Libertação Negra

James S. Allen

1938


Tradução: Jorge Fonseca de Almeida, a partir do folheto Negro Liberation publicado em Nova Iorque em 1938 pela International Publishers, editora ligada ao Partido Comunista Americano.

HTML: Fernando Araújo.

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Este panfleto baseia-se numa anterior brochura com o mesmo titulo publicada pela primeira vez em 1932. Desde então importantes mudanças nos Estados Unidos e no mundo tornaram algumas partes da antiga brochura inadequadas ou desatualizadas. Acresce que o movimento do povo Negro em direção à unidade na luta por direitos iguais e o novo movimento progressista do país avançaram consideravelmente desde 1932.

Esses desenvolvimentos trouxeram à tona um conjunto de novos problemas e colocaram outros a outra luz. Nestas circunstâncias achei melhor rever e reelaborar uma parte considerável do panfleto inicial, tendo particularmente presente vários problemas levantados em numerosas discussões tidas nos últimos anos. Sem dúvida que o leitor descobrirá alguns problemas importantes tratados de forma breve ou mesmo totalmente não abordados. Isso é inevitável num panfleto em que o enfase principal é o de realçar as principais forças que moldam o Movimento de Libertação Negro.

JAMES S. ALLEN
1938

Libertação Negra

Á luz da lua cheia um grupo de trabalhadores rurais Negros, vindos das plantações vizinhas, juntam-se nas traseiras de uma barraca no Sumter County na Carolina do Sul para uma reunião clandestina do que viria a ser o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. No centro do grupo um organizador Negro desenha no chão com um pauzinho um mapa rudimentar dos Estados Unidos assinalando as zonas em que os Negros estão em maioria. Os trabalhadores ficaram muito surpreendidos. Percebem, pela primeira vez, que não é apenas em Sunter County que os Negros perfazem mais de metade da população, mas que existe uma extensa faixa de terra continua, que se estende como uma lua em quarto crescente e que vai do Sul da Maryland ao Arkansas, em que os Negros são em maior número que os brancos.(1)

Ao longo de toda esta faixa de terra os operários e camponeses Negros enfrentam a mesma pobreza e as mesmas perseguições que os trabalhadores rurais de Sunter que se preparam para a luta. E tal como à medida que conversam aprofundadamente um com o outro, um operário branco e um operário Negro, vão ganhando consciência de classe, os trabalhadores rurais deste obscuro circulo começavam a ganhar consciência do que significa a luta de libertação. É precisamente esta compreensão que está a ganhar terreno entre as massas do povo Negro. Por todo o país está a ocorrer um novo despertar. As pessoas movem-se com maior determinação e maior unidade em rumo à solução para os seus problemas.

O principal problema do povo Negro é, de forma sumária, o de obter a liberdade e a igualdade de poder participar na vida da América. Este objetivo é parte integrante do movimento global do povo americano com vista a preservar e aprofundar os seus direitos cívicos e a defender a democracia e a paz contra o fascismo e a guerra. As reivindicações do povo Negro são de caracter essencialmente democrático. A luta pela sua realização enriquece e desenvolve a democracia. As suas lutas e aspirações democráticas estão assim interligadas com a luta do conjunto do movimento sindical e com o movimento progressista contra o capital monopolista e a reação.

A reação e o fascismo ameaçam retirar aos Negros até mesmo limitados direitos democráticos que conquistaram na sequência da Guerra Civil. Para defender estes direitos conquistados e para os alargar ainda mais é necessária a unidade do povo Negro. Igualmente essencial para o avanço da luta comum pela democracia popular é a cooperação intima entre o povo Negro e o movimento laboral e democrático como um todo. Para que essa unidade seja estável o movimento democrático precisa de prestar uma atenção ativa às reivindicações e às necessidades especiais do povo Negro. Particularmente o movimento sindical tem de enfrentar a tarefa de alargar a unidade entre os operários brancos e Negros, que é essencial para o estabelecimento de uma Frente Popular democrática contra a reação.

Para atingir estes objetivos imediatos é necessário compreender as forças subjacentes que determinam atualmente a luta de libertação Negra e a sua relação com a classe operária e o movimento democrático.

OS NEGROS COMO NAÇÃO OPRIMIDA

O que é uma Nação?

É no conceito de nacionalidade que encontramos a verdadeira chave para perceber a questão Negra.

O que é uma Nação? Até que ponto o Povo Negro preenche as condições para ser uma Nação?

Podemos tomar como ponto de partida a definição sumária mas abrangente de nação dada por Estaline, que em conjunto com Lenine desenvolveu a teoria e a prática que tornou possível a libertação de várias nações anteriormente oprimidas sob o czarismo. Estaline disse:

Nação é uma comunidade estável, historicamente formada, de idioma, de território, de vida econômica e de psicologia, manifestada esta na comunidade de cultura.(2)

Elaboremos em torno desta definição: Uma Nação é uma comunidade de pessoas historicamente formada; esta comunidade não é temporária, mas existe durante um período de tempo e tornou-se estável; as pessoas partilham uma língua comum, vivem juntas num território comum e têm uma vida económica comum. As condições de vida em comum ao longo de um grande período de desenvolvimento histórico criou ideias e costumes mais ou menos uniformes e instituições que se manifestam numa cultura comum.

As Nações não emergiram antes do período de crescimento e desenvolvimento do capitalismo. O capitalismo, no processo de destruição das condições feudais da sociedade que obstruíam o desenvolvimento do mercado interno e da indústria, diminuiu ou removeu inteiramente as barreiras que impediam as interconexões económicas num território comum tornando possível a entidade nacional.

Desta forma, todos esses povos considerados hoje nações apenas surgiram na História enquanto tal com o começo do capitalismo. Foi a grande Revolução Francesa que destruiu o poder feudal da nobreza terra-tenente e inaugurou o domínio dos industriais e comerciantes, que marcou a emergência da França como Nação.

Se um grupo só tem algumas das características referidas não é uma Nação. Desta forma seria incorreto considerar os judeus dos Estados Unidos uma entidade nacional embora muitos deles tenham certos traços religiosos e culturais comuns herdados através dos tempos bem como a partilhem uma língua comum. Tão pouco podem os vários grupos de imigrantes dos Estados Unidos ser caracterizados como entidades nacionais deste país, embora cada um deles tenha uma língua e costumes comuns trazidos do seu país natal. Estes grupos constituem minorias nacionais que estão a ser gradualmente amalgamadas com a população americana, tal como outros grupos antes deles integraram o caldeirão cultural(3) de onde emergiu a Nação americana.

Assim, uma comunidade de pessoas só pode ser corretamente caracterizada como Nação quando preenche todas as condições enumeradas na definição de Estaline.

Devemos prevenirmos contra algumas confusões: Um Estado não deve ser confundido com uma Nação. Algumas Nações, porque aí o capitalismo se desenvolveu mais depressa, são mais fortes e conseguiram submeter outros povos e integrá-los à força ao seu estado. Por exemplo no interior do Império Britânico existe a nação irlandesa. Nem é preciso um povo ter uma língua diferente de todos os outros povos para ser uma nação. Os irlandeses, os americanos, os ingleses e os canadianos todos falam inglês mas são nações separadas.

Uma nação não cai do céu já feita; ela tem a sua origem, devensolve-se através de vários estádios e pode também declinar. (Ver José Estaline “Marxismo e a Questão Nacional” em “Marxismo e a Questão Colonial”, pp. 3-61).

Escravatura

No momento em que a escravatura foi abolida os Negros tinham já muitas das características de uma nacionalidade.

Os Negros escravizados vieram de várias partes de África, de diferentes tribos em diferentes estádios de desenvolvimento económico e social, falavam diferentes línguas e tinham tradições e culturas distintas. Á chegada, para evitar rebeliões, os membros das mesmas tribos e das mesmas famílias eram separados e dispersos pelas várias plantações. A língua materna era proibida. Uma língua estrangeira foi-lhes imposta. O inglês a língua dos esclavagistas, uma língua estrangeira a todos os escravos, tornou-se a sua língua comum. Desde o berço a criança escravizada não conheceu nenhuma outra.

A escravatura alastrou com o desenvolvimento da produção comercial de algodão e com a expansão do sistema de plantação. A maioria dos Negros era obrigada a trabalhar na terra. Apesar de muitos virem de tribos que não sabiam ainda lavrar o solo, as pessoas escravizadas americanas foram forçadas a aprender novas profissões. Os Negros foram transformados num povo agrícola.

O seu sofrimento comum sob o sistema esclavagista, os abusos e as perseguições a que foram sujeitos, o seu trabalho comum nas plantações, criaram nos Negros sentimentos, ideias e pensamentos comuns. A aspiração e a luta comuns pela liberdade foram fatores poderosos que uniram e soldaram espiritualmente o povo Negro.

Todas estas condições não teriam exercido uma tão grande influência na criação do povo Negro não fora o facto de os Negros estarem concentrados numa faixa contínua de território, o país do algodão no Sul, onde existia um sistema social homogéneo baseado na escravatura. Este ambiente uniforme no qual o campesinato escravizado Negro se desenvolveu deu uma uniformidade as características do povo Negro. Vivendo em proximidade uns com os outros os Negros escravizados desenvolveram um folclore e tradições comuns que refletiam as condições em que se encontravam.

Assim os Negros tinham muitos elementos de uma nacionalidade no tempo da Guerra Civil.

Guerra Civil e Reconstrução

A Guerra Civil e o período da Reconstrução criaram as bases para uma mais profunda transformação do povo Negro numa Nação. A Guerra Civil foi uma revolução na qual os esclavagistas do Sul foram finalmente afastados do governo nacional e o seu poder económico e político esmagado e destruído pelo capitalismo do Norte em rápido crescimento. Como resultado da Guerra Civil os capitalistas do Norte ganharam um indisputado controlo do país, unificaram o país, e abriram caminho para o subsequente desenvolvimento dos Estados Unidos como nação capitalista.

Os industriais em ascensão estavam interessados em primeiro lugar em alcançar os seus próprios objetivos que, em termos gerais, eram os de limpar o caminho para um maior desenvolvimento do capitalismo. Mas para atingir esse objetivo tinham de cumprir a principal tarefa revolucionária da época, a abolição da escravatura. Lincoln liderou uma coligação que incluía os industriais, a esmagadora maioria dos camponeses livres, vários setores da classe média e os Negros. Esta coligação encontrou a sua expressão política no recentemente criado Partido Republicano(4) e teve também o apoio do movimento sindical durante o período da guerra civil. A Guerra Civil foi transformada numa Revolução Popular que teve como objetivo abolir a escravatura. No Norte depois de ano e meio de hesitações e derrotas foram adotados métodos revolucionários. Destes o mais importante foi a declaração de emancipação dos Negros e o seu armamento, o que libertou uma nova força democrática que foi vital. A derrota dos esclavagistas marcou o fim da primeira fase da revolução e cumprimento da sua principal tarefa, a abolição da escravatura.

Durante a segunda fase da Revolução, denominada na América como a Reconstrução (1865-1977) a principal tarefa com que o país se confrontava era a de impedir o regresso ao poder dos antigos esclavagistas e de instituir formas de governo democráticas nos Estado do Sul. Sob a direção dos Radicais Republicanos, cujos líderes destacados eram homens como Thaddeus Stevens,(5) Charles Sumner,(6) Frederick Douglass(7) and Wendell Philipps,(8) foram dados passos revolucionários nessa direção. A Décima Quarta(9) e a Décima Quinta(10) emenda garantiram direitos de cidadania completos ao Negros; novos governos democráticos entraram em funções pela primeira vez no Sul; os líderes da Confederação ficaram sem direito de voto, enquanto os antigos escravizados e os pequenos camponeses brancos em aliança com os seus aliados do Norte exerceram o poder governamental.

