Homens e Coisas do Partido Comunista

Jorge Amado


9. Mais uma vez falarei de Prestes


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Mais uma vez falarei de Prestes, Luis Carlos hoje Secretário Geral do Partido Comunista do Brasil. E vos falarei dele porque não vou poder escrever sobre odos que o merecem, não vou poder contar todos os casos que desejaria contar. E falando sobre Prestes é como se falasse sobre todos, porque ele é como que o melhor símbolo do nosso Partido, é o seu resumo, o seu índice, a medida pela qual se pode medir a sua grandeza.

Alguém ligado a Prestes por laços de família e que com ele foi solidário durante seu longo martírio, me enviou uma carta escrita pelo hoje líder popular brasileiro quando, ainda criança, cursava no Rio o primeiro ano do Colégio Militar. Vou transcrever aqui esta carta porque ela, na sua simplicidade, vale como um índice do caráter de Prestes que se forjava nos bancos escolares sob o olhar tutelar de Dona Leocádia. Não é uma carta de “menino prodígio”, é uma carta bem de criança mas já marcada pelo amor à Pátria, pela consciência dos seus deveres, pelo carinho à família, pela dedicação aos estudos. No menino de então podemos já vislumbrar o homem de hoje:

“Rio de Janeiro, 5 de março de 1912.

Querida Avó.

Faço ardentes votos pela sua preciosa saúde e felicidade.

Aqui vamos passando sem novidade, depois de algumas moléstias felizmente sem importância.

Recebi muito agradecido as festas que teve a bondade de me mandar e imensamente apreciei o seu retrato que enviou-me como presente de anos. Creia boa Vovó, que nenhum outro me agradaria tanto, pois muito a estimo e sempre me recordo da querida Vovó com as maiores saudades.

Junto a esta lhe remeto o resultado dos exames do 1.º ano do Colégio Militar, para a Vovó saber como me saí. Espero estudar mais ainda no próximo ano a fim de não desmerecer a estima de meus bons professores e caros colegas, e principalmente para compensar os sacrifícios que a Mamãe tem feito por mim. Além disso tenho muita vontade de estudar pois o meu maior desejo é chegar a conquistar uma posição somente pelo meu merecimento próprio. Só assim poderei ser útil não só aos que me são caros mas também aos meus semelhantes e mais ainda à minha amada Pátria.

Peço querida Avó, que transmita aos meus bons Tios e queridos primos saudosos abraços meus.

Adeus, prezada Vovó, abençoe o neto que muito a ama e abraça-a saudoso

Luiz Carlos Prestes”.

Nesse folheto onde falo do Partido Comunista do Brasil não posso deixar de citar um nome: o de Dona Leocádia Prestes. Ela foi para Luis Carlos o grande exemplo onde ele aprendeu coragem ante o sofrimento, onde aprendeu a não recuar, a ir sempre para diante sem temer consequências. Dona Leocádia Prestes veio para as fileiras do Partido com o seu filho. Tinha aquela fibra comunista, aquele impávido destemor que marca este Partido.

Nos anos ruins Prestes foi a certeza de que nada havia terminado. Ele estava entre grades, incomunicável, ofendido, injuriado. Nós estávamos acuados contra a parede, lutando com unhas e dentes, o povo brasileiro sofria. Mas olhávamos em direção à Penitenciária Central e com a lembrança de Prestes nos fortalecíamos. No sofrimento seu nome crescia, virava lenda no Brasil noturno de 37.

Em realidade há muitos anos o povo brasileiro não tivera possibilidades de ter um contato mais próximo com Prestes. Ele fizera de 24 a 27 a marcha imortal da Coluna. O povo soube do seu gênio militar e da bandeira de justiça que ele levantava. Depois foi o longo exílio e apenas seu nome e sua lembrança — era o “Cavaleiro da Esperança” — viviam no coração do povo, sua história heroica crescia como uma lenda. Nos dias da Aliança ele estava ilegal no país e logo depois foram os nove anos de prisão. Alguém me disse não faz muito que tinha medo da liberdade de Prestes. Medo de que o homem ante o povo, ante o Brasil, não estivesse à altura da lenda que se criara em torno dos seus feitos e do seu martírio. E dizia-me sorrindo porque agora constatava que Prestes nestes meses de liberdade só fizera crescer no conceito do povo. Sua presença em meio da massa não ratificara apenas a ideia que o povo fazia a seu respeito, mais que isso, ampliara essa ideia, aumentara o amor que o povo lhe dedica, fora a prova provada da sua personalidade.

Eu o vi ainda preso no dia inicial do rompimento da sua incomunicabilidade. Nunca o vira antes, escrevera uma biografia sua, ele para mim era o personagem que eu levantara através de um livro feito com paixão. Ia para aquela visita como para uma prova. Muitos grandes homens, cuja admiração foi culto meu, artistas e escritores, políticos e sábios, desiludiram-me ao contato pessoal. Prestes só fez crescer em minha admiração e em minha estima. O mesmo fato aconteceu com o povo. Quando ele, por fôrça da anistia, foi colocado ante o povo, num dos momentos mais graves e difíceis da nossa vida de nação, mostrou que o povo não se havia enganado quando fê-lo o seu herói mais querido, seu filho mais ardentemente amado, sua esperança no futuro. Nós o vimos no meio do povo. É o líder do povo, quem o pode discutir? Ninguém tão antidemagógico, ninguém tão longe dos recursos fáceis da palavra vã, ninguém tão sóbrio de atitudes. E o povo a aclamá-lo, a confiar nele, a segui-lo. A sedução que Prestes exerce sobre a grande massa nasce diretamente do conhecimento que ele possui dos problemas brasileiros, da maneira direta e clara como ele os coloca, das soluções que apresenta. Houve um tempo em que o povo amava em Prestes a esperança que ele parecia enfeixar nas mãos de general do povo. Hoje crise amor é mais consciente e mais consequente ainda. Hoje o povo ama em Prestes o homem do Partido Comunista, o Secretário geral de uma organização partidária que estuda, debate, esclarece e busca soluções para os problemas brasileiros, que é uma certeza para o povo. Hoje o povo ama em Prestes o comunista e isso prova que também o povo evoluiu com Prestes, fez o mesmo caminho que foi trilhado em meio ao sofrimento e ao terror por Luis Carlos Prestes.

continua>>>


Inclusão 08/04/2014