o próprio Springer diz:

“Sei muito bem que as instituições desse gênero (os órgãos da autonomia nacional, J. St.) não se criarão em um ano nem em dez. A reorganização da administração prussiana, por si só, exigiu largo tempo ... Os prussianos necessitaram de duas décadas para estabelecer definitivamente suas principais instituições administrativas. Por isso, ninguém deve pensar que eu ignoro quanto tempo e quantas dificuldades custará isso à Áustria”.(32)

Tudo isso é muito preciso, mas podem os marxistas russos não vincular o problema nacional com “ações enérgicas e audazes”? Podem eles contar com reformas parciais, com “um montão de leis isoladas”, como um meio de conquistar a “liberdade das nacionalidades”? E se não podem nem devem fazer isso, não se deduz claramente daí que os métodos de luta e as perspectivas dos austríacos e dos russos são completamente distintos? Como, nessa situação, é possível limitarem-se os russos à autonomia nacional unilateral e incompleta dos austríacos? Das duas uma: ou os partidários da solução emprestada não contam com “ações enérgicas e audazes” ou contam com elas, mas “não sabem o que fazem”.

Finalmente a Rússia e a Áustria se encontram diante de tarefas imediatas completamente distintas, razão pela qual os métodos de solução do problema nacional têm que ser também completamente distintos. A Áustria vive sob o parlamentarismo; sem parlamento, nas condições atuais, não seria possível o desenvolvimento daquele país. Mas na Áustria a vida parlamentar e a legislação são paralisadas, não poucas vezes, por causa dos choques agudos entre os partidos nacionais. Assim se explica também a crise política crônica de que há muito tempo a Áustria padece. Isso faz com que o problema nacional seja ali o eixo da vida política, o problema vital. Não é surpreendente, por isso, que os políticos social-democratas austríacos façam esforços no sentido de resolver, antes de tudo, de um modo ou de outro, o problema dos conflitos nacionais; de resolvê-lo naturalmente à base do parlamentarismo existente, pelos métodos parlamentares ...

Não acontece assim na Rússia. Em primeiro lugar na Rússia “não temos, graças a Deus, parlamento”.(33) Em segundo — isto é o fundamental — o eixo da vida política da Rússia não é o problema nacional, mas o problema agrário. Por isso os destinos do problema russo e, por conseguinte, também a “libertação” das nações estão vinculados na Rússia à solução do problema agrário, isto é, à destruição dos restos feudais, ou seja a democratização do país. Assim se explica também porque na Rússia o problema nacional não se apresenta como problema independente e decisivo, senão como parte do problema geral e mais importante da emancipação do país.

“A esterilidade do parlamento austríaco — escreve Springer — se deve única e exclusivamente ao fato de cada reforma engendrar dentro dos partidos nacionais contradições que destroem sua coesão, razão pela qual os chefes dos partidos fogem cuidadosamente de tudo quanto cheire a reforma. Na Áustria o progresso só é concebível, em geral, no caso de que às nações sejam concedidas posições legais imprescritíveis, que as isentem da necessidade de manter no parlamento destacamentos de luta permanente e lhes deem a possibilidade de entregar-se à solução dos problemas econômicos e sociais”.(34)

E o mesmo diz Bauer:

“A paz nacional é necessária antes que tudo para o Estado. O Estado não pode de modo algum permitir que a legislação se paralise por uma estúpida questão de idioma, pela mais leve querela entre as gentes excitadas neste ou naquele lugar da fronteira nacional por novas escolas.”(35)

Tudo isso é compreensível. Mas não menos compreensível é que na Rússia o problema nacional está situado num plano completamente distinto. Na Rússia não é o problema nacional, mas o problema agrário que decide do destino do progresso; o problema nacional é um problema subordinado.

Temos, pois, uma distinta exposição do problema, perspectivas distintas e distintos métodos de luta, distintas tarefas imediatas. Por acaso não é evidente que, nesta situação, só homens absorvidos pelas divagações, que querem resolver o problema nacional fora do espaço e do tempo, podem valer-se do exemplo da Áustria e pedir seu programa emprestado?

Repito: condições históricas concretas como ponto de partida e apresentação dialética do problema como a única exposição exata: eis a chave para a solução do problema nacional.

IV - A Autonomia Nacional

Falamos, mais acima, do aspecto formal do programa nacional austríaco, dos fundamentos metodológicos em virtude dos quais os marxistas russos não se podem limitar simplesmente a basear-se no exemplo dos social-democratas da Áustria e fazer seu o programa deles.

Falemos agora do programa mesmo, no seu aspecto substancial.

Assim, pois, qual é o programa nacional dos social-democratas austríacos?

Está contido em duas palavras: autonomia nacional.

Isto significa, em primeiro lugar, que a autonomia não será concedida — suponhamos — à Tchéquia e à Polônia, habitadas principalmente por tchecos e polacos em geral, independentemente do território e seja qual for a região da Áustria em que habitem.

Essa é a razão pela qual tal autonomia se denomina nacional e não territorial.

Significa, em segundo lugar, que os tchecos, polacos e alemães, etc., disseminados pelas diferentes partes da Áustria, considerados individualmente, como pessoas distintas, se organizam em nações e entram, como tais, a fazer parte do Estado austríaco. E, assim, a Áustria representará, não uma reunião de regiões autônomas, mas uma união de nacionalidades autônomas, constituídas independentemente de território.

Significa, em terceiro lugar, que as instituições nacionais de tipo geral que hão de ser criadas com esse fim para os polacos, os tchecos, etc. não cuidarão dos assuntos “políticos” e sim, tão somente, dos problemas “culturais”. Os problemas especificamente políticos se concentrariam no parlamento (Reichrat) de toda a Áustria.

Por isso essa autonomia se denomina também cultural, isto é, nacional-cultural.

Eis agora o texto do programa aprovado pela social- democracia austríaca no Congresso de Brünn de 1899.(36)

Depois de referir-se ao fato de que “as dissensões nacionais na Áustria impedem todo progresso político”. 30 fato de que a “solução definitiva do problema nacional ... é, antes de tudo, uma necessidade cultural” e que esta “solução só é possível numa sociedade autenticamente democrática, constituída à base do sufrágio universal, igual e direto”, o programa continua:

A conservação e o desenvolvimento das peculiaridades nacionais dos povos da Áustria só são possíveis à base da plena igualdade de direitos e da ausência de toda classe de opressão. Portanto, em primeiro lugar devemos rechaçar o sistema de centralismo burocrático do Estado, como os privilégios feudais de algumas províncias.

Nestas condições, e somente nestas condições, será possível estabelecer na Áustria a ordem nacional em vez das dissensões nacionais, segundo os princípios seguintes:

  1. — A Áustria deve ser transformada num Estado que represente uma união democrática de nacionalidades.
  2. — Os territórios históricos da Corôa devem ser substituídos por corporações autônomas nacionais delimitadas, em cada uma das quais a legislação e a administração sejam confiadas a parlamentos nacionais, eleitos à base do sufrágio universal, igual e direto.
  3. Todas as regiões autônomas da mesma nação formam em conjunto uma união nacional única, que resolve seus assuntos nacionais de maneira absolutamente autônoma.
  4. Os direitos das minorias nacionais são garantidos por uma lei especial aprovada pelo Parlamento Imperial”.

O programa termina com um apelo à solidariedade de todas as nações da Áustria.(37)

Não é difícil advertir que neste programa ficaram algumas marcas de “territorialismo”, mas em geral é ele a formulação da autonomia nacional. Não em vão Springer, o primeiro agitador da autonomia nacional, o recebe com entusiasmo.(38) Bauer aceita também os seus pontos de vista, qualificando-os de “vitória teórica”(39) da autonomia nacional; tão somente, no interesse de maior clareza, propõe substituir o ponto 4 por uma fórmula mais precisa, que fale da necessidade de “constituir a minoria nacional dentro de cada região autônoma como uma corporação jurídica pública”, para orientar os assuntos de escolas e outros culturais.(40)

Tal é o programa nacional dos social-democratas austríacos.

Examinemos seus fundamentos científicos.

Vejamos como fundamenta a social-democracia austríaca a autonomia nacional, por que se bate.

Dirijamos-nos aos teóricos desta última, a Springer e Bauer.

O ponto de partida da autonomia nacional é o seu conceito de nação como união de pessoas, independentemente de todo território determinado.

‘‘A nacionalidade — segundo Springer — não guarda a menor relação essencial com o território; a nação é uma união autônoma nacional de pessoas”.(41)

Bauer fala também da nação como de uma

“comunidade de pessoas”, à qual “não se outorga dominação exclusiva em nenhum território determinado”.(42)

Mas as pessoas que compõem uma nação nem sempre vivem agrupadas em massa compacta, frequentemente se dividem em grupos e desta forma se incrustam em organismos nacionais alheios. É o capitalismo que as faz mudar-se pressurosamente para outras regiões e cidades, a fim de ganhar seu pão. Ao entrar, porém, em territórios nacionais alheios, formando neles minorias, esses grupos sofrem sob as maiorias nacionais do lugar onde vivem, vendo perseguidos seu idioma, suas escolas, etc. Daí os conflitos nacionais. Daí a “inutilidade” da autonomia territorial. A única saída para essa situação, a juízo de Springer e Bauer, é organizar as minorias de uma nacionalidade, dispersas pelas diversas regiões do Estado, numa só união nacional, geral, comum a todas as classes. Somente semelhante união poderia defender, segundo eles, os interesses culturais das minorias nacionais, somente ela seria capaz de pôr fim às discórdias nacionais.

“É preciso — diz Springer — dar às nacionalidades uma organização acertada, dotá-las de direitos e deveres”(43) ... Por conseguinte, “uma lei se promulga facilmente, mas terá a eficácia que dela se espera? ... Se quereis criar uma lei para as nações, o que primeiro tendes a fazer é criar estas nações(44) ... A não ser que se constituam as nacionalidades, será impossível criar o direito nacional e eliminar as dissensões nacionais”.(45)

Bauer intervém no mesmo sentido quando formula como “reivindicação da classe trabalhadora” a "constituição das minorias em corporações jurídicas públicas, baseadas no princípio pessoal”.(46)

Mas como hão de organizar-se as nações? Como se há de determinar quando um indivíduo pertence a esta ou àquela nação?

“A nacionalidade — diz Springer — será determinada por meio de certificados nacionais; cada indivíduo domiciliado numa região será obrigado a declarar a que nacionalidade pertence”.(47)

“O princípio pessoal — diz Bauer — pressupõe que a população se dividirá em nacionalidades ... à base da livre declaração dos cidadãos adultos, para o que deverão organ‘zar-se censos nacionais”.(48)

E mais adiante:

“Todos os alemães domiciliados em regiões nacionalmente homogêneas e todos os alemães inscritos nos censos nacionais das regiões mistas constituirão a nação alemã e elegerão um conselho nacional”.(49)

Outro tanto diremos dos tchecos, dos polacos, etc.

“O conselho nacional é — segundo Springer — o parlamento nacional-cultural, chamado a fixar os princípios e aprovar os meios necessários para velar pelas escolas nacionais, a literatura, a arte e a ciência nacionais, a organização de academias, museus, galerias, teatros, etc.”(50)

Tal é a organização de uma nação e sua instituição central.

Mediante a criação de tais instituições, comuns a todas as classes, o partido social-democrata austríaco aspira, na opinião de Bauer, a “converter a cultura nacional... em patrimônio de todo o povo, e é este o único meio possível de fundir todos os membros da nação numa comunidade nacional cultural(51), (sublinhado por nós).

Poderia pensar-se que tudo isso só tem relação com a Áustria. Mas não pensa assim Bauer. Afirma resolutamente que a autonomia nacional é também obrigatória para os demais Estados constituídos, como a Áustria, de diferentes nacionalidades.

“O proletariado de todas as nações contrapõe — segundo Bauer — sua reivindicação da autonomia nacional à política nacional das classes possuidoras, à política da conquista do Poder nos Estados multinacionais”.(52)

E logo, substituindo imperceptivelmente a autodeterminação das nações pela autonomia nacional, prossegue:

“E assim a autonomia nacional, a autodeterminação das nações, se converte necessàriamente no programa constitucional do proletariado de todas as nações que vivem no Estado multinacional”.(53)

Bauer vai, porém, ainda mais longe. Está profundamente convencido de que as “uniões nacionais” comuns a todas as classes, “constituídas” por ele e por Springer, haverão de servir, de certo modo, de protótipo para a sociedade socialista do futuro. Pois sabe que o “regime socialista da sociedade ... desmembrará a humanidade em comunidades nacionalmente delimitadas”(54), que sob o socialismo se realizará a “agrupação da humanidade em comunidades nacionais autônomas”(55), que, “deste modo, a sociedade socialista apresentará um quadro compacto de uniões nacionais de pessoas e de corporações territoriais”(56) e que, concomitantemente, “o princípio socialista da nacionalidade é a síntese suprema do princípio nacional e da autonomia nacional”.(57)

Cremos que é suficiente ...

