As Lutas de Classes em França de 1848 a 1850

Karl Marx

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Exceptuados alguns capítulos, todos os parágrafos mais importantes dos anais da revolução de 1848 a 1849 têm como título: Derrota da revolução!

O que nestas derrotas sucumbiu não foi a revolução. Foram os tradicionais apêndices pré-revolucionários, produtos de relações sociais que não se tinham ainda agudizado em nítidos antagonismos de classe: pessoas, ilusões, representações, projectos, de que, antes da revolução de Fevereiro, o partido revolucionário não estava livre e de que só poderia ser libertado por meio de sucessivas derrotas e não através da vitória de Fevereiro.

Numa palavra: o progresso revolucionário abriu caminho não pelas suas conquistas tragicómicas imediatas, mas, inversamente, por ter criado uma poderosa e coesa contra-revolução, por ter criado um adversário na luta contra o qual é que o partido da subversão [Umsturzpartei] amadureceu, só então se tornando num partido verdadeiramente revolucionário.

É isto que as páginas seguintes se propõem demonstrar.

I — A derrota de Junho de 1848
De Fevereiro a Junho de 1848

A seguir à revolução de Julho[N106], o banqueiro liberal Laffitte, ao conduzir em triunfo para o Hôtel de Ville(1*) o seu compère(2*), o duque de Orléans[N107] teve este comentário:

"Agora o reino dos banqueiros vai começar."

Laffitte traíra o segredo da revolução.

Porém, sob Louis-Philippe não era a burguesia francesa quem dominava. Quem dominava era apenas uma fracção dela: banqueiros, reis da Bolsa, reis do caminho-de-ferro, proprietários de minas de carvão e de ferro e de florestas e uma parte da propriedade fundiária aliada a estes — a chamada aristocracia financeira. Era ela quem ocupava o trono, quem ditava leis nas Câmaras, quem distribuía os cargos públicos desde o ministério até à adminstração dos tabacos.

A burguesia industrial propriamente dita constituía uma parte da oposição oficial, isto é, estava representada nas Câmaras apenas como minoria. A sua oposição manifestava-se tanto mais decididamente quanto mais se acentuava e desenvolvia a dominação exclusiva da aristocracia financeira, quanto mais a burguesia industrial julgava assegurada a sua dominação sobre a classe operária depois dos motins afogados em sangue de 1832, 1834 e 1839[N108]. Grandin, um fabricante de Rouen, o porta-voz mais fanático da reacção burguesa, na Assembleia Nacional Constituinte como na Legislativa, era quem, na Câmara dos Deputados, se opunha com mais violência a Guizot. Léon Faucher, conhecido mais tarde pelos seus esforços impotentes para se guindar a um Guizot da contra-revolução francesa, travou nos últimos anos de Louis-Philippe uma polémica em favor da indústria contra a especulação e o seu caudatário, o governo. Bastiat fazia agitação em nome de Bordéus e de toda a França produtora de vinho contra o sistema dominante.

Tanto a pequena burguesia, em todas as suas gradações, como a classe camponesa estavam totalmente excluídas do poder político. Era, pois, na oposição oficial ou inteiramente fora do pays legal(3*) que se encontravam os representantes e os porta-vozes ideológicos das classes mencionadas: intelectuais, advogados, médicos, etc. Numa palavra: as chamadas competências.

Pela penúria financeira, a monarquia de Julho[N109] estava de antemão dependente da alta burguesia e a sua dependência da alta burguesia tornou-se a fonte inesgotável de uma penúria financeira sempre crescente. Impossível subordinar a administração do Estado ao interesse nacional sem equilibrar o orçamento, isto é, sem que haja equilíbrio entre as despesas e as receitas do Estado. E como estabelecer este equilíbrio sem limitação das despesas públicas, isto é, sem ferir interesses que eram outros tantos pilares do sistema dominante e sem nova regulamentação da distribuição de impostos, isto é, sem atirar para os ombros da alta burguesia uma significativa parte da carga fiscal?

O endividamento do Estado era, pelo contrário, o interesse directo da fracção da burguesia que dominava e legislava através das Câmaras. O défice do Estado, esse era o verdadeiro objecto da sua especulação e a fonte principal do seu enriquecimento. Todos os anos um novo défice. Quatro ou cinco anos depois um novo empréstimo. E cada novo empréstimo oferecia à aristocracia financeira uma nova oportunidade de defraudar o Estado, mantido artificialmente à beira da bancarrota; ele via-se obrigado a pedir mais dinheiro aos banqueiros, nas condições mais desfavoráveis. Cada novo empréstimo constituía uma nova oportunidade de pilhar o público que investira capitais em títulos do Estado, mediante operações de Bolsa em cujo segredo estavam o governo e a maioria representada na Câmara. Em geral, a situação periclitante do crédito público e a posse dos segredos do Estado davam aos banqueiros e seus associados nas Câmaras e no trono a possibilidade de provocar extraordinárias e súbitas flutuações na cotação dos valores do Estado, de que resultava sempre a ruína de uma enorme quantidade de capitalistas mais pequenos e o enriquecimento fabulosamente rápido dos grandes especuladores. Que o défice do Estado era o interesse directo da fracção burguesa dominante, eis o que explica que as despesas públicas extraordinárias nos últimos anos do reinado de Louis-Philippe tenham ultrapassado de longe o dobro das despesas extraordinárias no tempo de Napoleão. De facto, atingiram a soma anual de quase 400 milhões de francos enquanto o montante global anual da exportação da França raramente se elevava em média a 750 milhões de francos. Além disso, as enormes somas que passavam pelas mãos do Estado permitiam contratos de fornecimento fraudulentos, subornos, malversações e vigarices de toda a espécie. A defraudação do Estado, em ponto grande, como consequência dos empréstimos, repetia-se, em ponto menor, nas obras públicas. A relação entre a Câmara e o governo encontrava-se multiplicada nas relações entre as diversas administrações e os diversos empresários.

A classe dominante explorava a construção dos caminhos-de-ferro, tal como as despesas públicas em geral e os empréstimos do Estado. As Câmaras atiravam para o Estado os principais encargos e asseguravam à aristocracia financeira especuladora os frutos dourados. Recorde-se os escândalos ocorridos na Câmara dos Deputados quando, ocasionalmente, veio a lume que a totalidade dos membros da maioria, incluindo uma parte dos ministros, estavam interessados como accionistas nessa mesma construção dos caminhos-de-ferro que, como legisladores, depois mandavam executar à custa do Estado.

Em contrapartida, a mais insignificante reforma financeira fracassava face à influência dos banqueiros. Um exemplo: a reforma postal. Rothschild protestou. Deveria o Estado reduzir fontes de riqueza com que pagava os juros da sua crescente dívida?

A monarquia de Julho era apenas uma sociedade por acções para explorar a riqueza nacional da França e cujos dividendos eram distribuídos por ministros, Câmaras, 240 000 eleitores e o seu séquito. Louis-Philippe era o director desta sociedade, um Robert Macaire no trono. Num tal sistema, o comércio, a indústria, a agricultura, a navegação, os interesses da burguesia industrial não podiam deixar de estar constantemente ameaçados e de sofrer prejuízos. Gouvernement à bon marche, governo barato, fora o que ela durante as jornadas de Julho inscrevera na sua bandeira.

Enquanto a aristocracia financeira legislava, dirigia a administração do Estado, dispunha de todos os poderes públicos organizados e dominava a opinião pública pelos factos e pela imprensa, repetia-se em todas as esferas, desde a corte ao Café Borgne(4*), a mesma prostituição, as mesmas despudoradas fraudes, o mesmo desejo ávido de enriquecer não através da produção mas sim através da sonegação de riqueza alheia já existente; nomeadamente no topo da sociedade burguesa manifestava-se a afirmação desenfreada — e que a cada momento colidia com as próprias leis burguesas — dos apetites doentios e dissolutos em que a riqueza derivada do jogo naturalmente procura a sua satisfação, em que o prazer se torna crapuleux(5*), em que o dinheiro, a imundície e o sangue confluem. No seu modo de fazer fortuna como nos seus prazeres a aristocracia financeira não é mais do que o renascimento do lumpenproletariado nos cumes da sociedade burguesa.

As fracções não dominantes da burguesia francesa gritavam: Corrupçãol O povo gritava: À bas les grands voleurs! À bas les assassins!(6*) quando no ano de 1847. nos palcos mais elevados da sociedade burguesa, se representava em público as mesmas cenas que conduzem regularmente o lumpenproletariado aos bordéis, aos asilos, aos manicómios, aos tribunais, às prisões e ao cadafalso. A burguesia industrial via os seus interesses em perigo; a pequena burguesia estava moralmente indignada; a fantasia popular estava revoltada; Paris estava inundada de folhetos — La dynastie Rothschild, Les juifs róis de l'époque(7*), etc. — nos quais, com mais ou menos espírito, se denunciava e estigmatizava o domínio da aristocracia financeira.

