A ideologia americana

Samir Amin

15-21 de maio de 2003


Primeira Edição: publicado originalmente no semanário 'Al-Ahram' (Cairo) de 15-21 de Maio de 2003, podendo ser encontrado emhttp://weekly.ahram.org.eg/2003/638/focus.htm .

Fonte: http://resistir.info

Tradução: de Ângelo Novo.

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Hoje, os Estados Unidos da América são governados por uma Junta de criminosos de guerra que tomaram o poder através de uma espécie de golpe de Estado. Esse golpe pode ter sido precedido por (dúbias) eleições, mas não devemos esquecer-nos nunca de que Hitler também foi um político eleito. Nesta analogia, o 11 de Setembro preenche a função do “incêndio do Reichstag”, permitindo à Junta conceder às suas forças policiais poderes similares aos da Gestapo. Eles têm o seu próprio 'Mein Kampf' – o documento de 'National Security Strategy' - , as suas próprias associações de massas – as organizações “patrióticas” – e os seus próprios pregadores. É vital que tenhamos a coragem de dizer estas verdades, deixando de as mascarar com frases feitas sobre os “nossos amigos americanos”, as quais perderam já todo qualquer significado. 

A cultura política é um produto a longo termo da História. Como tal, é obviamente específica a cada país. A cultura política norte-americana é claramente diferente da que emergiu da história do continente europeu: foi moldada pela colonização da Nova Inglaterra por seitas protestantes extremistas, pelo genocídio dos povos indígenas, pela escravização dos africanos e pelo surgimento de comunidades etnicamente segregadas como resultado de sucessivas vagas de migração ao longo do século XIX. 

II 

A modernidade, o secularismo e a democracia não são o resultado de uma evolução nas crenças religiosas, ou mesmo de uma revolução; pelo contrário, é a fé que tem tido que se ajustar para responder ao que lhe é imposto por aquelas novas forças. Esse ajustamento não é um exclusivo do protestantismo; teve o mesmo impacto no mundo católico, embora de um modo algo diverso. Um novo espírito religioso nasceu, liberto de todo o dogma. Nesse sentido, não foi a Reforma que forneceu as condições para o desenvolvimento capitalista, embora esta tese de Max Weber tenha tido ampla aceitação nas sociedades protestantes europeias, que se lisonjearam com a importância que ela lhes atribuía. Nem representou a Reforma a mais radical ruptura possível com o passado ideológico da Europa e o seu sistema “feudal”, incluindo anteriores interpretações do cristianismo. Bem pelo contrário, a Reforma foi apenas a mais confusa e a mais primitiva forma dessa ruptura. 

Um aspecto da Reforma foi obra das classes dominantes, conduzindo à criação de igrejas nacionais (Anglicanas e Luteranas) controladas por essas classes. Essas igrejas representaram um compromisso entre a burguesia ascendente, a monarquia e os grandes senhores agrários, através do qual todos eles puderam conter a ameaça dos pobres e do campesinato. Marginalizou-se efectivamente a ideia católica da universalidade, estabelecendo igrejas nacionais que consolidaram de modo particular o poder da monarquia, reforçando o seu papel como árbitro entre as forças do antigo regime e as da burguesia ascendente. O nacionalismo destas classes foi revigorado, assim se retardando a emergência de novas formas de universalismo, que viriam mais tarde a ser promovidas pelo socialismo internacionalista. 

Contudo, outros aspectos da Reforma foram impostos pelas classes baixas, que eram as principais vítimas das transformações sociais causadas pelo nascimento do capitalismo. Esses movimentos recorreram a formas de luta tradicionais, conhecidas já dos movimentos milenaristas da Idade Média. Consequentemente, em vez de tomar a vanguarda, eles ficaram para trás, não respondendo às necessidades do seu tempo. As classes dominadas teriam de esperar até à Revolução Francesa – com as suas formas de mobilização seculares, populares e radicalmente democráticas – e o advento do socialismo para encontrar maneiras de formular efectivamente as suas exigências com respeito às novas condições em que viviam. Os primeiros grupos protestantes modernos, pelo contrário, estavam mergulhados em ilusões fundamentalistas, o que por sua vez encorajou uma infinita replicação de seitas engajadas no mesmo tipo de visão apocalíptica que hoje prolifera por todo o território dos EUA. 