Tal é o fundamento da autonomia nacional nas obras de Bauer e Springer.

Em primeiro lugar, salta à vista a substituição, absolutamente inexplicável e de maneira nenhuma justificada, da autodeterminação das nações pela autonomia nacional. Das duas uma: ou Bauer não compreende o que é autodeterminação ou então compreende e restringe deliberadamente este conceito, por esta ou aquela razão. Porque é indubitável que: a) a autonomia nacional implica na integridade de um Estado composto por várias nacionalidades, enquanto que a autodeterminação ultrapassa os limites dessa integridade: b) a autodeterminação dá à nação toda a plenitude de direitos, enquanto que a autonomia nacional só lhe dá direitos “culturais”. Isto, em primeiro lugar.

Em segundo lugar, é perfeitamente possível que no futuro se dê uma tal combinação de circunstâncias interiores e exteriores que tal ou qual nacionalidade se decida a desligar-se do Estado de que participa com outras; suponhamos, por exemplo, da Áustria (no Congresso de Brünn os social-democratas rutenos não se declararam por ventura dispostos a unir em um todo as “duas partes” do seu povo?(58)) Que aconteceria, em tal caso, com a autonomia nacional “inevitável para o proletariado de todas as nações”?

Que “solução” é esta que mete automaticamente as nações no leito de Procusto da integridade de um Estado?

Prossigamos. A autonomia nacional está em completa contradição com o curso do desenvolvimento das nações. Agita o lema de organizar as nações.

Mas, as nações podem soldar-se artificialmente, se a vida e o desenvolvimento econômico delas destaca grupos inteiros, dispersando-os por diversos territórios? Não há dúvida de que, nas primeiras fases do capitalismo, as nações se aglutinam. Mas ainda assim é fora de dúvida que nas fases superiores do capitalismo tem início um processo de dispersão das nações, um processo que tende a separar das nações séries inteiras de grupos que saem a ganhar o pão e que terminam se instalando definitivamente noutros territórios do Estado. Deste modo, os grupos que mudam de residência perdem os velhos vínculos e adquirem outros novos em novos lugares, assimilam, de geração em geração, novos hábitos e novos gostos e talvez, até mesmo um novo idioma ...

Pergunta-se: é possível ligar numa única união nacional estes grupos já dissociados uns dos outros? Onde estão os laços mágicos que vão unir o que não tem união possível? Seria possível “aglutinar em nação”, por exemplo, os alemães do Báltico e os da Transcaucásia? E se tudo isto é inconcebível e impossível, em que se distingue, neste caso, a autonomia nacional da utopia dos antigos nacionalistas, que se esforçavam por fazer girar para trás a roda da história?

Mas a coesão e a unidade de uma nação não desaparecem apenas em consequência das migrações. Desaparecem também por motivos internos, em virtude do aguça- mento da luta de classes. Nas primeiras fases do capitalismo ainda se podia falar da “comunidade cultural” do proletariado e da burguesia. Mas com o desenvolvimento da grande indústria e o exacerbamento da luta de classes, esta “comunidade” começa a desmoronar. Não é possível falar a sério da “comunidade cultural” de uma nação em que os operários e os patrões já não se entendem. De que “comunidade "de destinos” se pode falar quando a burguesia está sedenta de guerra e o proletariado declara “guerra à guerra?” Com estes elementos contraditórios será possível organizar uma única união nacional comum a todas as classes? É possível, depois disto, falar da “aglutinação de todos os indivíduos da nação numa comunidade cultural nacional”?(59) Disto não se depreende claramente que a autonomia nacional contradiz toda a marcha da luta de classes?

Mas admitamos por um momento que a palavra de ordem "organizar a nação!” seja viável. Poder-se-ia ainda compreender os parlamentares nacionalistas burgueses, que se esforçam por “organizar” a nação com o propósito de obter um reforço de votos. Mas desde quando se dedicam os social-democratas a “organizar” nações, a “constituir” nações, a “criar” nações?

Que social-democratas são esses que, nurna época do mais intenso aguçamento da luta de classes, se põem a organizar uniões nacionais comuns a todas as classes? Até agora, ante a social-democracia austríaca, como ante todas as demais, só havia uma missão: organizar o proletariado. Pelo visto, porém, essa missão se tornou “obsoleta”. Agora, Springer e Bauer indica muma nova missão mais sugestiva: a de “criar”, de “organizar” a nação.

É preciso ser lógico: quem aceita a autonomia nacional tem de aceitar também esta “nova” missão, mas aceitar esta missão equivale também a abandonar as posições de classe, a colocar-se na senda do nacionalismo.

A autonomia nacional de Springer e Bauer é uma variedade sutil do nacionalismo.

E não é por acaso que o programa nacional dos social-democratas austríacos obriga a velar pela '‘conservação e o desenvolvimento das peculiaridades nacionais dos povos”. Fixai bem o que significa “conservar” tais “peculiaridades nacionais” dos tártaros da Transcaucásia, como a da auto-flagelação na festa do “Shajsei-Vajsei", ou “desenvolver tais peculiaridades nacionais dos georgianos, como o direito de vingança”!...

Este ponto estaria no seu perfeito lugar num programa raivosamente burguês-nacionalista, e se figura no programa dos social-democratas austríacos, é porque a autonomia nacional tolera formulações dessa ordem e não está em contradição com elas.

Mas a autonomia nacional, inaceitável para a sociedade atual, é mais ínaceitável ainda para a futura, para a sociedade socialista.

A profecia de Bauer sobre o “desmembramento da humanidade em comunidades nacionalmente delimitadas”(60) é refutada por toda a trajetória do desenvolvimento da humanidade moderna. Os tabiques nacionais, longe de fortalecer-se, se desmoronam e caem por terra.

Já na década de 40 (século 19) Marx dizia que o

“isolamento e os antagonismos de interesses entre os povos tendem já a diminuir cada dia mais e mais” e que a “dominação do proletariado há de fazer que desapareçam ainda mais depressa”.(61)

O desenvolvimento ulterior da humanidade, com o crescimento gigantesco da produção capitalista, com a sua mistura de nacionalidades e a unificação dos indivíduos em territórios cada vez mais vastos, confirma plenamente a ideia de Marx.

O desejo de Bauer de apresentar a sociedade socialista sob a forma de “um quadro compacto de uniões nacionais pessoais e corporações territoriais” é um tímido intento de suplantar a concepção marxista do socialismo pela concepção reformista de Bakunin. A história do socialismo revela que cada um desses intentos leva sempre no seu seio os fatores de inevitável bancarrota.

E não falemos do “princípio socialista da nacionalidade” glorificado por Bauer e que é, no nosso juízo, a superação do princípio socialista da luta de classes pelo princípio burguês da “nacionalidade”. Se a autonomia nacional nasce de um princípio tão duvidoso, necessário é reconhecer que só danos pode causar ao movimento operário.

É certo que esse nacionalismo não transparece tanto, porque se mascara habilmente de frases socialistas; por isso mesmo é mais perigoso ainda para o proletariado. Com o nacionalismo franco se pode ajustar contas: não é difícil identificá-lo. Muito mais difícil é lutar contra o nacionalismo mascarado e não identificado no seu disfarce. Protegido pela couraça do socialismo, é menos vulnerável e mais resistente. Vivendo entre os trabalhadores, envenena a atmosfera, semeando ideias daninhas de desconfiança mútua e de retraimento entre os que, no operariado, são de nacionalidades diferentes.

Mas o dano que causa a autonomia nacional não se reduz a isso. Prepara o terreno não só para o retraimento das nações, como também para a cisão do movimento operário único. A ideia da autonomia nacional assenta nas premissas psicológicas para a divisão do partido operário único em diversos partidos organizados por nacionalidades. Depois dos partidos se fracionam os sindicatos, e o resultado é um completo isolamento. E assim um movimento de classe, único, desagua em diversos riachos nacionais isolados.

A Áustria, berço da "autonomia nacional”, nos dá os mais deploráveis exemplos desse fenômeno. O partido social-democrata austríaco, em outro tempo único, começou já em 1897 (no Congresso de Wimberg)(62) a fracionar-se em diferentes partidos separados. Depois do Congresso de Brünn (1899), em que se aprovou a autonomia nacional, o fracionamento se acentuou ainda mais. Por último, as coisas chegaram a tal ponto que, em vez de um partido internacional único, o que existe hoje são seis partidos nacionais, um dos quais, o partido social-democrata tcheco, não quer a menor relação com a social-democracia alemã.

E aos partidos estão ligados os sindicatos. Na Áustria, tanto nestes como naqueles, o trabalho principal está nas mãos dos próprios trabalhadores social-democratas. Havia, pois, razões para temer que o separatismo no seio do partido conduzisse ao separatismo dentro dos sindicatos, que estes se fracionassem também. E assim ocorreu, com efeito: os sindicatos se dividiram por nacionalidades. E agora se dá o caso, não poucas vezes, de trabalhadores tchecos irem ao ponto de romper uma greve sustentada pelos trabalhadores alemães ou de lutar nas eleições municipais ao lado da burguesia tcheca contra os trabalhadores de nacionalidade alemã.

Do exposto se depreende que a autonomia nacional não resolve o problema nacional. Longe disso, exacerba-o, leva-o à confusão, criando o terreno favorável para cindir a unidade do movimento operário, para isolar os operários por nacionalidades, para acentuar rivalidades entre eles.

Eis aí o fruto da autonomia nacional.

V - O Bund, seu Nacionalismo e seu Separatismo

Dissemos mais acima que Bauer, reconhecendo que a autonomia nacional é necessária para os tchecos, os polacos, etc., se declara, não obstante, contrário a essa autonomia para os judeus. À pergunta: “deve a classe trabalhadora reivindicar a autonomia para o povo judeu?” — Bauer responde que “a autonomia nacional não pode ser uma reivindicação dos trabalhadores judeus”.(63) A causa está, no juízo dele, em que “a sociedade capitalista não lhes permite (aos judeus, J. St.) manter-se como nação”.(64)

Resumindo: a nação judaica está deixando de existir: portanto, não há de quem reivindicar a autonomia nacional. Os judeus vão sendo assimilados.

Esta opinião a respeito dos destinos dos judeus como nação não é nova. Marx a expressou ainda na década de 40,(65) (66) referindo-se principalmente aos judeus alemães. Kautsky repetiu-a em 1903,(67) com referência aos judeus russos. Agora repete-a Bauer com relação aos judeus austríacos. Com a diferença, contudo, de que ele não nega o presente, mas o futuro da nação judaica.

Bauer explica a impossibilidade de se manterem os judeus como nação, dizendo que “os judeus não têm um território delimitado de colonização”.(68) Esfa explicação, exata no fundamental, não expressa, sem embargo, toda a verdade.

A explicação primordial está, antes de tudo, no fato de não terem os judeus uma camada de população extensa e estável, vinculada à terra, que sirva de modo natural à nação, não só de ossatura, como também de mercado “nacional”. Dos 5 ou 6 milhões de judeus russos, só 3 ou 4% se acham vinculados de uma maneira ou de outra à agricultura. Os 96% restantes vivem do comércio, da indústria, trabalham nas instituições urbanas e em geral vivem nas cidades, e além do mais disseminados por toda a Rússia, sem que tenham maioria em uma única província.

Deste modo, incrustados como minorias nacionais em territórios de diferente nacionalidade, os judeus servem principalmente a nações “alheias” como industriais e comerciantes e como membros de profissões liberais, adaptando-se naturalmente às nações “alheias” quanto ao idioma, etc. Tudo isto, relacionado com a crescente mistura das nacionalidades, peculiar às formas desenvolvidas do capitalismo, conduz à assimilação dos judeus. A abolição das “zonas de fixação dos judeus” não pode deixar de acelerar este processo de assimilação.

Por esta razão o problema da autonomia nacional se reveste, no que aos judeus russos se refere, de um caráter um tanto singular: propõe-se a autonomia para uma nação cujo futuro se nega e cuja existência precisa ainda ser comprovada.

Não obstante, o Bund se manteve nessa posição singular e precaria, ao adotar no seu VI Congresso (1905)(69) o “programa nacional” inspirado no sentido da autonomia nacional.

Duas circunstâncias o inspiraram a dar esse passo.