A Reconstrução foi o período mais revolucionário da História do povo Negro. Organizados nos seus clubes políticos (as Ligas da União),(11) companhias de atiradores e melícias estatais, lutaram pelos seus recentemente conquistados direitos cívicos e defenderam-nos. Em conjunto com a burguesia do Norte (carpetbaggers)(12) e algumas camadas da classe média do Sul (scalawags)(13) formaram as assembleias populares dos estados sulistas durante este período. Na Carolina do Sul, Mississippi e Luisiana os Negros constituíram, várias vezes, a maioria dos deputados nos parlamentos estaduais e tiveram um papel importante dos governos de outros estados. Durante este período foi criado um sistema de educação pública, os governos locais e municipais foram democraticamente reconstituídos, os Códigos Negros(14) foram abolidos, legislação garantindo direitos iguais aprovada bem como uma reforma fiscal favorável aos pequenos proprietários e algumas medidas visando uma reforma agrária.

O falhanço principal da Reconstrução e que contribuiu fortemente para a inevitável vitória da reação foi a manutenção da propriedade fundiária do sistema feudal. A expropriação das terras dos antigos esclavagistas a favor dos libertados teria removido com um só golpe a principal base material da restauração política da antiga classe dominante e teria criado, na forma de um setor alargado de pequenos agricultores, as bases para maiores avanços democráticos. Durante todo este período o povo Negro reivindicou “quarenta acres e uma mula” e recusou contratos de trabalho agrícola assalariado na esperança que as terras lhes fossem dadas. Em numerosos casos os libertados tomaram posse das plantações e distribuíram as terras entre si até serem expulsos pela força. Apesar de Stevens, Summer e outros terem patrocinado medidas de confisco da propriedade fundiária e da sua divisão entre os libertos, a burguesia nortenha recusou esta solução revolucionária para a questão agrária. No final da Guerra Civil a burguesia do Norte estava ocupada com a expropriação de terras públicas em benefício das companhias de caminhos-de-ferro e mineiras e mostrou-se disponível para apoiar as medidas que contribuíssem para derrotar os Bourbons sulistas.

A população branca que não escravizava pessoas cujos direitos estavam limitados no regime esclavagista obtiveram durante a revolução novos privilégios democráticos. Na Cintura Negra, onde os Negros estavam na vanguarda da revolução, os seus aliados brancos deviam os seus novos direitos às massas Negras. Foi o Povo Negro, liberto depois de muitos anos de servidão, que através da sua ansia determinada pela Liberdade conquistou também esses direitos para as massas brancas.

A eleição de Hayes(15) como Presidente em 1876 foi o resultado de um “tratado de paz” entre os líderes do Partido Republicano e os antigos estadistas confederados. Este entendimento marca a deserção dos capitalistas nortenhos do campo dos Negros.

O Partido Republicano que nesse momento estava já completamente dominado pela oligarquia industrial e financeira, enfrentava a revolta dos camponeses e um novo pico da luta sindical. Para estarem à vontade para enfrentar a oposição deste novo período, os grandes capitalistas, representados pelo Partido de Republicano, procuraram e conseguiram obter a paz com os Bourbons sulistas. Para além disso a restauração no poder no Sul da antiga classe dominante permitia também assegurar a estabilidade nas plantações de algodão e criar melhores condições para a expansão capitalista. De acordo com a negociata que deu a Hayes a presidência, numas eleições muito renhidas,(16) os governos da Reconstrução que ainda se mantinham foram afastados e novas administrações reacionárias reconhecidas. Isto significou deixar os Negros à mercê dos seus antigos amos. Assim os interesses de classe dos capitalistas nortenhos levou ao rompimento da aliança com o povo Negro e a uma aliança com os seus antigos inimigos contra o povo. A contrarrevolução, que foi delicadamente denominada “reposição do governo local”, foi duramente paga com o sangrento assassinato de centenas de Negros e de Reconstituintes brancos.

Assim, em 1877, quando as tropas nortenhas retiraram, a vida no Sul já corria por novos canais. A burguesia nortenha tinha assegurado a sua dominação política. O Sul tornou-se uma enorme coutada do capitalismo do Norte, uma fonte de matérias-primas, principalmente algodão, e um mercado exclusivo para os bens manufaturados do Norte. Ao mesmo tempo foram lançadas as bases para o desenvolvimento industrial do Sul.

Os Negros tinham sido forçados a regressar às plantações, como trabalhadores agrícolas com contrato de trabalho ou como trabalhadores temporários para as colheitas.

A vitória reacionária não foi conseguida sem forte resistência dos Negros. Com a ajuda do Ku Klux Klan, o principal exército da classe dominante no Sul, os Negros foram desarmados à força, e foram-lhes gradualmente negados o direito de voto, o direito a aceder a cargos públicos, a servir nos júris e à educação pública e universal. O estabelecimento da reação no Sul aconteceu em paralelo com o crescimento da reação à escala nacional, como bem exemplificado com a brutal repressão da greve dos caminhos-de-ferro em 1877.(17)

As Tarefas Inacabadas da Revolução

A era da Guerra Civil e da Reconstruções foi em todos os sentidos o prólogo da atual luta de libertação dos Negros. Na altura foi levada a cabo uma tentativa gloriosa de democratizar completamente o Sul e se falhou foi porque as forças das únicas classes que podem levar a cabo esta tarefa não estavam na altura ainda plenamente amadurecidas. Mas a direção do desenvolvimento revolucionário foi claramente indicado e mostrou-se que já existiam forças populares, o povo Negro e os seus aliados brancos, que as poderiam levar a cabo se estivessem devidamente organizadas.

A este respeito é importante compreender que a revolução dessa época não conseguiu completar a sua tarefa histórica. Considerando esse período como um todo, a principal tarefa da revolução burguesa era destruir a escravatura. Este aspeto foi cumprido na primeira fase, a Guerra Civil.

Mas no processo de completar esta tarefa emergiram novos temas e foram libertadas novas forças democráticas. Contudo, no período da Reconstrução, segunda fase da revolução - as tarefas democráticas da revolução ficaram incompletos. Estas tarefas, que afetam particularmente os Negros, incluíam a redistribuição das terras e o estabelecimento de uma democracia no Sul permanecem por acabar até hoje.

O próprio falhanço de cumprir estas tarefas durante a Reconstrução criou novos problemas que atualmente têm de ser levados em consideração. A manutenção da velha propriedade fundiária levou ao aparecimento de uma classe de rendeiros subalternos cujas formas legais são únicas do sistema de plantação do Sul. A forma do sistema de rendeiros, como foi desenvolvido no Sul, é uma reminiscência do sistema esclavagista. O sistema de rendeiros subalternos representa a transição intermédia entre por um lado o sistema esclavagista e o sistema de trabalho assalariado livre da agricultura capitalista por outro. Por outras palavras o facto de o regime de rendeiros subalternos e outras formas legais semelhantes de arrendamento se terem tornado dominantes nas áreas do sistema de plantação mostra que aos antigos escravos não lhes foi permitido tornarem-se trabalhadores assalariados livres ou rendeiros como os das áreas agrícolas capitalistas desenvolvidas nem sequer pequenos proprietários agrícolas de qualquer dimensão. O falhanço da redistribuição de terras conduziu ao enraizamento no sistema fundiário sulista de características económicas remanescentes do sistema esclavagista. Estes remanescentes económicos do sistema esclavagista, que se institucionalizaram à medida que o tempo passava, mantiveram o sistema de plantação e na prática colocaram os Negros numa situação de servidão. Embora seja verdade que o sistema de rendeiros subalternos se tenha começado a desenvolver rapidamente também entre os agricultores brancos existia uma diferença de estatuto entre os rendeiros subalternos Negros e os rendeiros subalternos brancos. Nas plantações encontramos exclusivamente rendeiros subalternos Negros enquanto os rendeiros subalternos brancos se encontravam nas áreas fora das plantações e em propriedades mais pequenas. Se a forma de rendeiro subalterno cresceu tão rapidamente entre os brancos foi principalmente porque esta forma de trabalho se tinha estabelecido firmemente nas zonas das plantações de onde irradiou para outras áreas da agricultura sulista.

A economia de plantação deformou toda a vida no Sul. Aprisionou as condições de vida no Sul a um nível muito reduzido; restringiu o desenvolvimento industrial e o da agricultura livre; condicionou todo o curso de um desenvolvimento económico desigual do Sul que teve por consequência o empobrecimento das massas do povo e o atraso do seu desenvolvimento natural.

Estas reminiscências materiais do sistema esclavagista também permitiram prolongar e intensificar as reminiscências ideológicas e sociais da escravatura. O sistema de plantação e toda a superestrutura nele assente resultou do falhanço da revolução em completar as suas tarefas democráticas essenciais. A necessidade de erradicar as reminiscência da escravatura em todas as suas formas é uma das mais importantes aspetos do movimento operário e democrático. Ele envolve principalmente a libertação do povo Negro.

A Cintura Negra

Desde o início do sistema esclavagista que a maior parte da população Negra se encontra na área das plantações no Sul, onde constitui a maioria da população. Á medida que a zona das plantações de estendeu mais para sul e para oeste as zonas de maioria Negra acompanharam esse movimento. No momento da emancipação os Negros eram em número esmagadoramente superior aos brancos nas zonas do algodão.

O estabelecimento do sistema de rendeiros subalternos nas plantações durante a Reconstrução teve como efeito amarrar os Negros à terra e impedi-los de entrar na indústria e noutros campos de atividade. Até à primeira Grande Guerra a migração livre para outras zonas do país estava-lhes vedada. Os movimentos migratórios começaram em 1916 e acabaram abruptamente em 1923 embora continuasse alguma emigração nos anos seguintes, mas durante esse período mais de um milhão de Negros veio para o Norte. Atualmente as zonas contiguas de maioria Negra no Sul permanecem basicamente as mesmas do que no tempo da escravatura. A maioria dos Negros foi ligeiramente reduzida embora o número absoluto de Negros que vivem na Cintura Negra não tenha diminuído nas últimas duas décadas.

A atual Cintura Negra do Sul é a antiga zona do algodão. Atravessa partes de 12 Estados sulistas, da fronteira Sul do Maryland até o delta do Mississippi. Existem atualmente 5.000.000 de Negros neste território, constituindo a maioria da sua população. Na imediata vizinhança deste território existem adicionalmente 2.500.000 de Negros constituindo entre 25% a 35% da população. A proporção em que os Negros ultrapassam os brancos na Cintura Negra varia: em largas zonas da Virgínia, Carolina do Sul, Alabama, Mississippi a sua maioria é esmagadora, noutras zonas os Negros tem uma maioria muito pequena; noutras os brancos são em maior número que os Negros. Se ignorarmos as fronteiras dos 12 Estados e dos 350 municípios em que se encontra a Cintura Negra – que no fim de contas são apenas divisões puramente mecânicas criadas para conveniência da administração estadual e municipal ou por razões políticas – e somarmos o número de Negros e de brancos que aí vivem veremos que os Negros excedem em número os brancos. A esmagadora maioria de Negros nalguns locais apaga a escassa maioria de brancos noutros locais.

Se desenharmos um esboço de fronteira deste país, ignorando as divisões mecânicas entre Estados, obteremos um retrato claro do território comum dos Negros. Se ficar alguém alarmado pelo apagar das antigas fronteiras estabelecidas e pela sua substituição por outras, que se recorde que este mesmo território durante o período da Reconstrução, as fronteiras entre municípios foram alteradas num esforço para minimizar a dimensão da maioria Negras e dessa forma diminuir-lhe a eficácia política.