As seitas protestantes que foram forçadas a emigrar da Inglaterra no séc. XVII desenvolveram uma forma de cristianismo peculiar, distinta tanto do dogma católico como do ortodoxo. Na verdade, o seu tipo de cristianismo não era sequer partilhado pela maioria dos protestantes europeus, incluindo os anglicanos de que era composta a maioria da classe dominante britânica. Em termos gerais, podemos dizer que o génio essencial da Reforma foi reclamar o Velho Testamento, que o Catolicismo e a Igreja Ortodoxa tinham marginalizado quando definiram o Cristianismo como um corte com o Judaísmo. Os protestantes restauraram a Cristandade no seu lugar de sucessor legítimo do Judaísmo. 

A forma particular de protestantismo que achou o seu caminho até à Nova Inglaterra continua a enformar a ideologia americana até aos dias de hoje. Primeiro, facilitou a conquista de um novo continente ancorando a sua legitimidade em referências tiradas das escrituras (a violenta conquista da terra prometida pelo Israel bíblico é um tema constantemente reiterado no discurso norte-americano). Mais tarde, os EUA alargaram a sua missão divina até abranger o globo inteiro. Assim os norte-americanos acabaram por se encarar a si próprios como o “povo escolhido” – na prática, um sinónimo para o termo naziherrenvolk . É esta a ameaça que nos confronta hoje. E é por isto que o imperialismo norte-americano (não o “Império”) será ainda mais brutal que os seus predecessores, a maioria dos quais nunca reclamou ter sido investida com uma missão divina. 

III 

Não me conto entre aqueles que acreditam que o passado se repete inexoravelmente. A história transforma os povos. Foi isso que aconteceu na Europa. Infelizmente, contudo, a história da nação norte-americana, longe de contribuir para erradicar o horror das suas origens, contribuiu pelo contrário para reforçar a presença desse horror, perpetuando os seus efeitos. Isto é verdade tanto quanto à chamada “revolução” norte-americana como à posterior sedimentação do país por sucessivas vagas de migração. 

Apesar das presentes tentativas de promoção das suas virtudes, a “revolução norte-americana” nunca passou de uma limitada guerra de independência, desprovida de qualquer dimensão social. Em nenhum momento no decurso da sua revolta contra a monarquia britânica tentaram os colonos norte-americanos transformar as relações económicas e sociais – simplesmente recusaram-se a continuar a partilhar os seus lucros com a classe dominante da “metrópole”. Queriam o poder para si próprios, não para modificar o estado das coisas existente mas para continuar a fazer exactamente as mesmas coisas, embora porventura com maior determinação e maiores margens de lucro. O seu objectivo primário era prosseguir a colonização do Oeste, o que implicava – entre outras coisas – o genocídio dos nativos norte-americanos. Por outro lado, os “revolucionários” nunca contestaram a escravatura. Na verdade, a maioria dos grandes dirigentes da revolução era possuidora de escravos e os seus preconceitos nesta matéria eram inamovíveis. 

O genocídio dos norte-americanos nativos estava implícito na lógica da missão divina do novo povo escolhido. O seu massacre não pode ser simplesmente assacado à moralidade de um passado distante e arcaico. Bem até à década dos 1960's, o acto de genocídio era proclamado de forma aberta e orgulhosa. Os filmes de Hollywood contrastavam o “bom” vaqueiro com o “mau” índio e este travesti do passado foi central na educação de gerações sucessivas. 

O mesmo é verdade para a escravatura. Após a independência, perto de um século teve ainda de decorrer antes da abolição da ignominiosa instituição. E apesar das proclamações da Revolução Francesa, a abolição, quando veio, não teve nada a ver com razões morais – aconteceu apenas porque a escravatura já não servia à causa da expansão capitalista. Deste modo, os afro-americanos tiveram que esperar ainda mais outro século até lhes serem concedidos os mais elementares direitos cívicos. E mesmo então, o racismo profundamente enraizado da classe dominante não foi sequer tocado. Até à década de 1960, os linchamentos eram uma ocorrência banal, fornecendo o pretexto para a realização de pic-nics de família. Na verdade, a prática do linchamento persiste ainda hoje, de uma forma indirecta e mais discreta, na forma de um sistema de “justiça” que envia milhares de pessoas para a morte – a maioria delas afro-americanos – apesar de ser conhecimento comum que pelo menos metade dos condenados são inocentes. 

