A máscara que cai

Antonio Gramsci

24 de dezembro de 1916


Fonte: Antonio Gramsci: escritos escolhidos (1915-1920), editora Lutas Anticapital, 2022.

Tradução: Anita Helena Schlesener e Ana Paula Schlesener.

Transcrição: Bruno Jadson Jardelino Gomes.

HTML: Lucas Schweppenstette.


Primeiro a guerra da Líbia, depois a guerra europeia, arrancaram dos jornais da burguesia a máscara que se constituía na admiração das multidões: a máscara da correção, da equanimidade, da serenidade.

Parecia que certos jornais burgueses pesavam as suas palavras e as suas afirmações em uma balança ideal especial, tomando cuidado com a máxima cautela para que suas colunas nunca aparecessem colocadas a serviço deste ou daquele interesse capitalista, mas fossem apenas inspiradas pelo bem geral, pela salus reipublicae, ainda que representando as classes dominantes e dirigentes.

Em outras palavras, os referidos jornais eram, e aparentavam ser, apenas a expressão política das referidas classes, livres e independentes, no entanto, das várias facções empresariais açucareiras, têxteis, metalúrgicos, dos fabricantes de pneus...

Os nossos leitores não haviam esquecido que as maiores acusações feitas por eles ao nosso jornal era a de representar um interesse egoísta baixo e vulgar, em nome do que chamavam: o partido do ventre!

Não valia dizer que os trabalhadores explorados a sangue, com salários de fome e horários inumanos, deviam colocar em primeiro lugar, nas suas reivindicações a conquista de melhores condições de vida. Não valia dizer que tal conquista material era indispensável, era a base sine qua non para conseguir melhorar as condições intelectuais. Não valia dizer que entre o egoísmo de quem tem tudo e o de quem está privado de tudo há um abismo também em termos morais.

Todos os nossos argumentos, todas as nossas demonstrações caiam no vazio.

***

Mas pouco a pouco a verdade fez o seu caminho. Todas as máscaras ideais, bem coloridas e bem projetadas, as quais encobriam as mercadorias de contrabando dos interesses materiais, caíram. E hoje os jornais burgueses aparecem como aquilo que foram sempre, antes com prudência, hoje com audácia, senão com ousadia: os órgãos particulares deste ou daquele grupo de negociantes e de especuladores. Todos são suportes do atual sistema social e defensores da classe dominante; mas alguns deles servem de modo especial aos interesses de determinadas indústrias das quais dependem.

Sempre que um grande interesse da classe dominante se torna atraente aos interesses particulares dos vários grupos, os jornais da burguesia, qualquer que seja a etiqueta politica que os recobrem, se reúnem, em completa concórdia, em perfeita harmonia. E o grande público olha surpreso ao embrassons-nous que se verifica no campo jornalístico, vislumbra hoje, por exemplo, a competição para ver quem é mais patriota, quem é mais anti-alemão e se dá conta que nesta corrida ninguém ficou por último - e para dizer tudo! - nem o ex-triplice "Corriere della Sera", nem os ex-austríacos jornais católicos.

Este acordo comovente deveria abrir, deveria ter aberto os olhos do proletariado, ensinando-lhe a não confiar nas aparências, mas a procurar a substância. Ensinando-lhes a deixar os caminhos perigosos e vãos do corporativismo acéfalo e cego, e a lançar-se corajosamente no terreno político para enfrentar o domínio da classe dominante e arrebatá-lo.

Hoje é possível que os operários não se tenham dado conta, com a demonstração tremenda e imponente dos fatos, que a classe dominante tem à sua disposição todos os meios, através do poder político, para tornar inúteis também as eventuais conquistas no campo material? É possível que não tenham percebido que devem iniciar sua nova ação negando toda solidariedade e qualquer ajuda a essa imprensa que representa a expressão de uma vontade contrária à sua, de um interesse contrário ao seu interesse, aquela imprensa que, com uma palavra de ordem vinda do alto, do comitê executivo da classe burguesa, envenena a opinião pública e a conduz pelo seu caminho ou ao menos a torna perplexa, duvidosa, incerta, incapaz de se opor?

O grito das massas contra esta imprensa que as envenenou e traiu e que pretende representar seus desejos e aspirações deve ser: boicote!

Agora a verdade abriu caminho. O idealismo dos jornais burgueses é uma máscara que cobre o seu egoísmo de classe, o seu interesse financeiro.

Boicotem! Boicotem! Boicotem!

Avanti! 24 de dezembro de 1916.


Inclusão: 14/09/2023