Atualmente mais de 60% da população Negra dos Estados Unidos vive na Cintura Negra ou na sua imediata vizinhança. Este largo setor do povo Negro está mais diretamente sujeito às reminiscências do sistema esclavagista. Outros 15% dos Negros vivem em zonas do Sul não pertencentes à Cintura Negra mas que sofrem da irradiante influência da economia de plantação. Apenas 25% do povo Negro vive no Norte, em zonas completamente libertas das restrições diretas da agricultura semifeudal do Sul.

É importante perceber que a Cintura Negra, como zona de maioria Negra, é, simultaneamente, a zona das plantações do Sul. Em termos de desenvolvimento histórico isto significa que as reminiscências do sistema esclavagista, principalmente na forma do sistema de rendeiros subalternos, teve como efeito manter a Cintura Negra como espaço de maioria Negra. A esse respeito é também importante saber que a atual zona de maioria Negra é praticamente a mesma em forma e extensão do que a zona das plantações sob o sistema esclavagista.

O falhanço da revolução de 1860-1877 em cumprir as tarefas democráticas desse período levou consequentemente à persistência de reminiscências do sistema esclavagista de tal forma que criou as bases económicas e sociais da Questão Negra tal como existe hoje.

Superioridade Branca em Novas Roupagens

Os apoiantes ideológicos do esclavagismo ancorados nas mudanças económicas e sociais que discutimos acima tiveram um papel importante na opressão dos Negros nas novas condições. A doutrina da “supremacia branca” tinha sido usada como justificação “moral” do sistema esclavagista e das suas práticas. Os brancos que não tinham escravos eram reconfortados pelos esclavagistas com a ideia de que pelo menos eram membros de uma “raça superior” e que a sua infeliz condição eram fruto não do sistema esclavagista mas das pessoas escravizadas.

Esta ideologia era a principal arma ideológica dos Bourbons durante a Reconstrução. Avançaram com o espantalho da “Dominação Negra” e apelaram as massas brancas para que preservassem a “pureza” da sua raça. A “superioridade branca” tornou-se o programa político da reação e foi com base nesta ideologia que os Bourbons foram capazes de dividir as massas brancas dos seus aliados Negros.

Com o ímpeto reacionário no Sul depois das eleições de 1876, a classe dominante Bourbon tomou medidas extremas para “manter os Negros no seu lugar” e para evitar uma nova aliança entre as massas brancas e Negras. As velhas doutrinas do esclavagismo foram embelezadas para justificar as novas condições de exploração. As características dos Negros serviram de máscaras convenientes para os separar do resto da população. Uma gota de “sangue Negro” tornou-se suficiente para marcar uma pessoa como membro de um grupo especialmente oprimido. Por um lado as características da raça ajudaram os opressores a soldar as grilhetas da escravidão e por outro levaram a amalgamar os Negros sob o seu “estigma” comum da cor.

A classe dominante foi forçada a grandes extremos de opressão porque as massas brancas que viviam em grande proximidade com os Negros tinham também as suas próprias contas a ajustar com a classe dominante. Durante a Guerra Civil e no período da Reconstrução largas camadas das massas brancas mostraram que estavam dispostas a lutar ombro a ombro com os Negros contra os esclavagistas; mais tarde nos finais do século XIX os camponeses brancos mostraram uma tendência para se aliar com os Negros em luta contra os capitalistas e os latifundiários quando a exploração dos banqueiros, prestamistas e latifundiários se tornou intolerável. Quando o movimento Populista (Aliança Camponesa do Sul e o Partido do Povo) ficou nas mãos dos defensores da “pureza da raça” esse promissor movimento ficou condenado e foi derrotado. A aliança capitalista-latifundiário do Partido Democrático do Sul abalou as fundações do Partido do Povo principalmente através da exploração deste tema. Os slogans e as táticas da reação do tempo da Reconstrução foram de novo utilizadas para romper a unidade entre brancos e Negros.

Esta divisão só podia ser conseguida com táticas de pura força bruta. A segregação e as leis de Jim-Crow foram impostas através da lei dos linchamentos e pelas leis do sistema legal; em todas as circunstâncias da vida os Negros foram separados dos brancos. O povo Negro foi forçado a ocupar as posições sociais, económicas e politicas mais baixas. Em 1900-1904 a esta situação foi dada um estatuto legal mais completo nas novas constituições do Estados do Sul que retirava os direitos de cidadania aos Negros criando limitações ao direito de voto tais como a cláusula de precedência (mais tarde declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal), exigência de património mínimo, testes de literacia, etc.. Estas restrições foram implementadas praticamente apenas contra os Negros.

Nos parlamentos estaduais em que estas novas constituições foram aprovadas admitia-se abertamente que o seu propósito era retirar os direitos de cidadania aos Negros mas ao mesmo tempo garanti-los aos brancos pobres. Desta forma dando aos trabalhadores brancos os direitos negados aos Negros, a reação esperava ganhar o seu apoio para a política de opressão dos Negros.

Se a história da segregação e do aviltamento dos Negros é em larga medida a História do Sul, isto deve-se ao facto dessas praticas aí se terem estabelecido. Era inevitável que estas praticas também se tivessem infiltrado no Norte. Sendo verdade que as leis repressivas da classe dominante sulista se dirigiam principalmente contra os Negros era inevitável que a seu tempo acabassem por afetar negativamente as condições das massas brancas.(18) É igualmente verdade, como vimos no breve resumo da História do Sul, que a cada nova crise social as massas brancas tendem a libertar-se da ideologia dominante e que, nessas ocasiões, os representantes da reação procuram restabelecer a “superioridade branca” como programa político.

O Crescimento de Novas Classes

O desenvolvimento dos Negros enquanto povo depois da Reconstrução foi atrasado pela economia de plantação e pelas medidas repressivas que emergiram da nova situação. Essas restrições tiveram como efeito atrasar uma mais clara estratificação de classes entre o povo Negro e dificultou o surgimento de uma base proletária e da classe média.

Contudo a destruição da escravatura que atuava como uma barreira intransponível ao livre desenvolvimento, criou as condições, embora restritas, para o desenvolvimento do povo com base no capitalismo. Saídos de um núcleo de Negros que tinham sido libertos durante a escravatura já se tinham desenvolvido nas cidades do Norte e em menor extensão também no Sul um pequeno grupo de artesãos Negros. Deste mesmo grupo começou a emergir um pequeno grupo de profissionais liberais e de pequeno-burgueses. O desenvolvimento subsequente destas classes entre o povo Negro tornou-se possível pelo crescimento acelerado do capitalismo nos Estados Unidos que se seguiu à Guerra Civil.

As condições peculiares do desenvolvimento capitalista no Sul, de que já falamos, forneceu as bases limitadas para a evolução gradual de uma classe operária Negra. A economia da plantação, como vimos, travou a disseminação da indústria no Sul. A indústria ficou localizada nas zonas exteriores da Cintura Negra e desde o início obteve a mão-de-obra necessária principalmente junto da classe operária branca. Por exemplo os têxteis, que se tornaram a principal indústria de larga escala do Sul emprega quase exclusivamente empregados brancos. Dos 350.000 trabalhadores da indústria têxtil do Sul apenas 20.000 são Negros e estes são contratados apenas como carregadores ou pessoal da manutenção. O princípio dominante da indústria sulista foi deixar intocada a oferta de trabalho Negro da Cintura Negra. Até em 1934 o Greenville (S.C.) Piedmont pode escrever o seguinte no seu editorial:

Uma coisa é certa, mesmo que o capital e o trabalho brancos possam divergir e ter os seus desacordos de forma vincada, a indústria têxtil continuará a ser operada por e para homens da raça branca.

As indústrias mineiras e siderúrgicas de Birmingham e nas pequenas indústrias dispersas como as do tabaco, dos móveis e do metal, contratam números crescentes de Negros. Contudo a maioria dos operários Negros foram contratados nas indústrias mais fortemente associadas à agricultura tais como as serrações de madeira, produtos para a construção naval como a resina, processamento e transporte do algodão, que adotam muitos dos processos da economia da plantação. Dos 2.500.000 adultos e crianças assalariados que existem nos 12 Estados em que a Cintura Negra está localizada, 20% são trabalhadores agrícolas, e 36% trabalham nos serviços pessoais e domésticos. Assim mais de 50% dos assalariados Negros do Sul encontram-se nas ocupações de categoria económica mais baixa. Dos restantes trabalhadores Negros 590.000 estão na manufatura e nas indústrias mecanizadas e 240.000 dos transportes e comunicações.

A migração de 1916-1923, embora fosse um processo temporalmente limitado, produziu importantes alterações de caracter permanente. No espaço de poucos anos mais de um milhão de Negros mudou de uma região semifeudal para o coração da altamente desenvolvida indústria capitalista. A principal consequência deste movimento foi a criação de um relativamente grande proletariado Negro nas regiões do Norte. Os migrantes Negros surgem em praticamente todas as indústrias decisivas. Mais de 75% da população Negra do Norte vive nas principais zonas industriais. Esta situação teve como feito ter posto em contacto de trabalho e geográfico de proximidade o povo Negro com as camadas mais estratégicas do proletariado industrial como um todo.

Contudo, quer no Norte quer no Sul, O Negro não entrou na indústria no mesmo plano dos brancos. Ele foi forçado a trabalhar e a viver no nível económico mais baixo e em condições de ostracismo social. O avanço para empregos qualificados e mais bem pagos era-lhes quase impossível.

As mesmas forças que impediram o povo Negro como um todo de atingir a igualdade de condições e de direitos também atrasou o crescimento da classe média Negra. Devido ao sistema de plantações e de rendeiros subalternos no Sul não se conseguiu desenvolver no Sul uma classe média de camponeses donos de terras e muito menos existem bases seguras para esse desenvolvimento devido às crises agrícolas recorrentes.

Os pequenos negócios Negros dirigidos exclusivamente, devido às leis de Jim-Crow, aos empobrecidos Negros apenas podem atingir uma pequena escala e manter-se em condições instáveis. As aspirações de negócios foram naturalmente fomentadas com o fim da escravatura e alguns avanços aconteceram neste campo. Enquanto em 1867 apenas 400 Negros estavam envolvidos em negócios em 40 setores diferentes, em vésperas da Primeira Grande Guerra os Negros estavam já envolvidos em 200 áreas de negócio e tinham investido $50.000.000. Contudo as empresas de Negros não podiam competir com os conglomerados e com os monopólios que na viragem do século já começavam a dominar o país. Mesmo nos setores em que os Negros conseguiram alguma presença como nos seguros, no imobiliário e na banca, algumas das maiores instituições não conseguiram sobreviver à crise económica de 1929-1934. Nunca se desenvolveu uma burguesia industrial Negra. Em termos gerais apenas uma fina camada de homens de negócios Negros conseguiu sobreviver de forma parasitária no seio da comunidade segregada Negra. Este relativamente pequeno grupo existiu aproveitando a segregação para construir algumas fortunas no imobiliário ou alimentando-se dos limitados rendimentos das massas Negras através de rendas, seguros e juros. A migração para o Norte criou um ambiente mais vantajoso para a emergência de uma classe média Negra, uma vez que criou um mercado Negro com maior poder de compra do que o do Sul.

As restrições e a segregação comunitária também limitaram a emergência do livre desenvolvimento de uma classe de Profissionais Liberais entre o povo Negro. Escolas com condições inadequadas, discriminação nos hospitais e nas instituições académicas e o ostracismo geralmente praticado contra os Negros provaram ser obstáculo praticamente inultrapassáveis para os professores, médicos, dentistas, advogados e outros Profissionais Liberais Negros.

