Salário, Preço e Lucro

Karl Marx


3. Salários e Dinheiro


No segundo dia de debate, nosso amigo Weston vestiu as suas velhas afirmativas com novas formas. Disse ele: Ao verificar-se uma alta geral dos salários em dinheiro, será necessária maior quantidade de moeda corrente para pagar os ditos salários. Sendo fixa a quantidade de moeda em circulação, como podeis pagar com esta soma fixa de moeda circulante um montante maior de salários em dinheiro? Primeiro, a dificuldade surgia de que, embora subisse o salário em dinheiro do operário, a quantidade de mercadorias que lhe cabia era fixa; e agora surge do aumento de salários em dinheiro, a despeito do volume fixo de mercadorias. Naturalmente, se rejeitardes o seu dogma original, desaparecerão também as dificuldades dele resultantes.

Vou demonstrar, contudo, que este problema da moeda não tem absolutamente nada a ver com o tema em questão.

No vosso país, o mecanismo dos pagamentos está muito mais aperfeiçoado do que em qualquer outro país da Europa. Graças à extensão e à concentração do sistema bancário, necessita-se de muito menos moeda para por em circulação a mesma quantidade de valores e realizar o mesmo ou um maior número de negócios,. No que, por exemplo, concerne aos salários, o operário fabril inglês entrega semanalmente o seu salário ao vendeiro, que semanalmente o envia ao banqueiro, o qual o devolve semanalmente ao fabricante, que volta a pagá-lo a seus operários, e assim por diante. Graças a este processo o salário anual de um operário que se eleva, vamos supor, a 52 libras esterlinas, pode ser pago com um único soberano(1), que todas as semanas percorra o mesmo ciclo. Na própria Inglaterra, este mecanismo de pagamento não é tão perfeito como na Escócia, nem apresenta a mesma perfeição em todos os lugares; por isso vemos que, por exemplo, em alguns distritos agrícolas, comparados com os distritos fabris, muito mais moeda é necessária para fazer circular um menor volume de valores.

Se atravessardes a Mancha, observareis que no Continente os salários em dinheiro são muito mais baixos do que na Inglaterra e, apesar disso, na Alemanha, na Itália, na Suíça e na França, estes salários são postos em circulação mediante uma quantidade muito maior de moeda. O mesmo soberano não é interceptado com tanta rapidez pelo banqueiro, nem retorna com tanta presteza ao capitalista industrial; por isso, em vez de um soberano fazer circular 52 libras anualmente, talvez sejam necessários três soberanos para movimentar um salário anual no montante de 25 libras. Deste modo, no comparar os países do Continente com a Inglaterra, vereis em seguida que salários baixos em dinheiro podem exigir, para a sua circulação, quantidades muito maiores de moeda do que salários altos e que isso, na realidade, é uma questão meramente técnica e, como tal, estranha ao nosso assunto.

De acordo com os melhores cálculos que conheço, a renda anual da classe operária deste país pode ser estimada nuns 250 milhões de libras esterlinas. Esta soma imensa se põe em circulação com uns 3 milhões de libras. Suponhamos que se verifique um aumento de salários de 50 por cento. Em vez de 3 milhões seriam precisos 4 milhões e meio de libras em dinheiro circulante. Como uma parte considerável dos gastos diários do operário é coberta em prata e cobre, isto é, em meros signos monetários, cujo valor relativo ao ouro é arbitrariamente fixado por lei, tal como o papel-moeda inconversível, resulta que essa alta de 50 por cento nos salários em dinheiro exigiria, em caso extremo, a circulação adicional, digamos, de um milhão de soberanos. Lançar-se-ia em circulação um milhão, que está inativo, em barras de ouro ou em metal amoedado, nos subterrâneos do Banco da Inglaterra ou de bancos particulares. Poder-se-ia inclusive poupar-se, e efetivamente se pouparia, o insignificante gasto na cunhagem suplementar, ou o maior desgaste deste milhão de moedas, se a necessidade de aumentar a moeda em circulação ocasionasse algum desgaste. Todos vós sabeis que a moeda deste país se divide em dois grandes grupos. Uma parte, suprida em notas de banco de diversas categorias, é usada nas transações entre comerciantes, e também entre comerciantes e consumidores, para saldar os pagamentos mais importantes; enquanto outra parte do meio circulante, a moeda metálica, circula no comércio varejista. Conquanto distintas, estas duas classes de moeda misturam-se e combinam-se mutuamente. Assim, as moedas de ouro circulam em boa proporção, inclusive em pagamentos importantes, para cobrir as quantias fracionárias inferiores a 5 libras. Se amanhã se emitissem notas de 4 libras, de 3 libras ou de 2 libras, o ouro que enche, estes canais de circulação seria imediatamente expulso deles, refluindo para os canais em que fosse necessário a fim de atender ao aumento dos salários em dinheiro. Com este processo poderia ser mobilizado o milhão adicional exigido por um aumento de 50 por cento nos salários, sem que se acrescentasse um único soberano ao meio circulante. E o mesmo resultado seria obtido sem que fosse preciso emitir uma só nota de banco adicional, com o simples aumento de circulação de letras de câmbio, conforme ocorreu no Lancashire, durante muito tempo.

