Por uma Política de Frente Ampla - Mas Independente e Consequente

Apolônio de Carvalho

15 de Outubro de 1966


Fonte: Tribuna de Debates - VI Congresso PCB. Artigo assinado com o pseudonimo: Alceu Lima
Transcrição: Alberto Santos
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Fernando A. S. Araújo.
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A frente única é um dos elementos básicos da política dos partidos comunistas.

Esta indissoluvelmente ligada à sua estratégia. Esta, ao enumerar o caráter e a etapa, os objetivos e as tarefas da revolução, é chamada, necessariamente, a caracterizar seu sistema de forças, isto é, as classes e camadas sociais interessadas nesses objetivos e chamadas a realizar essas tarefas.

É, também, parte integrante de sua tática. A política dos comunistas tem por essência e base de aplicação a ação organizada e consciente das massas trabalhadoras o populares. À tática é um elemento auxiliar da estratégia e tem por tarefa indicar, com apoio nas condições concretas do cada lugar e de cada momento, os meios e os métodos, as formas de luta e os caminhos mais adequados ao avanço do movimento de massa — dos objetivos imediatos para os objetivos finais. Por isso mesmo, esta chamada também a definir a estrutura e as condições mais favoráveis à unidade e à ação comum das forças revolucionárias, seu programa, suas formas de organização.

É nesse quadro que se situa a frente única.

Está, como se vê, integrado ao processo revolucionário em todo o curso, do princípio no fim, da etapa em que atua. Nasce, forja-se e desenvolve-se no bojo dos fluxos o refluxos do processo de aplicação da tática do partido de vanguarda. Acompanha e serve de reflexo, assim, a todos os elementos que compõem uma tática revolucionária: as alianças fundamentais e a luta pela conquista do papel dirigente; a definição do programa, dos caminhos e das formas de luta; a ligação entra os objetivos parciais sucessivos e os objetivos estratégicos — e, com isso, a aproximação necessária entre a etapa democrática e a etapa socialista da revolução. Eis porque, ao mesmo tempo em que está presente em cada episódio ou conjuntura, por limitados que sejam seus objetivos parciais, deve estar também voltada, permanentemente, para os objetivos finais que respondem aos interesses mais profundos da classe operária e que abrem a etapa do Socialismo e do Comunismo. Somente assim ela poderá acumular, gradativamente, os níveis de organização, a base de massas, a experiência e o domínio das formas de luta que passam a impor-se aos níveis sucessivos da luta de classes e da resistência das classes dominantes. Eis porque o processo de formação da frente única se confunde com o próprio processo de acumulação de forças, com o encaminhamento para uma nova correlação de forças políticas e, em última instância, com o processo de assimilação de experiência política própria por parte das massas trabalhadoras e populares.

Isso nos ajuda a compreender a frente única como um organismo vivo em transformação e desenvolvimento constantes. Sua composição, sua amplitude, sua consequência revolucionária e, portanto, seus métodos, não serão sempre os mesmos. Variarão com os níveis e os limites das transformações econômicas e políticas visadas em cada situação. E variarão também em decorrência do caráter das forças sociais que exerçam a hegemonia em dado momento e que poderão impor, assim, à luta comum, os limites de seus interesses de classe.

Tomemos 2 exemplos recentes: em agosto de 1961, por ocasião da renúncia de Jânio Quadros, como janeiro de 1963, no momento do Referendum presidencialista, o caráter limitado dos objetivos criava condições para uma frente muito ampla: tratava-se de, apenas, da restauração de princípios da Carla de 46. Na mesma epóca, porém, o receio de que o movimento de massas avançasse e adquirisse consequência, elevasse o nível das lulas e passasse a direção de outras forças sociais, levou a recuos e a manobras reacionárias, como a aceitação da emenda parlamentarista, por medo à guerra civil — e, com isso, ao esvaziamento do movimento popular. As mesmas raízes de classes explicam o que ocorreu em março de 1964, quando do último capítulo da política de conciliação do Governo Goulart: a capitulação sem luta — ainda por medo à participação das massas populares ante o golpe militar entreguista. E explicam, hoje, a política da grande burguesia e de parte da média burguesia que, em torno do MDB [Movimento Democrático Brasileiro], pactuam com os golpistas no Poder, colaboram na institucionalização da nova ordem fascistizante, condenam os métodos extralegais de luta e tentam incutir nas massas populares ilusões quanto à “transformação gradativa” da ditadura e à “reconquista pacífica” da democracia no país.