Depois desta breve discussão sobre a evolução do povo Negro, podemos regressar à questão colocada no início deste capítulo.

Tínhamo-nos proposto mostrar que no processo de desenvolvimento histórico, nas condições específicas da História americana, os Negros têm vindo a desenvolver-se como Nação. No período do esclavagismo os Negros que eram trazidos de diferentes ambientes sociais e de sociedades em diferentes estádios de desenvolvimento foram submetidos a condições completamente novas mas uniformes nas plantações esclavagistas do Sul. O facto de o sistema esclavagista estar concentrado na zona das plantações facilitou o desenvolvimento dos Negros como um povo porque lhe tornou possível uma experiência histórica comum. A escravatura contribuiu com uma língua comum, um território comum, um passado histórico comum e o início de uma ideologia comum caracterizada principalmente pela aspiração à liberdade. No período de desenvolvimento capitalista, desobstruído com o fim da escravatura, surgiram condições que tornaram possível ao povo Negro continuar a desenvolver-se mais completamente em termos de nacionalidade. Os Negros foram integrados mais diretamente no sistema capitalista e desenvolveram-se as relações de classe características de todas as sociedades modernas. Estavam disponíveis as interconexões económicas e de classe já estabelecidas pelo avançado desenvolvimento do capitalismo no país como um todo e estas relações emergiram entre os Negros embora numa escala restrita e limitada. Com o crescimento da classe operária e das classes médias desenvolveu-se uma identidade cultural mais estável e mais duradoira expressa na literatura, na arte, música, na Igreja Negra, na imprensa – uma cultura fortemente influenciada pela cultura burguesa americana, embora contendo muitas correntes de revolta contra ela. A meticulosa segregação dos Negros impediu a fusão com a população branca e forçou os Negros a desenvolver-se como uma entidade distinta. As reminiscências da escravatura, que resultaram do falhanço da revolução democrático-burguesa em ir até às últimas consequências, atrasaram o livre desenvolvimento do povo Negro e reduziram-no ao estatuto de nação oprimida.

Na fase atual de desenvolvimento o povo Negro ainda está em processo de se tornar uma nação. A luta por se libertar das forças que lhe impedem um completo e livre desenvolvimento e que lhe negam direitos iguais é uma luta pela nacionalidade. É este aspeto nacional da questão Negra que dota o povo Negro de um tremendo poder para a mudança revolucionária e progressista.

O DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES

Até que ponto a posição dos Negros como nação se assemelha à posição de outras nações oprimidas? Apenas percebendo as peculiaridades da questão nacional aplicada ao povo Negro podemos determinar corretamente qual o curso a seguir na luta pela libertação.

Lenine distinguiu três fases no que toca ao desenvolvimento das nações. A primeira fase de 1789-1871, que vai da Grande Revolução Francesa à Guerra Franco-Prussiana (que marcou a criação de uma Alemanha unificada), foi uma época de emergência da burguesia, em que a sociedade e as instituições feudais foram destruídas. Neste período a única classe revolucionária capaz de vencer a velha classe, a aristocracia terratenente, era a burguesia. Durante este período foi uma classe revolucionária, porque levou a cabo uma revolução contra o velho e gasto sistema social; e lançou as bases do novo sistema capitalista. Foi durante este período que que se estabeleceram as poderosas nações capitalistas atuais. Foi neste período que ocorreu a segunda revolução americana com a vitória do Norte e dos seus aliados. Os escravos Negros só conseguiram a sua libertação da escravatura com uma aliança com a então classe revolucionária, a burguesia nortenha, contra os esclavagistas. Não existia então qualquer outra classe revolucionária porque o proletariado era ainda pequeno e fraco.

A segunda fase, de 1871 a 1914, que durou até o rebentamento da I Guerra Mundial é o período em que a burguesia atinge o seu desenvolvimento completo e começa a declinar. É neste período que a burguesia enquanto classe perde o seu caracter progressista, em que a riqueza e o poder se concentraram nas mãos de um pequeno grupo de grandes magnatas e em que cada burguesia nacional lutou com as outras burguesias nacionais pela repartição do mundo e pelo domínio mundial. O capitalismo entra na fase do Imperialismo engordando com a subjugação e a exploração colonial dos povos. Simultaneamente desenvolveu-se no interior de cada nação capitalista a classe cujo destino é o de substituir a burguesia como classe dominante. A classe operária cresceu, tornou-se mais forte e foi acumulando o seu poder.

Período em que vivemos

O período a seguir à I Guerra Mundial é a época do declínio do Imperialismo, o estádio final do capitalismo. É uma época revolucionária em que a burguesia ocupa agora o lugar da nobreza terratenente durante o primeiro período. Na nossa era a classe operária é a classe mais progressista e a única capaz de levar a cabo com sucesso a reconstrução do velho e gasto sistema capitalista que significa fome e miséria para as cada vez maiores massas da população. É a única classe capaz de criar o novo, a sociedade socialista, em que não haverá classes em que os produtores são também os donos em que será impossível a uma classe explorar outra. Estão criadas as condições para o desenvolvimento sem obstáculos, universal e sem precedentes, de todos os povos, a um ponto nunca alcançado antes pela Humanidade.

Este é resumidamente a História do desenvolvimento das nações, de que o objetivo final é a destruição de todas as classes no interior das nações e de todos os antagonismos entre as nações e a integração de todos os povos do mundo.

No período em que vivemos as nações e os povos coloniais oprimidos pelo capitalismo monopolista apenas podem obter a independência através da aliança com a classe operária mundial e com os movimentos democráticos.

Esta época final na vida do capitalismo e a nova era na vida da humanidade já se afastou dos seus primeiros estádios. Na União Soviética, onde o capitalismo foi destruído, os povos estão a construir a sociedade socialista. A crise geral que abalou até às fundações todo o mundo capitalista deu origem ao fascismo, que representa o esforço supremo das camadas mais reacionárias e opressivas da burguesia para esmagar todos os direitos democráticos e todas as organizações do povo para evitar mudanças historicamente progressistas. As classes operárias estão a unir-se e a juntar a si todos os setores democráticos da sociedade para derrotar a reação e o fascismo. Os povos coloniais e semicoloniais estão em luta para se defenderem dos renovados ataques das potências fascistas e militaristas.

No mundo atual existem nações em vários estádios de desenvolvimento. Nos países capitalistas avançados, que completaram há muito as suas revoluções democrático-burguesas, trava-se uma luta furiosa interna e externa entre as forças do fascismo e da democracia. Os países mais pequenos e fracos correm o risco de ser engolidos e de perder a sua independência nacional para a aliança fascista da Alemanha-Itália-Japão. Estes estados lançaram-se numa cruzada contra a democracia e a paz e constituem a principal ameaça contra as liberdades existentes e contra o grau de autonomia e desenvolvimento já atingidas pelos povos coloniais e semicoloniais como o mostra particularmente a conquista da Etiópia e pela invasão da China pelo Japão e pela intervenção das potências fascistas nos assuntos internos de vários países de África, América Latina e da Ásia. Nestas circunstâncias as nações mais pequenas e os povos coloniais encontram a melhor solução para a salvação nacional através da colaboração com as forças democráticas do mundo num sistema de defesa coletivo.

Os Negros em relação a Outras Nações

A posição dos Negros como nação oprimida nos Estados Unidos é semelhante à dos povos coloniais oprimidos, com algumas diferenças advindas das condições peculiares do seu desenvolvimento histórico.

Neste panfleto apenas podemos indicar estas diferenças:

  1. Ao contrário de outros povos oprimidos de hoje os Negros americanos foram escravos da nação opressora. Este fator histórico reforça a persistência da ideologia da “superioridade branca” e aumenta a atmosfera de ostracismo social.
  2. A Cintura Negra está situada no interior dos Estados Unidos como um todo e as massas da nação opressora vivem em forte proximidade com os Negros oprimidos. Por isso as classes dominantes adotaram métodos severos para separar as massas trabalhadoras brancas dos Negros para evitar uma aliança de luta. Este fator em conjunto com o primeiro explica a particular violência de todos os métodos opressão – Jim Crow, segregação, linchamentos, etc..
  3. A industrialização afetou a Cintura Negra mais do que afetou a maioria dos países colonizados, criando um proporcionalmente maior proletariado Negro que em conjunto com o proletariado branco está particularmente bem posicionado para liderar o povo Negro como um todo.
  4. Os monopólios capitalistas, através do sistema de crédito e dos seus conglomerados controla completamente a agricultura e a indústria na Cintura Negra e atrasa o desenvolvimento de uma burguesia Negra de forma mais fácil e mais completa do que nos países colonizados.
  5. Como resultado a burguesia Negra não possuiu grandes industrias e apenas tem alguns grandes latifundiários. A sua camada superior apenas pode existir como parasitária no interior da comunidade Negra.
  6. A migração massiva de Negros do Sul durante e após a Primeira Grande Guerra resultou na formação de uma numerosa minoria Negra no Norte que é tratada como uma minoria nacional oprimida. Uma poderosa camada da classe operária Negra está localizada no Norte. Daqui resulta por um lado o alargamento da base da classe média Negra; e por outro lado, devido ao contacto próximo com a classe operária mais desenvolvida do Norte e ao crescimento da solidariedade, o fortalecimento da classe decisivamente revolucionária no seio da luta de libertação Negra.

Estes traços específicos da questão Negra afetam necessariamente o curso do movimento Negro de libertação. Embora seja verdade que a ideologia e a prática da segregação, estabelecida ao longo de um largo período de tempo, coloca grandes obstáculos no caminho para a unidade, também é verdade que o entrelaçamento das necessidades e das reivindicações das massas brancas e das massas Negras constituem uma forte base para a fusão do movimento Negro com os movimentos progressistas de hoje. Por exemplo: o movimento sindical não pode continuar com sucesso o seu rápido crescimento sem, simultaneamente, estender a sua luta ao acesso a direitos iguais para os Negros; a luta contra os reacionários sulistas no interior do Partido Democrata envolve, entre outras questões, a luta por uma lei federal anti linchamento; a tarefa que obter direitos cívicos completos para os Negros é uma parcela essencial da luta contra a reação.

O PROGRAMA DA LIBERTAÇÃO NEGRA

É com base nas condições específicas criadas pelo desenvolvimento histórico que o problema da libertação Negra deve ser colocado e respondido. Estamos agora em condições de abordar com base nas condições do presentes e das tendências de futuro o programa de longo prazo para a libertação dos Negros.

O Movimento pelos Direitos Iguais

No movimento sindical é ainda comum o equívoco de que a solução para a questão Negra não difere em nenhum aspeto essencial da solução para a questão do Trabalho em geral e que se as reivindicações dos operários brancos forem satisfeitas as dos operários Negros serão simultaneamente satisfeitas. Isto não podia estar mais longe da verdade. Em todas as esferas da vida, quer nas lojas quer no na esfera política ou social, o Negro não tem os mesmos privilégios que os brancos. Em todos estes casos o Negro parte com menos do que o branco e, por isso, nas circunstâncias atuais, para conseguir a igualdade, o Negro reivindica, com todo a justiça, mais do que o branco. Adotar a visão de que a questão Negra é simplesmente uma questão de Trabalho (uma visão típica do Partido Socialista e de outros grupelhos renegados) é iludir a questão essencial, nomeadamente que os Negros são um povo ultra explorado e especialmente oprimido. Quando aplicada na prática essa visão leva inevitavelmente a abandonar a luta dos Negros por direitos iguais e pela capitulação face ao chauvinismo branco. Porque colocar dessa forma a questão ignora as reivindicações adicionais às dos operários brancos e que advêm da condição de super exploração das massas Negras.