Se uma elevação geral da taxa de salários, vamos dizer, de uns 100 por cento, como supõe o cidadão Weston relativamente aos salários agrícolas, provocasse uma grande alta nos preços dos artigos de primeira necessidade e exigisse, segundo os seus conceitos, uma soma adicional de meios de pagamento, que não se poderia conseguir logo, uma redução geral de salários deveria provocar o mesmo resultado em idêntica proporção, se bem que em sentido contrário. Pois bem, sabeis todos que os anos de 1858 a 1860 foram os mais favoráveis para a indústria algodoeira e que, sobretudo, o ano de 1860 ocupa a este respeito um lugar único nos anais do comércio; foi também um ano de grande prosperidade para os outros ramos industriais. Em 1860, os salários dos operários do algodão e dos demais trabalhadores relacionados com esta indústria chegaram ao seu ponto mais elevado até então. Veio, porém, a crise norte-americana e todos estes salários viram-se de pronto reduzidos aproximadamente à quarta parte do seu montante anterior. Em sentida inverso isto teria significado um aumento de 300 por cento. Quando os salários sobem de 5 para 20 xelins dizemos que sobem 300 por cento; se baixam de 20 para 5, dizemos que caem 75 por cento, mas a quantia do ascenso, num caso, e da baixa, no outro, é a mesma, a saber: 15 xelins. Sobreveio, assim, uma repentina mudança nas taxas dos salários, como jamais se conhecera anteriormente, e essa mudança afetou um número de operários que, - não incluindo apenas aqueles que trabalham diretamente na indústria algodoeira, mas também os que indiretamente dependiam desta indústria -, excedia em cerca de metade o número de trabalhadores agrícolas. Acaso baixou o preço do trigo? Ao contrário, subiu de 47 xelins e 8 pence(2), por quarter, preço médio no triênio de 1858-1860, para 55 xelins e 10 pence o quarter, segundo a média anual referente ao triênio de 1861-1863. Pelo que diz respeito aos meios de pagamento, durante o ano de 1861, cunharam-se na Casa da Moeda 8 673 232 libras contra 3 378 102 cunhadas em 1860. Vale dizer que em 1861 cunharam-se mais 5 295 130 libras que em 1860. É certo que o volume da circulação de papel-moeda, em 1861, foi inferior em 1 319 000 libras ao de 1860. Mas mesmo deduzindo esta soma, ainda persiste para o ano de 1861 comparado com o ano anterior de prosperidade, 1860, um excesso de moeda no valor de 3 976 130 libras, ou quase 4 milhões; em troca, a reserva de ouro do Banco da Inglaterra neste período de tempo diminuiu; não exatamente na mesma proporção, mas aproximadamente.

Comparai agora o ano de 1862 com o de 1842. Sem contar o formidável aumento do valor e do volume de mercadorias em circulação, o capital desembolsado apenas para cobrir as transações regulares de ações, empréstimos, etc., de valores das ferrovias, ascendeu, na Inglaterra e Gales, em 1862, à soma de 320 milhões de libras esterlinas, cifra que em 1842 parecia fabulosa. E no entanto as somas globais de moeda foram aproximadamente as mesmas nos anos de 1862 e 1842; e, em termos gerais, haveis de verificar, ante um aumento enorme de valor não só das mercadorias como em geral das operações em dinheiro, uma tendência à diminuição progressiva dos meios de pagamento. Do ponto de vista do nosso amigo Weston, isto é um enigma indecifrável.

Se se aprofundasse um pouco mais no assunto, contudo, ele teria visto que, independentemente dos salários e supondo que estes permaneçam invariáveis, o valor e o volume das mercadorias postas em circulação e, em geral, o montante das transações concertadas em dinheiro, variam diariamente; que o montante das notas de banco emitidas varia diariamente; que o montante dos pagamentos efetuados sem ajuda de dinheiro, por meio de letras de câmbio, cheques, créditos escriturais, clearing house(3), etc., varia diariamente; que, na medida em que se necessita efetivamente de moeda metálica, a proporção entre as moedas que circulam e as moedas e lingotes guardados de reserva, ou entesourados nos subterrâneos bancários, varia diariamente; que a soma do ouro absorvido pela circulação nacional e a soma enviada ao estrangeiro para fins de circulação internacional, variam diariamente. Teria percebido que o seu dogma de um volume fixo dos meios de pagamento é um erro monstruoso, incompatível com a realidade cotidiana. Ter-se-ia informado das leis que permitem aos meios de pagamento adaptar-se a condições que variam de maneira tão constante em lugar de converter a sua falsa concepção das leis da circulação monetária em argumento contra o aumento dos salários.