A primeira é a existência do Bund como organização dos trabalhadores social-democratas judeus e somente judeus. Já antes de 1897 os grupos social-democratas que trabalhavam com eles se propuseram criar “uma organização especial de trabalhadores judeus”(70). Em 1897 criaram essa organização, unificando-se no Bund. E isso acontecia numa época em que a social-democracia russa não existia ainda de fato como um todo. Desde então o Bund cresceu e se estendeu ininterruptamente, destacando-se cada vez mais sobre o fundo dos dias cinzentos da social-democracia da Rússia ... Mas eis que chega a primeira década do século XX. Começa o movimento operário de massa. Cresce a social-democracia polaca e arrasta à luta de massas os trabalhadores judeus. Cresce a social-democracia da Rússia e atrai os operários do Bund. Os limites nacionais do Bund, falhos de uma base territorial, começam a tornar-se estreitos. Ante ele surge o problema de dissolver- se na onda internacional geral ou de conservar sua existência independente, como organização extraterritorial. E ê o segundo caminho que ele prefere.

Assim surge a “teoria” do Bund, “único representante do proletariado judeu”.

Justificar, porém, essa estranha "teoria” de um modo mais ou menos “simples” resultava impossível. Era necessário achar uma base “de princípios”, uma justificação “de princípio”. E essa base passou a ser a autonomia nacional. E o Bund lançou mão dela, pedindo-a emprestada à social-democracia austríaca. Se os austríacos não tivessem semelhante programa, o Bund haveria de inventá-lo para justificar “no terreno dos princípios” sua existência independente.

Desse modo, depois da tímida tentativa feita em 1901 (IV Congresso), adotou o Bund definitivamente o “programa nacional” em 1905 (VI Congresso).

A segunda circunstância é a situação especial dos judeus como minorias nacionais isoladas nas regiões integradas por maiorias compactas de outras nacionalidades.

Já dissemos que essa situação compromete a existência dos judeus como nação e os leva ao caminho da assimilação.

Mas isto é um processo objetivo. Subjetivamente, na cabeça dos judeus, provoca reação e origina o problema de como garantir os direitos da minoria nacional, de como preservar esta minoria da assimilação.

Pregando a robustez da “nacionalidade judaica”, o Bund não podia senão situar-se no ponto de vista das '‘garantias”. E, uma vez adotada essa posição, não podia senão aceitar a autonomia nacional. Pois se ele devia acolher-se a uma autonomia qualquer, esta tinha de ser a nacional, isto é, a nacional-cultural: a falta de um território definido e íntegro não permitia sequer falar, tratando-se de judeus, de uma autonomia político-territorial.

É expressivo que o Bund tivesse sublinhado desde o primeiro momento o caráter da autonomia nacional como garantia dos direitos das minorias nacionais, como garantia do “livre desenvolvimento” das nações. E também não é casual que o representante do Bund no II Congresso da social-democracia da Rússia, Goldblat, tivesse formulado a autonomia nacional como “instituição que lhes garante (às nações — J. ST.) a plena liberdade de desenvolvimento cultural”.(71) E com a mesma exigência se incorporaram à fração social-democrática da IV Duma os defensores das ideias do Bund ...

Assim foi como o Bund adotou a posição singular da autonomia nacional dos judeus.

Antes havíamos analisado a autonomia nacional em termos gerais. Esta análise manifesta que a autonomia nacional conduz ao nacionalismo. Mais adiante veremos que o Bund chegou a esse extremo. Mas ele também encara a autonomia nacional de outro modo especial, como garantia dos direitos das minorias nacionais. Examinemos também o problema nesse aspecto especial.

Isto é necessário sobretudo porque o problema das minorias nacionais, e não somente das judaicas, tem para a social-democracia grande importância.

Temos, pois, instituições que garantem às nações “a plena liberdade do desenvolvimento cultural” (sublinhados por nós — J. St.)

Mas que “instituições” são essas que “garantem”, etc?

É antes de tudo o “conselho nacional” de Springer—Bauer, algo assim como uma Dieta para assuntos culturais.

Mas podem essas instituições garantir a “plena liberdade do desenvolvimento cultural” da nação? Pode uma Dieta para assuntos culturais garantir as nações contra as repressões nacionalistas?

O Bund entende que sim, que pode.

A história nos diz, porém, o contrário.

Na Polônia russa existiu durante algum tempo uma Dieta, uma Dieta política que, naturalmente, se esforçava por garantir a liberdade do “desenvolvimento cultural” dos polacos, mas não só não o conseguiu como também — pelo contrário — sucumbiu ela mesma na luta contra as condições políticas gerais imperantes na Rússia.

Na Finlândia existe de há muito uma Dieta, que também se esforça por defender a nacionalidade finlandesa contra os “atentados”. E bem se vê o que ela tem podido fazer nesse sentido.

Evidentemente nem todas as Dietas são iguais, e com a Dieta democraticamente organizada da Finlândia não será tão fácil agir como contra a aristocrática da Polônia.

Mas o decisivo não é a Dieta em si mesma: mais que isso, é a ordem geral de coisas reinante na Rússia. Se hoje existisse na Rússia uma ordem de coisas político-social tão brutalmente asiática como no passado, no tempo em que foi abolida a Dieta polaca, o destino da finlandesa seria muito pior. Além disso, a política de “atentados” contra a Finlândia está em progresso, e não se pode dizer que tenha experimentado uma derrota ...

E se assim se apresentam as coisas, tratando-se de instituições antigas, historicamente formadas, de Dietas políticas, menos ainda hão de poder garantir o livre desenvolvimento da nação as Dietas jovens, instituições novas, e além disso tão débeis como as Dietas “culturais”.

A questão não está evidentemente, nas “instituições”, mas na ordem geral imperante no país. Se no país não há democracia, não haverá também garantias para a “plena liberdade do desenvolvimento cultural” das nacionalidades. Com segurança podemos dizer que quanto mais democrático é um país menos “atentados” haverá contra a “liberdade das nacionalidades” e maiores serão as garantias contra esses “atentados”.

A Rússia é um país semi-asiátíco, e por isso nela a política dos “atentados” se reveste, não poucas vezes, das formas mais brutais, formas de pogroms. Não é preciso dizer que na Rússia as “garantias” foram reduzidas ao mínimo.

A Alemanha já é Europa, com maior ou menor liberdade política; não é de estranhar que ali a política de “atentados” não tenha nunca o caráter de “pogroms”.

Na França, naturalmente, existem “garantias” maiores ainda, mesmo porque ela é um país mais democrático que a Alemanha.

E não falemos da Suíça, onde, graças à sua adiantada democracia, embora burguesa, as nacionalidades vivem livremente, indiferentes à sua condição de minoria ou maioria.

O Bund está, pois, num caminho falso, ao afirmar que as “instituições” podem por si mesmas garantir o pleno desenvolvimento cultural das nacionalidades.

Poderá contestar-se que o próprio Bund considera a democratização da Rússia como condição prévia para a “criação dessas instituições” e para as garantias da liberdade. Mas isto é falso. Através da “Memória da VIII Conferência do Bund(72) se vê que ele pensa conseguir essas "instituições à base da atual ordem de coisas vigente na Rússia e por meio de uma “reforma” da comunidade judaica.

“A comunidade — disse nessa Conferência um dos líderes do Bund — pode converter-se na espinha dorsal da futura autonomia nacional-cultural. A autonomia nacional-cultural é a forma da qual as nações se servem a si mesmas, a forma de satisfazer as necessidades nacionais. Sob a forma da comunidade se acolhe o seu próprio conteúdo. São elos da mesma cadeia, etapas da mesma evolução”.(73)

Partindo disto, a Conferência resolveu que era necessário lutar “pela reforma da comunidade judaica e pela sua transformação, por via legislativa, numa instituição laica”, democraticamente organizada(74) (sublinhado por nós — J. St.).

É claro que o Bund não considera como condição e garantia a democratização da Rússia, mas a futura “instituição laica” dos judeus, que há de conseguir-se mediante a “reforma da comunidade judaica” por via “legislativa”, ou melhor dizendo, através da Duma.

Mas já vimos que, por si só, sem a democratização da ordem de coisas vigente em todo o Estado, as “instituições” não podem servir de “garantias”.

Agora bem: que ocorrerá sob um regime democrático? Não serão também necessárias, sob a democracia, instituições especiais, “instituições culturais que garantam”, etc? Como se apresentam as coisas, a esse respeito, na democrática Suíça, por exemplo? Existem ali instituições culturais especiais no estilo do conselho nacional de Springer? Não, não existem. Mas não sofrem por isso os interesses culturais dos italianos, por exemplo, que constituem ali uma minoria? Não, pelo que se vê. E é lógico: a democracia na Suíça torna inúteis todas essas “instituições” culturais especiais, que, ao que se pretende, “garantem”, etc.

Portanto, impotentes quanto ao dia de hoje, supérfluas quanto ao de amanhã: eis aí as instituições da autonomia nacional-cultural, eis aí a autonomia nacional.

Torna-se ela mais prejudicial ainda, porém, quando é imposta a uma “nação” cuja existência e cujo futuro estão na mesa dos debates. Em tais casos, os partidários da autonomia nacional estão obrigados a manter e a conservar todas as suas peculiaridades (da "nação”), não só as úteis como as perniciosas, e só para “salvá-la” do perigo de ser assimilada, só para "preservá-la”.

O Bund teria de escolher necessariamente esse perigoso caminho.

E escolheu-o, com efeito. Referimo-nos aos conhecidos acordos das últimas Conferências do Bund sobre o “sábado”, sobre o “idish”, etc.

A social-democracia reclama para todas as nações o direito ao emprego da língua materna, mas o Bund, não eontente com isso, exige que se defendam “com especial insistência os direitos da língua judaica”(75) (sublinhado por nós — J. St.).

O próprio Bund, nas eleições para a IV Duma, dá "preferência àqueles candidatos que se comprometam a defender os direitos da língua judaica”.(76)

Não é o direito geral ao emprego da língua materna, senão o direito particular de empregar a língua judaica, o “idish”! Que os trabalhadores de cada nacionalidade lutem, antes de tudo, pela sua própria língua: os judeus pela judaica, os georgianos pela georgiana, etc. A luta pelos direitos comuns de todas as nações é coisa secundária. Podeis até não reconhecer o direito ao uso da língua materna por parte de todas as nacionalidades oprimidas, mas se reconheceis o direito ao emprego do “idish”, já sabeis que o Bund vos sufragará, que o Bund vos dá “preferência.”

Em que se distingue então o Bund dos nacionalistas burgueses?

A social-democracia reclama o estabelecimento de um dia de descanso obrigatório na semana, mas o Bund não se sente satisfeito com isso e exige que se “assegure ao proletariado judeu, por via legislativa, o direito de celebrar o sábado, dispensando-o da obrigação de celebrar também outro dia”.(77)

É de se esperar que o Bund dê um “passo à frente” e exija o direito de celebrar todas as velhas festas do rito judaico. E se, para desgraça do Bund, os trabalhadores judeus se libertam de preconceitos e não desejam celebrar essas festas, o Bund, com a sua campanha de agitação pelo “direito do sábado”, haverá de recordar-lhes o sábado, cultivará neles, por assim dizer, o “espírito do sábado” ...

Por isso compreendem-se os “fogosos discursos” pronunciados na VIII Conferência do Bund pedindo “hospitais judaicos”, reivindicação essa que se justificava ao dizer-se que “o enfermo se sente melhor entre os seus”, que “o trabalhador judeu se sentirá mal entre trabalhadores polacos e se sentirá bem entre comerciantes judeus”.(78)

Conservar tudo o que é judaico, preservar todas as peculiaridades nacionais dos judeus, até as que se sabe de antemão prejudiciais ao proletariado, separar os judeus de quanto não é judaico, até construir hospitais especiais: eis até onde desceu o Bund!

O camarada Plekhanov tinha uma e mil vezes razão ao dizer que “o Bund adapta o socialismo ao nacionalismo”(79). Naturalmente V. Kossovski e outros do seu grupo, como ele, podem chamar Plekhanov “demagogo”(80)(81)— o papel tudo aguenta —, mas conhecendo-se a atuação do Bund, não é difícil compreender que esses bravos temem dizer a verdade a respeito de si mesmos, e por isso se escudam por trás de grandes frases sobre a “demagogia” ...

Mantendo-se, porém, em tal posição diante do problema nacional, o Bund naturalmente tinha de preferir também em matéria de organização o caminho do isolamento dos trabalhadores judeus, o caminho das cúrias nacionais dentro da social-democracia Tal é, pois, a lógica da autonomia nacional.