Estas reivindicações adicionais estão contidas na reivindicação de direitos iguais em todas as fases da vida. Na indústria esta reivindicação toma a forma de salários iguais, condições de trabalho iguais, etc.; na vida social na eliminação de todas as regras Jim-Crow e da segregação e pelo direito de ser tratado com plena igualdade com os brancos; na vida política no direito ao voto, a poder aceder a cargos políticos, etc..

Sem dúvida que muitos destes direitos também não estão disponíveis para os operários brancos ou estão-no apenas de forma muito limitada. Os operários brancos têm muitas vezes de lutar pelo direito de reunião, de sindicalização, de greve, contra as restrições colocadas ao voto, pelo direito de ter os seus candidatos nas eleições, etc.. Reivindicar direitos iguais significa também reivindicar direitos que os operários brancos também não têm e pelos quais também lutam.

Em face da agressão das potências fascistas e da ameaça fascista interna defender e estender a democracia assume suprema importância. Nos países onde o fascismo domina, todos os direitos democráticos são negados às massas e o governo torna-se uma ditadura das camadas mais reacionárias da burguesia. O rumo seguido pelos Grandes Negócios nos Estados Unidos na sua luta contra todas as tendências progressistas se não for bloqueado pelo povo levará a eliminação de um direito atrás do outro até ao estabelecimento do fascismo. O sofrimento dos Judeus na Alemanha, o dos etíopes sob o fascismo italiano e o dos chineses sob a agressão militar-fascista do Japão mostra o extremo perigo para os Negros que o desenvolvimento do fascismo representa. Nestas circunstâncias a luta por preservar e estender os direitos democráticos, particularmente os dos Negros, torna-se mais do que nunca uma preocupação de todos os trabalhadores e de todos os progressistas.

Na luta por obter e preservar direitos democráticos a classe operária reforça a sua própria posição no interior do capitalismo, solidifica as suas fileiras e desenvolve a ofensiva contra a burguesia. “Tal como a vitória do Socialismo é impossível sem o completo estabelecimento da democracia assim o proletariado será incapaz de preparar a vitória sobre a burguesia a menos que conduza uma luta revolucionária consistente e em múltiplas frentes pela democracia” disse Lenine.

Se a reivindicação de direitos iguais integra todas as reivindicações especiais dos Negros do Norte, ela apenas cumpre parcialmente as necessidades urgentes dos Negros no Sul. Porque é no Sul que a maioria dos Negros vive e é na Cintura Negra que eles formam a maioria da população. É aí que as massas dos Negros que são trabalhadores rurais ou rendeiros subalternos vivem em condições de semi-servidão, praticamente re-escravizados no solo que trabalharam durante um século.

A opressão dos Negros no Norte, em análise final, tem as suas raízes na posição dos Negros na Cintura Negra. Porque é desta área super explorada e oprimida que os capitalistas recrutam os operários “baratos” para as indústrias do Norte e obtiveram e continuam a obter parte dos lucros excessivos provenientes das plantações de algodão que depois usam no reforço do poder do capital em geral. A discriminação social e política dos Negros no Sul serve de padrão para uma discriminação semelhante no Norte. Enquanto os Negros do Sul continuarem explorados e oprimidos no sistema agrícola semifeudal de rendeiros subalternos e nas industrias fortemente relacionadas com este sistema, os Negros do Norte continuarão a ser uma minoria nacional oprimida, sofrendo de todas as discriminações sociais e políticas dessas minorias.

No Sul, e consequentemente também no Norte, os Negros só podem garantir a verdadeira igualdade obtendo o direito de autodeterminação, o mais importante dos direitos políticos democráticos.

O Direito à autodeterminação

Em geral, a reivindicação do direito de autodeterminação das nações oprimidas significa o direito de livremente se separar da nação opressora. Não significa necessariamente que a separação tenha mesmo de ocorrer. Mas significa que o povo oprimido tem o direito de decidir por si próprio se deseja viver como nação independente ou se deseja federar-se com outras nações no interior de um Estado.

Exigimos o direito de autodeterminação – diz Lenine – não porque sonhemos com um mundo economicamente atomizado, não porque acalentamos o ideal dos Estados pequenos, mas pelo contrário porque somos a favor de Estados grandes e por uma aproximação e mesmo uma fusão de nações mas numa base verdadeiramente democrática e internacionalista, a qual é impensável sem a liberdade de separação … [a classe operária] luta por aproximar as nações, por as fundir, mas procura fazê-lo não pelo uso da força mas apenas por uma união livre e fraternal dos operários e das massas trabalhadoras de todas as nações.

Antes de um povo poder ter direitos iguais aos de outros povos do mundo precisa de ter o direito a decidir por si próprio sobre as relações que quer manter com outras nações. Não podemos dizer, em nenhum sentido, que o povo Negro conseguiu direitos iguais sem que tenha o direito à autodeterminação.

O comunismo luta para aproximar os povos de todo o mundo e para os unificar em Estados cada vez maiores. O Partido Comunista dos Estados Unidos luta pela unidade dos trabalhadores Negros com as massas brancas do país, mas este objetivo não pode ser atingindo até que os Negros tenham a liberdade – o que não é o caso hoje – de entrar de livre vontade e sem coerção nessa união. Devem primeiro ter o direito de escolher antes que possamos dizer que escolheram livremente.

O direito de autodeterminação aplicado ao povo Negro dos Estados Unidos significa: que os Negros na Cintura Negra, onde são a maioria da população há muitas gerações, têm o direito de erguer uma nova entidade política nas áreas em que constituem a maioria da população; que nessa nova entidade política o povo Negro deve gozar de total autoridade governativa, com a significativa minoria branca a ter direitos iguais e completos; e que o povo Negro tem o direito de decidir por si próprio e em base livre e voluntária se o seu novo Estado deve ser federado com os Estados Unidos ou deve ter completa independência política.

O direito à autodeterminação não significa necessariamente a separação. Inclui o direito de escolher entre a separação e a federação com os Estados Unidos. As bases em que a separação ou federação possam vir a ter lugar variam com o tempo e as circunstâncias. Qual destes duas alternativas seria apoiada pelos comunistas e pelos progressistas Negros e brancos depende necessariamente simultaneamente das condições nacionais e internacionais do momento em que essa escolha venha a ser feita.

O problema da independência das Filipinas dá-nos um bom exemplo deste ponto. Desde a sua revolução contra a Espanha e da sua heroica luta contra a invasão americana, o povo filipino tem vindo a lutar por se libertar da dominação americana e pela independência. No decurso desta luta pela independência conseguiram conquistar muitos direitos políticos e uma cada vez maior autonomia política. Desde o início da guerra de agressão japonesa contra a China que foi reconhecido que o Japão representa o maior perigo para as atuais liberdades e para o atual grau de autonomia dos filipinos. Daí que a questão da independência se tenha integrado na questão da preservação da autonomia e de impedir as forças fascistas agressoras de conquistar o país. Por estas razões o povo filipino está a considerar seriamente a alternativa de entrar numa relação política democrática com os Estados Unidos numa base livre e voluntária. Se a vontade do povo, manifestada em plebiscito, favorecer a uma forma de união livre com os Estados Unidos e não numa independência completa, pode dizer-se que o povo filipino não goza menos do seu direito de autodeterminação do que se decidisse pela independência completa. O importante é que tenham direito a escolher livremente.

Alguns mal-entendidos

Ao atacar o direito à autodeterminação como objetivo do movimento Negro, alguns críticos não poucas vezes destorcem o verdadeiro significado desta palavra de ordem. A distorção mais comum é que a autodeterminação encorajaria um movimento separatista e a constituição de um Estado Jim-Crow, constituído só por Negros e sob sua exclusiva dominação. Estes oponentes procuram colocar o programa Comunista na mesma categoria do que os esquemas apresentados várias vezes pela burguesia nacionalista, como o do movimento Regresso a África e mais recentemente o movimento a favor da criação do 49º Estado.(19) Estes programas respondem à segregação e procuram evitá-la através de esquemas utópicos de migração para uma terra “de leite e mel”.

Parte da dificuldade assenta no falhanço em perceber o verdadeiro significado da segregação. A essência da segregação tal como é praticada contra os Negros é a força. O negro é segregado contra a sua vontade por uma nação dominadora e se ele enquanto individuo procurar ultrapassar os limites impostos pelas práticas Jim-Crow, nomeadamente no Sul, enfrentará uma repressão violenta. A segregação contém o estigma da “inferioridade”, da degradação e do insulto.

O programa que é resumido na palavra de ordem de direito à autodeterminação procura precisamente eliminar este tipo de separação forçada e opressiva entre as pessoas brancas e Negras e coloca o enfase principal na necessidade de luta contra todas as formas de Jim-Crow. A autodeterminação procura estabelecer as bases da livre escolha, que é a condição necessária para as relações harmoniosas entre os povos.

Nem o Comunismo antevê a formação de um governo na Cintura Negra formado unicamente de Negros. Existe um grande número de brancos neste território e uma verdadeira democracia não pode ser criada aqui sem uma aliança entre o povo Negro e as massas brancas, principalmente com os operários, os rendeiros e os pequenos camponeses contra os donos das plantações e os capitalistas financeiros. Por exemplo, seria inconcebível desenvolver um movimento democrático e progressista no Sul que não tivesse como um dos seus principais objetivos conquistar o direito de voto para os Negros.

E se a democracia se desenvolver particularmente na região da Cintura Negra do Sul ela trará consigo a reforma agrária e outros passos parciais na direção de uma transformação democrático-burguesa do sistema semiesclavagista das plantações, transformações em que as massas brancas também estariam envolvidas. Na Cintura Negra, pela própria natureza da sua população e da sua estrutura económica, seriam os Negros que emergiriam como a força política predominante.

Finalmente deve ser claramente percebido que o direito à autodeterminação do povo Negro pode ser apenas o culminar de um processo histórico. Este processo passa pela luta por alterações agrárias e pela terra, pelos numerosos aspetos da luta pelos direitos democráticos no Sul, pela evolução do movimento sindical no Sul para um nível superior de organização, pelo aumento da solidariedade e da consciência política. À medida que estas lutas se desenvolvem e se fundem num caudal principal, as próprias peculiaridades das condições sulistas, tornarão possível a emergência de uma entidade política abrangendo aproximadamente o território do que é hoje a Cintura Negra. Apenas quando este estádio for atingido, mesmo que sob o capitalismo, pode a autodeterminação tornar-se uma questão prática imediata. Assim apenas nessa altura pode a questão de escolher entre a independência total e uma federação com o governo dessa alturas nos Estados Unidos ser colocada de forma prática exigindo uma resposta imediata.

Será necessária a autodeterminação?

Um tipo de acusação que tem sido levada aos extremos pelos Trotskistas e pelos Lovestonistas,(20) e que também é expressa pelo líder socialista Norman Thomas,(21) é que os comunistas aplicaram “mecanicamente” a fórmula europeia à questão dos Negros e que em nenhum caso, especialmente sob o socialismo, é a separação necessária. As pessoas sinceras e honestas que aceitam este ponto de vista claramente não entendem a magnitude da questão Negra neste país.

