As Lutas dos Moradores e a Constituição de 1976

Amadeu Lopes Sabino, Saúl Nunes, e Luis Felipe Sabino

1977


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ANEXO 4

DECISÃO DO AUDITOR ADMINISTRATIVO DE LISBOA ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 109.º, N.º 4, DO CÓDIGO ADMINISTRATIVO

Proferida nos autos de recurso n,º 3 829.

Ernesto Guerreiro dos Santos, casado, comerciante, residente na Damaia, move acção especial de despejo sumário contra Fernando Lourenço Antunes, solteiro, assentador de tacos e sua companheira, Maria Alice Dias Ferreira, solteira, doméstica, residentes na freguesia de S. Sebastião, da Pedreira, Lisboa.

Alega, em resumo, ser dono dum prédio na Avenida Conde de Valbom, n.º 60 a 62, na dita 142 freguesia de S. Sebastião da Pedreira. Os réus estão a residir no 1.º andar do n.º 62 desse prédio, sem qualquer contrato de arrendamento ou subarrendamento, ainda que verbal, estando, pois, incursos no n.º 4 do art.º 109 do Cód. Administrativo. De facto, arrombaram as portas desse andar em Agosto ou Setembro de 1975 e ali se introduziram, recusando-se a sair.

Pede, portanto, o despejo sumário dos réus.

Estes contestaram invocando a incompetência administrativa, uma vez que o meio próprio para fazer cessar o contrato de arrendamento é a acção de despejo.

Se assim se não entender, também a defesa judicial da posse ou da propriedade é da competência do Tribunal de Comarca.

Os réus, aliás, não estão nas condições previstas no art.º 109, n.º 4, do Código Administrativo, visto que não são hóspedes, nem estão a morar abusivamente na casa, pois que à ocuparam com acordo e protecção da comissão de moradores da zona, ocupação que veio a ser legalizada pelo Decreto-Lei n.º 198-A/75, de 14 de Abril.

A ocupação não ocorreu na data indicada pelo autor, mas à 5 de Abril de 1975. Encontrava-se, antão, excedido o prazo de sessenta dias a partir do último arrendamento, encontrando-se em falta em relação ao cumprimento do disposto no art.º 19 do Decreto-Lei n.º 445/74, de 12 de Setembro.

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Logo após a ocupação, os réus contactaram com o autor, para com este celebrarem o contrato de arrendamento, pela renda legal. O autor prometeu aos réus e à Comissão de Moradores celebrar a escritura do arrendamento. Mas, a publicação do Decreto-Lei n.º 198-A/75, de 14 de Abril, veio determinar a legalização da ocupação. Como o senhorio não celebrou o contrato de arrendamento no prazo de 30 dias, os réus requereram à Câmara que se substituisse, no contrato, ao proprietário.

Feito o julgamento, o Exmo. Administrador de Bairro proferiu sentença, na qual julgou improcedente a excepção de incompetência, por se discutir precisamente se há ou não título que legitime a ocupação, o que se enquadra de pleno no dispositivo do art.º 109, n.º 4, do Código Administrativo.

Considerou, depois, provado que à ocupação se deu em Agosto de 1975, ou posteriormente, não aceitando a veracidade do depoimento da testemunha que disse o contrário.

Mas mesmo que a ocupação tivesse tido lugar em Abril de 1975, à casa não podia ser ocupada, em ocupação legalizável, por haver projecto aprovado em vigor, para obras de reconstrução.

Não havia qualquer contrato, nem entre as partes, nem com intervenção da Câmara em lugar do senhorio. Nem é de esperar pela celebração, aliás pouco provável, desse contrato.

Por essas razões, considerou a ocupação abusiva e decretou o imediato despejo dos réus.

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É desta sentença que vem interposto o presente recurso, pelos réus, que, nas alegações, sustentaram novamente a incompetência. do Administrador de Bairro. Perante a legislação decorrente da Constituição de 1933, o Estatuto do Trabalho Nacional e todo o ordenamento jurídico, o Administrador de Bairro funcionava como instância de excepção, que sumária e expeditamente despejava.

