Recentemente, o general Geisel, assessorado pelo Ministério do Trabalho, preparou, para enviar à discussão do Parlamento, um projeto de lei estabelecendo como salário do menor os 50% do salário do trabalhador adulto.
Se o assunto não entrou imediatamente nas cogitações daquele órgão legislativo, deve-se ao fato de ter havido um recuo momentâneo do Governo diante da grita geral dos sindicatos contra mais essa medida discriminatória contra o menor que trabalha e de evidente desrespeito à lei que determina: “a trabalho igual, salário igual”.
Já em 1967, a nova Constituição baixara de 14 para 12 anos o limite para o ingresso de menores no mercado de trabalho, expressando assim o governo ditatorial o seu desejo de permitir uma exploração mais intensa da mão-de-obra infantil e juvenil.
Se considerarmos que, no Brasil, 10 milhões de menores, aproximadamente, já exercem alguma atividade remunerada, os fatos acima referidos devem despertar a atenção do movimento sindical brasileiro para uma tomada de posição mais efetiva em defesa dos interesses de uma das mais importantes componentes da massa trabalhadora: o menor.
A situação de exploração desenfreada da mão de obra infanto-juvenil satisfaz plenamente a necessidade dos monopólios nacionais e estrangeiros de acumular super-lucros. E por isso não vacila em usar o poder do Estado para utilizar toda a mão de obra disponível no mercado de trabalho, tanto nas zonas urbanas quanto na rural. É preciso assinalar que no campo a mão de obra de menores é maior, sendo em grande parte desconhecido o real contorno de sua dimensão e importância.
Nas Zonas Urbanas: a exploração do menor ocorre sob as mais variadas formas, muito embora seus interesses estejam formalmente amparados por força da lei (CLT, capítulo IV).
Um levantamento da Secretaria do Trabalho de São Paulo demonstrou que 85% dos menores que trabalham na capital estão empregados em fábricas e apenas 15% em escritórios. E é justamente nas fábricas que ocorrem as maiores irregularidades. Estas, não são facilmente comprovadas por dois motivos: em primeiro lugar, porque o serviço de fiscalização do juizado de menores tem um número reduzido de pessoal para cobrir toda a área da capital; em segundo, porque os menores se negam a admitir que elas existem, com medo de perder seu posto e, assim, deixar de ajudar financeiramente suas famílias.
Porém, apesar das dificuldades existentes, muitas coisas vão sendo denunciadas.
Em relação aos salários. Sabemos que nesse terreno é onde o trabalhador menor é mais explorado. Embora revogada a lei que determinava que até 16 anos o menor empregado recebesse somente 50% do salário mínimo e 75% nos anos seguintes, ela continuou sendo aplicada. E agora com um agravante. Enquanto a lei revogada só permitia o emprego de menores em trabalhos leves, a verdade é que, hoje, a partir de 16 anos, o menor é colocado na linha normal de produção, devendo produzir o mesmo que um adulto, mas sempre recebendo um salário menor. Isto é mais grave na categoria do menor aprendiz, que deve cumprir um programa estabelecido pelo SENAI e SENAC com duração de um a três anos. Nesse período, ele recebe 50% do salário mínimo, seja qual for a sua idade. Completado o aprendizado, o menor deve passar a receber salário mínimo na área profissional. No entanto, grande parte dos empregadores fazem um contrato de aprendizagem de três anos e, pouco depois, colocam o menor na linha de produção com salário de aprendiz. Essa irregularidade é constatada com frequência na indústria de fiação e tecelagem que possui grande número de menores em suas fileiras. Vejamos dois exemplos: a aprendizagem de maquinista de fiação pode ser feita em um mês, mas os contratos são normalmente de três anos. O mesmo ocorre no setor de tecelagem, onde o aprendizado dura um ano. Assim, o salário do menor, mesmo que já tenha terminado o aprendizado, continuará a ser de 50% em relação ao salário do tecelão adulto durante três anos.
Segurança no Trabalho. A lei proíbe ao menor trabalhar em horas extras, em trabalho noturno ou em locais insalubres. Mas o que sucede na prática?
No levantamento da Secretaria do Trabalho de São Paulo ficou evidente que mais de 63% dos menores pesquisados trabalhavam mais de oito horas por dia, o que — é claro — lhes impede de frequentar a escola. O problema de horas extras se verifica sobretudo nas indústrias de confecções onde trabalham principalmente mulheres. Isto ocorre, por exemplo, nas indústrias situadas nos bairros de Brás e Bom Retiro que ocupam mais de 5000 menores, em sua maioria mulheres.