O direito à autodeterminação será um passo indispensável para ultrapassar o separatismo e a inimizade entre as massas brancas e Negras que resultou de séculos de extrema exploração e opressão dos Negros. As massas brancas absorveram em diversos graus a velha atmosfera do chauvinismo branco e isso não pode ser erradicado do dia para a noite. Ninguém que tenha pensado seriamente na questão pode dizer que com a implantação do socialismo todos os preconceitos desapareçam automaticamente, nem que os Negros possam imediatamente obter uma condição de completa e garantida igualdade quer em termos económicos quer sociais. Por outro lado, as condições de opressão dos Negros criaram uma profunda desconfiança dos Negros em relação às massas brancas, um sentimento vindo de incontáveis experiências e práticas. A grande maioria do povo Negro não vê ainda por que razão devam confiar nos operários brancos, mesmo nos mais avançados politicamente. Enormes avanços no sentido de ultrapassar estes preconceitos quer entre os bancos quer entre os Negros estão a ser feitos e poderão ser feitos no decurso do desenvolvimento do nosso movimento. Mas mesmo sob o socialismo a disparidade económica entre as posições dos brancos e das massas Negras será herdada do capitalismo e as velhas ideologias continuarão a ter peso. O cumprimento do direito à autodeterminação constituirá o meio mais efetivo de estabelecer a maior liberdade nas relações entre os povos Negros e brancos e, igualmente importante, criará as condições para o desimpedido crescimento e desenvolvimento da nação Negra

Um ponto que tem causado muitos mal-entendidos é a forma como os Comunistas concebem a relação da reivindicação da autodeterminação com a fase atual do movimento. Deve ser claramente percebido que atualmente os Comunistas para participarem em qualquer frente unida das forças democráticas não colocam como condição a concordância com o seu objetivo último. É evidente que a luta politica no país no seu todo ainda não atingiu o ponto em que as massas possam ser mobilizadas quer para o socialismo quer, especificamente, para a principal palavra de ordem da luta de libertação Negra. Contudo, os Comunistas estão prontos a cooperar com aqueles com quem concordam na substância sobre os problemas imediatos que o povo enfrenta.

Este rumo, isto não significa que o Partido Comunista tenha desistido da perspetiva de desenvolvimento do movimento de libertação Negro na direção da realização do direito à autodeterminação. A questão Negra deste país pode ser resolvida quer sob o capitalismo quer sob o socialismo, apenas pela finalização da revolução democrático-burguesa no Sul, cujo ponto mais importante e relevante é a garantia do direito à autodeterminação para o povo Negro.

A Solução Soviética para a questão nacional

Que a solução para a questão Negra dos Estados Unidos esteja no programa sumarizado na palavra de ordem de direito à autodeterminação ficou demonstrado pela História da União Soviética. Durante todo o período que precedeu a revolução de 1917, os Comunistas Russos adotaram como princípio a aliança da classe operária com os povos oprimidos do império russo e foi isso que tornou possível o sucesso da revolução de 1917 e a solução subsequente dos extremamente complicados problemas nacionais. Um ano antes da revolução, sintetizando a posição Comunista, Lenine escreveu:

A revolução social não pode acontecer exceto em épocas de guerras civis proletárias contra a burguesia nos países avançados, combinadas com um conjunto de movimentos revolucionários democráticos, incluindo movimentos pela libertação nacional em países subdesenvolvidos e atrasados, e em nações oprimidas.(22)

A revolução de Outubro é testemunho destas palavras de Lenine. O absolutismo czarista foi derrubado como resultado da revolução democrático-popular de Março de 1917, liderada pelos operários em aliança com os soldados, a maioria dos quais camponeses. Mas a burguesia russa tomou o poder e era do seu interesse continuar a Guerra Mundial e manter o capitalismo na Rússia. Quando o proletariado revolucionário dirigido pelo Partido Comunista, cresceu rapidamente em número e em influência foi visto pelas largas massas trabalhadores como a única força capaz de garantir a paz, o pão e a terra, as massas camponeses e as nacionalidades oprimidas juntaram-se-lhe e puseram fim ao capitalismo através da revolução proletária em Novembro de 1917. Sob a liderança do proletariado e do seu partido foram vencidas dificuldades que pareciam inultrapassáveis e o socialismo implantado na União Soviética.

A revolução proletária resolveu o problema das nacionalidades na Rússia, o país que até aí fora conhecido como a “prisão das nações”, onde cerca de 200 nacionalidades eram oprimidas pelo czarismo, onde o ódio e o preconceito eram correntes, onde os métodos czaristas de matanças em massa e de repressão brutal ameaçavam várias nacionalidade de extinção ou de assimilação forçada. A revolução ao destruir o czarismo e destronando a burguesia tornou possível o desenvolvimento económico e cultural das antigas nações oprimidas e das minorias nacionais. O programa do Partido Comunista da União Soviética declara:

Para ultrapassar a desconfiança das massas trabalhadoras dos países oprimidos em relação ao proletariado dos estados que oprimiam esses países é necessário abolir todos, mesmo os mais pequenos, privilégios gozados por qualquer grupo nacional e estabelecer a completa igualdade perante e lei de todos e cada uma das nacionalidades e reconhecer o direito de separação das colonias e das nações subjugadas.

Este programa tem estado a ser levado a cabo pelo Governo soviético e pelo Partido Comunista. Todos os restos do chauvinismo herdados do czarismo são combatidos energicamente pelo Governo e pelo partido e estão a ser erradicados.

A primeira e mais importante base da opressão nacional – o retardar do desenvolvimento económico, social e cultural de um povo – está a ser rapidamente eliminada. Enquanto a política do czarismo, tal como a política de Wall Street em relação aos Negros, foi a de atrasar à força o desenvolvimento das nacionalidades não russas, o governo soviético e o proletariado russos encorajam, ajudam e dão uma atenção especial a um desenvolvimento em todas as áreas dos povos anteriormente oprimidos. Em termos de desenvolvimento e crescimento económico, muitos destes povos estão a saltar o estádio do capitalismo e a desenvolver-se em termos Socialistas.

Tudo isto foi feito de uma maneira muito prática através do lançamento de indústrias, da coletivização e modernização da agricultura nas áreas habitadas pelas minorias nacionais a um ritmo mais elevado do que na Rússia central. Por exemplo no primeiro Plano Quinquenal que implantou uma base industrial de grande escala, o crescimento médio do capital industrial para a União Soviética como um todo atingiu os 289% mas nas repúblicas nacionais atrasadas esse crescimento foi maior atingindo os 350% e em alguns casos até os 1.000%! Atraso substituído por um crescimento extra rápido.

A taxa de coletivização (agregando as terras arrendadas aos pequenos camponeses em grandes quintas coletivas) nas áreas das minorias étnicas foi maior do que na Rússia Central. Em várias repúblicas nacionais a coletivização terminou primeiro do que na própria Rússia. A par com este processo os velhos métodos de produção agrícola foram sendo descontinuados. É interessante e instrutivo comparar esta realidade com a agricultura na Cintura Negra dos Estados Unidos. No Sul os rendeiros subalternos e os pequenos camponeses são levados a cultivar o algodão como uma cultura contra dinheiro, a produzir uma matéria-prima destinada a ser vendida aos grandes latifundiários, comerciantes e banqueiros para lucro destes. Não existe qualquer esforço nem de preservação do solo, nem para evitar o plantio em pequenos lotes e com métodos ineficientes. Como consequência existe um retrocesso na agricultura do Sul profundo o qual, naturalmente, gera uma ruina e uma miséria ainda maiores para os camponeses Negros e para os pequenos agricultores e rendeiros brancos. Através da reorganização socialista na União Soviética o governo e o Partido do proletariado apoiaram de diversas formas as nacionalidades atrasadas a restaurar a sua agricultura que tinha sido arruinada pela opressão czarista. O retrocesso da agricultura sulista tão lamentado, por vários especialistas, como inevitável e que se pensa condenar os Negros à pobreza perpétua, pode ser eficazmente travado através da coletivização. Sob um sistema socialista a Cintura Negra pode transformar-se numa das zonas agrícolas mais produtivas e eficientes do país. O que em conjunto com o completo desenvolvimento industrial do Sul, até hoje o grosso desse desenvolvimento restringe-se às zonas localizadas fora da Cintura Negra, pode aumentar o nível económico do povo Negro, criando as bases para um desenvolvimento integral económico, social e cultural para as massas.

Culturalmente as nacionalidades da União Soviética fizeram tremendos progressos. Enquanto o czarismo travou o desenvolvimento cultural ainda mais do que o desenvolvimento económico – não permitindo atividades nas línguas nativas, implementando o quase completo analfabetismo, etc. – hoje o analfabetismo está a ser rapidamente erradicado. Jornais nas línguas nacionais surgem às centenas onde não existia nenhum antes ou em localidades onde existiam apenas um número reduzido. As editoras não tem mãos a medir para responder às necessidades das massas. Em 1933 todas as crianças em idade escolar frequentavam escolas públicas (compare-se com a situação no Sul onde 30% das crianças não vão à escola e a maioria das restantes vão à escola apenas por períodos de dois a três meses por ano). Uma nova, rica e variada cultura, “nacional na forma, socialista no conteúdo” esta a desenvolver-se rapidamente.

Estes avanços foram feitos apesar das tremendas dificuldades enfrentadas devido ao estádio relativamente atrasado do país em vésperas do período da construção socialista; apesar de a União Soviética ser o único país socialista num mundo capitalista hostil, apesar dos obstáculos e da sabotagem da espionagem Trotskista-Bucarinista, destruição que se centrou especialmente nas repúblicas nacionais não russas. A União Soviética não teria podido aguentar as atividades contrarrevolucionária combinadas de todos os elementos hostis se o socialismo não tivesse resolvido de forma permanente e bem-sucedida o problema das nacionalidades, retirando as bases a qualquer movimento de massas que apoiasse as intrigas das potências hostis que procuraram dividir e separar a União das Repúblicas Soviéticas.

O sucesso soviético na esfera da questão nacional mostra que o programa comunista de libertação nacional é o melhor para se atingir simultaneamente quer a igualdade dos povos quer as condições mais favoráveis para o avanço do socialismo. É com isto em mente que nos propomos agora examinar as condições americanas concretas sob as quais o movimento de libertação Negro cresce e se desenvolve.

A VIA PARA A LIBERTAÇÂO NEGRA

A libertação Negra, na forma da aquisição do direito à autodeterminação, só pode ter lugar como resultado de um amadurecimento e de um crescimento contínuo de um movimento baseado na aliança do povo Negro com a classe operária. A solução última para a questão, em direção à qual o movimento se desenvolve, é em si mesma o resultado de um várias lutas e da combinação de lutas. O movimento de libertação Negra integra atualmente todas as correntes das massas e as lutas em torno dos assuntos que são mais urgentes para as massas. Assim, a luta pelos direitos dos Negros, na fase atual, é essencialmente uma luta pela extensão da democracia, e é levada a cabo em conjugação com todas as forças progressistas empenhadas na luta contra o fascismo e a reação.

Um crescente movimento Negro, que inclua as massas dos Negros e que esteja aliada com as outras massas progressistas da população americana, deve direcionar-se continuamente em direção à obtenção de uma maior democracia, incluindo o direito à autodeterminação. Cada desenvolvimento da luta pela democracia aplicada especialmente ao povo Negro e ao Sul é um passo nessa direção. Tal é, por exemplo, o movimento organizado dos trabalhadores agrícolas bem como as medidas de reforma agrária que tendem a enfraquecer o sistema de plantação. A luta por uma lei federal contra o linchamento, a luta pelo sufrágio Negro, bem como a luta pela sindicalização do proletariado Negro e branco no Sul, e outros movimentos de carater semelhante contribuem para fortalecer as forças da democracia popular. Por exemplo, a conquista do direito de voto Negro no Sul apenas pode ser conseguida através de uma aliança entre as forças mais progressistas e os Negros, e por sua vez permitiria criar as condições para derrotar a reação, que tem uma forte base no Sul. Mais concretamente, se os Negros conquistassem o direito de voto no Alabama, ou na Carolina do Sul, ou na Georgia, como consequência de uma aliança de forças democráticas, o panorama político do Sul seria rapidamente alterado. Através da criação de uma Frente Popular podemos derrotar a reação e criar as condições para um maior amadurecimento do movimento criado.