E, com efeito, da teoria da “representação única” o Bund passa para a teoria da “divisão nacional” dos trabalhadores. O Bund exige da social-democracia da Rússia que “introduza na sua estrutura orgânica uma divisão por nacionalidades”(82). E da “divisão” dá “um passo adiante” para a teoria do “isolamento”. Não em vão na VIII Conferência do Bund ressoaram discursos sustentando que “no isolamento está a existência nacional”.(84)

O federalismo na organização abriga no seu seio elementos de decomposição e de separatismo. O Bund marcha para o separatismo.

E em realidade para nenhum outro lugar pode marchar. Já a sua própria existência como organização extraterritorial o empurra para o caminho do separatismo. O Bund não possui um território íntegro e definido; opera sobre territórios “alheios”, enquanto a social-democracia polaca, letã, russa, que estão em contacto com ele, são coletividades territoriais internacionais.

Mas isto faz com que cada ampliação destas coletividades represente para o Bund uma “perda”, uma diminuição do seu campo de ação. Das duas, uma: ou toda a social-democracia da Rússia deve reorganizar-se segundo os princípios do federalismo nacional, e neste caso o Bund obterá a possibilidade de “ficar” com o proletariado judeu, ou se mantém em vigor o princípio territorial internacional dessas coletividades, e neste caso o Bund terá de se reorganizar de acordo com os princípios internacionalistas, como é o caso da social-democracia polaca e letã.

Assim se explica porque o Bund tem exigido desde o primeiro momento “a reforma da social-democracia da Rússia de acordo com os princípios federativos”.(85)

Em 1906 o Bund, cedendo à onda de unificação vinda da base, escolheu o caminho intermediário, ingressando na social-democracia russa. Mas como ingressou? Enquanto a social-democracia polaca e a letã a ela se incorporaram para trabalhar pacífica e conjuntamente, o Bund o fazia com o fim de combater pela federação. O líder do Bund, Medem, disse então o seguinte:

“Vamos, não para um idílio, mas para uma luta. Não há idílio, e só os Manilov(86) podem esperar que os haja num futuro próximo. O Bund deve entrar no Partido armado dos pés à cabeça”.(87)

Seria um erro ver nisso má vontade de Medem. Não se trata de má vontade, mas da posição especial do Bund, em virtude da qual não pode ele senão lutar contra a social- democracia russa, baseada nos princípios do internacionalismo. Lutando contra ela, o Bund prejudica, naturalmente, os interesses da unidade.

O resultado foi que, por último, chegou até ao rompimento formal com a social-democracia da Rússia, violando os estatutos e unindo-se, nas eleições para a IV Duma, aos nacionalistas polacos contra os social-democratas polacos.(89)

O Bund, evidentemente, achou que o rompimento era a melhor maneira de obter uma atuação independente..

Assim foi que o princípio da “delimitação” na organização conduziu ao separatismo, ao rompimento completo.

Polemizando sobre o federalismo com a velha Iskra(90), o Bund escrevia então:

Iskra nos quer convencer de que as relações federativas do Bund com a social-democracia da Rússia devem debilitar os vínculos entre eles. Não podemos refutar esta opinião apelando para a experiência deste país, pela simples razão de que a social-democracia não existe como união federativa. Mas podemos, isto sim, referir-nos à experiência extraordinariamente instrutiva da social-democracia da Áustria, que tomou caráter federativo à base dos acordos do Congresso do Partido, celebrado em 1897”.(91)

Isto se escrevia em 1902.

Agora estamos, porém, em 1913. Agora temos a “experiência” da Rússia e a “experiência da social-democracia da Áustria”.

Que nos dizem estas “experiências”?

Comecemos pela “experiência extraordinariamente instrutiva da social-democracia da Áustria”. Antes já de 1896 existia na Áustria um partido social-democrata único. Nesse ano os tchecos pela primeira vez reclamam e obtêm no Congresso internacional de Londres uma representação à parte. Em 1897, no Congresso de Viena (Wimberg), liquida-se formalmente o partido único e se forma em seu lugar uma união federativa de seis “grupos social-democratas” nacionais. Mais adiante esses “grupos” se convertem em partidos independentes. Pouco a pouco os partidos vão rompendo os vínculos que existiam entre si. Atrás dos partidos cinde-se a fração parlamentar e se formam clubes nacionais. Depois vêm os sindicatos, que se desintegram também por nacionalidades. E por fim são atingidas as cooperativas: para o fracionamento delas os separatistas tchecos chamam os trabalhadores.(92) E não digamos nada de como a agitação separatista amortece nos trabalhadores o sentimento de solidariedade, empurrando-os não poucas vezes para o lado dos fura-greves.

Vemos, pois, que a “experiência extraordinariamente instrutiva da social-democracia da Áustria” fala contra o Bund e em favor da velha Iskra. No partido austríaco o federalismo conduziu ao separatismo mais vergonhoso e à destruição da unidade do movimento operário.

Já vimos, páginas atrás, que a “experiência da Rússia” nos diz o mesmo. Os separatistas do Bund, e do mesmo modo os tchecos, romperam com a social-democracia comum, com a social-democracia da Rússia. Quanto aos sindicatos, os sindicatos do Bund estiveram organizados, desde o primeiro momento, de acordo com o princípio das nacionalidades, isto é, separados dos trabalhadores de outras nacionalidades.

Completo isolamento, completo rompimento: eis o que é posto à mostra pela “experiência russa” do federalismo.

Não é estranho que este estado de coisas provoque nos trabalhadores um enfraquecimento do sentimento de solidariedade e um debilitamento da moral,, e isto atinge também o Bund. Referimo-nos, ao falar assim, aos conflitos reiterados que se promovem entre os trabalhadores judeus e polacos por causa da desocupação forçada. Eis aqui os discursos que ressoaram, a propósito, na IX Conferência do Bund:

“ ... Consideramos os operários polacos que nos desalojam do trabalho como pogromistas, como "amarelos’ , e não apoiamos suas greves, rompemo-las. Em segundo lugar, respondemos ao desalojamento com o desalojamento; como réplica à não admissão dos trabalhadores judeus nas fábricas, não deixamos que os polacos se aproximem dos tornos ... Se não tomamos este assunto nas nossas mãos, os trabalhadores irão atrás de outros”(94) (sublinhado por nós — J. St.).

Assim é que se fala de solidariedade na Çonferência do Bund.

Não se pode ir mais adiante no caminho da “divisão” e do “isolacionismo”. O Bund alcançou os seus objetivos: dividiu os trabalhadores de diversas nacionalidades até chegar à pendência, até fazer deles fura-greves. E não pode ser de outro modo: “se não tomamos este assunto nas nossas mãos, os trabalhadores irão atrás de outros” ...

Desorganização do movimento operário, desmoralização nas fileiras da social-democracia: eis até onde leva o federalismo do Bund.

E assim a ideia da autopomia nacional e a atmosfera por ela criada resultaram ser mais perigosas ainda na Rússia que na Áustria.

VI - Os Caucasianos, a Conferência dos Liquidacionistas

Já falamos acima das vacilações de uma parte dos social-democratas caucasianos, que não souberam fazer frente à “epidemia” nacionalista. Estas vacilações estão no fato de terem os mencionados social-democratas marchado — por estranho que pareça — nos rastros do Bund, proclamando a autonomia nacional-cultural.

Autonomia regional para todo o Cáucaso e autonomia nacional-cultural para as nações que compõem o Cáucaso: assim é como formulam sua reivindicação esses social-democratas, que, seja dito de passagem, aderem aos liquidacionistas russos.

Escutemos o seu reconhecido líder, o não desconhecido N.:(95)

“De todos é sabido que o Cáucaso se distingue radicalmente das províncias centrais, tanto no que se refere à composição racial da sua população como ao território e à agricultura. A exploração e o desenvolvimento material de uma região como esta exigem funcionários locais, que conheçam as particularidades locais e estejam acostumados ao clima e à cultura locais. Todas as leis relativas à exploração do território local têm necessariamente de ser promulgadas sobre o terreno, e de ser postas em prática por elementos locais. Por conseguinte, nas atribuições do órgão central do governo autônomo caucasiano deve figurar a promulgação de leis sobre problemas locais ... Assim, as funções do centro caucasiano consistem na promulgação dessas leis que tenham fins de exploração econômica do território local, fins de prosperidade material da região”.(96)

Temos, pois, a autonomia regional para o Cáucaso.

Se prescindimos dos argumentos de N., um tanto confusos e incoerentes, é preciso reconhecer que a conclusão a que chega é exata. A autonomia regional do Cáucaso, no quadro da Constituição geral do Estado — coisa que N. não nega — é na realidade necessária, em virtude da sua composição peculiar e das suas condições de vida. Isto foi reconhecido também pela social-democracia da Rússia, que no II Congresso proclamou

“a autonomia administrativa regional para todos os territórios que, por suas condições de vida e pela composição de sua população, se distingam dos territórios propriamente russos”.

Ao submeter este ponto à discussão do II Congresso, Mártov o justificou dizendo que:

“a enorme extensão da Rússia e a experiência da nossa administração centralizada nos dão motivos para considerar necessária e conveniente a existência de uma autonomia administrativa regional para unidades tão grandes como a Finlândia, a Polônia, a Lituânia e o Cáucaso”.

E daí se depreende que por autonomia administrativa regional deve-se entender a autonomia regional.

N. vai, porém, mais longe. No seu entender, a autonomia regional do Cáucaso abarca “somente um aspecto da questão”.

“Até aqui, falamos somente do desenvolvimento material da vida local. Mas não são só as atividades econômicas que contribuem para o desenvolvimento econômico da região, e sim também as espirituais e culturais” ...

"Uma nação culturalmente forte é também uma nação forte no terreno econômico” ... “Mas o desenvolvimento cultural das nações só é possível à base do idioma nacional” ... “Por isso todos os problemas relacionados com o idioma materno são problemas cultural-nacionais. Desse tipo são os problemas da educação, da justiça, da igreja, da literatura, das artes, das ciências, do teatro, etc. Se o desenvolvimento material da região unifica as nações, a cultura nacional as desune, colocando cada uma delas num campo distinto. As atividades da primeira categoria estão vinculadas a um determinado território” ... "Não sucede assim com os assuntos da cultura nacional. Eles não estão vinculados a um território determinado, e sim à existência de uma nação determinada. Os destinos do idioma georgiano interessam por igual aos georgianos onde quer que eles vivam. Seria prova de muita ignorância dizer que a cultura georgiana só interessa aos georgianos que vivem na Geórgia. Tomemos, por exemplo, a igreja armênia. Na administração dos seus assuntos tomam parte armênios de diferentes localidades e Estados. Aqui o território não desempenha papel algum. Na criação do museu georgiano estão igualmente interessados os georgianos de Tiflis e os de Bacu, Kutaís, São Petersburgo, etc. Isto quer dizer que a administração e a direção de todos os assuntos cultural-nacionais devem ser entregues ás próprias nações interessadas. Nós proclamamos a autonomia nacional-cultural das nações caucasianas”.(98)

Resumindo: pois que a cultura não é o território, nem o território a cultura, é necessária a autonomia nacional-cultural. Isto é tudo quanto em seu apoio nos pode dizer N.

Não vamos examinar aqui, uma vez mais, a autonomia nacional-cultural em termos gerais; já falamos mais acima do seu caráter negativo. Desejaríamos somente pôr em destaque que, se em termos gerais é inaceitável, do ponto de vista das condições caucasianas a autonomia nacional-cultural é, além do mais, disparatada e absurda.

E eis porque.

A autonomia nacional-cultural pressupõe nacionalidades mais ou menos desenvolvidas, com uma cultura e uma literatura desenvolvidas também. Sem estas condições ela perde todo o sentido, torna-se um absurdo. Mas no Cáucaso vive toda uma série de povos com uma cultura primitiva, com sua língua própria, sem uma literatura nacional, povos que, ademais, se acham num estado de transição, que em parte estão sendo assimilados e em parte continuam desenvolvendo-se. Como aplicar a esses povos a autonomia nacional-cultural? Que fazer com eles? Como “organizá-los” em uniões nacional-culturais separadas, como pressupõe, sem dúvida, a autonomia nacional-cultural?

Que fazer com os mingrélios, abkhasíanos, adzharianos, svanetos, lesgos, etc., povos que falam línguas diferentes, mas que não possuem sua própria literatura? Em que nações devem ser compreendidos? É possível “organizá-los” em uniões nacionais? Em torno de que “assuntos culturais organizá-los”?