Sucessivas vagas de imigração ajudaram também a fortalecer a ideologia americana. Os imigrantes não são certamente responsáveis pela miséria e opressão que causaram a sua partida. Deixaram as suas terras de origem como vítimas. Todavia, a emigração significou também a renúncia à luta colectiva pela transformação das condições de vida no seu país de origem; trocaram o seu sofrimento pela ideologia individualista do país de acolhimento e pela ilusão de “içarem-se a si próprios puxando pelas presilhas das botas”. Esta mudança ideológica serve também para retardar a emergência da consciência de classe, a qual mal tem tempo de se desenvolver e logo a chegada de uma nova vaga de imigrantes faz abortar a sua expressão política. É claro, a migração contribui também para a existência de “poderes étnicos” na sociedade norte-americana. A noção de “sucesso individual” não exclui o desenvolvimento de comunidades étnicas fortes e solidárias (irlandesas ou italianas, por exemplo), sem as quais o isolamento se tornaria insuportável. E todavia, também aqui, o fortalecimento das identidades étnicas é um processo cultivado pelo sistema americano e por ele inteiramente recuperado, uma vez que ele serve inevitavelmente para quebrar a consciência de classe e de cidadania activa. 

Deste modo, enquanto o povo de Paris se preparava para partir “ao assalto do céu” (como os comuneiros de 1871 diziam), as cidades norte-americanas eram palco de uma série de guerras de morticínio entre bandos formados por sucessivas gerações de imigrantes pobres (irlandeses, italianos, etc.), cinicamente manipulados pela classe dirigente. 

Nos EUA não existe hoje, nem nunca existiu, qualquer partido trabalhista. Os poderosos sindicatos operários são apolíticos, no mais completo sentido do termo. Não têm qualquer ligação com um partido que possa dar voz às suas preocupações, nem conseguiram alguma vez, por si mesmos, articular uma visão socialista original. Em vez disso, subscrevem a ideologia liberal dominante, que assim se mantém indisputada. Quando eles lutam é sempre apenas por uma agenda limitada e específica que nunca e de forma alguma põe em questão o liberalismo. Neste sentido, foram sempre e mantêm-se “pós-modernistas”. 

E contudo, para a classe trabalhadora, os apegos comunitaristas não podem substituir a ideologia socialista. Isto é verdade mesmo para os afro-americanos – a mais radical comunidade nos EUA – pois que a luta das ideologias comunitaristas é, por definição, limitada à luta contra o racismo institucionalizado. 

Uma das facetas mais negligenciadas das diferenças entre as ideologias “europeias” (em toda a sua diversidade) e a ideologia americana é o impacto que o Iluminismo teve no seu desenvolvimento. Sabemos que a filosofia do Iluminismo foi o evento decisivo que lançou a criação das culturas e ideologias modernas da Europa. O seu impacto mantém-se considerável até aos dias de hoje, não apenas nos centros primordiais de desenvolvimento capitalista, sejam eles católicos (como a França) ou protestantes (Inglaterra e Holanda), mas também na Alemanha e até mesmo na Rússia. 

Compare-se isto com a situação nos EUA, onde o Iluminismo teve apenas um impacto marginal, influenciando apenas uma minoria “aristocrática” (e pró-esclavagista) – aquele grupo que se corporizou para a posteridade em Jefferson, Madison e um punhado de outros. Em geral, as seitas da Nova Inglaterra não foram afectadas pelo espírito crítico do Iluminismo. A sua cultura manteve-se mais próxima do espírito das bruxas de Salem do que do racionalismo ateu das Luzes. 

Os frutos desta recusa emergiram quando a burguesia ianque chegou à idade adulta. De Nova Inglaterra surgiu um credo simplista e erróneo sustentando que a “Ciência” (isto é, as ciências duras, tais como a Física) deve determinar o destino da sociedade – uma opinião que tem sido amplamente partilhada nos EUA há mais de um século, não só entre as classes dirigentes mas também no povo em geral. 