Alterações aos Velhos Programas

A posição peculiar da classe média Negra tem inspirado as velhas ideias nacionalistas burguesas, que até recentemente têm dominado praticamente todos os setores da população Negra. Uma escola de pensamento representada por Booker T. Washington e por aqueles reunidos à sua volta no Instituto Tuskegee partem da premissa da aceitação do sistema de segregação e nesta base procuram a progressão económica principalmente através da posse de terras em pequena escala e dos pequenos negócios. Estes líderes defendem que o futuro dos Negros depende do seu progresso individual e uma vez que aceitam a segregação da comunidade Negra tendem a trabalhar contra todos os movimentos que ameacem o Jim-Crowismo. Nos seus esforços para preservar e expandir o mercado segregado, um grande número de líderes desta escola tornaram-se grandes opositores ao movimento sindical entre o povo Negro.

As ideias de Tuskegee foram eficazmente desafiadas em vésperas da Grande Guerra pelo movimento por direitos iguais sob a liderança da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP). Apesar de fazer da luta contra a discriminação o seu principal objetivo, esta organização, ao longo do tempo veio a concentrar a sua principal atividade em casos teste levados a tribunal e afastou-se das ações que poderiam estimular um movimento de massas.

O desinteresse destas organizações das classes médias, a migração massiva dos Negros para o Norte durante os anos da Guerra e onde entraram para a industria nas condições mais desfavoráveis, em conjunto com a intensificação da discriminação contra os Negros e o falhanço do movimento sindical em tomar medidas para a rápida organização destes novos trabalhadores Negros, contribuíram para o rápido desenvolvimento do movimento nacionalista de massas sob a direção de Marcus Garvey. Durante algum tempo, este movimento, assente essencialmente nas aspirações nacionalistas do povo Negro, mostrou-se uma força poderosa. E se definhou foi em muito devido à natureza utópica do seu programa e às suas fortes tendências separatistas e antissindicais.

A crise económica de 1929-1934, que teve consequências especialmente devastadoras entre os Negros, em conjunto com a crescente atividade do Partido Comunista provocou uma mudança gradual das conceções e métodos tradicionais. O crescimento do fascismo no estrangeiro e o perigo de desenvolvimentos reacionários neste país também tiveram o efeito de levar as massas Negras da classe média a perceber a necessidade de uma frente unida contra a reação. As antigas organizações Negras estão agora tendencialmente a colocar o enfase principal mais na luta contra a discriminação e menos na expansão dos negócios e nos sentimentos anti brancos característicos dos movimentos nacionalistas burgueses. Através do Congresso Nacional Negro muitas organizações sindicais e organizações da classe média (incluindo o NAACP, a Liga Urbana, o YMCA, e grupos de jovens e movimentos religiosos) estão a começar a cooperar num movimento pelos direitos dos Negros e num esforço por criar fortes laços de trabalho com os sindicatos e os movimentos progressistas do país. Esta mudança dos acontecimentos tem sido fortemente influenciada pelos avanços do movimento sindical, especialmente em organizações como o CIO que reúne milhões de operários das indústrias de base muitos dos quais Negros.

Tendo em conta o crescimento das tendências reacionárias neste país e a ameaça de guerra instigada pelas potências fascistas, os Comunistas colocam um ainda maior enfase na necessidade de defesa das conquistas democráticas. Por isso procuram unir todas as forças democráticas e progressistas numa Frente Popular focada na defesa do nível de vida do povo e dos seus direitos contra os ataques dos grandes grupos monopolistas que são os inspiradores e apoiantes do fascismo. O Congresso Nacional Negro é um passo vital nesta direção porque, entre outras coisas, oferece a oportunidade de unir a grande maioria do povo Negro numa frente democrática e antifascista em conjunto com o Trabalho, com os camponeses e os progressistas da classe média.

O Papel dos Camponeses

Certamente que uma frente democrática do povo Negro deve incluir como um dos seus setores mais importantes os Negros envolvidos na agricultura, que perfazem aproximadamente 2.000.000 de pessoas, e que praticamente na totalidade vivem no Sul. Os rendeiros subalternos e os trabalhadores agrícolas são explorados pelos grandes latifundiários das plantações como peões. O número de Negros donos de terras caiu dramaticamente nos últimos 25 anos e a área ocupada pelas terras pertencentes a Negros diminuiu quase para metade no mesmo período. Os trabalhadores agrícolas Negros do Sul recebem menos do que os trabalhadores agrícolas de qualquer outra região do país e a exploração das crianças camponesas é maior no Sul no que no restante país.

Os verdadeiros exploradores dos camponeses Negros são os capitalistas monopolistas de Wall Street que, através do financiamento à agricultura de grande escala do Sul, obtém os maiores lucros do sistema de plantação. Os grandes latifundiários donos das plantações e os intermediários financeiros são os capatazes de Wall Street e “partilham” os lucros obtidos com a super exploração dos camponeses Negros. Na sua luta contra a servidão do sistema de rendeiros subalternos e de plantação, os trabalhadores agrícolas constituem a força principal na luta contra as camadas mais reacionárias da burguesia. A sua luta move-se necessariamente em direção à eliminação do sistema de plantação e de rendeiros subalternos que é o principal obstáculo à liberdade política no Sul.

A necessidade de erradicar os resíduos da escravatura está interligado com todo o movimento pela preservação e extensão da democracia. Uma dos principais redutos da reação no país baseia-se na aliança entre os donos das grandes plantações e o capital monopolista. Esta aliança baseia-se essencialmente na sobre exploração das massas Negras. Na fase atual a luta pela reforma agrária e pelo estabelecimento da democracia no Sul é indispensável para a criação de uma frente democrática para a contenção as tendências fascista e para derrotar a reação.

Desenvolvimentos recentes tais como o crescimento do C.I.O. nos centros industriais do Sul e a crescente força dos sindicatos de camponeses e de rendeiros subalternos em certas áreas importantes no Sul, em conjunto com o início do agrupamento de pessoas progressistas dentro, mas também fora, do velho Partido Democrático, pode vir a desencadear num futuro próximo um novo movimento popular nas melhores tradições do Partido do Povo e da Aliança Camponesa. Contudo, desta vez este movimento deve ser capaz de evitar as velhas armadilhas que destruíram o movimento dos anos “noventa” principalmente porque terá uma base operária mais substancial e mais experimentada e estará mais integrado no movimento progressista nacional.

A Classe Operária e a luta de libertação Negra

Tanto os operários Negros como os brancos têm tarefas especiais a desempenhar relativamente à luta de libertação do povo Negro. Embora os interesses da classe operária de todos os povos e nações sejam essencialmente os mesmos, as condições de opressão do povo Negro criaram diferenças na abordagem e necessariamente nas atividades dos operários brancos. As diferenças de posição dos operários brancos e Negros pode ser resumida sumariamente da seguinte forma:

  1. Uma camada dos operários brancos beneficiaram indiretamente da sobre exploração dos Negros. Dos lucros obtidos no roubo dos camponeses e operários Negros bem como dos lucros obtidos na exploração das colónias, os capitalistas puderam pagar salários mais altos a uma camada dos operários brancos, criando uma grande aristocracia operária que é usada contra as massas de operários não qualificados e não sindicalizados brancos e Negros. Assim a Federação Sindical Americana (AFL) – que organiza apenas os trabalhadores qualificados e os estratos superiores da classe operária – representa apenas uma parte relativamente pequena dos assalariados com a esmagadora maioria dos trabalhadores não qualificados das indústrias de produção em massa a continuarem não organizados. Um conjunto importante de sindicatos da AFL, bem como das fraternidades dos trabalhadores dos caminhos-de-ferro, fecham as suas portas aos trabalhadores Negros, que assim se viram impedidos de se sindicalizarem e de aceder ao trabalho qualificado. Desta forma até há pouco tempo o movimento sindical desencorajava o desenvolvimento dos Negros e coartava a sua participação no movimento sindical por profissões.
  2. A crise de 1929-34 conjugada com o incremento da mecanização e da racionalização da indústria, reduziu drasticamente a necessidade de trabalhadores qualificados e começou a minar a base do sindicalismo. Nos anos que se seguiram à crise, grandes números de trabalhadores das indústrias de base organizaram-se em sindicatos por indústria no seio do C.I.O. Esta foi a primeira brecha no muro da exclusividade sindical e muitos operários Negros aderiram aos sindicatos. Estabelecia-se um relacionamento novo e mais esclarecido entre os Negros e o movimento sindical. Contudo, as velhas atitudes persistem e os operários Negros precisam ainda de conquistar a total igualdade no movimento sindical. A luta pela eliminação de todas as barreiras à filiação de Negros nos sindicatos da AFL e nas fraternidades dos caminhos-de-ferro ainda continua e os operários Negros enfrentam ainda o seu maior problema – obter a em todas as indústrias condições iguais às desfrutadas pelos operários brancos.
  3. De um ponto de vista político os operários brancos ocupam uma posição privilegiada quando comparada com a posição dos operários Negros.
  4. Os operários brancos foram ensinados na escola e na vida quotidiana a olhar com desdém e desprezo para os Negros. Tendo sido poluídos pelo chauvinismo branco eles participam, de muitas formas, muitas vezes inconscientemente, nas práticas de ostracismo social e de discriminação contra os Negros.

As massas Negras recordando-se do que sofreram às mãos dos brancos sem distinção de classe olham com grande desconfiança para os brancos incluindo para os operários brancos. Esta profunda desconfiança contra os brancos tem sido “alimentada” pela atmosfera prevalecente da “superioridade branca” que chega mesmo até ao movimento sindical. Também tem sido fomentada por alguns líderes burgueses Negros de Booker T. Washington a Marcus Garvey e ao Dr. Du Bois que têm aconselhado o povo Negro a não contar com a classe operária branca. Conselheiros deste tipo apontam, por exemplo, à multidão de 10.000 brancos pobres e atrasados que se juntaram à porta do Tribunal em Scottsboro quando oito rapazes Negros foram condenados à cadeira elétrica, mas esforçam-se por não colocar a culpa onde ela é devida: nos grandes latifundiários, banqueiros e intermediários de crédito desta zona atingida pela seca que estavam a matar à fome os brancos pobres e que, temendo uma revolta, conseguiram transferir o ódio dos brancos pobres deles próprios para os ainda mais explorados Negros. Esquecem-se de mencionar que esta multidão foi organizada pelos jornais dos comerciantes e latifundiários da vizinhança e das cidades próximas, que publicaram às mais vis calúnias contra os Negros e promoveram um espirito propicio ao linchamento.

As tarefas específicas dos Operários brancos

A maior responsabilidade na erradicação do separatismo no movimento sindical cabe aos operários brancos. Apenas os operários brancos – pelo exemplo – podem ultrapassar a profunda desconfiança dos operários Negros. “Nenhum povo pode ser livre oprimindo outro povo” disse Karl Marx.

E apenas palavras não serão suficientes. Apenas pelas ações podem os operários brancos demonstrar que afastaram de si a imundice do preconceito e da opressão. Devem apagar em si próprios todos os traços das ideias “superioridade branca” e ser os primeiros a reivindicar e a lutar pelas reivindicações especiais dos Negros, por direitos iguais para os Negros, por uma completa igualdade económica, social e política.