O ordenamento constitucional e político-social posterior ao 25 de Abril de 1974, tem fundamentos absolutamente opostos aos vigentes até essa data. Os objectivos constitucionais, nomeadamente os da Lei n.º 3/74. Programa do M.F.A., apontam para a defesa prioritária das classes mais desfavorecidas.

A Constituição de 1976 veio consagrar o direito à habitação como um direito fundamental (art.º 65).

Na sistemática deste diploma, o direito de propriedade perde a relevância que tinha.

Com o Decreto-Lei n.º 198-A/75, na sequência do Decreto-Lei n.º 445/74, o princípio da liberdade contratual foi extremamente reduzido. A ocupação, legal ou ilegal, deixa de ser um abuso, um mero caso de polícia. Os meios possessórios são os adequados à defesa dos direitos e os tribunais competentes são os comuns.

O art.º 18 da Constituição considera directamente aplicáveis os preceitos constitucionais referentes aos direitos, liberdades e garantias.

Por outro lado, os tribunais administrativos previstos na Constituição terão funções estrictas, 145 de contencioso administrativo.

Assim, ou haveria que adaptar a lei antiga à nova ordem jufídica, ou suspender a instância até à adaptação legislativa das normas atinentes aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do art.º 293 da Constituição.

O art.º 109, n.º 4, referido, é «ininterpretável» à luz do texto constitucional. O julgador, se não quer julgar inconstitucionalmente, deverá suspender a instância até aquela remodelação legislativa.

Conclui que o Tribunal é incompetente, que o n.º 4 do art.º 109 do Código Administrativo se encontra revogado e que a função jurisdicional do Administrador de Bairro é inconstitucional.

O recorrido alega que se provou que à ocupação ocorreu em Agosto de 1975, ou posteriormente, sendo, pois, ilegal e passível de procedimento criminal.

Mas, que assim não fosse, ao caso não poderia aplicar-se o art.º 1 do Decreto-Lei n.º 198-A/75, visto que se está perante a excepção prevista no n.º 2, alínea c), desse diploma. E como não há contrato de arrendamento, verifica-se a previsão do aludido. art.º 109, n.º 4 do Cód. Adm.º, que impõe o despejo imediato.

Quanto à alegada inconstitucionalidade, não há relação entre o art.º 65 da Constituição e o dito art.º 109, n;º 4. O preceito constitucional tem funções programáticas, definindo as funções a desempenhar pelo Estado. Mas ele não legitima as 146 ocupações. É o legislador ordinário que dirá quais as ocupações legítimas e as ilegítimas. E face à lei já invocada, a ocupação em causa, é ilegal.

Também o Decreto-Lei n.º 198-A/75 não revogou o referido art.º 109, n.º 4: se à ocupação é ilegal, perante aquele diploma, a ocupação é simultaneamente abusiva, entrando, então, em jogo, o art.º 109, n.º 4. Aliás, o próprio Decreto-Lei n.º 198-A/T75, prevê o despejo sumário, por via administrativa, no caso de falta de contrato de arrendamento.

O art.º 109, n.º 4, em questão, justifica-se pelo factor celeridade. Estabelecida legalmente a ilegalidade da morada, impõe-se uma actuação célere e eficaz. Nem sequer são diminuídas as garantias de defesa do réu, pois está garantido o princípio do contraditório.

Conclui que improcede a excepção da incompetência, bem como a alegada inconstitucionalidade.

Dada vista, nesta Auditoria, ao Digno Agente do Ministério Público, nada requereu.

— É prioritário o julgamento da questão da competência (art.º 818 do Código Administrativo). Ele, porém, está ligada ao problema da inconstitucionalidade, visto que, precisamente, esta se refere ao preceito que regula, não só o fundo da questão como a competência.

Não é a primeira vez que é suscitada nesta Auditoria, a questão da constitucionalidade do art.º 109, n.º 4, do Código Administrativo. É ela, até, 147 levantada com certa frequência, pelo que pode considerar-se um preceito controverso.

Há que encarar a questão, agora, à luz dos actuais preceitos constitucionais.