Rien pour la gloire!(8*) A glória não dá nada! La paix partout et toujours!(9*) A guerra faz baixar as cotações três a quatro por cento! — tinha a França dos judeus da Bolsa inscrito na sua bandeira. A política externa perdeu-se, por isso, numa série de humilhações do sentimento nacional francês, cuja reacção se tornou mais viva quando, com a anexação de Cracóvia pela Áustria[N64], se completou a espoliação da Polónia e quando, na guerra suíça do Sonderbund[N110], Guizot se pôs activamente ao lado da Santa Aliança[N80]. A vitória dos liberais suíços neste simulacro de guerra elevou o sentimento de dignidade da oposição burguesa em França. O levantamento sangrento do povo em Palermo actuou como um choque eléctrico sobre a massa popular paralisada e despertou as suas grandes recordações e paixões revolucionárias(10*).

Finalmente, dois acontecimentos económicos mundiais aceleraram o eclodir do mal-estar geral e amadureceram o descontentamento até o converter em revolta.

A praga da batata e as más colheitas de 1845 e 1846 aumentaram a efervescência geral do povo. A carestia de 1847 fez estalar conflitos sangrentos não só em França como no resto do Continente. Frente às escandalosas orgias da aristocracia financeira — a luta do povo pelos bens de primeira necessidade! Em Buzançais, os amotinados da fome executados[N111]; em Paris, escrocs(11*) de barriga cheia arrancados aos tribunais pela família real!

O segundo grande acontecimento económico que acelerou o rebentar da revolução foi uma crise geral do comércio e da indústria na Inglaterra. Anunciada já no Outono de 1845 pela derrota maciça dos especuladores em acções dos caminhos-de-ferro, retardada durante o ano de 1846 por uma série de casos pontuais, como a iminente abolição das taxas aduaneiras sobre os cereais, acabou por eclodir no Outono de 1847 com a bancarrota dos grandes mercadores coloniais londrinos, seguida de perto pela falência dos bancos provinciais e pelo encerramento das fábricas nos distritos industriais ingleses. Ainda os efeitos desta crise não se tinham esgotado no continente e já rebentava a revolução de Fevereiro.

A devastação que a epidemia económica causara no comércio e na indústria tornou ainda mais insuportável a dominação exclusiva da aristocracia financeira. Em toda a França, a burguesia oposicionista promoveu agitação de banquetes por uma reforma eleitoral que lhe conquistasse a maioria nas Câmaras e derrubasse o ministério da Bolsa. Em Paris, a crise industrial teve ainda como consequência especial lançar para o comércio interno uma massa de fabricantes e grandes comerciantes que, nas circunstâncias presentes, já não podiam fazer negócios no mercado externo. Estes abriram grandes estabelecimentos cuja concorrência arruinou em massa épiciers(12*) e boutiquiers(13*). Daí um sem-número de falências nesta parte da burguesia parisiense, daí a sua entrada revolucionária em cena em Fevereiro. É conhecido como Guizot e as Câmaras responderam a estas propostas de reforma com um inequívoco desafio; como Louis-Philippe se decidiu demasiado tarde por um ministério Barrot; como estalaram escaramuças entre o povo e o exército; como o exército foi desarmado pela atitude passiva da Guarda Nacional[N97], como a monarquia de Julho teve de ceder o lugar a um governo provisório.

O Governo provisório que se ergueu nas barricadas de Fevereiro espelhava necessariamente na sua composição os diferentes partidos entre os quais se repartia a vitória. Não podia, pois, ser outra coisa senão um compromisso das diferentes classes que, conjuntamente, tinham derrubado o trono de Julho, mas cujos interesses se opunham hostilmente. A sua grande maioria compunha-se de representantes da burguesia. A pequena burguesia republicana estava representada por Ledru-Rollin e Flocon; a burguesia republicana por gente do National[N112]; a oposição dinástica por Crémieux, Dupont de l'Eure, etc. A classe operária tinha apenas dois representantes: Louis Blanc e Albert. Por fim, a presença de Lamartine no Governo provisório — isso não era a princípio um interesse real, uma classe determinada: era a própria revolução de Fevereiro, o seu levantamento comum com as suas ilusões, a sua poesia, o seu conteúdo imaginário, as suas frases. De resto, o porta-voz da revolução de Fevereiro, pela sua posição como pelas suas opiniões, pertencia à burguesia.

Se é Paris, em consequência da centralização política, que domina a França, em momentos de convulsões revolucionárias são os operários que dominam Paris. O primeiro acto da vida do Governo provisório foi a tentativa de se subtrair a esta influência predominante por um apelo da Paris embriagada à França sóbria. Lamartine contestou aos combatentes das barricadas o direito de proclamar a República, só a maioria dos franceses seria competente para tal; haveria que esperar que ela se manifestasse pelo voto, o proletariado parisiense não deveria manchar a sua vitória com uma usurpação. A burguesia permite ao proletariado uma única usurpação: a da luta.

Ao meio-dia de 25 de Fevereiro a República ainda não tinha sido proclamada; em contrapartida, já todos os ministérios se encontravam distribuídos entre os elementos burgueses do Governo provisório e entre os generais, banqueiros e advogados do National. Os operários, porém, desta vez, estavam decididos a não tolerar uma escamoteação semelhante à de Julho de 1830. Estavam prontos a retomar a luta e a impor a República pela força das armas. Foi com esta mensagem que Raspail se dirigiu ao Hôtel de Ville. Em nome do proletariado de Paris ordenou ao Governo provisório que proclamasse a República. Se dentro de duas horas esta ordem do povo não tivesse sido cumprida, ele regressaria à frente de 200 000 homens. Os cadáveres dos combatentes caídos na luta mal tinham começado a arrefecer, as barricadas ainda não tinham sido removidas, os operários não tinham sido desarmados e a única força que se lhes podia opor era a Guarda Nacional. Nestas circunstâncias, dissiparam-se repentinamente as objecções de subtileza política e os escrúpulos jurídicos do Governo provisório. O prazo de duas horas ainda não tinha expirado e já todas as paredes de Paris ostentavam as palavras históricas em letras enormes:

Republique Française! Liberte, Egalité, Fraternité!(14*)

Com a proclamação da República com base no sufrágio universal extinguira-se até a recordação dos objectivos e motivos limitados que haviam atirado a burguesia para a revolução de Fevereiro. Todas as classes da sociedade francesa — em vez de algumas, poucas, fracções da burguesia — foram de repente arremessadas para o círculo do poder político, obrigadas a abandonar os camarotes, a plateia e a galeria e a vir representar, em pessoa, no palco revolucionário! Com a monarquia constitucional desapareceram também a aparência de um poder de Estado contraposto soberanamente à sociedade burguesa [bürgerlichen Gesellschaft] e toda a série de lutas secundárias que esse poder aparente provoca!

Ao ditar a República ao Governo provisório e, por meio de o Governo provisório, a toda a França, o proletariado passou imediatamente ao primeiro plano como partido autónomo mas, ao mesmo tempo, desafiou contra si toda a França burguesa. O que ele conquistou foi o terreno para a luta pela sua emancipação revolucionária, de modo nenhum essa mesma emancipação.

A República de Fevereiro teve isso sim de começar por consumar a dominação da burguesia fazendo entrar, ao lado da aristocracia financeira, todas as classes possidentes para o círculo do poder político. A maioria dos grandes proprietários fundiários, os legitimistas[N59], foram emancipados da nulidade política a que a monarquia de Julho os havia condenado. Não fora em vão que a Gazette de France[N113] fizera agitação juntamente com os jornais oposicionistas; não fora em vão que La Rochejaquelein tomara o partido da revolução na sessão da Câmara dos Deputados de 24 de Fevereiro. Através do sufrágio universal, os proprietários nominais, que constituem a grande maioria dos Franceses, os camponeses, passaram a ser os árbitros do destino da França. Ao destronar a coroa, atrás da qual o capital se mantinha escondido, a República de Fevereiro fez que, finalmente, a dominação da burguesia se manifestasse na sua pureza.

Tal como nas jornadas de Julho os operários tinham conquistado a monarquia burguesa, nas jornadas de Fevereiro conquistaram a república burguesa. Tal como a monarquia de Julho fora obrigada a anunciar-se como uma monarquia rodeada por instituições republicanas, assim a República de Fevereiro foi obrigada a anunciar-se como uma república rodeada por instituições sociais. O proletariado parisiense forçou também esta concessão.