Esta colocação da ciência no lugar da religião é responsável por alguns dos aspectos mais salientes da ideologia americana. Explica porque é que a filosofia é tão pouco importante, reduzida que foi ao mais pobre empiricismo. De igual modo é a causa dos frenéticos esforços para reduzir as ciências humanas e sociais a ciências “puras” (isto é, “duras”): a economia “pura” toma assim o lugar da economia política e a ciência dos “genes” substitui a antropologia e a sociologia. Esta última e infeliz aberração fornece outro ponto de contacto estreito entre a ideologia americana contemporânea e a ideologia nazi, que é sem dúvida facilitado pelo profundo racismo que percorre toda a história norte-americana. Outra aberração saída desta peculiar visão da ciência é um pendor para a especulação cosmológica (de que a teoria do “big bang” é o exemplo mais conhecido). 

Entre outras coisas, o Iluminismo ensinou-nos que a Física é a ciência de certos aspectos limitados do Universo que têm sido isolados como objecto de pesquisa específica, não a ciência do Universo na sua totalidade (o que será um conceito mais metafísico do que científico). A este nível, o sistema americano de pensamento está mais próximo das tentativas pré-modernas de conciliação entre a fé e a razão do que da moderna tradição científica. Esta visão regressiva era perfeitamente adequada aos propósitos dos sectários protestantes da Nova Inglaterra e ao tipo de sociedade profundamente impregnada de religião por eles construída. 

Como sabemos, é este tipo de regressão que agora ameaça a própria Europa. 

IV 

Os dois factores que moldaram a formação histórica da sociedade norte-americana – uma ideologia dominante de raiz bíblica e a ausência de um partido trabalhista – combinaram-se para produzir uma situação inteiramente nova: um sistema dirigido por um partido único de facto, o partido do capital. 

Os dois segmentos que compõem este partido partilham a mesma forma essencial de liberalismo. Ambos se dirigem apenas à minoria de participantes neste tipo de democracia truncada e impotente (uns 40 por cento do eleitorado). Uma vez que a classe trabalhadora, por regra, não vota, cada um dos segmentos do partido tem o seu próprio público-alvo de classe média, ao qual ajustou o seu discurso. Ambos construíram também as suas clientelas, compostas por uma série de interesses capitalistas organizados (lobbies) e grupos comunitários de apoio. 

A democracia norte-americana constitui hoje o modelo avançado do que eu já denominei como “democracia de baixa intensidade”. O seu funcionamento é baseado numa total separação entre a administração da vida política, através da prática da democracia eleitoral, e a administração da vida económica, que é governada pelas leis da acumulação capitalista. Ademais, esta separação não está sujeita a qualquer forma de contestação radical, fazendo parte do que se pode considerar como um consenso geral. E no entanto é esta mesma separação que destrói efectivamente todo o potencial criativo da democracia política. Ela castra as instituições representativas (parlamentos e por aí adiante), as quais são tornadas impotentes pela sua submissão ao “mercado” e aos seus ditames. Neste sentido, a escolha entre votar nos Democratas ou nos Republicanos é na verdade fútil, pois que o que determina o futuro do povo norte-americano não é o resultado das suas opções eleitorais, mas sim os altos e baixos dos mercados, financeiros e outros. 

Daí resulta que o Estado norte-americano existe exclusivamente para servir a Economia (i.é, o capital, ao qual obedece cegamente, negligenciando por completo as questões sociais). Ao Estado é permitido funcionar desta maneira por uma razão principal: por causa do processo histórico de formação da sociedade norte-americana, que bloqueou o desenvolvimento de uma consciência política própria das classes trabalhadoras. 

Compare-se isto com o Estado europeu, que tem sido (e pode tornar-se novamente) um indispensável fórum no qual se desenrola o confronto entre os diversos grupos de interesse sociais. É por isso que o Estado europeu favorece os compromissos sociais, os quais dão algum significado real às práticas democráticas. Quando a luta de classes, e outras lutas políticas, não forçam o Estado a funcionar deste modo, quando elas não se conseguem sequer manter autónomas face à lógica exclusiva da acumulação do capital, então a democracia torna-se um exercício completamente desprovido de sentido – como é o caso nos EUA. 

A conjugação de uma prática religiosa dominante – e a sua exploração por intermédio de um discurso fundamentalista – com a ausência de consciência política entre as classes oprimidas dá ao sistema político dos EUA uma margem de manobra sem precedentes, com a qual se consegue destruir por completo o potencial impacto das práticas democráticas, reduzindo-as a rituais inócuos (a política como entretenimento, a inauguração das campanhas políticas com claques festivas, etc.). 