Nossa própria experiência mostra-nos, assim, que, orientada essencialmente no sentido da grande burguesia e de outras setores das classes dominantes, a frente única passa a ter sua esfera de ação limitada à estreiteza dos objetivos parciais, às formas elementares das lutas de massas e, com isso, aos marcos e à “legalidade” do regime vigente. Isso decorre, naturalmente, dos limites reduzidos de seus objetivos de classe no processo revolucionário; do medo da ação independente do proletariado e das massas trabalhadoras em geral, sob a direção dos comunistas e, em consequência, da necessidade de excluir do programa e do plano de ação da frente única qualquer estímulo, por pequeno que seja, à energia revolucionária das massas populares.

A vida ensina, assim, que a ampliação dos elementos componentes da frente única, através da conquista de determinadas classes e setores sociais, pode equivaler na prática, por estranho que pareça, à redução de sua envergadura política, de sua capacidade de luta e de sua esfera de ação revolucionária. Isso se explicai pelo caráter vacilante e inconsequente desta ou daquela classe ou setor que, como no caso da burguesia nacional, o proletariado e sua vanguarda encaram, em dado momento, como seu aliado fundamental. No que se refere à grande burguesia, isso se explica ainda por suas ligações com o latifúndio, no plano interno; e por sua identificação com o sistema capitalista em seu conjunto, a cujos interesses e a cuja sorte se sente acorrentada.

Isso significa que a amplitude só será efetivamente signo de força e condição de avanço para os objetivos finais se tiver por base as forcas mais combativas de nossa sociedade — as masas trabalhadoras e populares, cujos interesses e reivindicações fundamentais só terão satisfação definitiva na etapa do Socialismo. A condição para isto está na definição de um justo sistema de alianças que tenha por base a aliança da classe operária com as massas trabalhadoras do campo — e, através dela conquiste o polo do contingente poderoso das classes e camadas médias urbanas. Só assim, será possível a aplicação de uma política independente por parte da classe operária e de sua vanguarda — e, através dela, a ligação constante entre os objetives imediatos e os objetivos finais, a conquista da hegemonia, o encaminhamento do processo revolucionário no sentido da aproximação crescente entre a etapa democrática e a etapa socialista. Só assim, a política dos comunistas terá as condições necessárias para fundir o esforço de unidade com a luta permanente contra as hesitações e a inconsequência da burguesia aliada. Só assim, a revolução democrática, poderá revestir o caráter popular que lhe serve de característica principal em nossa época.

O proletariado, as massas camponesas, as classes e camadas médias das cidades — do pequeno e médio comercio e da pequena e média produção à intelectualidade em todos os seus matizes — constituem, pois, as formas fundamentais da revolução, o núcleo básico da frente única, na etapa atual. Com apoio nesse sistema de forças, será possível aglutinar todas as classes e setores interessados na luta contra a ditadura, a começar pela burguesia nacional. Sem esse apoio, a ideia da hegemonia não passaria de uma ilusão pueril. E a classe operária estaria de mãos atadas, incapacitada para uma política independente, alijada dos objetivos revolucionários e condenada, assim, irremediavelmente, à marcha a reboque e à condição de apêndice e força auxiliar da burguesia nacional. Foi o que ocorreu antes de abril de 1964. E é o que ocorre ainda hoje.

As Teses do Comitê Central não Abrem Caminho a uma Política de Frente Única Consequente e Revolucionária

As teses para o VI Congresso não têm em conta as lições da teoria e da prática sobre o contendo e as tarefas da frente única, na etapa atual.

Parte essencialmente móvel da nossa linha política, expressão e reflexo do conteúdo da estratégia, ponte em desenvolvimento projetada, premanentemente no sentido de nossa meta final, a tática é entretanto apresentada, no Capitulo V das Teses, sem vinculação com a estratégia, degradada e confinada aos limites dos objetivos parciais e mutilada dos princípios revolucionários básicos que a caracterizam: a política independente de classe e a lula efetiva pelo papel dirigente; a ligação permanente entre os objetivos parciais sucessivos e os objetivos finais; a definição do caminho principal do processo revolucionário; a unidade deste processo e a continuidade das etapas — democrática e socialista — da revolução.

Esta descaracterização, de fundo oportunista, não poderia deixar de refletir-se sobre o problema da frente única que, como forma de organização e expressão do sistema de forças da revolução na etapa presente, está ligada ao conjunto do processo revolucionário — de seu início a seu coroamento final. É assim que, no que se refere à frente única, as Teses:

É evidente que, com essa tática e essa política de frente única, marcadas profundamente pelas tendências oportunistas de "direta”, as Tese do Comitê Central não podem servir de base à orientação política dos comunistas brasileiros.


Inclusão 02/12/2013