Mas, verdadeiramente revoltante, é a situação de insegurança e falta de higiene no trabalho do menor. Nas indústrias metalúrgicas ele é contratado como ajudante geral e acaba trabalhando em máquinas interditadas a menores — prensas, tesourões elétricos (para cortes de chapas) o que tem levado a sérios e frequentes acidentes de trabalho. O mesmo ocorre na indústria de vidro, onde um terço dos empregados é formado de menores de 18 anos. Nessas empresas é comum os meninos trabalharem em temperaturas elevadas, sem camisa ou outra proteção qualquer, (luvas, etc.) em condições em que estão sujeitos a riscos de queimaduras.
Finalmente, gostaríamos de nos referir ao menor que compõem o mercado não formalizado de trabalho (vendedores de quinquilharias, engraxates, entregadores de feiras, trabalhadores com a família em comércio ou pequena indústria, trabalhadores domésticos etc.), que, exatamente por não possuir registro de trabalhador não dispõe de qualquer amparo da lei. E, por isso mesmo, as crianças são aí vilmente exploradas por adultos da família ou estranhos.
Nas zonas rurais. A exploração do menor no campo é ilimitada. O Estatuto do Trabalhador Rural não contém qualquer dispositivo relativo ao trabalho do menor. Isto torna-se mais grave se consideramos a participação crescente da mão de obra infanto-juvenil nas zonas agrícolas.
De 1970 a 1975, o número de pessoas trabalhando na agricultura passou de 17,6 milhões para 21 milhões, havendo portanto um acréscimo de 19,75%. Cabe destacar que, de acordo com os dados publicados na Sinopse Preliminar do Censo Agrário pelo IBGE, o aumento do pessoal ocupado de 14 anos ou mais na agricultura foi de 12,9% enquanto que o aumento da força de trabalho infantil de menos de 14 anos foi de 54,52%. Isto significa que a participação da mão de obra infantil sobre o total de pessoas ocupadas na agricultura passou de 16,5% em 1970, para 21,3%, em 1975, chegando a mais de 30% na maior parte da Região do Norte. Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes, (4,5 milhões em 1975), especialmente nas faixas de 11 a 13 anos, estão hoje contribuindo para a produção agro-pecuária e para a renda de suas famílias. É esta a razão porque o menor em idade de escolarização recebe no campo uma enxada em lugar de um livro para estudar, o que contribui para manter o alto nível de analfabetismo das zonas rurais de nosso país.
A criança de 11 a 13 anos que hoje sai para o trabalho às 5 horas da manhã na condução dos trabalhadores volantes e que retorna à casa às 18 horas — mesmo ganhando menos que o adulto consegue arrecadar de Cri20 a Cri50 cruzeiros para os pais, ingresso indispensável ao orçamento familiar. Mas, veja-se bem, eles não tem carteira de trabalho, não tem idade limite para iniciar sua atividade, não estuda, não tem direito às férias, desconhece o mínimo lazer. É um adulto precoce. Um velho em plena infância.
Essa situação existe num país como o Brasil que é signatário da Declaração dos Direitos da Criança da ONU. E ela é particularmente trágica no momento em que, em 1º de junho deste ano, comemora-se em todo o mundo mais um Dia Internacional da Infância.
A partir dessa constatação, é preciso recordar já que estamos vivendo os preparativos para as realizações que deverão assinalar 1979 como o Ano Internacional da Criança. Proclamado pela ONU em sua 31ª Assembléia, o AIC será comemorado em todas as partes POR UM FUTURO PACÍFICO E SEGURO PARA TODAS AS CRIANÇAS. Surge assim para o movimento sindical brasileiro uma excelente oportunidade para se incorporar à grande batalha internacional em defesa dos direitos da criança. Que as trabalhadoras e os trabalhadores saibam organizar, durante o AIC centenas de reuniões, em defesa da criança que trabalha, que ajuda com seu suor a construir a riqueza da nação e que já compõe, por seu número, uma destacada parcela da massa trabalhadora brasileira.
Nesse campo muitas coisas poderão ser feitas: mesas redondas, conferências, simpósios e seminários para estudo da situação do menor que trabalha visando à codificação de suas principais reivindicações e incorporação destas aos programas de lutas das massas trabalhadoras. Elaboração de novas leis para a sua proteção e organização de programas de luta, ações conjuntas pela aplicação das leis existentes, pela denúncia das burlas que ocorrem nesse terreno.
Nós, comunistas, deveremos estar sempre à frente de iniciativas desse tipo. A isso nos obrigam o sagrado direito de defender o desenvolvimento harmonioso das jovens gerações do País, a necessidade de uma identificação nossa com o grosso das massas trabalhadoras e a vontade que devemos ter de contribuir efetivamente para o êxito das comemorações do ANO INTERNACIONAL DA CRIANÇA.