Não parece haver dúvidas de que o despejo sumário é uma medida administrativa, tomada em situações em que está esclarecida a posição jurídica dos intervenientes (v. g., prédios expropriados) ou há uma sobreposição de interesses de ordem pública (como a ruína de prédios), impondo tudo uma actuação célere, uma vez que, em princípio, já se sabe que o interesse do despejado é inferior ou nem releva perante os interesses que impõem o despejo (v. g., art.º 51, n.º 19 do Código Administrativo; art.º* 165 e 168 do Regulamento Geral das Edificações Urbanas).

Perante esta constatação, parece que terá que se começar por saber se é essa a situação que justifica o regime do art.º 109, n.º 4, do Código Administrativo. Este preceito, assim, só seria a consagração de mais um caso do acto administrativo desse tipo, se houvesse, por decisão ou acto administrativo anterior, uma definição da situação. Ou então se se concluir que a posição dum ocupante é ilícita duma forma tão visível e notória, que a indagação seja dispensada.

Fala-se no processo na conjuntura posterior à 148 25 de Abril de 1974 e parece-me ser notório que ela trouxe novo equacionamento à questão das ocupações.

Já, porém, quanto aos processos referentes a ocupações anteriores, raramente a ocupação era de todo em todo despropositada, do género «assalto», de forma a tornar-se evidente a justeza da medida administrativa do despejo. Na maioria dos casos tratava-se já de situações de arrendamentos que não revestiam as formalidades legais; subarrendamentos que se extinguiam, por força da lei, por se ter extinguido o arrendamento; cessões de posições contratuais não formalizadas, etc. E então sucedia — e sucede — que, ou o foro administrativo considerava tudo isso puramente irrelevante (o que representaria subtrair a possibilidade de discussão jurisdicional dessas questões) ou, ao deparar com esses problemas, considerando-os prejudiciais, suspendia a instância para eles serem solucionados no foro cível e só depois decidiria (e, assim, em vez duma simplificação, teríamos uma duplicação processual).

Entrou-se, depois na fase social das ocupações, posterior a 25 de Abril de 1974. Questão controversa que não tem aqui que ser discutida nos aspectos em que mais frequentemente o é, o certo é que se impuseram em certa medida ao legislador, que veio legalizar parte delaa pelo Decreto-Lei 198-A/75, de 14 de Abril. Foi intenção visível de legislador operar uma recuperação da legalidade; só 149 que a conjuntura que havia determinado os fenómenos então legalizados, não se extinguiu com esse diploma. E as ocupações continuaram, certamente porque as condições que as determinavam permaneciam.

Quanto às ocupações posteriores a esse diploma, não se aplica o respectivo regime. Já se viu defender a sua aplicação analógica, É essa uma questão jurisdicional a levantar-se desde já.

Por outro lado, não deixa de ser sintomático o facto de várias decisões recorridas, proferidas, portanto por julgadores em contacto directo com as pessoas, dizerem expressamente ou insinuarem fortemente que não é tomada a solução mais justa, mas a que à lei exige.

Respeitando extremamente este modo de ver, sempre direi que sempre entendi que o direito só é válido, só realiza cabalmente a função que se propõe, se souber ou puder dar acolhimento às situações reais justas.

De notar que a própria decisão ora recorrida deixa entrever dúvidas quanto à justeza da lei em vigor.

O que acaba de se dizer, aliás, não é inédito.

Por um lado, juristas de vários matizes ideológicos fazem sentir que por vezes a pressão das realidades é determinante na feitura e aplicação do direito.

Por outro lado, se é missão dos Tribunais atentar até ao extremo possível na realidade a que se 150 aplicam, adequando a abstracção da lei à concreta vida real, não será muito aceitável que adoptem atitude mais agnóstica, nesse aspecto, que o próprio legislador. Ora, ainda muito recentemente, o relatório do Decreto-Lei n.º 583/76, de 22 de Julho, fazia ressaltar a preocupação do legislador de ponderar «fortes razões de carácter humano e social, eliminar tensões entre as classes economicamente mais desfavorecidas». E continua: «aliás, toda a legislação em matéria de inquilinato, publicada após 25 de Abril de 1974, surge dominada pela preocupação de proteger o direito à habitação num contexto caracterizado por forte compressão da oferta no mercado habitacional». Esta atitude legislativa não parece poder ser ignorada pelo julgador. Não andará longe. desta conclusão o Supremo Tribunal Administrativo quando, em Acórdão também recente, (de 11-6-76, no recurso n.º 9.966) afirma que, uma vez adoptada. pela lei a via da legalização, não poderá persistir o intérprete em tratar as situações cobertas pela legalização como se ilegais continuassem a ser. E se há que ver se a situação é ou não legalizável, isso só jurisdicionalmente pode ser feito.