Que fazer com os ossetinos, entre os quais os da Transcaucásia estão sendo assimilados (embora estejam longe de haver sido já assimilados) pelos georgianos, ao passo que os da Ciscaucásia em parte estão sendo assimilados pelos russos e em parte continuam desenvolvendo- se, criando sua literatura própria? Como “organizá-los” numa união nacional única?

Em que união nacional devem ser compreendidos os adzharianos, que falam o georgiano, mas vivem a cultura turca e professam o islamismo? Terão que ser “organizados” à margem dos georgianos no que se refere aos assuntos religiosos, e junto com os georgianos quanto a outros assuntos culturais? E os kobuletes? E os ingushos? E os inguilos?

Que autonomia é essa, que exclui da lista toda uma série de povos?

Não, essa não é a solução do problema nacional, isso é o fruto de uma fantasia ociosa.

Admitamos, porém, o inadmissível e suponhamos que a autonomia nacional-cultural do nosso N. tenha sido posta em prática. Onde nos leva ela, a que resultados? Tomemos, por exemplo, os tártaros transcaucasianos; com sua porcentagem mínima de pessoas que sabem ler e escrever, com suas escolas controladas pelos mulás todo-poderosos, com sua cultura imbuída de espírito religioso ... Não é difícil compreender que organizá-los numa união nacional-cultural equivaleria a colocar diante deles os seus mulás, entregá-los à voracidade dos mulás reacionários, criar uma nova fortaleza para a escravização espiritual das massas tártaras pelo seu pior inimigo.

Desde quando os social-democratas se dedicam a levar água ao moinho dos reacionários?

Não puderam os liquidacionistas caucasianos “proclamar” outra coisa melhor que o confinamento dos tártaros transcaucasianos numa união nacional-cultural, que conduziria à escravização das massas pelos piores reacionários? ...

Não, essa não é a solução do problema nacional.

O problema nacional do Cáucaso só pode ser resolvido levando-se as nações e povos atrasados pelo caminho comum de uma cultura superior. Só esta solução pode ser progressista e aceitável para a social-democracia. A autonomia regional do Cáucaso é aceitável, precisamente, porque leva as nações retardadas ao desenvolvimento cultural comum, ajudaras a romper a crisálida do isolamento próprio das pequenas nacionalidades, estimula-as a marchar para a frente e facilita-lhes o acesso aos benefícios de uma cultura superior. A autonomia nacional-cultural, pelo contrário, atua num sentido diametralmente oposto, ao encerrar as nações nas suas velhas crisálidas, ao mantê-las num nível cultural muito baixo e ao impedir elevem aos mais altos graus.

Deste modo a autonomia nacional conspira contra o lado positivo da autonomia regional e a reduz a nada.

Por isso, precisamente, não é conveniente tampouco esse tipo misto de autonomia que N. propõe e em que se combinam a autonomia nacional-cultural e a autonomia regional. Esta combinação antinatural, longe de melhorar as coisas, faz com que piorem, porque, além de entorpecer o desenvolvimento das nações retardadas, converte também a autonomia regional em motivo de conflitos entre as nações organizadas em uniões nacionais.

Deste modo, a autonomia nacional-cultural, imprestável em geral, se transformaria no Cáucaso num intento reacionário absurdo.

Essa é a autonomia nacional-cultural de N. e de seus correligionários caucasianos.

Darão os liquidacionistas caucasianos “um passo adiante” e acompanharão também o Bund no terreno da organização? O futuro o dirá. Até hoje, na história da social-democracia, o federalismo no terreno da organização precedeu sempre no programa a autonomia nacional. Os social-democratas austríacos introduziram o federalismo já em 1897 no terreno da organização e só passados dois anos (em 1899) adotaram a autonomia nacional. Os do Bund falaram pela primeira de um modo claro da autonomia nacional em 1901, ao passo que o federalismo na organização eles o praticam desde 1897.

Os liquidacionistas caucasianos começaram pelo fim, pela autonomia nacional. Se continuam marchando nos rastros do Bund, terão de principiar por demolir todo o atual edifício orgânico, levantado já nos fins da década de 90 segundo os princípios do internacionalismo.

Se foi fácil aceitar a autonomia nacional, incompreensível ainda, no momento, para os trabalhadores, difícil será demolir um edifício que levou anos inteiros a ser construído e cuidado pelos operários de todas as nacionalidades do Cáucaso. Bastará que comece esta empresa de Eróstrato para que eles abram os olhos e compreendam a essência nacionalista da autonomia nacional-cultural.

Se os caucasianos resolvem o problema nacional à maneira usual, por meio de debates verbais e de discussões escritas, terá a Conferência dos liquidacionistas de toda a Rússia inventado um método fora do comum. Um método fácil e simples. Ouvi:

“Tendo escutado a comunicação feita pela delegação transcaucasiana ... sobre a necessidade de apresentar a reivindicação da autonomia nacional-cultural, a Conferência, sem se pronunciar sobre o fundo dessa reivindicação, constata que uma tal interpretação do ponto do programa em que se reconhece a cada nacionalidade o direito de autodeterminação não se choca com o sentido preciso deste”.

Portanto, antes de tudo, “sem se pronunciar acerca do fundo” deste problema, logo “constata”. Método original! ...

Que é que “constata” essa original Conferência?

Que a “reivindicação” da autonomia nacional-cultural “não se choca com o sentido preciso” do programa em que se reconhece o direito de autodeterminação das Nações.

Examinemos esta tese.

O ponto sobre autodeterminação fala dos direitos das nações(99). De acordo com ele, as nações têm direito não só à autonomia como à separação. Aqui se trata da autodeterminação política. A quem quiseram enganar os liquidacionistas, tentando interpretar à sua maneira este direito de autodeterminação política das nações, estabelecido desde há muito na social-democracia internacional?

Ou será que os liquidacionistas querem fazer passar o contrabando graças ao sofisma de que a autonomia “não é contrária” aos direitos das nações? Isto é: que se todas as nações de um Estado se põem de acordo para organizar-se segundo os princípios da autonomia nacional-cultural, este conjunto de nações tem o perfeito direito de fazê-lo e ninguém pode impor-lhe pela fôrça outra forma de vida política. É uma coisa ao mesmo tempo nova e engenhosa. Por que não acrescentar que, em geral, as nações tem o direito de revogar a sua própria Constituição, de substituí-la por um sistema de arbitrariedade, de retroagir à velha ordem de coisas, pois as nações e somente elas têm o direito de determinar seus próprios destinos? Repetimos: nesse sentido nem a autonomia nacional-cultural nem nenhuma outra classe de reacionarismo nacional "vai de encontro” aos direitos das nações.

Não era isso que queria dizer a respeitável Conferência?

Não, não era isso, Era simplesmente que a autonomia nacional-cultural “não vai de encontro” aos direitos das nações, senão “do sentido preciso” do programa. Aqui se trata do programa e não dos direitos das nações.

E é lógico. Se à Conferência dos liquidacionistas se tivesse dirigido uma nação qualquer, poderia a Conferência ter constatado naturalmente que esta nação tinha direito à autonomia nacional-cultural. A Conferência não se dirigiu uma nação, mas uma “delegação” de social-democratas caucasianos, maus social-democratas, é certo, porém social-democratas. E eles não perguntaram sobre os direitos das nações, porque a sua pergunta foi sobre se a autonomia nacional-cultural contradizia os princípios da social-democracia, se “era contra”, o sentido preciso do programa da social-democracia.

Assim, pois, os direitos das nações e o “sentido preciso” do programa da social-democracia não são uma coisa só.

Evidentemente há reivindicações que, embora não se choquem com os direitos das nações, podem chocar-se com o “sentido preciso” do programa.

Um exemplo. No programa dos social-democratas figura um ponto sobre a liberdade religiosa. De acordo com ele, um grupo qualquer de pessoas tem o direito de professar uma religião qualquer: o catolicismo, a religião ortodoxa, etc. A social-democracia lutará contra toda opressão religiosa, contra as perseguições a ortodoxos, católicos, protestantes. Quer isto dizer que o catolicismo, o protestantismo, etc., “não se chocam com o sentido preciso” do programa? Não, não quer dizer isto. A social-democracia protestará sempre contra as perseguições que tenham por objetivo os católicos e os protestantes, defenderá sempre o direito das nações à prática de qualquer religião, mas, ao mesmo tempo, partindo de uma compreensão acertada dos interesses do proletariado, fará agitação contra o catolicismo, o protestantismo e a religião ortodoxa, com o fim de assegurar o triunfo da concepção socialista no mundo.

E assim o fará porque o protestantismo, o catolicismo, a religião ortodoxa, etc., sem dúvida alguma, “vão de encontro ao sentido preciso” do programa, isto é, da compreensão acertada dos interesses do proletariado.

E outro tanto se pode dizer a respeito da autodeterminação. As nações têm o direito de organizar-se de acordo com os seus desejos, têm o direito de conservar as instituições nacionais do seu agrado, as perniciosas e as úteis: ninguém pode (ninguém tem o direito!) imiscuir-se pela fôrça na vida das nações. Mas isto não quer dizer ainda que a social-democracia não tenha de lutar, não tenha de fazer agitação contra as instituições nocivas das nações, contra as reivindicações não convenientes das nacionalidades. Pelo contrário: a social-democracia tem a obrigação de manter essa agitação e de influir na vontade das nações de tal modo que estas se organizem da forma que melhor corresponda aos interesses do proletariado. Precisamente por isso, lutando a favor do direito da autodeterminação das nações, levará a cabo, ao mesmo tempo, uma campanha de agitação, por exemplo, contra a separação dos tártaros e contra a autonomia nacional-cultural das nações caucasianas, pois tanto uma como outra, se bem que não colidam com os direitos destas nações, se chocam, no entanto, "com o sentido preciso” do programa, isto é, com os interesses do proletariado do Cáucaso.

Evidentemente, os “direitos da nações” e o "sentido preciso do programa” são duas coisas completamente distintas. Enquanto o “sentido preciso” do programa exprime os interesses do proletariado, formulados cientificamente, os direitos das nações podem exprimir os interesses de qualquer classe, da burguesia, da aristocracia, do clero, etc., com relação à fôrça e influência. Ali são os deveres do marxista, aqui os direitos das nações integradas por diversas classes. Os direitos das nações e os princípios da social-democracia podem “chocar-se” ou não uns com os outros, do mesmo modo, por exemplo, que as pirâmides de Quéops e a Conferência dos liquidacionistas. São, simplesmente, magnitudes incomparáveis.

Daqui se depreende, porém, que a respeitável Conferência confundiu de maneira imperdoável duas coisas completamente distintas. O resultado não é a solução do problema nacional, mas um absurdo em virtude do qual os direitos da nação e os princípios da social-democracia “não se chocam” uns com os outros; e, por conseguinte, toda reivindicação das nações pode tornar-se compatível com os interesses do proletariado; e, por conseguinte, nem uma só reivindicação das nações que aspiram à autodeterminação “se chocará com o sentido preciso” do programa.

Não há transigência com a lógica ...

É também à base deste absurdo que surgiu o já célebre acordo da Conferência dos liquidacionistas, segundo o qual a reivindicação da autonomia nacional-cultural “não se choca com o sentido preciso” do programa.

Mas a Conferência dos liquidacionistas não infringe somente as leis da lógica.

Conspira também contra o seu próprio dever para com a social-democracia da Rússia, ao sancionar a autonomia nacional-cultural. Infringe do modo mais completo o “sentido preciso” do programa, porque é sabido que o II Congresso, em que se aprovou o programa, rechaçou resolutamente a autonomia nacional-cultural. Eis o que nele se disse a propósito:

Golblat (do Bund): ... Considero necessário criar instituições especiais que assegurem a liberdade do desenvolvimento cultural das nacionalidades, razão pela qual proponho que se agregue ao parágrafo 8 o seguinte: “e criação das instituições que lhes garantam plena liberdade para o desenvolvimento cultural (que é, como se sabe, a formulação da autonomia nacional-cultural do Bund. J. St.)

Martinov assinala que as instituições gerais teriam de se organizar de tal modo que garantissem também os interesses privados. Não é possível criar nenhuma instituição especial que assegure a liberdade do desenvolvimento cultural da nacionalidade.

Légorov: Na questão das nacionalidades só podemos adotar proposições negativas, isto é, somos contrários a toda restrição das nacionalidades. Mas a nós, como social- democratas, não nos incumbe o desenvolvimento desta ou daquela nacionalidade como tal. Isto é matéria de um processo espontâneo.

Koltsov: Os delegados do Bund se ofendem sempre que se fala do seu nacionalismo. E, sem embargo, a emenda que propõe o delegado do Bund tem um caráter puramente nacionalista. Exigem de nós medidas puramente ofensivas para defender até aquelas nacionalidades que se vão extinguindo”.