Um operário, Marche, ditou o decreto no qual o recém-formado Governo provisório se comprometia a assegurar a existência dos operários por meio do trabalho e a proporcionar trabalho a todos os cidadãos, etc. E quando, alguns dias mais tarde, o Governo se esqueceu das suas promessas e pareceu ter perdido de vista o proletariado, uma massa de 20 000 operários dirigiu-se ao Hôtel de Ville gritando: Organização do trabalho! Criação de um ministério especial do Trabalho! A contragosto e depois de longos debates, o Governo provisório nomeou uma comissão especial permanente encarregada de encontrar os meios para a melhoria das classes trabalhadoras! Essa comissão era constituída por delegados das corporações de artesãos de Paris e presidida por Louis Blanc e Albert. Para sala de sessões foi-lhes destinado o Palácio do Luxemburgo. Assim, os representantes da classe operária foram afastados da sede do Governo provisório, tendo a parte burguesa deste conservado exclusivamente nas suas mãos o verdadeiro poder do Estado e as rédeas da administração; e, ao lado dos ministérios das Finanças, do Comércio, das Obras Públicas, ao lado da Banca e da Bolsa ergueu-se uma sinagoga socialista, cujos sumo-sacerdotes, Louis Blanc e Albert, tinham como tarefa descobrir a terra prometida, pregar o novo evangelho e dar trabalho ao proletariado de Paris. Diferentemente de qualquer poder estatal profano não dispunham nem de orçamento, nem de poder executivo. Era com a cabeça que tinham de derrubar os pilares da sociedade burguesa. Enquanto o Luxemburgo procurava a pedra filosofal, no Hôtel de Ville cunhava-se a moeda em circulação.

E, contudo, as reivindicações do proletariado de Paris, na medida em que ultrapassavam a república burguesa, não podiam alcançar outra existência senão a nebulosa existência do Luxemburgo.

Os operários tinham feito a revolução de Fevereiro juntamente com a burguesia; ao lado da burguesia procuravam fazer valer os seus interesses, tal como tinham instalado um operário no próprio Governo provisório ao lado da maioria burguesa. Organização do trabalho! Mas o trabalho assalariado é a organização burguesa existente do trabalho. Sem ele não há capital, nem burguesia, nem sociedade burguesa. Um ministério especial do Trabalho! Mas os ministérios das Finanças, do Comércio, das Obras Públicas não são eles os ministérios burgueses do trabalho? Ao lado deles, um ministério proletário do trabalho tinha de ser um ministério da impotência, um ministério dos desejos piedosos, uma Comissão do Luxemburgo. Do mesmo modo que os operários acreditaram poder emancipar-se ao lado da burguesia, também julgaram poder realizar uma revolução proletária dentro dos muros nacionais da França, ao lado das restantes nações burguesas. As relações de produção da França, porém, estão condicionadas pelo seu comércio externo, pelo seu lugar no mercado mundial e pelas leis deste. Como é que a França as romperia sem uma guerra revolucionária europeia que tivesse repercussões sobre o déspota do mercado mundial, a Inglaterra?

Uma classe em que se concentram os interesses revolucionários da sociedade encontra imediatamente na sua própria situação, mal se ergue, o conteúdo e o material da sua actividade revolucionária: bater inimigos, lançar mão de medidas ditadas pela necessidade da luta; as consequências dos seus próprios actos empurram-na para diante. Não procede a estudos teóricos sobre a sua própria tarefa. A classe operária francesa não se encontrava ainda neste ponto. Era ainda incapaz de levar a cabo a sua própria revolução.

O desenvolvimento do proletariado industrial está, em geral, condicionado pelo desenvolvimento da burguesia industrial. Só sob a dominação desta ganha a larga existência nacional capaz de elevar a sua revolução a uma revolução nacional; só então cria, ele próprio, os meios de produção modernos que se tornam noutros tantos meios da sua libertação revolucionária. A dominação daquela arranca então as raízes materiais da sociedade feudal e aplana o terreno no qual, e só aí, é possível uma revolução proletária. A indústria francesa é mais evoluída e a burguesia francesa é mais desenvolvida revolucionariamente do que a do resto do continente. Mas a revolução de Fevereiro, não foi ela directamente dirigida contra a aristocracia financeira? Este facto demonstrou que a burguesia industrial não dominava a França. A burguesia industrial só pode dominar onde a indústria moderna dá às relações de propriedade a forma que lhe corresponde. A indústria só pode alcançar este poder onde conquistou o mercado mundial, pois as fronteiras nacionais são insuficientes para o seu desenvolvimento. A indústria francesa, porém, em grande parte, só assegura o seu próprio mercado nacional através de um proteccionismo mais ou menos modificado. Por conseguinte, se o proletariado francês no momento de uma revolução em Paris possui efectivamente força e influência que o estimulam a abalançar-se para além dos seus meios, no resto da França encontra-se concentrado em centros industriais dispersos, quase desaparecendo sob um número muito superior de camponeses e pequenos burgueses. A luta contra o capital, na sua forma moderna desenvolvida, no seu factor decisivo, a luta do operário assalariado industrial contra o burguês industrial, é em França um facto parcial que, depois das jornadas de Fevereiro, podia tanto menos fornecer o conteúdo nacional à revolução quanto a luta contra os modos subordinados da exploração do capital, a luta do camponês contra a usura e a hipoteca, do pequeno burguês contra os grandes comerciantes, banqueiros fabricantes, numa palavra, contra a bancarrota, estava ainda embrulhada na sublevação geral contra a aristocracia financeira. Portanto, é mais do que explicável que o proletariado de Paris procurasse fazer valer o seu interesse ao lado do da burguesia, em vez de o fazer valer como o interesse revolucionário da própria sociedade, que deixasse cair a bandeira vermelha diante da tricolor[N114] Os operários franceses não podiam dar um único passo em frente, tocar num só cabelo da ordem burguesa, enquanto o curso da revolução não tivesse revoltado a massa da nação situada entre o proletariado e a burguesia, os camponeses e os pequenos burgueses, contra esta ordem, contra a dominação do capital, e a não tivesse obrigado a juntar-se aos proletários como seus combatentes de vanguarda. Só à custa da tremenda derrota de Junho[N43] puderam os operários alcançar esta vitória.

À Comissão do Luxemburgo, essa criação dos operários de Paris, cabe o mérito de ter revelado, de uma tribuna europeia, o segredo da revolução do século XIX: a emancipação do proletariado. O Moniteur(115*) corou quando teve de propagar oficialmente os "extravagantes devaneios" que até então tinham estado enterrados nos escritos apócrifos dos socialistas e que apenas de quando em quando, como lendas remotas, meio assustadoras, meio ridículas, feriam os ouvidos da burguesia. A Europa acordou sobressaltada da sua modorra burguesa. Na ideia dos proletários, que confundiam a aristocracia financeira com a burguesia em geral; na imaginação pedante dos republicanos bem-pensantes, que negavam a própria existência das classes ou, quando muito, a admitiam como consequência da monarquia constitucional; na fraseologia hipócrita das fracções burguesas até esse momento excluídas do poder — fora abolida a dominação da burguesia com a instauração da República. Todos os realistas [Royalisten] se converteram então em republicanos e todos os milionários de Paris em operários. A frase que correspondia a esta imaginária abolição das relações entre classes era fraternité, a fraternidade universal, o amor entre irmãos. Esta cómoda abstracção dos antagonismos de classes, esta conciliação sentimental dos interesses de classe contraditórios, esta visionária elevação acima da luta de classes, a fraternité era na verdade a palavra-chave da revolução de Fevereiro. As classes estavam divididas por um simples mal-entendido. Em 24 de Fevereiro, Lamartine baptizou assim o Governo provisório: "un gouvernement qui suspend ce matenlendu terrible qui existe entre les différentes classes"(15*).O proletariado de Paris regalou-se nesta generosa embriaguez de fraternidade.

