A Luta de Classes em África

Kwame Nkrumah


O campesinato


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Em África, as massas camponesas constituem, de longe, o contingente mais vasto da classe trabalhadora, e potencialmente o elemento fundamental da revolução socialista. Mas essas massas estão dispersas, desorganizadas, e geralmente não são revolucionárias. É, no entanto, indispensável que tomem consciência e que sejam enquadradas pelos seus aliados naturais: o proletariado e a intelligentsia revolucionária.

No cume da hierarquia social das zonas rurais situam-se os proprietários feudais de terras, que vivem da exploração dos camponeses, e os proprietários capitalistas, na sua maioria absentistas, que vivem da exploração de uma mão-de-obra assalariada. Entre os proprietários capitalistas — que formam a burguesia rural — enfileira o clero, das diversas seitas e religiões, vivendo da exploração feudal e capitalista dos camponeses. A burguesia rural possui propriedades relativamente grandes, um capital e uma mão-de-obra que explora; especializa-se na cultura de exportação. Os pequenos agricultores, que se poderiam colocar na categoria de pequena burguesia rural, possuem um pequeno capital e cultivam a terra que lhes pertence

e que alugam. Empregam membros das suas famílias ou mão-de-obra assalariada.

Em geral, quando a terra é alugada, o pequeno agricultor guarda cerca de dois terços das receitas, e dá um terço ao proprietário. A seguir à pequena burguesia rural estão, na hierarquia rural, os camponeses que cultivam pequenas porções de terra e são por vezes forçados a vender os seus serviços à jorna. No fim da escala social vêm os assalariados agrícolas, que formam o proletariado rural, possuindo apenas a sua força de trabalho.

Assim a sociedade rural divide-se em dois grupos distintos, os exploradores e os explorados, grupos esses que se poderiam subdividir em vários grupos mais limitados:

1 — Os exploradores:

  1. Os proprietários das plantações;
  2. Os proprietários absentistas;
  3. Os agricultores (que possuem terras relativamente grandes);
  4. Os pequenos agricultores;

2 — Os explorados:

  1. Os camponeses;
  2. O proletariado rural.

A maioria dos proprietários das plantações são estrangeiros (como na Nigéria, nos Camarões, no Congo-Kinshasa, na África do Sul e na Rodésia). Essas plantações são as extensões dos monopólios em África. O sistema das plantações é conforme aos princípios fundamentais do capitalismo: assenta na exploração dos trabalhadores agrícolas. Esta exploração é tornada possível pelo nível de vida pouco elevado dos trabalhadores, o que permite aos monopólios pagar-lhes salários nominais irrisórios. Mas, devido à crescente subida dos preços dos produtos de consumo, os salários reais desses trabalhadores não cessam de baixar. O resultado é a gravidade crescente do conflito que opõe capital e trabalho. Os monopólios estrangeiros pertencem aos proprietários absentistas estrangeiros. Mas existem também absentistas locais.

Os absentistas locais são geralmente proprietários africanos que vivem na cidade, luxuosamente, controlando, graças aos seus capitais, vastas extensões de terras nas regiões rurais. Vivem da exploração dos trabalhadores agrícolas. A exploração reside no tipo de pagamento: o trabalhador agrícola não recebe salário fixo e trabalha ao dia. O conflito que opõe capital e trabalho é tão intenso nestas propriedades como nas plantações. Frequentemente, o proprietário absentista explora também na cidade, exigindo preços exorbitantes pelas casas que aluga aos trabalhadores.

Uma outra categoria de exploradores são os grandes agricultores, que são normalmente proprietários indígenas, por vezes mais ricos que os proprietários absentistas. Ao contrário destes últimos, vivem nas suas próprias terras. São prósperos, porque as suas terras são férteis e porque têm os meios técnicos para as cultivar e possibilidade de alugar mão-de-obra. São em geral pessoas muito importantes na região em que habitam, e costumam ter grandes famílias. Os seus métodos de produção são semifeudais e praticam por vezes o pagamento em géneros. Por vezes devem fidelidade aos chefes ou anciãos de uma aldeia mais importante. Preocupam-se com a cultura de exportação.

A seguir aos grandes agricultores vêm, na escala social, os possuidores de pequenas quintas. São pequenos proprietários que possuem também as suas máquinas e o seu gado. Segundo a psicologia revolucionária marxista, são instáveis e hesitantes. Empregam os membros das suas famílias e alugam os serviços de jornaleiros na época das colheitas e das lavouras. Aspiram a tornar-se prósperos, o que lhes permitiria ter uma mão-de-obra permanente e obter uma grande propriedade. Preocupam-se sobretudo com a produção local para consumo imediato.