Em resumo, “a emenda de Goldblat foi rechaçada por maioria de votos contra três”.

É claro, pois, que a Conferência dos liquidacionistas "se chocou com o sentido preciso” do programa, infringiu o programa.

Agora os liquidacionistas tentam justificar-se voltando-se para o Congresso de Estocolmo, que, de acordo com eles sancionou a autonomia nacional-cultural. E, assim, V. Kossovski escreve:

“Como se sabe, segundo o acordo adotado no Congresso de Estocolmo, ficou o Bund com a liberdade de conservar seu programa nacional (até a solução do problema nacional no Congresso de todo o Partido). Este Congresso reconheceu que a autonomia nacional-cultural não contradiz, em todo o caso, o programa de todo o Partido”.(100)

Mas os esforços dos liquidacionistas são em vão. O Congresso de Estocolmo não pensou sequer em sancionar o programa do Bund, limitando-se simplesmente a deixar de pé, no momento, o problema. O bravo Kossovski não teve o valor suficiente para dizer toda a verdade. Falam, porém, os fatos, por si sós. Ei-los:

“É apresentada uma emenda por Galin: “A questão do programa nacional fica de pé, em vista de não ter sido examinada pelo Congresso (a favor, 50 votos, contra 32).

Uma voz: Que quer dizer: fica de pé?

Presidente: Quando dizemos que a questão nacional fica de pé, isto significa que o Bund pode reservar a sua decisão a respeito desse problema até o próximo Congresso"(101) (sublinhado por nós — J. St.).

Como se vê, o Congresso “não examinou” sequer a questão do programa nacional do Bund: limitou-se a deixá-la "de pé”, concedendo-lhe liberdade para decidir dos destinos do seu programa até o seguinte Congresso conjunto. Noutros termos: o Congresso de Estocolmo ladeou a questão, não examinou a autonomia nacional cultural nem num sentido nem no outro.

Em compensação, a Conferência dos liquidacionistas aborda da maneira mais completa o estudo do caso, reconhece como admissível a autonomia nacional-cultural e a sanciona em nome do programa do Partido.

A diferença salta aos olhos.

Deste modo, a Conferência dos liquidacionistas, apesar de todos os subterfúgios, não trouxe nenhum progresso para o problema nacional

Ficar na rabeira do Bund e dos nacional—liquidacionistas caucasianos: eis do que se mostraram capazes.

VII - O Problema Nacional na Rússia

Falta-nos tratar da solução positiva do problema nacional.

Partimos do fato de que este problema só pode ser resolvido em conexão indissolúvel com o momento que atualmente se vive na Rússia.

A Rússia vive uma época de transição, e nela não existe ainda uma vida “normal”, “constitucional”, vive uma época em que a crise política não está resolvida ainda. Temos pela frente dias de tormenta e de “complicações”. Daqui o movimento, o atual e o vindouro, um movimento que tem como objetivo a instauração da plena democracia.

Em conexão com esse movimento é que deve ser enfocado também o problema nacional.

Temos, pois, a plena democratização do país como base e condição para a solução do problema nacional.

Para a solução do problema é necessário levar em conta não só a situação interior, mas também a exterior. A Rússia se encontra encravada entre a Europa e a Ásia, entre a Áustria e a China. A expansão da democracia na Ásia é inevitável.

O desenvolvimento do imperialismo na Europa não é um fenômeno casual. Na Europa o capitalismo começa a sentir-se confinado e se esforça por escapar para os países alheios, buscando novos mercados, mão de obra barata, novas bases de inversão. Mas isto conduz a complicações exteriores e guerras. Ninguém pode dizer que a guerra dos Baleãs(102) seja o fim e não o começo das complicações. Está perfeitamente dentro das possibilidades o aparecimento de uma combinação de circunstâncias internas e externas, dentro das quais esta ou aquela nacionalidade da Rússia acredite necessário apresentar e resolver o problema da sua independência. E naturalmente não são os marxistas que haverão de opor obstáculos num caso desses.

Daqui se deduz que os marxistas russos não podem prescindir do direito de autodeterminação das nações.

Temos, pois, o direito de autodeterminação como ponto indispensável para a solução do problema nacional.

Prossigamos. E as nações que por estas ou aquelas causas prefiram permanecer no enquadramento geral?

Vimos que a autonomia nacional-cultural não é aceitável.

Em primeiro lugar, esta fórmula é artificial e inviável, pois propõe agrupar artificialmente numa só nação gentes que a vida real desune e dispersa pelos diversos confins do Estado.

Em segundo lugar, conduz ao nacionalismo, pois favorece o ponto de vista da divisão dos homens por cúrias nacionais, o ponto de vista da “organização” das nações, o ponto de vista da “conservação”, e incentiva “peculiaridades nacionais”, coisa completamente incompatível com a social-democracia.

Não é por acaso que os separatistas morávios no Reichsrat, depois de afastar-se dos deputados social-democratas alemães, se uniram aos deputados morávios burgueses, para formar, por assim dizer, um “círculo” morávio. Não é por acaso também que os separatistas russos do Bund se submergiram no nacionalismo, exaltando a celebração do “sábado” e o “idish”. Na Duma não figuravam ainda deputados do Bund, mas no seu raio de ação há uma comunidade judaica reacionário-clerical, em cujas "instituições dirigentes” organiza ele, no momento, uma união entre operários e burgueses judeus.(103) Essa é, com efeito, a lógica da autonomia nacional-cultural.

A autonomia nacional não resolve, pois, o problema.

Onde está a solução?

A única solução verdadeira está na autonomia regional, a autonomia por unidades tão definidas como a Polônia, a Lituânia, a Ucrânia, o Cáucaso, etc.

A vantagem da autonomia regional consiste, antes de tudo, em que nela não nos temos de haver com uma ficção sem território, mas, pelo contrário, com uma população determinada, que vive em território determinado.

Por conseguinte não delimita as pessoas por nações, não reforça as barreiras nacionais, mas, pelo contrário, rompe essas barreiras e agrupa a população, para abrir o caminho a uma delimitação de outro gênero, a uma delimitação por classes.

Finalmente, dá-nos a possibilidade de explorar da melhor maneira os riquezas naturais da região e desenvolver suas fôrças produtivas, sem esperar que a solução venha do centro comum — funções estas que a autonomia nacional-cultural não exerce.

Temos, pois, a autonomia regional como ponto indispensável para a solução do problema nacional.

Não resta dúvida que nenhuma das regiões representa homogeneidade nacional completa, pois em todas elas interferem minorias nacionais.

É o que acontece com os judeus na Polônia, com os letões na Lituânia, com os russos no Cáucaso, com os polacos na Ucrânia, etc. Pode-se temer, por essa razão, que as minorias sejam oprimidas pelas maiorias nacionais. Mas esse temor só terá motivo de existir se o país continuar vivendo sob a velha ordem de coisas. Dai ao país plena democracia, e esse temor desaparecerá por falta de base.

Propõe-se articular as minorias dispersas numa só união nacional. Mas não é de uma união artificial que necessitam as minorias, e sim de direitos reais e efetivos no lugar onde vivem. Que é que lhes pode dar semelhante união, sem plena democracia? E para que necessitam, tendo plena democracia, dessa união nacional?

Que é que inquieta, de modo especial, uma minoria nacional?

O que provoca descontentamento nessas minorias não é a inexistência de uma união nacional, mas a inexistência do direito de usar a língua materna. Permiti-lhes que se sirvam da sua língua materna, e o seu descontentamento perderá toda a base.

O que provoca descontentamento nessas minorias' não é a inexistência de uma união artificial, mas a inexistência nelas de escolas na sua língua materna. Dai-lhes essas escolas, e o descontentamento perderá toda a base.

O que provoca descontentamento nessas minorias não é a inexistência de uma união nacional, mas a inexistência da liberdade de consciência, de movimentos, etc. Dai-lhes essas liberdades, e deixarão de estar descontentes.

Temos, pois, a igualdade de direitos sob todas as suas formas (idioma, escolas, etc.) como ponto indispensável para a solução do problema nacional. Uma lei geral do Estado, baseada na plena democratização do país e que proíba todos os privilégios nacionais sem exceção e todas as restrições e limitações de qualquer espécie, opostas aos direitos das minorias nacionais.

Nisto e somente nisto poderá estar a garantia real e não fictícia dos direitos das minorias.

Poderá discutir-se ou não a existência de uma relação lógica entre o federalismo na organização e a autonomia nacional-cultural. O que não se pode discutir é que esta cria uma atmosfera propícia a um federalismo ilimitado, que passa logo a ser rompimento, separatismo. Se os tchecos na Áustria e os elementos do Bund na Rússia, começando pela autonomia e passando logo para a federação, foram acabar no separatismo, é que desempenhou nisto tudo um papel importantíssimo a atmosfera nacionalista naturalmente propagada pela autonomia nacional. O fato de a autonomia nacional e a federação em matéria de organização se darem as mãos não é casual. A coisa é lógica. Tanto uma como outra exige a delimitação por nacionalidades. Tanto uma como outra pressupõe a organização por nacionalidades. A analogia é fora de dúvida. A única diferença está em que na primeira se separa a população em geral e na segunda os trabalhadores social-democratas.

Sabemos quais são os resultados da separação dos trabalhadores por nacionalidades. A desintegração de um Partido operário único, a divisão dos sindicatos por nacionalidades, a exacerbação das rivalidades nacionais, o aparecimento de fura-greves nacionais, a completa desmoralização nas fileiras da social-democracia: eis os frutos do federalismo na organização. A história da social-democracia na Áustria e a atuação do Bund na Rússia o comprovam eloquentemente.

O único meio de evitar isso é a organização segundo os princípios do internacionalismo.

A coesão dos trabalhadores de todas as nacionalidades da Rússia em coletividades únicas e íntegras na base e a sua coesão no Partido único: eis o objetivo.

Daí se deduz que esta organização do Partido não exclui, antes pressupõe uma ampla autonomia das regiões no todo único do Partido.

A experiência do Cáucaso serve para demonstrar a vantagem desse tipo de organização. Se os caucasianos conseguiram suplantar as rivalidades nacionais entre os trabalhadores armênios e tártaros, se conseguiram defender a população das matanças e dos ataques armados, se em Bacu, neste caleidoscópio de grupos nacionais, já não são possíveis hoje os choques de caráter nacional, se ali foi possível levar os trabalhadores pela estrada comum de um poderoso movimento — nisso tudo teve um papel preponderante a estrutura internacional da social-democracia caucasiana.

Mas o tipo de organização não influi somente no trabalho prático. O trabalhador vive a vida da sua organização, cresce espiritualmente e se educa dentro dela. Por isso, ao mover-se no seu seio e ao encontrar-se sempre com camaradas de outras nacionalidades, empenhando-se conjuntamente com eles numa luta comum, sob a direção da coletividade comum, vai-se compenetrando profundamente da ideia de que os trabalhadores são, antes de tudo, membros de uma só família de classe, soldados do exército único do socialismo. E isto não pode deixar de ter uma importância educativa imensa para as grandes camadas da classe trabalhadora.

Por isso o tipo internacional de organização é uma escola de sentimentos de camaradagem, a agitação maior em favor do internacionalismo.

Assim não acontece com a organização por nacionalidades. Organizados à base da nacionalidade, os trabalhadores se encerram em suas crisálidas nacionais, separando-se uns dos outros por efeito das barreiras de organização. Não se salienta aquilo que é comum aos trabalhadores, mas aquilo em que eles diferem uns dos outros, Aqui o trabalhador é, antes de tudo, integrante da sua nação, judeu, polaco, etc. Não é de estranhar que o federalismo nacional em matéria de organização alimente nos trabalhadores o espírito de isolamento nacional.

Por isso, o tipo nacional de organização é a escola da estreiteza de miras e do anquilosamento nacionais.

Temos, pois diante de nós dois tipos de organização fundamentalmente distintos: o tipo da coesão internacional e o da delimitação por nacionalidades na organização dos trabalhadores.

Até boje as tentativas que se fizeram para conciliar esses dois tipos de organização não deram resultado.