Por seu lado, o Governo provisório, uma vez forçado a proclamar a república, tudo fez para a tornar aceitável pela burguesia e pelas províncias. Os terrores sangrentos da primeira república francesa[N116] foram obviados por meio da abolição da pena de morte por crimes políticos; a imprensa foi aberta a todas as opiniões; o exército, os tribunais e a administração permaneceram, com poucas excepções, nas mãos dos seus antigos dignitários; nenhum dos grandes culpados da monarquia de Julho foi chamado a prestar contas. Os republicanos burgueses do National divertiam-se a trocar nomes e trajos monárquicos por velhos nomes e trajos republicanos. Para eles a república não passava de um novo trajo de baile para a velha sociedade burguesa. A jovem república procurava o seu principal mérito em não assustar ninguém, antes assustando-se constantemente, cedendo, não resistindo, a fim de, com a sua falta de resistência assegurar existência à sua existência e desarmar a resistência. Foi dito bem alto, no interior, às classes privilegiadas, e às potências despóticas, no exterior, que a república era de natureza pacífica. O seu lema era, diziam, viver e deixar viver. A isto acrescentou-se que, pouco tempo depois da revolução de Fevereiro, os alemães, os polacos, os austríacos, os húngaros e os italianos se revoltaram, cada povo de acordo com a sua situação imediata. A Rússia, ela própria agitada, e a Inglaterra, esta última intimidada, não estavam preparadas. Por conseguinte, a república não encontrou perante si nenhum inimigo nacional. Não havia, pois, nenhumas complicações externas de grande monta que pudessem inflamar energias, acelerar o processo revolucionário, impelir para a frente o Governo provisório ou atirá-lo pela borda fora. O proletariado de Paris, que via na república a sua própria obra, aclamava, naturalmente, todos os actos do Governo provisório que faziam com que este se afirmasse com mais facilidade na sociedade burguesa. Deixou de bom grado que Caussidière o empregasse nos serviços da polícia a fim de proteger a propriedade em Paris tal como deixou Louis Blanc apaziguar os conflitos salariais entre operários e mestres. Fazia point d'honneur(16*) em manter intocada aos olhos da Europa a honra burguesa da república.

Nem do exterior nem do interior a república encontrou resistência. Foi isto que a desarmou. A sua tarefa já não consistia em transformar revolucionariamente o mundo, consistia apenas em se adaptar às condições da sociedade burguesa. As medidas financeiras do Governo provisório são o mais eloquente exemplo do fanatismo com que este se encarregou dessa tarefa.

Tanto o crédito público como o crédito privado estavam, naturalmente, abalados. O crédito público assenta na confiança com que o Estado se deixa explorar pelos judeus da finança. Contudo, o velho Estado tinha desaparecido e a revolução tinha sido sobretudo dirigida contra a aristocracia financeira. As oscilações da última crise comercial europeia ainda não se tinham dissipado. As bancarrotas ainda se seguiam umas às outras.

Por conseguinte, antes de rebentar a revolução de Fevereiro o crédito privado estava paralisado, a circulação obstruída, a produção interrompida. A crise revolucionária intensificou a comercial. E se o crédito privado se apoia na confiança de que a produção burguesa em toda a extensão, de que a ordem burguesa permanecem intocadas e intocáveis, como havia de actuar uma revolução que punha em questão os fundamentos da produção burguesa, a escravidão económica do proletariado, uma revolução que, perante a Bolsa, erguia a esfinge do Luxemburgo? O levantamento do proletariado é a abolição do crédito burguês pois é a abolição da produção burguesa e da sua ordem. O crédito público e o crédito privado são o termómetro económico pelo qual se pode medir a intensidade de uma revolução. No mesmo grau em que estes descem, sobem o ardor e a força criadora da revolução.

O Governo provisório queria despojar a república da sua aparência antiburguesa. Por isso, tinha, sobretudo, de procurar garantir o valor de troca desta nova forma de Estado, a sua cotação na Bolsa. Com o preço corrente da república na Bolsa o crédito privado voltou necessariamente a subir.

Para afastar até a suspeita de que não queria ou não podia honrar as obrigações contraídas pela monarquia, para dar crédito à moral burguesa e à solvência da república, o Governo provisório recorreu a uma fanfarronice tão indigna quanto pueril: antes do prazo de pagamento fixado por lei o Governo provisório pagou aos credores do Estado os juros de 5%, 41/2% e 4%. A proa burguesa, a jactância dos capitalistas despertaram subitamente ao verem a pressa escrupulosa com que se procurava comprar-lhes a confiança.

Naturalmente os embaraços pecuniários do Governo provisório não se reduziam por meio de um golpe de teatro que o privava do dinheiro à vista disponível. Já não se podia ocultar por mais tempo os apuros financeiros e foram pequenos burgueses, criados e operários quem teve de pagar a agradável surpresa que se havia proporcionado aos credores do Estado.

As cadernetas de depósito de mais de 100 francos foram declaradas não convertíveis em dinheiro. Os montantes depositados nas Caixas Económicas foram confiscados e transformados, por decreto, em dívida do Estado não amortizável. O pequeno burguês, já de si em apuros, exasperou-se contra a república. Ao receber títulos de dívida pública em vez da caderneta, via-se obrigado a vendê-los na Bolsa e, assim, a entregar-se directamente nas mãos dos judeus da Bolsa contra os quais fizera a revolução de Fevereiro.

A aristocracia financeira, que dominara na monarquia de Julho, tinha na Banca a sua Igreja Episcopal. A Bolsa rege o crédito do Estado como a Banca o crédito comercial.

Ameaçada directamente pela revolução de Fevereiro, não só na sua dominação como na sua existência, a Banca procurou desde o princípio desacreditar a república generalizando a falta de crédito. De um momento para o outro recusou o crédito aos banqueiros, aos fabricantes e aos comerciantes. Esta manobra, ao não provocar imediatamente uma contra-revolução, virou-se necessariamente contra a própria Banca. Os capitalistas levantaram o dinheiro que tinham depositado nos cofres dos bancos. As pessoas que tinham papel-moeda acorreram às caixas para o trocar por ouro e prata.

O Governo provisório podia, legalmente, sem ingerência violenta, forçar a Banca à bancarrota; tinha apenas de se comportar passivamente e abandonar a Banca ao seu destino. A bancarrota da Banca — isso teria sido o dilúvio que, num abrir e fechar de olhos, varreria do solo francês a aristocracia financeira, a mais poderosa e perigosa inimiga da república, o pedestal de ouro da monarquia de Julho. E, uma vez a Banca levada à falência, a própria burguesia tinha de considerar como uma última e desesperada tentativa de salvação que o governo criasse um banco nacional e submetesse o crédito nacional ao controlo da nação.

O Governo provisório, pelo contrário, deu às notas de Banco curso forçado. E mais. Transformou todos os bancos provinciais em filiais do Banque de France fazendo assim com que este lançasse a sua rede por toda a França. Mais tarde, como garantia de um empréstimo que contraiu junto dele, hipotecou-lhe as matas do Estado. Deste modo, a revolução de Fevereiro reforçou e alargou imediatamente a bancocracia que a havia de derrubar.

Entretanto, o Governo provisório vergava-se sob o pesadelo de um défice crescente. Em vão mendigava sacrifícios patrióticos. Apenas os operários lhe atiravam esmolas. Era necessário um rasgo de heroísmo, o lançamento de um novo imposto. Mas lançar impostos sobre quem? Sobre os tubarões da Bolsa, os reis da Banca, os credores do Estado, os rentiers(17*). os industriais? Não era este o meio da república cativar as simpatias da burguesia. Isto significava, por um lado, fazer perigar o crédito do Estado e o crédito comercial enquanto, por outro, se procurava obtê-los com tão pesados sacrifícios e humilhações. Mas alguém tinha de pagar a factura. E quem foi sacrificado ao crédito burguês? Jacques le bonhomme(18*), o camponês.

O Governo provisório lançou um imposto adicional de 45 cêntimos por franco sobre os quatro impostos directos. A imprensa do governo fez crer ao proletariado parisiense que este imposto recaía preferencialmente sobre a grande propriedade fundiária, sobre os detentores dos mil milhões concedidos pela Restauração[N117]. Na verdade, porém, esse imposto atingia sobretudo a classe camponesa, isto é, a grande maioria do povo francês. Os camponeses tiveram de pagar as custas da revolução de Fevereiro, neles a contra-revolução ganhou o seu material mais importante. O imposto de 45 cêntimos era uma questão de vida ou de morte para o camponês francês e este fez dele uma questão de vida ou de morte para a república. A partir desse momento, para o camponês, a república era o imposto dos 45 cêntimos, e no proletariado de Paris ele via o perdulário que vivia regalado à sua custa.

Enquanto a revolução de 1789 começou por sacudir dos camponeses os fardos do feudalismo, a revolução de 1848, para não pôr o capital em perigo e manter em funcionamento a sua máquina de Estado, anunciou-se com um novo imposto sobre a população camponesa.