Não se extraia daqui a ilacção de que se consideram legalizáveis, em princípio, as ocupações posteriores à lei que legalizou algumas. Apenas se entende que há situações que têm de ser consideradas em termos jurídicos.

E não esquecer que é admissível a defesa de 151 certas situações no foro comum e que só ele pode negar-lhes protecção.

Assim, as próprias leis ordinárias não podem ser interpretadas pelos seus estritos termos.

Se o n.º 1 da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio mantém a Constituição de 1933 em vigor naquilo em que não contrarie os princípios do Programa do Movimento das Forças Armadas e os preceitos constitucionais assim perduráveis terão que ser interpretados de harmonia com esses princípios (n.º 3 do mesmo art.º 1), então esses critérios terão que se aplicar às leis ordinárias, que na Constituição se baseiam, até porque o Governo Provisório governava por decretos-leis, obedecendo obrigatoriamente ao espírito do referido Programa (n.º 4 da alinea B — Medidas a curto prazo — do mesmo Programa). Portanto, preceitos inconstitucionais deveriam ser revogados; se o não fossem, haveria inconstitucionalidade por omissão. Logo, os preceitos vigentes teriam que ser interpretados de acordo com os ditos princípios. E, no actual regime constitucional, a idêntica conclusão se chega, com base no art.º 293 do texto constitucional.

E será dentro do sistema assim concebido que terá de ser tomada à regra do n.º 1 do art.º 9 e a do art.º 10, especialmente o n.º 3, do Código Civil.

Atendendo: a esses critérios interpretativos; atendendo à atitude legislativa atrás referida, quanto ao problema habitacional; atendendo ao valor 152 sócio-económico assumido pelos problemas nesse campo existentes, parece-me que é muito seriamente de pôr o problema da delimitação da função económica do direito de contratar arrendamentos, em ordem a analisar os casos em que o seu exercício exorbita os limites postos pelo art.º 334 do Código Civil. O que parece dever ser analisado em relação à colocação no mercado, à liberdade contratual, etc. Porque é defensável que aqueles limites imponham a colocação no mercado do que pelos critérios vigentes ao tempo da feitura da lei o não estaria; e, por exemplo quanto à escolha do contraente. parece de pôr a questão de saber qual a razão por que ela é maior do que, por exemplo, num estabelecimento comercial aberto ao público.


Pode parecer que as considerações precedentes exorbitam do âmbito da análise das questões postas neste processo. Assim não me parece. Com elas apenas se quis mostrar — e julgo poder concluir isso — que em muitos casos em que à frieza das leis escritas pode parecer mostrar serem inatendíveis, há uma série de razões (de ordem jurídica, sublinhe-se), a considerar.

Razões que não se pode dizer, sem mais, serem inoportunas, do ponto de vista da defesa dos direitos.

E aqui se chega à consideração dum dos 153 preceitos invocados pelos recorrentes, o art.º 65 da Constituição.

Na opinião do recorrido, essa norma tem mero significado programático. Salvo o respeito devido, parece-me isso inaceitável.

Programático poderia entender-se o art.º 14, n.º 1, da Constituição de 1933, quando dizia que pertencia ao Estado e autarquias locais favorecer a constituição de lares independentes e em condições determinadas. Muito diferentemente, o art.º 65 da actual Constituição diz que todos têm direito, para si e família, a uma habitação adequada, etc. Ou seja, o direito à habitação foi arvorado em direito fundamental, integrado na Parte I da Constituição.

É evidente que daqui não decorre que a satisfação desse direito se possa fazer subtraindo a habitação dos outros. Parece evidente que ninguém defende isso.