Os estatutos conciliatórios da social-democracia austríaca, elaborados em Wimberg em 1897, ficaram flutuando no ar. O partido austríaco se fracionou, arrastando os sindicatos. A “conciliação” foi utópica e, além disso, nociva. Strasser tem razão quando afirma que o “separatismo obteve o seu primeiro triunfo no Congresso de Wimberg”.(104)

Outro tanto sucede na Rússia. A “conciliação” com o federalismo do Bund, realizada no Congresso de Estocolmo, terminou numa completa bancarrota. O Bund rompeu o compromisso assumido em Estocolmo. No dia seguinte ao Congresso de Estocolmo o Bund se converteu num obstáculo à união local dos trabalhadores numa organização única, que englobasse os trabalhadores de todas as nacionalidades. E o Bund prosseguiu tenazmente nessa sua tática separatista, embora tanto em 1907 como em 1908 a social-democracia da Rússia, exigisse repetidas vezes que fosse realizada afinal a unidade pela base entre os trabalhadores de todas as nacionalidades.(105) Tendo começado pela unidade nacional na organização, o Bund foi de fato para a federação para acabar num completo rompimento, no separatismo. E, rompendo com a social- democracia da Rússia, trouxe para as fileiras desta a confusão e a desorganização. Basta recordar, como exemplo, o caso de Yagelo.(106)

Por isso o caminho da “conciliação” deve ser posto de lado como utópico e nocivo.

Das duas, uma: ou o federalismo do Bund e então a social-democracia da Rússia terá de reorganizar-se segundo os princípios da “delimitação” dos trabalhadores por nacionalidades; ou o tipo internacional de organização e o Bund terá de reorganizar-se segundo os princípios da autonomia territorial, segundo o modelo da social-democracia caucasiana, letã e polaca, abrindo o caminho para a causa da unificação imediata dos trabalhadores judeus com os trabalhadores das demais nacionalidades da Rússia.

Não há meio termo: os princípios vencem, mas não se “conciliam”.

Temos, pois, o princípio da coesão internacional dos trabalhadores como ponto indispensável para a solução do problema nacional.

Viena, janeiro de 1913


Notas de rodapé:

(1) O trabalho de Stalin O marxismo e o problema nacional, redigido em fins de 1912 e princípios de 1913, em Viena, foi impresso pela primeira vez em 1913, nos números 3-5 da revista bolchevique Prosveschenie (Ilustração), com a assinatura de K. Stalin e sob o título O problema nacional e a social-democracia. Em 1914 foi editado em folheto sob o título O problema nacional e o marxismo e publicado pela editora Priboy (São Petersburgo). Em 1920 foi reeditado pelo Comissariado para as Nacionalidades em uma Coletânea de artigos de Stalin sobre o problema nacional (Editorial do Estado, Tula). Essa coletânea trazia um Prólogo do autor, no qual se expõem as circunstâncias em que foram redigidos os artigos que passam a fazer parte da citada Coletânea.
No Prólogo do autor, referindo-se precisamente a esse artigo — O marxismo e o problema nacional —, Stalin escreve: “ ... Este artigo reflete um período de discussões de princípios sobre o problema nacional no seio da social- democracia da Rússia, na época da reação czarista e latifundista, ano e meio antes de estalar a guerra imperialista, época do crescimento da revolução democrático-burguesa na Rússia. Defrontavam-se então duas teorias sobre a nação e, portanto, dois programas nacionais: o austríaco, apoiado pelo Bund e pelos mencheviques, e o russo, bolchevique. No artigo, encontrará o leitor a caracterização das duas correntes. Os acontecimentos posteriores, e especialmente a guerra imperialista e o desmembramento da Áustria-Hungria em diferentes Estados nacionais, mostraram com toda evidência de que lado estava a razão. Hoje, quando Springer e Bauer contemplam os escombros do seu programa nacional, já não se pode duvidar de que a história condenou a “escola austríaca”. Até o Bund teve de reconhecer que “a reivindicação da autonomia nacional-cultural (isto é, o programa nacional austríaco — J. St.) formulada nos quadros do regime capitalista, perde o seu sentido sob as condições da revolução socialista” (v.. A XII Conferência do Bund, 1920). O Bund nem ao menos suspeita que com isso reconheceu (e o reconheceu sem querer) a insolvência de princípio dos fundamentos teóricos do programa nacional austríaco, a insolvência de princípio da teoria austríaca da nação”.
É a esse artigo de Stalin — O marxismo e o problema nacional — que Lênin se referia quando escreveu a Gorki, na segunda quinzena de fevereiro de 1913: “Encontra-se agora entre nós um magnífico georgiano, que escreve um grande artigo para a Prosveschenie, para cujo fim reuniu todos os materiais austríacos e outros”.
E quando esse trabalho foi publicado, Lênin muito o apreciou em seu artigo Sobre o programa nacional do P. O. S. D. R., nas colunas da revista O Social-democrata, n. 32, de 28 (15) de dezembro de 1913. Indicando as causas que, naquele período, colocaram o problema nacional em lugar proeminente, Lênin escrevia: “Na literatura doutrinária marxista, essa situação e os fundamentos do programa nacional da social-democracia já foram analisados ultimamente (aqui se destaca, em primeiro lugar, o artigo de Stalin)”. (retornar ao texto)

(2) Sionismo: corrente política reacionária nacionalista, que possuía partidários entre os comerciantes e artesãos judeus da pequena e média burguesia, entre os intelectuais, empregados do comércio, artesãos e camadas mais atrasadas dos operários judeus. Propunha-se como objetivo organizar na Palestina o seu próprio Estado burguês, integrado por judeus, e pretendia isolar as massas operárias judaicas da luta comum do proletariado. (retornar ao texto)

(3) Pan-islamismo: ideologia política das altas camadas sociais turcas, tártaras, etc. (dos cãs, dos mulás, dos latifundiários, dos comerciantes, etc.), que aspira a unificar todos os povos que professam a religião do Islão (religião muçulmana). O pan-islamismo é afim do pan-turquismo, que pretende unificar os povos muçulmanos de turcos sob o poder dos turcos. (retornar ao texto)

(4) A IX Conferência do Bund reuniu-se em Viena, em junho de 1912, e estudou os problemas relacionados com as eleições para a IV Duma do Estado e com a convocação da Conferência de agosto. (Conferência dos liquidacionistas v. nota 7), em que tomaram parte, como se sabe, os partidários do Bund. As resoluções da IX Conferência do Bund apresentavam o caráter de extremo oportunismo e liquidacionismo (abandonava-se a reivindicação da República, o trabalho ilegal passava a plano secundário, esqueciam-se as tarefas revolucionárias do proletariado). Essa Conferência sancionou a aliança aberta do Bund com os mencheviques liquidacionistas e com a ala “esquerda” do Partido Socialista Polonês. (retornar ao texto)

(5) V. Informe da IV Conferência do Bund. (retornar ao texto)

(6) V. Comunicado da Conferência de agosto. (retornar ao texto)

(7) Alude-se à chamada Conferência de agosto dos liquidacionistas reunida em Viena, em agosto de 1912, e que se propunha como objetivo organizar um bloco anti-bolchevique. Nessa Conferência tomaram parte os liquidacionistas, o Bund, os sociais-democratas letões e uma parte dos caucasianos. O principal organizador e inspirador dessa Conferência foi L. Trotsky. (V. as decisões da Conferência e a crítica das mesmas nas págs. do presente livro). (retornar ao texto)

(8) Obra citada. (retornar ao texto)

(9) O Problema Nacional, de H. Springer, ed. “Obscheztvenaia Poisa”, 1909, pág. 43. (retornar ao texto)

(10) O. Bauer, A Questão Nacional e a Social-democracia, ed. “Serps”, 1909, págs. 1-2. (retornar ao texto)

(11) Obra citada, pág. 6. (retornar ao texto)

(12) Obra citada, pág. 2. (retornar ao texto)

(13) Obra citada, págs. 24-25. (retornar ao texto)

(14) Obra citada, pág. 139. (retornar ao texto)

(15) Obra citada, pág. 2. (retornar ao texto)

(16) O. Bauer, A Questão Nacional e a Social-Democracia, pág. 2. (retornar ao texto)

(17) Obra citada, pág. 389. (retornar ao texto)

(18) Obra citada, pág. 388. (retornar ao texto)

(19) Obra citada, pág. 396. (retornar ao texto)

(20) Obra citada, pág. 2. (retornar ao texto)

(21) Obra citada, pág. 130. (retornar ao texto)

(22) Obra citada, pág. 130. (retornar ao texto)

(23) V. sua obra Der Arbeiter und die Nation (O Operário e a Nação), 1912, pág. 33. (retornar ao texto)

(24) O. Bauer, A Questão Nacional e a Social-democracia, pág. 166. (retornar ao texto)

(25) Springer, O Problema Nacional, pág. 14. (retornar ao texto)

(26) O IV Congresso do Bund reuniu-se em Bielostok, em fins de abril de 1901. Esse Congresso declarou que “a ideia de “nacionalidade” é também aplicável ao povo judeu”, que a Rússia devia transformar-se numa federação de nacionalidades, com plena autonomia para cada urna delas, independentemente do território que habitassem. Em vez da sua anterior reivindicação da igualdade de direitos civis, lançou a palavra de ordem da igualdade de direitos nacionais e a da reorganização do Partido Operário Social Democrático da Rússia em bases federativas. Do mesmo modo que a reivindicação da “autonomia nacional-cultural”, mantida nesse Congresso e depois nas publicações do Bund, essas resoluções provocaram, como se sabe, violenta polêmica contra o Bund por parte da velha Iskra, em particular por parte de Lênin. (retornar ao texto)

(27) O. Bauer, A Questão Nacional e a Social-democracia, pág. 339. (retornar ao texto)

(28) O Congresso de Brünn do Partido Social Democrático austríaco reuniu-se de 24 a 29 de setembro de 1899- O tema central dos debates desse Congresso foi o problema nacional. O congresso rejeitou um projeto de resolução apresentado pela social-democracia dos eslavos do Sul, em que se defendia a ideia da autonomia nacional-cultural extraterritorial, e aprovou a resolução proposta pelo Comitê Executivo Conjunto (Comitê Central), que advogava uma união de territórios nacionalmente delimitados e que era, portanto, uma transação entre os social-democratas austro-alemães, defensores da ideia de um Estado centralizado, e os social-democratas eslavos do Sul, tchecos, etc.,. que mantinham posições nacionalistas. Quanto ao problema de organização, o Congresso de Brünn foi ainda mais longe do que o Congresso de Wimberg (v. nota 11), no sentido do isolamento dos grupos social-democratas nacionais, convertendo até a direção central do Partido em órgão federativo, integrado pelos Comitês Executivos das organizações social-democratas nacionais (alemã, tcheca, polonesa, pequeno-russa (ucraniana), italiana e dos eslavos do Sul). (retornar ao texto)

(29) A social-democracia dos eslavos do Sul atua na Áustria. (retornar ao texto)

(30) V. Kossovski, Os Problemas das Nacionalidades, ed. russa, 1907, págs. 16-17. (retornar ao texto)

(31) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 422. (retornar ao texto)

(32) Springer, O Problema Nacional, págs. 281-282. (retornar ao texto)

(33) “Graças a Deus, não temos parlamento’’: palavras pronunciadas por V. Kokovtsev, ministro da Fazenda do czar (mais tarde, presidente do Conselho de Ministros), na Duma do Estado, em 24 de abril de 1908. (retornar ao texto)

(34) Springer, O Problema Nacional, pág. 36. (retornar ao texto)

(35) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 401. (retornar ao texto)

(36) A favor dele votaram também os representantes do partido social-democrata dos eslavos do Sull. Ver Debate sobre o Problema Nacional no Congresso de Brünn, 1906, pág. 72. (retornar ao texto)

(37) Ver Vehandlungen der Gesamtparteitagez, em Brünn, 1899. (retornar ao texto)

(38) Springer, O Problema Nacional, pág. 286. (retornar ao texto)

(39) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 649. (retornar ao texto)

(40) Obra citada, pág. 555. (retornar ao texto)

(41) Springer, O Problema Nacional, pág. 10. (retornar ao texto)

(42) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 286. (retornar ao texto)

(43) Springer, O Problema Nacional, pág. 74. (retornar ao texto)

(44) Springer, O Problema Nacional, págs. 88-89. (retornar ao texto)

(45) Obra citada, pág. 89. (retornar ao texto)

(46) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 552. (retornar ao texto)

(47) Springer, O Problema Nacional, pág. 226. (retornar ao texto)

(48) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 368. (retornar ao texto)

(49) O. Bauer, Obra citada, pág. 375. (retornar ao texto)

(50) Springer, Obra citada, pág. 234. (retornar ao texto)

(51) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 553 (retornar ao texto)

(52) O. Bauer, A Questão Nacional, Pág- 337 (retornar ao texto)

(53) O. Bauer, A Questão Nacional, Pág. 333 (retornar ao texto)

(54) O. Bauer, A Questão Nacional, Pág. 555 (retornar ao texto)