O Governo provisório apenas por um meio podia remover todos estes estorvos e arrancar o Estado do seu antigo caminho: pela declaração da bancarrota do Estado. Recorde-se como, depois, Ledru-Rollin na Assembleia Nacional, recitou a virtuosa indignação com que rejeitou a pretensão do judeu da Bolsa Fould, actualmente ministro das Finanças em França. Fould tinha-lhe estendido a maçã da árvore da ciência.

Ao reconhecer as letras de câmbio que a velha sociedade burguesa sacara sobre o Estado, o Governo provisório pusera-se a sua mercê. Tinha-se tornado num acossado devedor da sociedade burguesa em vez de se lhe impor como credor ameaçador que tinha de cobrar dívidas revolucionárias de muitos anos. Teve de reforçar as vacilantes relações burguesas para cumprir obrigações que só dentro dessas relações têm de ser satisfeitas. O crédito tornou-se a sua condição de existência e as concessões ao proletariado, as promessas que lhe havia feito, outras tantas cadeias que era preciso romper. A emancipação dos operários — mesmo como mera frase — tornou-se um perigo insuportável para a nova república, pois constituía um contínuo protesto contra o restabelecimento do crédito que assenta no reconhecimento imperturbado e inconturbado das relações económicas de classe vigentes. Era preciso, pois, acabar-se com os operários.

A revolução de Fevereiro tinha atirado o exército para fora de Paris. A Guarda Nacional, isto é, a burguesia nas suas diferentes gradações, constituía a única força. Contudo, não se sentia suficientemente forte para enfrentar o proletariado. Além disso, fora obrigada, ainda que opondo a mais tenaz das resistências e levantando inúmeros obstáculos, a abrir, pouco a pouco, e em pequena escala, as suas fileiras e a deixar que nelas entrassem proletários armados. Restava, portanto, apenas uma saída: opor uma parte do proletariado à outra.

Para esse fim o Governo provisório formou 24 batalhões de Guardas Móveis, cada um deles com mil homens, cujas idades iam dos 15 aos 20 anos. Na sua maioria pertenciam ao lumpenproletariado, que em todas as grandes cidades constitui uma massa rigorosamente distinta do proletariado industrial, um centro de recrutamento de ladrões e criminosos de toda a espécie que vivem da escória da sociedade, gente sem ocupação definida, vagabundos, gens sans feu et sans aveu(19*), variando segundo o grau de cultura da nação a que pertencem, não negando nunca o seu carácter de lazzaroni[N118]; capazes, na idade juvenil em que o Governo provisório os recrutava, uma idade totalmente influenciável, dos maiores heroísmos e dos sacrifícios mais exaltados como do banditismo mais repugnante e da corrupção mais abjecta. O Governo provisório pagava-lhes 1 franco e 50 cêntimos por dia, isto é, comprava-os. Dava-lhes um uniforme próprio, isto é, distinguia-os exteriormente dos homens de blusa de operário. Para seus chefes eram-lhe impostos, em parte, oficiais do exército permanente, em parte, eram eles próprios que elegiam jovens filhos da burguesia que os cativavam com as suas fanfarronadas sobre a morte pela Pátria e a dedicação à República.

Assim, contrapôs-se ao proletariado de Paris, e recrutado no seu próprio seio, um exército de 24 000 jovens robustos e audaciosos. O proletariado saudou com vivas a Guarda Móvel nos seus desfiles pelas ruas de Paris. Reconhecia nela os seus campeões nas barricadas. Via nela a guarda proletária em oposição à Guarda Nacional burguesa. O seu erro era perdoável.

A par da Guarda Móvel o governo decidiu ainda rodear-se dum exército industrial de operários. O ministro Marie recrutou para as chamadas oficinas nacionais cem mil operários que a crise e a revolução haviam atirado para a rua. Debaixo daquela pomposa designação não se escondia senão a utilização dos operários para aborrecidas, monótonas e improdutivas obras de aterro a um salário diário de 23 sous. Workhouses[N119] inglesas ao ar livre — estas oficinas nacionais não eram mais do que isto. O Governo provisório pensava que com elas tinha criado um segundo exército proletário contra os próprios operários. Desta vez, a burguesia enganou-se com as oficinas nacionais como os operários se tinham enganado com a Guarda Móvel. O governo tinha criado um exército para o motim.

Um objectivo, porém, fora conseguido.

Oficinas nacionais — este era o nome das oficinas do povo que Louis Blanc pregava no Luxemburgo. As oficinas de Marie, projectadas em oposição directa ao Luxemburgo, ofereciam a oportunidade, graças ao mesmo rótulo, para uma intriga de enganos, digna da comédia espanhola de criados. O próprio Governo provisório fez espalhar à socapa o boato que estas oficinas nacionais eram invenção de Louis Blanc, o que parecia tanto mais crível quanto é certo que Louis Blanc, o profeta das oficinas nacionais, era membro do Governo provisório. E na confusão, meio ingénua, meio intencional, da burguesia de Paris, na opinião, artificialmente mantida, da França, da Europa, estas workhouses eram a primeira realização do socialismo, que com elas era exposto no pelourinho.

Não pelo seu conteúdo, mas pelo seu nome, as oficinas nacionais, eram a encarnação do protesto do proletariado contra a indústria burguesa, o crédito burguês e a república burguesa. Sobre elas recaía portanto todo o ódio da burguesia. A burguesia encontrara ao mesmo tempo nelas o ponto para onde poderia dirigir o ataque logo que estivesse suficientemente robustecida para romper abertamente com as ilusões de Fevereiro. Ao mesmo tempo todo o mal-estar, todo o descontentamento dos pequenos burgueses dirigia-se contra estas oficinas nacionais, o alvo comum. Com verdadeira raiva calculavam as somas que os madraços dos proletários devoravam, enquanto a sua própria situação se tornava, dia a dia, mais insustentável. Uma pensão do Estado para um trabalho fingido, eis o socialismo! — resmungavam. As oficinas nacionais, os discursos do Luxemburgo, os desfiles dos operários através de Paris — era nisso que eles procuravam as razões da sua miséria. E ninguém era mais fanático contra as pretensas maquinações dos comunistas do que o pequeno-burguês que, sem salvação, oscilava à beira do abismo da bancarrota.

Assim, nas iminentes escaramuças entre a burguesia e o proletariado, todas as vantagens, todos os postos decisivos, todas as camadas intermédias da sociedade estavam nas mãos da burguesia ao mesmo tempo que sobre todo o continente as ondas da revolução de Fevereiro quebravam com fragor e cada novo correio trazia novos boletins da revolução, ora da Itália, ora da Alemanha, ora dos pontos afastados do sudeste da Europa, mantendo o povo num aturdimento generalizado, trazendo-lhe testemunhos constantes de uma vitória que ele deixara escapar entre os dedos.

O 17 de Março e o 16 de Abril foram as primeiras escaramuças da grande luta de classes que a república burguesa ocultava sob as suas asas.

O 17 de Março revelou a situação ambígua do proletariado, a qual não permitia nenhuma acção decisiva. A sua manifestação tinha originariamente como objectivo obrigar o Governo provisório a regressar à via da revolução e, eventualmente, expulsar os seus membros burgueses e adiar as eleições para a Assembleia Nacional e para a Guarda Nacional. Mas a 16 de Março, a burguesia representada na Guarda Nacional realizou uma manifestação hostil ao Governo provisório. Gritando: À bas Ledru-Rollin!(20*) dirigiu-se em massa ao Hôtel de Ville. E o povo foi obrigado a gritar em 17 de Março: viva Ledru-Rollin! Viva o Governo provisório! Fora obrigado a tomar contra a burguesia o partido da república burguesa, que lhe parecia posta em causa. E reforçou o Governo provisório em vez de o submeter a si. O 17 de Março acabou, pois, por esvaziar-se numa cena melodramática, e embora nesse dia o proletariado de Paris tivesse mais uma vez mostrado o seu gigantesco corpo, a burguesia, tanto dentro como fora do Governo provisório, ficou ainda mais decidida a dar cabo dele.