Sempre que os operários brancos aderiram à luta pelas reivindicações específicas dos Negros a desconfiança entre eles dissipa-se. Os operários Negros têm-se mostrado muito interessados em aderir aos sindicatos e mostraram ser os maiores militantes pela causa dos trabalhadores. A crescente unidade entre operários Negros e brancos nas lutas quotidianas pela melhoria das suas condições mostra a poderosa força dessa unidade, sem a qual a classe operária não pode progredir contra o capital monopolista e a reação. A questão essencial para estabelecer uma aliança permanente com o povo Negro é que os operários brancos incorporem nos seus sindicatos e nos seus programas políticos e de atividades as reivindicações vitais dos Negros.

As tarefas específicas dos Operários Negros

Por outro lado, os operários Negros, devem tentar ultrapassar a desconfiança que as massas negras sentem em relação aos operários brancos fazendo-as perceber a razão porquê que os operários brancos, enquanto classe, são os seus amigos e aliados de confiança. Relativamente a este ponto devem acima de tudo desmascarar os reaccionários separatistas e nacionalistas que existem no seu seio, alguns dos quais torceram as ideias nazis e transformaram-nas numa espécie de super nacionalismo Negro, enquanto outros se lançaram no jogo ainda mais perigoso de divulgar o programa racial japonês pan-asiático entre as massas Negras. As recentes teorias e o programas raciais, inspiradas pelo fascismo, foram enxertadas nos velhos programas nacionalistas reacionários propagados entre as massas Negras. Estes defensores da separação das raças fazem o jogo da reação e do fascismo e precisam de ser vigorosamente combatidos pelos operários Negros.

Um dos maiores obstáculos que precisa de ser ultrapassado entre o povo Negro é o sentimento de isolamento, a tendência para considerar os problemas específicos dos Negros como separados do movimento progressista geral da classe operária e dos seus aliados. Por exemplo a luta pelos direitos democráticos dos Negros integra-se na luta do povo americano pela defesa e extensão da democracia e não pode ser levada a cabo com sucesso isolada no movimento de massas mais amplo. Mais, a libertação do povo Negro não pode ser considerada de forma separada da missão histórica da classe operária de reconstruir a sociedade e construir o socialismo. Maior democracia pode ser obtida sob o capitalismo, mas apenas com as limitações inerentes a um sistema de exploração baseado na propriedade privada dos meios de produção e na apropriação dos principais benefícios por uma pequena classe de grandes proprietários. A garantia total de direitos completamente iguais e a libertação do povo Negro só podem ser alcançadas no socialismo, a forma mais elevada de democracia.

O movimento reunido em torno do Congresso Nacional Negro é o melhor instrumento que temos disponível para forjar a unidade do povo Negro e de o ligar com o movimento mais amplo com vista a uma Frente Popular. A nossa luta imediata para derrotar todas as forças reacionárias oferece a melhor e mais direta via para a libertação Negra.


Notas de rodapé:

(1) Nota do tradutor para português: Essa situação foi fortemente alterada com as perseguições aos Negros que os obrigaram a migrar para outros Estados. Mesmo Sumter County tem hoje um número superior de brancos relativamente ao de Negros. (retornar ao texto)

(2) Nota do tradutor para português: esta definição encontra-se na obra de Estaline O Marxismo e o Problema Nacional datada de 1913 embora tenha sida redigida entre 1912 e princípios de 1913. Foi publicada pela primeira vez na revista bolchevique Prosveschenie (Ilustração). (retornar ao texto)

(3) Nota do tradutor para português: traduzimos a expressão inglesa melting pot por caldeirão de culturas. Outras possibilidades seria: mais à letra cadinho, ou com o mesmo sentido grande mistura. (retornar ao texto)

(4) Nota do tradutor para português: O Partido Republicano foi fundado em 1854, escassos anos antes da Guerra Civil (1861-1865). O seu primeiro líder a tornar-se Presidente foi Abraham Lincoln, que se iniciou na política no Partido Whig. O Partido Republicano era inicialmente um partido abolicionista. Desde então o Partido mudou muito o seu posicionamento sendo atualmente um reduto de ulta conservadores e racistas. (retornar ao texto)

(5) Nota do tradutor para português: Thaddeus Stevens (1792-1868), político abolicionista branco, membro da fação radical do Partido Republicano. No Senado liderou a luta para esmagar o poder económico dos esclavagistas e preparou as leis que permitiram financiar o exército do Norte durante a guerra civil. (retornar ao texto)

(6) Nota do tradutor para português: Charles Sumner (1811-1874), político norte-americano que liderou os Republicanos Radicais na luta pela abolição da escravatura. Foi o líder da fação dos Republicanos Radicais no Senado durante a Guerra Civil e criticou muitas vezes o Presidente Lincoln por ser demasiado brando com os esclavagistas. Opôs-se com sucesso à anexação de Republica Dominicana pelos Estados Unidos proposta pelo Presidente Grant. Muito influente durante o período da Reconstrução. (retornar ao texto)

(7) Nota do tradutor para português: Frederick Douglass (1818-1895). Nasceu escravizado. Conseguiu fugir para o Norte. Orador de grande talento foi militante destacado na luta contra a escravatura e pela igualdade de direitos e líder da comunidade Negra norte-americana. Advogou a criação de forças armadas negras durante a guerra civil, o que veio a acontecer, nomeadamente com a criação do 54º Regimento do Massachusetts. Apoiou a eleição de Lincoln e foi recebido por este já depois de eleito Presidente. Depois da Guerra Civil editou o jornal New Era. Escreveu vários livros, dos quais a Vida e os Tempos de Frederick Douglass é por ventura o mais conhecido. (retornar ao texto)

(8) Nota do tradutor para português: Wendell Philipps (1811-1884), político abolicionista, membro do Partido Republicano. Defendeu, durante o período da Reconstrução, que a total libertação das pessoas escravizadas devia ser condição a ser preenchida antes da reintegração dos Estados do Sul na Federação. (retornar ao texto)

(9) Nota do tradutor para português: Décima Quarta Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Aprovada em 1868. A sua redação parece garantir os direitos civis, a cidadania, a “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado em que residem”. Mas logo na Secção 2 discrimina em relação aos índios – “Os representantes serão repartidos entre os diversos Estados de acordo com seus respetivos números, computando-se o número total de pessoas de cada Estado, excluídos os índios não tributados”. De qualquer modo foi, à época um avanço na garantia de alguns direitos para a população Negra. Contínua em vigor. (retornar ao texto)

(10) Nota do tradutor para português: Décima Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Estabelece que os Estados não podem impedir os cidadãos de votar em virtude da sua cor, raça ou anterior condição de escravização. (retornar ao texto)

(11)Nota do tradutor para português: as Ligas das União (Union League) eram associações de caracter político, semissecretas, e que promoviam a lealdade à União e as políticas abolicionistas e da reconstrução. (retornar ao texto)

(12) Nota do tradutor para português: Carpetbaggers, literalmente oportunistas, foi o nome depreciativo como os sulistas derrotados apelidaram os habitantes do Norte que se estabeleceram no Sul no final da Guerra Civil. (retornar ao texto)

(13) Nota do tradutor para português: scalawags, literalmente malandros, nome depreciativo como os antigos esclavagistas denominaram este grupo social (retornar ao texto)

(14) Nota do tradutor para português: Códigos Negros (Black Codes), eram conjuntos de Leis discriminatórias que se aplicavam apenas aos Negros livres. Estes Códigos Negros existiram tanto no Norte, antes e depois da Guerra Civil, como no Sul logo após a Guerra Civil. (retornar ao texto)

(15) Nota do tradutor para português: Trata-se de Rutherford Birchard Hayes (1822-1893), 19º Presidente dos Estados Unidos, eleito em 1877 manteve-se no cargo entre 1877 e 1881. Antes tinha sido Governador do Ohio, um estado do Norte, depois da Guerra Civil. Foi um dos promotores da aliança dos capitalistas do Norte com a antiga classe esclavagista do Sul. (retornar ao texto)

(16) Nota do tradutor para português: Hayes perdeu o voto popular, ie o seu opositor Samuel J. Tilden teve mais voto do que ele. E só conseguiu vencer no Colégio Eleitoral depois deste lhe ter dado 20 votos muito contestados pelo seu opositor no que ficou conhecido como o Compromisso de 1877. Esse compromisso dava-lhe a Presidência em troca de tirar o apoio Federal aos governos da Reconstrução. (retornar ao texto)

(17) Nota do tradutor para português: Trata-se da Grande Greve dos Caminhos-de-ferro de 1877 iniciada como resposta a uma baixa de salários, a terceira nesse ano, imposta pela Companhia Baltimore and Ohio Railroad. A greve durou mais de dois meses e só acabou porque os patrões criaram melícias armadas, que em conjunto com a Guarda Nacional e o exército. Foi o Presidente Hayes (ver Nota anterior) que enviou o exército de cidade em cidade para prender os grevistas e acabar com a greve. A brutalidade com que o eército atuou foi enorme. Só no dia 21 de Junho na cidade de Pittsburgh o exército disparou sobre a multidão e carregou com as baionetas tendo matado 20 pessoas, incluindo mulheres e crianças, e ferido mais 29. Os grevistas não desistiram e armaram-se assaltando uma fábrica de armas e tomaram o poder na cidade. Os grevistas defenderam-se e 39 edifícios ficaram queimados e mais de uma centena de locomotivas foram danificadas. (retornar ao texto)

(18) Nota do autor do texto. Para dar apenas um exemplo: a perda dos direitos cívicos dos cidadãos brancos nos Estados em que as praticas eleitorais discriminatórias dirigidas essencialmente aos Negros. Na Carolina do Sul apenas 13% da população com idade superior a 21 anos votou nas eleições de 1936, no Mississippi 16% no Arkansas 17% no Arkansas 19% na Geórgia 19% na Virgínia 24% no Texas 25% e no Tennessee 31%. A média dos Estados Unidos foi de 62%. Na Virgínia Ocidental em que não foram criadas barreiras eleitorais 88% participaram nas eleições. (retornar ao texto)

(19) Nota do tradutor para português: Movimento para o Estabelecimento de um 49º Estado, movimento afro-americano que pugnou pela criação do 49º Estado, um Estado constituído apenas por afro-americanos e situado no Sul. Nessa altura os Estados Unidos eram constituídos por 48 Estados. O movimento foi liderado por um empresário e advogado Negro Oscar Brown Sr. (1895-1990). O movimento teve o seu momento alto durante os anos 30 do século XX. (retornar ao texto)

(20) Grupo formado em torno de Jay Lovestone (1897-1990), antigo dirigente do Partido Comunista Americano. Organizados inicialmente como Partido Comunista dos Estados Unidos (Oposição) manteve-se ativo até 1941 altura em que se dissolveu. Este grupo apoiava a fação de Bukarine na URSS e quando esta foi denunciada como fação direitista foi expulsa do Partido Comunista Americano. Depois de dissolvida a organização Jay Lovestone trabalhou para a CIA denunciando os seus antigos camaradas e contribuindo para a prisão de muitos deles e para a desarticulação de vários sindicatos vermelhos. (retornar ao texto)

(21) Norman Thomas (1884-1968) foi um líder do Partido Socialista Americano. Reformista nunca tomou uma posição claramente de esquerda, preferindo sempre aliar-se à direita. (retornar ao texto)

(22) Nota do tradutor para português: citação pode ser encontrada no livro “Lenine on the National Liberation Movement”, Foreign Languages Press, (1960), pag. 4, editado por ocasião do 90º aniversário de Lenine, num texto escrito em 1916 sob o título “A Caricature of Marxism and 'Imperialist Econumism”. (retornar ao texto)

Inclusão: 06/10/2022