Ao lado do pequeno agricultor situa-se o camponês, que é o mais pequeno proprietário de terras. A sua vida é a própria insegurança. Trabalha um pequeno retalho de terra, com ou sem gado. Está sempre dependente das condições atmosféricas e da própria natureza, porque a sua colheita só será boa se estiver bom tempo, mas o mau tempo pode arruiná-lo, e vê-se então obrigado a alugar os seus serviços nas plantações e nas grandes propriedades. Devido à subida crescente dos preços e ao custo elevado dos produtos manufacturados, por exemplo, as dificuldades do camponês aumentam de dia para dia. Geralmente produz tudo o que precisa em casa e raramente ganha com a sua produção. O camponês pode tornar-se um elemento revolucionário, sob a condição de ser enquadrado pelo proletariado rural e urbano.

O proletariado rural é constituído por trabalhadores, no sentido marxista do termo. São parte integrante da classe operária e são a camada social mais revolucionária do mundo rural africano.

É necessário desenvolver o potencial revolucionário dessa camada rural de camponeses e operários agrícolas, porque constituem a força principal da revolução. Compete aos quadros revolucionários a tarefa primordial de os levar a tomar consciência das realidades do seu potencial económico, e de os conquistar, a eles e aos pequenos agricultores, para um método socialista de produção e distribuição agrícolas. Isso deve ser feito através do desenvolvimento de diversos tipos de cooperativas agrícolas: estas são essenciais numa transição de um modo de agricultura privado, baseado na pequena produção, a uma agricultura moderna, mecanizada, socialista. Existem já em diversos países africanos cooperativas de mercado, que têm sido bem sucedidas, e cooperativas de crédito, que são menos frequentes, devido à falta de fundos. Mas a mais importante forma de cooperação agrícola é a cooperativa de produção que organiza a administração e o mecanismo da produção agrícola. Este tipo de cooperativa está ainda na sua infância, devido à falta de pessoal qualificado para a pôr a funcionar e à falta de maquinaria agrícola. Só um governo progressista a saberia utilizar. Porque nos países neocolonialistas as cooperativas servem já os interesses da burguesia rural e dos monopólios capitalistas. As elites neocolonialistas exploram o isolamento relativo e o atraso cultural das massas camponesas, levando-as assim a aceitar a sua dominação política.

É sobretudo no mundo rural que subsistem vestígios de feudalismo. Em geral as condições de vida dos camponeses não se modificaram desde as épocas pré-coloniais e coloniais: continuam a ter que pagar pesadas taxas e que fazer trabalhos forçados. Quando emigram para a cidade, são geralmente vítimas dos exploradores coloniais e neocoloniais.

Tal como os camponeses da Ásia e da América Latina, os camponeses africanos sofreram durante muito tempo o feudalismo e a exploração imperialista-capitalista. Do Cairo ao cabo da Boa Esperança, e das ilhas de Cabo Verde ao Quénia e a Zanzibar, a situação e os problemas dos camponeses africanos são praticamente idênticos. O campesinato tem que se libertar das relações de produção semifeudais e capitalistas. A agricultura deve passar de uma pequena produção a uma agricultura moderna, baseada na utilização de cooperativas, instrumentos e técnicas mais modernos.

Actualmente, os camponeses africanos apoiam-se na pequena propriedade dos meios de produção, excepto nas regiões onde existe uma agricultura de subsistência e um sistema de propriedade comunal. O centro do problema agrário, na África ocidental, é o prevalecimento da pequena produção. No Ghana, 97% das quintas têm uma superfície inferior a 4 hectares; e 60% têm menos de 2 hectares. A pequena exploração agrícola é um obstáculo à expansão das ideias socialistas, porque traz consigo o conservantismo, a cupidez e uma mentalidade burguesa.

Sob a dominação colonial, assim como nos Estados neocolonialistas, o governo fez recrutamentos entre as massas camponesas para a sua polícia e o seu exército, porque se diz que são mais «leais». Na verdade o governo apenas explorou a ignorância, o espírito de submissão e o conservantismo, características das massas camponesas iletradas.

Durante as lutas de libertação nacional, os camponeses bateram-se pela independência e contra o feudalismo, nos movimentos políticos criados por dirigentes sindicalistas, operários e intelectuais revolucionários. Porque é indispensável que as massas camponesas recebam o apoio dos seus aliados naturais, na luta revolucionária pelo socialismo. Nos países onde as lutas revolucionárias socialistas resultaram no derrube de governos burgueses — como na China, Cuba, Vietname e Coreia — as massas camponesas foram aliadas de outras forças sociais, enquadradas por partidos marxistas. Os laços estreitos que unem o proletariado e as massas camponesas são os mesmos que unem os movimentos de guerrilha urbanos e rurais. Fazem todos parte integrante da luta revolucionária socialista, e nenhum poderá alcançar a vitória final sem o outro.

A luta revolucionária socialista, em África, deve apoiar-se nas massas camponesas e no proletariado rural, porque constituem a grande maioria da população, e o seu futuro está no socialismo. Os combatentes da Liberdade, que fazem parte destas massas, dependem delas quanto ao recrutamento e abastecimento.

O mundo rural é o bastião da revolução. É o campo de batalha no qual as massas camponesas e os seus aliados naturais — o proletariado e a intelligentsia revolucionária — serão a força motriz da construção e da transformação socialistas.


Inclusão 22/03/2014