O 16 de Abril foi um mal-entendido organizado pelo Governo provisório com a colaboração da burguesia. Inúmeros operários tinham-se reunido no Campo de Marte e no Hipódromo a fim de preparar as suas eleições para o Estado-Maior da Guarda Nacional. De repente, com a rapidez de um relâmpago, espalhou-se em Paris inteira, de uma ponta a outra, o boato de que os operários se tinham reunido, armados, no Campo de Marte, sob a direcção de Louis Blanc, Blanqui, Cabet e Raspail, para daí se dirigirem ao Hôtel de Ville, derrubarem o Governo provisório e proclamarem um Governo comunista. Toca a reunir — mais tarde, Ledru-Rollin, Marrast e Lamartine discutiriam entre si a quem coube a honra da iniciativa — e numa hora surgem 100 000 homens em armas; o Hotel de Ville é ocupado em todos os pontos pela Guarda Nacional; o grito: Abaixo os comunistas! Abaixo Louis Blanc, Blanqui, Raspail, Cabet! ressoa em Paris inteira, e o Governo provisório é alvo de homenagens por parte de incontáveis delegações, todas elas prontas a salvar a Pátria e a sociedade. Quando, por fim, os operários aparecem em frente do Hôtel de Ville para entregar ao Governo provisório uma colecta patriótica que tinham efectuado no Campo de Marte descobrem, com grande espanto seu, que a Paris burguesa, numa luta fictícia montada com extrema prudência, tinha vencido a sua sombra. O terrível atentado do 16 de Abril forneceu o pretexto a que se voltasse a chamar o exército a Paris — o verdadeiro objectivo de toda aquela comédia tão grosseiramente montada — e às manifestações federalistas reaccionárias das províncias.

No dia 4 de Maio reuniu-se a Assembleia Nacional(21*) saída das eleições gerais directas. O sufrágio universal não possuía o poder mágico que os republicanos da velha guarda acreditavam que tinha. Em toda a França, pelo menos na maioria dos franceses, viam eles citoyens(22*) com os mesmos interesses, o mesmo discernimento, etc. Era este o seu culto do povo. Em vez deste povo imaginado, as eleições francesas trouxeram à luz do dia o povo real, isto é, os representantes das diferentes classes em que ele se divide. Vimos por que razão os camponeses e os pequenos burgueses, sob a orientação da belicosa burguesia e dos grandes proprietários fundiários ávidos da restauração, haviam sido obrigados a votar. Contudo, embora o sufrágio universal não fosse a varinha de condão por que os probos republicanos o tinham tomado, possuía o mérito incomparavelmente maior de desencadear a luta de classes, de fazer com que as diferentes camadas médias da sociedade burguesa vivessem rapidamente as suas ilusões e desenganos, de atirar de um só golpe todas as fracções da classe exploradora para o cume do Estado e, assim, arrancar-lhes a enganosa máscara, enquanto a monarquia com o seu censo fazia com que apenas determinadas fracções da burguesia se comprometessem, deixando outras escondidas atrás dos bastidores e envolvendo-as com a auréola de uma oposição comum.

Na Assembleia Nacional Constituinte, que se reuniu no dia 4 de Maio, os republicanos burgueses, os republicanos do National estavam na mó de cima. Até os legitimistas e os orleanistas[N92] só sob a máscara do republicanismo burguês se atreveram a princípio a mostrar-se. Só em nome da República se podia iniciar a luta contra o proletariado.

A República, isto é, a república reconhecida pelo povo francês, data de 4 de Maio e não de 25 de Fevereiro. Não é a república que o proletariado de Paris impôs ao Governo provisório; não é a república com instituições sociais; não é o sonho que pairava perante os olhos dos combatentes das barricadas. A república proclamada pela Assembleia Nacional, a única república legítima, é a república que não é uma arma revolucionária contra a ordem burguesa, antes a reconstituição política desta, a consolidação política da sociedade burguesa, numa palavra: a república burguesa. Esta afirmação ressoou alto da tribuna da Assembleia Nacional e encontrou eco em toda a imprensa burguesa republicana e anti-republicana.

Vimos como, na verdade, a república de Fevereiro não era senão, e não podia deixar de o ser, uma república burguesa; como, porém, o Governo provisório, sob a pressão imediata do proletariado, fora obrigado a anunciá-la como uma república com instituições sociais; como o proletariado parisiense era ainda incapaz de ir além da república burguesa a não ser na representação e na fantasia; como ele agiu ao seu serviço em toda a parte em que verdadeiramente passou à acção; como as promessas que lhe haviam sido feitas se tornaram num perigo insuportável para a nova república; como todo o processo de vida do Governo provisório se resumiu a uma luta contínua contra as reivindicações do proletariado.

Na Assembleia Nacional era a França inteira que julgava o proletariado parisiense em tribunal. Ela rompeu imediatamente com as ilusões sociais da república de Fevereiro e proclamou sem rodeios a república burguesa como república burguesa, única e exclusivamente. Expulsou imediatamente da Comissão Executiva, por ela nomeada, os representantes do proletariado, Louis Blanc e Albert. Repudiou a proposta de um ministério do Trabalho especial e recebeu com tempestade de aplausos a declaração do ministro Trélat:

"Trata-se agora apenas de reconduzir o trabalho às suas antigas condições."

Tudo isto, porém, não chegava. A república de Fevereiro fora conquistada pela luta dos operários com a ajuda passiva da burguesia. Os proletários consideravam-se, pois, com razão, os vencedores de Fevereiro e apresentaram as altivas exigências do vencedor. Era preciso que os proletários fossem derrotados na rua, era preciso mostrar-lhes que sucumbiriam logo que combatessem não com a burguesia mas contra a burguesia. Assim como a república de Fevereiro com as suas concessões socialistas tivera necessidade de uma batalha do proletariado unido à burguesia contra a realeza, assim agora se tornava necessária uma nova batalha para separar a república das concessões socialistas, para se conseguir que a república burguesa fosse oficialmente o regime dominante. A burguesia tinha, pois, de, com as armas na mão, se opor às reivindicações do proletariado. E o verdadeiro berço da república burguesa não é a vitória de Fevereiro mas sim a derrota de Junho.

O proletariado acelerou esta decisão quando a 15 de Maio invadiu a Assembleia Nacional e procurou, sem êxito, reconquistar a sua influência revolucionária. Mas apenas obteve como resultado que os seus enérgicos chefes fossem entregues aos carcereiros da burguesia[N120]. Il faut en finir! Esta situação tem de acabar! Com este grito, a Assembleia Nacional exprimia a sua determinação de obrigar o proletariado a uma batalha decisiva. A Comissão Executiva promulgou uma série de decretos provocatórios, como a proibição de ajuntamentos, etc. Do alto da tribuna da Assembleia Nacional Constituinte os operários foram abertamente provocados, insultados, escarnecidos. Mas o verdadeiro ponto de ataque era, como já vimos, as oficinas nacionais. Foi para estas que, numa atitude autoritária, a Assembleia Nacional Constituinte alertou a Comissão Executiva, que apenas estava à espera de ouvir claramente enunciado o seu próprio plano como ordem da Assembleia Nacional.

A Comissão Executiva começou pôr dificultar o ingresso nas oficinas nacionais, por mudar o salário ao dia para salário à peça e a desterrar para Sologne, sob pretexto de executarem obras de aterro, os operários que não fossem naturais de Paris. Essas obras de aterro eram apenas uma fórmula retórica com que se dourava o desterro, tal como os trabalhadores desiludidos que regressavam informavam os seus camaradas. Finalmente no dia 21 de Junho foi publicado um decreto no Moniteur que ordenava a expulsão violenta das oficinas nacionais de todos os operários solteiros ou a sua incorporação no exército.

Aos operários não restava escolha: ou morriam à fome ou iniciavam a luta. Responderam, em 22 de Junho, com a imensa insurreição na qual se travou a primeira grande batalha entre ambas as classes em que se divide a sociedade moderna. Foi uma luta pela manutenção ou destruição da ordem burguesa. O véu que encobria a república rasgou-se.

É conhecido como os operários, dando provas de uma coragem e genialidade inauditas, sem chefes, sem um plano comum, sem meios e sem armas na sua maioria, mantiveram em respeito durante cinco dias o exército, a Guarda Móvel, a Guarda Nacional de Paris e a Guarda Nacional que fora enviada em massa da província. É conhecida a brutalidade inaudita com que a burguesia se desforrou do medo mortal que tinha passado e massacrou mais de 3 000 prisioneiros.

Os representantes oficiais da democracia francesa estavam tão presos à ideologia republicana que só algumas semanas mais tarde começaram a pressentir o significado da luta de Junho. Estavam como que atordoados pelo fumo da pólvora em que a sua república fantástica se desfizera.