Só que, sendo um direito fundamental e se, como se frizou atrás, há razões atendíveis jurisdicionalmente para à sua defesa, não se pode esquecer que outro direito é o acesso aos Tribunais para defesa desses mesmos direitos. Assim diz o art.º 20, n.º 1, da Constituição, por forma cuja clareza não se afigura ter equivalente na Constituição de 1933. E se para defender o direito à habitação, o cidadão tem o direito de acesso aos Tribunais, há que ver o que são os Tribunais.

Poderá dizer-se que a Administração de Bairro 154 é um Tribunal especial. É de facto assim, perante a competência atribuída pelo art.º 109, n.º 4. do Código Administrativo. Mas, não se tratando, como se salientou no início, de decisões de carácter administrativo, mas que pressupõem, pelo contrário, uma opção jurisdicional, a Administração de Bairro, ao julgar um despejo sumário nos termos do referido n.º 4 do art.º 109, é um Tribunal não administrativo. Aliás, o próprio Código não incluiu esse preceito no contencioso administrativo.

Será, sim, um juízo, melhor, um Tribunal Judicial especializado, admissível. segundo o art.º 213 da Constituição.

Só que o juiz dum Tribunal Judicial tem que pertencer a um corpo único, regido por um só estatuto, tem que ser inamovível e irresponsável (art.º 220 e 221 da Constituição). E esta inamovibilidade e irresponsabilidade não são estabelecidas para defesa dos juizes, mas para garantia do julgamento.

Acontece, porém, que o Administrador de Bairro que, como se viu, funciona como juiz de Tribunal Judicial especial, nem pertence ao corpo único de juizes nem é inamovível (pelo menos nos termos constitucionais estabelecidos para a magistratura judicial) nem independente ou irresponsável.

Efectivamente, pertencem ao Quadro Geral administrativo dos serviços externos do Ministério hoje da Administração Interna (Tabela A, ánexa ao Código Administrativo) o que não era impedimento face à Constituição de 1933. E actuam sob à 155 imediata direcção e inspecção do Governador Civil do Distrito, como estabelece o corpo do art.º 109 do Código Administrativo, que nem sequer ressalva a actuação prevista no seu n.º 4.

Em resumo:

  1. O direito à habitação é hoje, constíitucionalmente, um direito fundamental;
  2. outro direito fundamental é o acesso aos Tribunais para defesa dos direitos;
  3. os despejos previstos no art.º 109, n.º 4, do Código Administrativo põem problemas de opção jurisdicional — ou podem pô-los — próprios dos tribunais judiciais;
  4. os juizes dos tribunais judiciais — comuns ou especais — formam um corpo único, regem-se por um só estatuto, são inamovíveis e irresponsáveis;
  5. o Administrador de Bairro, funcionando embora como juiz de Tribunal Judicial especial — dado o n.º 3 — pertence ao quadro geral administrativo dos serviços externos do Ministério da Administração Interna e actua sob imediata inspecção do governador civil e sua direcção.

Daqui concluo ser inconstitucional o n.º 4 do art.º 109 do Código Administrativo, o que impede de o aplicar, nos termos do art.º 207 da Constituição da República Portuguesa (e art.º 293, n.º 1).

É óbvio que isto não representa qualquer diminuição de direitos de qualquer das partes, pois implica a apreciação judicial dos despejos, mas em 156 Tribunal com as garantias fornecidas pela Constituição.

E não é este o último juízo, pois embora desta sentença não haja recurso ordinário (art.º 109 do Código Administrativo, & único) abrir-se-á obrigatoriamente o recurso previsto no art.º 283, n.º 1, da Constituição, dado que à data do trânsito já funcionará esse regime (art.º 304 e 305).

Pelo exposto, concedo provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, por inconstitucionalidade do n.º 4 do art.º 109 do Código Administrativo.

Custas pelo recorido, com mil escudos de imposto de justiça e oitocentos escudos de procuradoria.

Notifique e registe.

Lisboa, 23 de Julho de 1976.
a) José Pires Machado.


Inclusão: 24/04/2020