A inspiradora de Luiz Carlos Prestes

Figueiredo Pimentel


X. A revolução paulista


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A bordo começaram a falar da grande novidade do dia. Irrompera a revolução em S. Paulo. Grande agitação. Todos queriam saber das últimas notícias. Os boatos enchiam os ouvidos dos passageiros. E vinham os comentários mais absurdos. Era o principio de uma grande catástrofe. O Exército estava disposto a depôr o governo. Indício da ditadura militar. A terra dos Bandeirantes fora a escolhida para dar o exemplo, para ser o berço da agitação da alma nacional. Todos já esperavam por aquilo. Alguns passageiros contavam vantagens e teciam um hino aos revoltosos. É pena que houvesse partido da classe militar, diziam alguns. Outros asseguravam que o Exército era apenas um coadjuvante, pois a revolução era civil.

E vieram os comentários em torno à atitude hostil e arbitraria do governo. O achincalhe ao Exército.

Veio à baila a revolta de 5 de Julho. A bravura de Siqueira Campos. O heroísmo de Newton Prado. Os 18 de Copacabana.

— É uma das páginas mais lindas da Historia do Brasil, disse um médico, jovem ainda. Assisti ao heroísmo indescritível desses bravos que enfrentaram um Exército, na praia de Copacabana. Presenciei a marcha dos 18 heróis em caminho da morte. Newton Prado e Siqueira Campos eram dois gigantes diante daquela imensa fila de soldados por todos os cantos. Ouviam-se gritos lancinantes que partiam das janelas, das ruas, do povo, que protestava contra a loucura que aqueles moços estavam fazendo. Eles caminhavam impávidos. À frente iam Siqueira Campos e Newton Prado.

Todos ouviam o médico falar com grande entusiasmo. Depois de uma pausa ele continuou.

— Que cena emocionante! Imaginai Siqueira Campos retalhando a bandeira brasileira em 18 pedaços e oferecendo um a cada companheiro de ideal. Eles iam morrer com um pedaço da bandeira de sua pátria junto do coração.

O heroísmo é um estado de inconsciência. A cena dos 18 de Copacabana é indescritível. Só mesmo quem a assistiu pode ter uma ideia do que foi a emocionante luta, a marcha sonambúlica desse punhado de gente, caminhando de peito aberto, olhar sereno, como se marchasse numa parada militar, em dia de festa.

O jovem médico era assediado por todos. Os ouvintes faziam perguntas. Venância conhecia os pormenores da revolução de 1922 e falava com entusiasmo dos 18 de Copacabana. Lembravam a coincidência de data, pois fazia dois anos justos que se dera a revolta do Forte de Copacabana.

— A 5 de Julho do ano passado esperava-se a revolução. Estava tudo preparado para a comemoração, pelo fogo, do primeiro aniversario do heroísmo de Siqueira Campos e Newton Prado. Mas o governo tomara tais precauções que fora impossível a realização do grande movimento. Hoje, dois anos justos, S. Paulo rompe fogo acendendo o rastilho que deve estender-se de Norte a Sul.

— Eu prevejo um grande incêndio. Deve haver uma organização perfeita nesse movimento revolucionário.

— Mas quem será o chefe?

Ainda eram desconhecidos os pormenores da revolução.

O assunto dessa noite foi a revolta de S. Paulo. Muitas pessoas que se destinavam a esse Estado previam a impossibilidade do desembarque em Santos e já pensavam em seguir para o Rio.

— Mas será a mesma coisa. Essa revolução deve ser combinada e será secundada em breve pelas forças do Rio, interveio Venâncio.

Taciana, que tomou parte na conversa, estava muito interessada na personalidade de Siqueira Campos, de cujos feitos ouvira Luiz Carlos fazer rasgados elogios. Luiz Carlos era um entusiasta da revolução de 5 de Julho.

Só no dia seguinte é que se soube a bordo do nome do chefe do movimento revolucionário de São Paulo. Pessoa alguma, dentre os que tomavam parte na conversa sobre a revolta, conhecia o nome do General Isidoro Dias Lopes.

Os dias de viagem se passaram sob apreensões. As notícias que vinham da terra eram confusas e lacônicas. O comandante não informava as minúcias, por isso o desembarque na Praça Mauá foi feito com ansiedade, e já no cais os passageiros pediam informações e jornais.

Isidoro Dias Lopes era o nome do dia. Miguel Costa. Prisões no Rio. Adesões. Violência da polícia. Forças em movimento. O aspeto da rua era de contentamento. Em todos os cantos se falava do movimento armado de São Paulo. Boatos alarmantes. Mentiras. Confusão.

Venâncio, Taciana e os velhos se hospedaram no Palace Hotel. Por todos os cantos conspirava-se contra o governo.

Os dias se sucediam numa atmosfera de terror. Os jornais censurados pela polícia

abstinham-se de noticiário que satisfizesse à população. A revolução ia tomando incremento. Tinha-se a impressão de que faltava pouco para a deposição do governo. A esquadra iria tomar parte na revolta. Os boatos tomavam vulto. Ia chover bala pela cidade...

Venâncio estava entusiasmado com a revolução em seu Estado. O povo paulista prestava auxilio aos revoltosos. Se ele lá estivesse cooperaria ao lado dos bravos revolucionários. Ele conhecia Miguel Costa e Cabanas, da Força Pública de São Paulo Venâncio discutia com sua esposa também muito entusiasmada pela causa da revolução.

Taciana delirava de contentamento. Não era mais a moça nostálgica de ontem. Vibrava agora de entusiasmo. Esse ambiente de excitação, de barulho, é que lhe convinha. Ela precisava esquecer-se do seu martírio, do amor que a consumia.

Lembrava-se sempre do seu amado e quando se falava em revolução pensava nas palavras de entusiasmo de Luiz Carlos, o valente capitão que muitas vezes lhe falou da necessidade de um grande movimento revolucionário em beneficio do país. Quando ele se referia ao episodio de Copacabana, fazia os maiores elogios a Siqueira Campos e ao valente Newton Prado.

Taciana tinha pressentimento da entrada do seu amado nesta revolução.

Onde estaria ele a estas horas? Escreveu com a unha, na toalha da mesa de chá, o nome do homem por quem suspirava naquele momento — Luiz Carlos Prestes.


Inclusão: 30/03/2024