Permita-nos o leitor que descrevamos com as palavras da Neue Rheinische Zeitung a impressão imediata que a notícia da derrota de Junho provocou em nós:

"O último resto oficial da revolução de Fevereiro, a Comissão Executiva, diluiu-se como uma fantasmagoria perante a gravidade dos acontecimentos. Os foguetes luminosos de Lamartine transformaram-se nas granadas incendiárias de Cavaignac. A fraternité, a fraternidade das classes opostas, em que uma explora a outra, essa fraternité proclamada em Fevereiro, escrita em letras enormes na fachada de Paris, em cada prisão, em cada quartel — a sua expressão, a sua expressão verdadeira, autêntica, prosaica, é a guerra civil, a guerra civil na sua forma mais terrível, a guerra entre o trabalho e o capital. Esta fraternidade flamejava ainda diante de todas as janelas de Paris na noite de 25 de Junho, quando a Paris da burguesia se iluminava e a Paris do proletariado ardia, gemia e se esvaía em sangue. Esta fraternidade só durou enquanto o interesse da burguesia esteve irmanado com o interesse do proletariado. Pedantes da velha tradição revolucionária de 1793; doutrinários socialistas, que mendigavam à burguesia para o povo e a quem se permitiu longas discursatas e comprometerem-se enquanto foi necessário embalar o leão proletário; republicanos, que exigiam toda a velha ordem burguesa, descontada a cabeça coroada; oposicionistas dinásticos aos quais o destino surpreendeu com a queda de uma dinastia em vez da substituição de um ministério; legitimistas que não queriam atirar fora a libré mas somente alterar-lhe o corte — eram estes os aliados com os quais o povo fizera o seu Fevereiro... A revolução de Fevereiro foi a revolução bela, a revolução da simpatia universal, porque as oposições que nela eclodiram contra a realeza se encontraram uma ao lado da outra, tranquilamente adormecidas, não desenvolvidas, porque a luta social que constituía o seu pano de fundo apenas tinha obtido uma existência de ar, a existência da frase, da palavra. A revolução de Junho é a revolução feia, a revolução repugnante, porque o acto substituiu a palavra, porque a república pôs a descoberto a cabeça do próprio monstro ao derrubar a coroa que o protegia e ocultava. Ordem! era o grito de guerra de Guizot. Ordem! grita Sébastiani, o Guizotista, quando Varsóvia ficou nas mãos dos russos. Ordem! grita Cavaignac, o eco brutal da Assembleia Nacional Francesa e da burguesia republicana. Ordem! troava a sua metralha ao despedaçar o corpo dos proletários. Nenhuma das numerosas revoluções da burguesia francesa desde 1789 fora um atentado contra a ordem, pois todas deixavam de pé a dominação de classe, a escravidão dos operários, a ordem burguesa, muito embora a forma política dessa dominação e dessa escravidão mudasse. Junho tocou nessa ordem. Ai de ti Junho!" (N. Rh. Z, 29 de Junho de 1848.)(23*)

Ai de ti Junho! responde o eco europeu.

O proletariado de Paris foi obrigado pela burguesia à insurreição de Junho. Já nisto havia a sentença que o condenava. Nem a sua necessidade imediata e confessada o levava a querer derrubar violentamente a burguesia, nem estava à altura de tal tarefa. O Moniteur teve de fazer-lhe saber oficialmente que o tempo em que a república se vira obrigada a prestar homenagem às suas ilusões já tinha passado, e só a sua derrota o convenceu desta verdade: que, no seio da república burguesa, a mais pequena melhoria da sua situação é uma utopia, uma utopia que passa a ser crime logo que queira realizar-se. Em vez das reivindicações exaltadas na forma, mas mesquinhas no conteúdo e mesmo ainda burguesas, cuja satisfação ele queria forçar a república de Fevereiro a conceder, surgia agora a audaciosa palavra de ordem revolucionária: Derrube da burguesia! Ditadura da classe operária!

Ao transformar o seu lugar de morte em lugar de nascimento da república burguesa, o proletariado obrigou-a ao mesmo tempo a manifestar-se na sua forma pura como Estado, cujo objectivo confesso é eternizar a dominação do capital e a escravidão do trabalho. Não tirando os olhos do inimigo cheio de cicatrizes, irreconciliável e invencível — invencível porque a sua existência é a condição da própria vida dela — a dominação burguesa, livre de todas as peias, tinha que imediatamente descambar no terrorismo burguês. Com o proletariado provisoriamente afastado do palco, com a ditadura burguesa reconhecida oficialmente, as camadas médias da sociedade burguesa, a pequena burguesia e a classe dos camponeses tiveram de se ligar cada vez mais ao proletariado na medida em que a sua situação se tornava mais insuportável e a sua oposição em relação à burguesia se tornava mais dura. Tinha agora de encontrar a razão das suas misérias na derrota daquele tal como outrora a haviam encontrado no seu ascenso.

Quando por toda a parte no continente a insurreição de Junho elevou a consciência de si própria da burguesia e a fez estabelecer abertamente uma aliança com a realeza feudal contra o povo, quem foi a primeira vítima dessa aliança? A própria burguesia continental. A derrota de Junho impediu-a de consolidar a sua dominação e de imobilizar o povo, meio satisfeito e meio melindrado, no escalão subalterno da revolução burguesa.

Finalmente, a derrota de Junho revelou às potências despóticas da Europa o segredo de que a França tinha de manter a todo o custo a paz com o exterior a fim de no interior levar a cabo a guerra civil. Assim, os povos que tinham iniciado a luta pela sua independência nacional foram abandonados à prepotência da Rússia, da Áustria e da Prússia, mas, ao mesmo tempo, o destino destas revoluções nacionais ficava sujeito à sorte da revolução proletária e despojado da sua aparente autonomia, da sua independência face à grande transformação social. O húngaro não será livre, nem o polaco, nem o italiano enquanto o operário for escravo!

Por fim, com as vitórias da Santa Aliança, a Europa adquiriu uma forma que faz imediatamente coincidir cada nova sublevação proletária em França com uma guerra mundial. A nova revolução francesa é obrigada a deixar imediatamente o solo nacional e a conquistar o terreno europeu, o único em que a revolução social do século XIX pode ser levada a cabo.

Portanto, só através da derrota de Junho foram criadas todas as condições no seio das quais a França pode tomar a iniciativa da revolução europeia. Só empapada no sangue dos insurrectos de Junho a tricolor se tornou bandeira da revolução europeia — bandeira vermelha!

E nós gritamos: A revolução morreu! Viva a revolução!


Notas de rodapé:

(1*) Em francês no texto: edifício da Câmara Municipal. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)

(2*) Em francês no texto: compadre, cúmplice.. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Em francês no texto: país legal, isto é: aqueles que tinham direito de voto. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(4*) Em francês no texto: designação para cafés e tabernas de má nota em Paris. (retornar ao texto)

(5*) Em francês no texto: crapuloso. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(6*) Em francês no texto: Abaixo os grandes ladrões! Abaixo os assassinos! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(7*) * Em francês no texto: A dinastia Rothschild, Os judeus reis da época. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(8*) Em francês no texto: Nada em troco da glória! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(9*) Em francês no texto: A paz em toda a parte e sempre! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(10*) Anexação de Cracóvia pela Áustria, de acordo com a Rússia e a Prússia, 11 de Novembro de 1846. Guerra suíça do Sonderbund, 4/28 de Novembro de 1847. Insurreição de Palermo, 12 de Janeiro de 1848. Fim de Janeiro, bombardeamento da cidade durante nove dias pelos napolitanos. (Nota de Engels à edição de 1895.) (retornar ao texto)

(11*) Em francês no texto: escroques. (Nota da edição portuguesa. (retornar ao texto)

(12*) Em francês no texto: merceeiros. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(13*) Em francês no texto: lojistas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(14*) Em francês no texto: República Francesa! Liberdade, Igualdade, Fraternidade! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(15*) Em francês no texto: "um governo que acaba com esse mal-entendido terrível que existe entre as diferentes classes". (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(16*) Em francês no texto: questão de honra. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(17*) Em francês no texto: os que possuem ou vivem de rendimentos. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(18*) Em francês no texto: Jacques o simples, nome depreciativo com que os nobres designavam os camponeses em França. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(19) Em francês no texto: gente sem pátria e sem lar. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(20*) Em francês no texto: Abaixo Ledru-Rollin! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(21*) Aqui e até à p. 257 entende-se por Assembleia Nacional a Assembleia Nacional Constituinte que funcionou de 4 de Maio de 1848 até Maio de 1849. (retornar ao texto)

(22*) Em francês no texto: cidadãos. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(23*) Ver o artigo de Karl Marx «A Revolução de Junho». (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N43] Insurreição de Junho: heróica insurreição dos operários de Paris em 23-26 de Junho de 1848, esmagada com excepcional crueldade pela burguesia francesa. Esta insurreição foi a primeira grande guerra civil da história entre o proletariado e a burguesia. (retornar ao texto)

[N59] Legitímistas: partidários da dinastia «legítima» dos Bourbons, derrubada em 1830, que representava os interesses dos detentores de grandes propriedades fundiárias hereditárias. Na luta contra a dinastia reinante dos Orleães (1830-1848), que se apoiava na aristocracia financeira e na grande burguesia, uma parte dos legitimistas recorria frequentemente à demagogia liberal, apresentando-se como defensores dos trabalhadores contra os exploradores burgueses. (retornar ao texto)