Contudo, não nos podemos deixar iludir. Não é a ideologia fundamentalista que ocupa o posto de comando e impõe a sua lógica aos detentores reais do poder – o capital e os seus serventuários no Governo. É o capital, e ele apenas, que toma todas as decisões. Só depois de o fazer é que mobiliza a ideologia americana para servir a sua causa. Os meios empregues – o uso sistemático e sem precedentes da desinformação – podem então cumprir os seus objectivos, isolando os críticos e sujeitando-os a formas permanentes e odiosas de chantagem. Deste modo, o establishment pode facilmente manipular a “opinião pública”, cultivando a sua estupidez. 

Graças a este contexto, a classe dominante norte-americana desenvolveu uma espécie de cinismo total, envolto numa capa exterior de hipocrisia que é perfeitamente transparente para observadores externos, mas que por algum meio parece ser invisível para o próprio povo norte-americano. O regime recorre com agrado à violência, mesmo nas suas formas mais extremas, sempre que necessário. Todos os activistas radicais norte-americanos sabem isso de sobejo: as únicas opções em aberto para eles são acomodarem-se ou serem mortos um dia. 

Como todas as outras ideologias, a ideologia americana está “cada vez mais gasta e envelhecida”. Durante períodos de calma – marcados por forte crescimento económico, acompanhado por aquilo que passa por aceitáveis níveis de distribuição social – a pressão das classes dirigentes sobre o seu povo naturalmente suaviza-se. Assim, de tempos a tempos o establishment tem que revigorar essa ideologia usando os métodos clássicos: um inimigo (sempre um estrangeiro, já que a sociedade norte-americana foi decretada boa por definição) é designado (o império maligno, o eixo do mal), o qual justificará a mobilização de todos os meios possíveis com vista a aniquilá-lo. No passado esse inimigo era o comunismo. O macartismo (um fenómeno esquecido pelos pró-americanos de hoje) tornou possível o lançamento da guerra fria e a marginalização da Europa. Hoje é o “terrorismo” (claramente apenas um pretexto) que é aproveitado para servir o verdadeiro projecto da classe dominante: o controlo militar do planeta. 

O objectivo confesso da nova estratégia hegemónica norte-americana é prevenir a emergência de qualquer outra potência que possa ser capaz de colocar resistência face às injunções de Washington. É pois necessário desmantelar países que se tornaram demasiado “grandes”, de modo a criar o máximo número de satélites prontos e dispostos a aceitar bases norte-americanas no seu solo, para sua “protecção”. Como todos os seus últimos três presidentes (Bush sénior, Clinton e Bush júnior) concordaram, um único país tem o direito a ser “grande”, que é naturalmente os Estados Unidos da América. 

Neste sentido, a hegemonia dos EUA depende em última análise do seu poder militar desproporcionado, mais do que de alguma específica “vantagem” do seu sistema económico. Graças a este poder, os EUA podem afirmar-se como o dirigente incontestado da máfia global, cujo “punho visível” imporá a nova ordem imperialista àqueles que poderiam de outro modo estar relutantes em entrar nos eixos. 

Encorajada pelos seus recentes sucessos, a extrema-direita tem agora um firme controlo das rédeas do poder em Washington. A opção oferecida é clara: ou aceitar a hegemonia dos EUA, com o ultra-reforçado “liberalismo” que ela promove e que pouco mais significa que uma exclusiva obsessão com ganhar dinheiro – ou rejeitá-los a ambos. No primeiro caso, estaremos a dar a Washington livres poderes para “redesenhar” o mundo à imagem do Texas. Só escolhendo a segunda alternativa poderemos ser capazes de fazer algo para ajudar a reconstruir um mundo que seja essencialmente pluralista, democrático e pacífico. 

Se tivessem reagido em 1935 ou em 1937, os europeus poderiam ter sido capazes de deter a loucura nazi antes que ela tivesse feito tanto mal. Adiando até 1939, contribuíram para as suas dezenas de milhões de vítimas. É nossa responsabilidade actuar agora, para que o desafio neo-nazi de Washington possa ser contido e eliminado. 


Inclusão: 18/09/2020