(55) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 556. (retornar ao texto)

(56) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 543. (retornar ao texto)

(57) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 542. (retornar ao texto)

(58) “Debates sobre o problema nacional no Congresso de Brünn”, página 48. (retornar ao texto)

(59) Bauer, “A Questão Nacional”, pág. 553. (retornar ao texto)

(60) Ver a citação no começo deste capítulo. (retornar ao texto)

(61) Essas palavras foram tomadas do cap. II (“Proletários e comunistas”) do Manifesto do Partido Comunista, de K. Marx e F. Engels. (retornar ao texto)

(62) O Congresso de Viena (ou de Wimberg, do nome do hotel em que se reuniu) do Partido Social Democrático austríaco, realizou-se de 6 a 12 de junho de 1897. Nesse Congresso o partido, que até então havia estado unido, fracionou-se em seis grupos social-democratas nacionais independentes (alemão, tcheco, polonês, pequeno-russo (ucraniano), italiano e de eslavos do Sul), sem outro laço de união que o Congresso geral e o Comitê Central comum. (retornar ao texto)

(63) O. Bauer, A Questão Nacional, págs. 381-396. (retornar ao texto)

(64) O. Bauer, A Questão Nacional, pág. 389. (retornar ao texto)

(65) Marx, Sobre o Problema Judaico, 1906, ed. russa. (retornar ao texto)

(66) Alude-se ao artigo de Marx Zur Judenfrage (Sobre a questão judaica), publicado em 1844, nos Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais franco-alemães), no qual Marx polemiza com o chefe dos radicais livre-pensadores alemães, Bruno Bauer. (retornar ao texto)

(67) Kautsky, A Matança de Kiskinev e a Questão Judaica, 1906. ed. russa. (retornar ao texto)

(68) O. Bauer, Obra citada, pág. 388. (retornar ao texto)

(69) O VI Congresso do Bund reuniu-se em outubro de 1905, em Zurique (Suíça). Nesse Congresso o Bund formulou definitivamente o seu programa nacional, destacando a reivindicação de “criar instituições legais públicas” que “apenas possam converter-se na autonomia extraterritorial sob a forma de autonomia nacional-cultural”, o que “pressupõe: 1) retirar do Estado e dos órgãos locais e territoriais de governo autônomo todas as funções relacionadas com os problemas da cultura (instrução popular, etc.); 2) entregar essas funções à própria nação, representada por instituições especiais, tanto locais como centrais, eleitas por todos os membros na base do sufrágio universal, igual, direto e secreto”. (retornar ao texto)

(70) Ver Formas do Movimento Nacional, etc., redigido por Kaztellauzki, pág. 772. (retornar ao texto)

(71) Atas do II Congresso, pág. 176. (retornar ao texto)

(72) A VIII Conferência do Bund realizou-se em Lvov, em setembro de 1910. Essa conferência dedicou sua principal atenção ao problema da comunidade judaica e ao descanso do sábado; as resoluções aprovadas a respeito desses pontos indicam novos avanços do nacionalismo dentro do Bund. (retornar ao texto)

(73) Memória da VIII Conferência do Bund, 1911, pág. 62. (retornar ao texto)

(74) Memória da VIII Conferência do Bund, 1911, págs. 83-84. (retornar ao texto)

(75) Obra citada, pág. 85. (retornar ao texto)

(76) Memória sobre a IX Conferência do Bund, 1912, pág. 42. (retornar ao texto)

(77) Memória sobre a VIII Conferência do Bund, pág. 83. (retornar ao texto)

(78) Memória sobre a VIII Conferência do Bund, pág. 68. (retornar ao texto)

(79) As palavras sobre a "adaptação do socialismo ao nacionalismo” foram empregadas por Plekhanov, com referência aos social-democratas partidários do Bund e caucasianos, em seu artigo Mais uma conferência divisionista, publicado a 15 (2) de outubro de 1912, no n.º 3 do periódico Sa Partiu (Pelo Partido), órgão dos plekhanovistas — “mencheviques” e “bolcheviques conciliadores” do Partido — que se publicou de 1912 a 1914. Nesse artigo Plekhanov criticava duramente tanto a convocação como as resoluções da Conferência liquidacionista de agosto. (retornar ao texto)

(80) Nasha Sariá, 1912, num. 9-10, pág. 120. (retornar ao texto)

(81) Refere-se a uma carta de V. Kossovski à redação da revista liquidacionista Nasha Saria (Nossa Aurora), nºs. 9-10, de 1912, sob o título de Demagogia imperdoável, em que o autor polemiza contra o artigo de Plekhanov a que se refere a nota anterior. (retornar ao texto)

(82) Comunicado sobre o VII Congresso do Bund, (83) pág 7.(retornar ao texto)

(83) O VII Congresso do Bund reuniu-se em fins de 1906 em Lvov. Esse Congresso pronunciou-se pela filiação do Bund ao Partido Operário Social Democrático da Rússia, na base dos estatutos aprovados no IV Congresso (Estocolmo), com a reserva, entretanto, de que, “ingressando no POSDR e aceitando o seu programa, o Bund conserva o seu a respeito do problema nacional”. Depois do VII Congresso, o Bund tomou inteira e definitivamente o caminho menchevique (retornar ao texto)

(84) Memória da VIII Conferência do Bund, pág. 72. (retornar ao texto)

(85) Sobre o Problema da Autonomia Nacional e a Reconstrução da Social-democracia da Rússia em Princípios Federativos, 1902, ed. do Bund. (retornar ao texto)

(86) Manilov, personagem do romance de Gogol, Almas Mortas, temperamento plácido, inativo, imaginação ociosa. (retornar ao texto)

(87) Nashe Slovo(88) (Nossa Palavra), num. 3, pág. 24, Vil- na, 1906. (retornar ao texto)

(88) Nashe Slovo (Nossa Palavra), semanário legal do Bund que era publicado em Vilna em 1906; saíram ao todo nove números. (retornar ao texto)

(89) Refere-se a um deputado de Varsóvia, Yagelo, membro da ala "esquerda” do Partido Socialista Polonês, eleito para a IV Duma do Estado por meio de um bloco dos partidários do Bund e do P. S. Polonês com os nacionalistas burgueses judeus, contra os votos dos delegados-eleítores social-democratas poloneses, que representavam a maioria no colégio eleitoral operário. A fração social-democrática da IV Duma, graças ao fato de que nela predominavam os liquidacionistas admitiu em seu seio esse deputado não social-democrata, apoiando desse modo o passo divisionista do Bund e aprofundando a cisão entre os operários da Polônia. Veja-se o artigo de Stalin Yagelo, um intruso na fração social-democrática, Pravda, n. 182, 1 de dezembro de 1912. (retornar ao texto)

(90) A velha Iskra: a Iskra (A Centelha) do período de 1900 a 1903 (até o n.º 51), em que Lênin dirigia a sua redação. É assim chamada para distinguir-se da nova Iskra, a da fase em que o periódico passou para as posições mencheviques. A velha Iskra sustentou uma luta tenacíssima contra o nacionalismo do Bund. À crítica do Bund e de suas posições no problema nacional e nos problemas da estrutura orgânica do Partido foi dedicada uma série de artigos da Iskra; deles, os mais importantes são de Lênin. (retornar ao texto)

(91) Sobre o Problema da Autonomia Nacional, etc., 1912, pág. 17, ed. do Bund. (retornar ao texto)

(92) Dokumente der Separatismus, do folheto de C. Vanek(93), pág. 29. (retornar ao texto)

(93) Carlos Vanek: social-democrata tcheco, deputado ao Parlamento austríaco e ao Landtag (Dieta) de Brünn, diretor da Caixa de Socorros contra a doença, de Brünn, e um dos chefes separatistas tchecos. Em 1910 Vanek publicou no periódico Rovnost (Igualdade) uma série de artigos sob o título de Que queremos: tutela ou liberdade?, dedicados à defesa das ideias de separatismo imbuídas de chovinismo nacional. Esses artigos (editados também em folheto à parte) foram recolhidos, com outros documentos, na coleção Dokumente des Separatismus (Documentos do separatismo), editada pelo sindicato austríaco de metalúrgicos, que, com essa publicação, tencionava atalhar o desenvolvimento da cisão que Vanek, Burian, Tusar e outros chefes dos separatistas tchecos levavam ao movimento operário tcheco.
O trecho do folheto de Vanek a que Stalin aqui se refere diz: “omo podem os operários tchecos esperar, antes ainda da regeneração da sociedade, salvar seu filho ou sua filha ou assegurar-lhes futuro melhor que o que lhes tocou por sorte, se os sugadores do povo tcheco não consideram necessário utilizar os serviços de seus artesãos, comerciantes e industriais?
E como pode a massa operaria tcheca esperar obter do Estado o que de direito lhe corresponde, conseguir a igualdade de direitos no terreno político, social e nacional, se põe à disposição de outros a sua própria base econômica, se entrega as suas possibilidades produtivas e a força encerrada no dinheiro para que os seus camaradas de outras nacionalidades as utilizem?” (retornar ao texto)

(94) Memória sobre a IX Conferência do Bund, pág. 19. (retornar ao texto)

(95) N., pseudônimo de Noi Jordania, líder dos mencheviques georgianos; foi chefe do governo menchevique da Geórgia e se encontra atualmente na emigração branca; furioso defensor da intervenção contra a URSS. (retornar ao texto)

(96) No periódico georgiano Tchvieni Tsjovreba (Nossa Vida),(97) 1912, núm. 12. (retornar ao texto)

(97) Tchvieni Tskhovreba (Nossa Vida), jornal diário dos mencheviques georgianos, publicado em 1912 em Kutais. Foram editados 19 números. Os trechos aqui citados são tomados de um dos artigos de N. (Noi Jordania), sob o título de O velho e o novo, publicado nos nºs, 11-14 do Tchvieni Tskhovreba. (retornar ao texto)

(98) No periódico georgiano Chvieni Tsjovreba (Nossa, Vida), 1912, núm. 12. (retornar ao texto)

(99) O ponto sobre a autodeterminação que figurava no programa do POSDR, aprovado no II Congresso (1903), diz: “9. Direito de autodeterminação para todas as nações que fazem parte do Estado”. (retornar ao texto)

(100) Nasha Sariá (Nossa Aurora), 1912, núm. 9-10, pág. 120. (retornar ao texto)

(101) Nasha Slovo (Nossa Palavra), núm. 8, 1906, pág. 53. (retornar ao texto)

(102) Refere-se à primeira guerra balcânica, que irrompeu em outubro de 1912 entre a Bulgária, a Sérvia, a Grécia e o Montenegro de um lado e a Turquia de outro. Essa guerra foi o fruto dos choques entre os interesses das potências da Entente (França, Inglaterra e Rússia) e os interesses das potências da Tríplice Aliança (Alemanha. Áustria-Hungria e Itália), na península balcânica. Essa guerra, como a segunda guerra (1913) nos Bálcãs, que irrompeu entre os aliados de ontem pela divisão da presa de guerra e que acabou com a derrota da Bulgária, nada mais fez do que apertar o nó das contradições entre os imperialistas nos Bálcãs e foi o prólogo da guerra imperialista mundial. (retornar ao texto)

(103) Memória da VIII Conferência do Bund final da resolução relativa as comunidades. (retornar ao texto)

(104) Strassser, Der Arbeiter und die Nation, 1912. (retornar ao texto)

(105) Refere-se aqui às resoluções da IV Conferência (também conhecida sob o nome de III Conferência Pan- russa; do POSDR, que se reuniu de 18 (5) a 25 (12) de novembro de 1907, e da V Conferência (a chamada Conferência de Dezembro) do POSDR, que se reuniu de 3 a 9 de janeiro de 1909 (21 a 27 de dezembro de 1908, segundo o velho calendário). (retornar ao texto)

(106) Refere-se a um deputado de Varsóvia, Yagelo, membro da ala "esquerda” do Partido Socialista Polonês, eleito para a IV Duma do Estado por meio de um bloco dos partidários do Bund e do P. S. Polonês com os nacionalistas burgueses judeus, contra os votos dos delegados-eleítores social-democratas poloneses, que representavam a maioria no colégio eleitoral operário. A fração social-democrática da IV Duma, graças ao fato de que nela predominavam os liquidacionistas admitiu em seu seio esse deputado não social-democrata, apoiando desse modo o passo divisionista do Bund e aprofundando a cisão entre os operários da Polônia. Veja-se o artigo de Stalin Yagelo, um intruso na fração social-democrática, Pravda, n. 182, 1 de dezembro de 1912. (retornar ao texto)

Inclusão 03/11/2012