[N64] Em Fevereiro de 1846 foi preparada a insurreição nas terras polacas com vista à libertação nacional da Polónia. Os principais iniciadores da insurreição foram os democratas revolucionários polacos (Dembowski e outros). No entanto, em resultado da traição dos elementos da nobreza e da prisão dos dirigentes da insurreição pela policia prussiana, a insurreição geral não se realizou e verificaram-se apenas explosões revolucionárias isoladas. Só em Cracóvia, submetida desde 1815 ao controlo conjunto da Áustria, da Rússia e da Prússia, os insurrectos conseguiram alcançar a vitória em 22 de Fevereiro e criar um Governo Nacional, que publicou um manifesto sobre a abolição das cargas feudais. A insurreição em Cracóvia foi esmagada no começo de Março de 1846. Em Novembro de 1846 a Áustria, a Prússia e a Rússia subscreveram um tratado sobre a integração de Cracóvia no Império Austríaco. (retornar ao texto)

[N80] Santa Aliança: agrupamento reaccionário dos monarcas europeus, fundada em 1815 pela Rússia tsarista, pela Áustria e pela Prússía para esmagar os movimentos revolucionários de alguns países e manter neles regimes monarco-feudais. (retornar ao texto)

[N92] Trata-se dos dois partidos monárquicos da burguesia francesa na primeira metade do século XIX: os legitimistas e os orleanistas.
Orleanisías: partidários dos duques de Orleães, ramo secundário da dinastia dos Bourbons, que se mantiveram no poder desde a revolução de Julho de 1830 até serem derrubados pela revolução de 1848; representavam os interesses da aristocracia financeira e da grande burguesia.

No período da Segunda República (1848-1851) ambos os agrupamentos monárquicos constituíram o núcleo do "partido da ordem", partido conservador unificado. (retornar ao texto)

[N97] Guarda Nacional: milícia voluntária civil armada, com comandos eleitos, que existiu em França e em alguns outros Estados da Europa ocidental. Foi criada pela primeira vez em França em 1789, no início da revolução burguesa; existiu com intervalos até 1871. Em 1870-1871, a Guarda Nacional de Paris, para a qual entraram, nas condições da guerra franco-prussiana, amplas massas democratas, desempenhou um grande papel revolucionário. Criado em Fevereiro de 1871, o Comité Central da Guarda Nacional encabeçou a insurreição proletária de 18 de Março de 1871 e no período inicial da Comuna de Paris de 1871 exerceu (até 28 de Março) as funções de primeiro governo proletário da história. Depois do esmagamento da Comuna de Paris a Guarda Nacional foi dissolvida. (retornar ao texto)

[N106] Trata-se da revolução burguesa de 1830, em resultado da qual foi derrubada a dinastia dos Bourbons. (retornar ao texto)

[N107] O duque de Orleães ocupou o trono francês com o nome de Luís Filipe. (retornar ao texto)

[N108] Em 5 e 6 de Junho de 1832 teve lugar em Paris uma insurreição. Os operários que nela participaram ergueram uma série de barricadas e defenderam-se com grande coragem e firmeza.
Em Abril de 1834 teve lugar uma insurreição de operários em Lião, uma das primeiras acções de massas do proletariado francês. A insurreição, apoiada pelos republicanos numa série de outras cidades, particularmente em Paris, foi cruelmente esmagada.
A insurreição de 12 de Maio de 1839 em Paris, na qual os operários revolucionários desempenharam também um papel principal, foi preparada pela Sociedade das Estações do Ano, sociedade secreta republicano-socialista, sob a direcção de A. Blanqui e A. Barbes; foi reprimida pelas tropas e pela Guarda Nacional. (retornar ao texto)

[N109] Monarquia de Julho: reinado de Luís Filipe (1830-1848), que recebeu a sua designação da revolução de Julho. (retornar ao texto)

[N110] Sonderbund: aliança separada dos sete cantões católicos da Suíça, atrasados do ponto de vista económico; foi concluída em 1843 com o objectivo de se opor às transformações burguesas progressivas na Suíça e para defender os privilégios da Igreja e os jesuítas. A resolução da dieta suíça de Juiho de 1847 sobre a dissolução do Sonderbund serviu de pretexto para que este iniciasse, no começo de Novembro, acções armadas contra os restantes cantões. Em 23 de Novembro de 1847 o exército do Sonderbund foi derrotado pelas tropas do governo federal. Durante a guerra do Sonderbund, as potências reaccionárias da Europa ocidental, que dantes faziam parte da Santa Aliança — a Áustria e a
Prússia — tentaram imiscuir-se nos assuntos suíços em benefício do Sonderbund.   Guizot adoptou  de  facto  uma  posição  de apoio a estas  potências, tomando sob a sua defesa o Sonderbund. (retornar ao texto)

[N111] Em Buzançais (departamento de Indre), na Primavera de 1847, por iniciativa dos operários famintos e dos habitantes das aldeias vizinhas, foram assaltados armazéns de víveres pertencentes a especuladores; isto deu lugar a um sangrento choque da população com a tropa. Os acontecimentos de Buzançais provocaram uma cruel repressão governamental: quatro participantes directos nos acontecimentos foram executados em 16 de Abril de 1847, e muitos outros foram condenados a trabalhos forçados. (retornar ao texto)

[N112] Le National (O Nacional): jornal francês que se publicou em Paris de 1830 a 1851; órgão dos republicanos burgueses moderados. Os mais destacados representantes desta corrente no Governo Provisório eram Marrast, Bastide e Garnier-Pagès. (retornar ao texto)

[N113] La Gazette de France (A Gazeta de França): jornal que se publicou em Paris desde 1631 até aos anos 40 do século XIX; órgão dos legitimistas, partidários da restauração da dinastia dos Bourbons. (retornar ao texto)

[N114] Nos primeiros dias de existência da República Francesa colocou-se a questão da escolha da bandeira nacional. Os operários revolucionários de Paris exigiram que se declarasse insígnia nacional a bandeira vermelha, que foi arvorada nos subúrbios operários de Paris durante a insurreição de Junho de 1832.
Os representantes da burguesia insistiram na bandeira tricolor (azul, branco e vermelho), que foi a bandeira da França no período da revolução burguesa de fins do século XVIII e do Império de Napoleão I. Já antes da revolução de 1848 esta bandeira tinha sido o emblema dos republicanos burgueses, agrupados em torno do jornal Le National. Os representantes dos operários viram-se obrigados a aceder que a bandeira tricolor fosse declarada a bandeira nacional da
República Francesa. No entanto, à haste da bandeira foi acrescentada uma roseta vermelha. (retornar ao texto)

[N115] Le Moniteur universel (O Mensageiro Universal): jornal francês, órgão oficial do governo, publicou-se em Paris de 1789 a 1901. Nas páginas do Moniteur eram obrigatoriamente publicadas as disposições do governo, informações parlamentares e outros materiais oficiais; em 1848 publicavam-se também neste jornal informações sobre as reuniões da Comissão do Luxemburgo. (retornar ao texto)

[N116] A primeira república existiu em França de 1792 a 1804. (retornar ao texto)

[N117] Trata-se da soma destinada pela coroa francesa, em 1825, a compensar os aristocratas, cujos bens foram confiscados durante a revolução burguesa francesa de fins do século XVIII. (retornar ao texto)

[N118] Lazzaroni: alcunha dada em Itália aos lumpenproletários, aos elementos desclassificados;  os  lazzaroni eram frequentemente utilizados  pelos círculos monárquico-reaccionários na luta contra o movimento democrático e liberal. (retornar ao texto)

[N119] Segundo a "lei sobre os pobres" inglesa, só era admitida uma forma de ajuda aos pobres: o seu alojamento em casas de trabalho (workhouses), com um regime prisional; os operários realizavam aí trabalhos improdutivos, monótonos e extenuantes; estas casas de trabalho foram designadas pelo povo de "bastilhas para os pobres". (retornar ao texto)

[N120] Em 15 de Maio de 1848, durante uma manifestação popular, os operários e artesãos de Paris penetraram na sala de sessões da Assembleia Constituinte, declararam-na dissolvida e formaram um governo revolucionário. No entanto, os manifestantes foram rapidamente dispersos pela Guarda Nacional e pela tropa. Os dirigentes dos operários (Blanqui, Barbes, AlbertRaspail, Sobrier e outros) foram presos. (retornar ao texto)

Inclusão 13/05/2008