República Democrática Alemã - Sociedade Socialista Avançada

Alexandre Babo


O «Muro» de Berlim


capa

Durante muitos anos, foi este o prato forte da propaganda fascista e reaccionária, em todo o mundo, contra o que continuavam a chamar a «zona soviética» e a «Alemanha Oriental», escondendo a existência de um pais independente.

Os jornais gastavam os títulos de caixa alta para gritar a sua indignação contra o que chamavam «o muro da vergonha». Escreveram-se romances e novelas com as heroicas aventuras dos que o conseguiam saltar e os estúdios esclerosados de Hollywood e quejandos encontraram motivo para as séries de sub-filmes com que infectavam os mercados dependentes por esse mundo fora.

As histórias a respeito dos horrores passados na União Soviética já não eram engolidas facilmente, já não conseguiam engordar os produtores. O muro foi a um tempo uma fonte de lucro e um alimento para a propaganda anti-comunista e a insidiosa defesa do fascismo, mais ou menos encapotado.

E é inegável que essa propaganda conseguiu, em larga medida, os seus objectivos. Escondendo a realidade, explorando o sentimentalismo primário das populações, a imprensa, a rádio, a televisão, o cinema, ao serviço dos meios mais reaccionários, obtiveram neste caso concreto um extraordinário efeito psicológico.

Entre nós, assim como noutros países de governos fascistas, a censura à imprensa impedia a mínima possibilidade de esclarecimento.

E o lamentável é que não foram só as grandes massas forçadamente despolitizadas o terreno fértil para o semear da mentira, da deformação da realidade ou da calúnia. Ela fortificou largamente mesmo em meios democráticos e anti-fascistas, onde se não percebia que o anti-comunismo era uma arma que feria todos gravemente.

Em Berlim, pedi que me esclarecessem convenientemente sobre o problema do muro e imediatamente me foi conseguido um encontro com dirigentes militares na Porta de Brandenburgo.

13 de Agosto de 1961: operários agrupados em milícias asseguram, juntamente com os guardas fronteiriços, a fronteira estatal da RDA e criam as condições para protecção contra a ingerência, a espionagem, o contrabando e a sabotagem organizados pelos círculos imperialistas anticomunistas
13 de Agosto de 1961: operários agrupados em milícias asseguram,
juntamente com os guardas fronteiriços, a fronteira estatal da RDA
e criam as condições para protecção contra a ingerência,
a espionagem, o contrabando e a sabotagem organizados
pelos círculos imperialistas anticomunistas

No extremo da Unter den Linden, a Porta de Brandenburgo constitui presentemente fronteira com a parte ocidental de Berlim. Como se sabe, a cidade de Berlim está situada em território da RDA e tem, desde o fim da guerra, um estatuto próprio, com quatro zonas de ocupação. Com a evolução ulterior, Berlim oriental, parte integrante da República Democrática Alemã passou a ser a sua capital. A parte ocidental continuou com uma administração própria, embora não faça parte da República Federal Alemã.

Esta situação verdadeiramente paradoxal tem sido fonte de graves atritos e origem de conflitos que, em certas ocasiões, atingiram proporções altamente perigosas.

Pensemos o que seria ter em Portugal, a cidade de Lisboa, dividida em duas partes, uma nacional e outra ocupada civil e militarmente por um país cuja orientação política, económica, social, cultural era antagónica da nossa.

Ora, a situação de Berlim é esta. E a história do muro a que se segue.

O capitão Bayer que me recebeu é um homem de quarenta e poucos anos, extremamente afável, calmo. De origem camponesa, foi cervejeiro. Depois entrou para o exército. Em 1961 — o ano quente e decisivo — veio para o lugar que ainda hoje ocupa. Depois de ter saudado em mim o novo Portugal e me dizer que era o primeiro português que visitava a Porta de Brandenburgo, fez um relato objectivo e sereno do problema. Num largo écran iam passando gráficos, mapas, fotografias, documentos terrivelmente impressionantes.

Em primeiro lugar, a República Democrática Alemã, que comemorou o ano passado o seu 25.º aniversário, ocupa no conjunto do mundo socialista o posto geográfico mais avançado com uma fronteira comum com a República Federal, alinhada na OTAN, que vai do Báltico até à Checoslováquia.

Se virmos um mapa do mundo com a indicação das 4000 bases imperialistas, verificamos que as maiores concentrações se situam na Europa, rodeando os países socialistas, em especial a RDA, na América Central e no Sueste Asiático.

As manobras da OTAN e os seus exercícios, tanto na Europa como na República Federal, não só rodeiam o mundo socialista desde o norte da Noruega até à Grécia e Turquia, como e fundamentalmente se dirigem contra os territórios da RDA e da Checoslováquia, com mais incidência sobre a primeira, dada a grande extensão desta fronteira. Na República Federal estão estacionados 900 mil soldados da OTAN, equipados com o material bélico mais moderno. As despesas militares da OTAN foram aumentadas em 1973 em 121 biliões de dólares e as da República Federal em 26,7 biliões de marcos. A progressão em tanques da R. F. A., por exemplo, de 1961 para 1973, foi de 14,4 para 26,7.

A situação da RDA tem que ser analisada no conjunto, no todo constituído pelo mundo socialista e o mundo imperialista. A defesa da paz só é possível desde que o mundo socialista seja representante duma força defensiva intransponível capaz de se opor aos projectos aventureiros que, infelizmente, todos conhecemos.

De qualquer forma, esta posição do mundo socialista permitiu o mais longo período de paz na Europa desde sempre. No entanto, fora da Europa, podemos verificar desde 1945 até agora mais de 100 conflitos militares provocados pelos imperialistas, alguns deles muito graves.

É elucidativo olhar para um mapa da Europa Central, ver a situação das bases militares na República Federal e as vias de trânsito dirigidas para Berlim, situada no centro da RDA.

Depois de pensarmos na situação estratégica geral ocupada pela RDA no conjunto entre o mundo socialista e o mundo capitalista-imperialista, analisemos a posição especial da cidade de Berlim.

A zona de Berlim ocupada pelos ocidentais tem uma superfície de 480 km2 com uma população de 2 milhões de habitantes. Ali estão estacionados 30 000 homens em armas e existem mais de 70 organizações neo-fascistas e mais de 80 destinadas a espionagem, terrorismo, propaganda e sabotagem e algumas para raptos de pessoas.

Outro facto significativo é a existência de uma rede de mais de 360 estações de rádio e de televisão que rodeiam toda a fronteira da RDA e da Checoslováquia, utilizadas permanentemente pelos imperialistas para uma campanha anti-socialista contra as populações daqueles países.(2).

Em Berlim Ocidental três dessas estações envenenaram hora a hora os ouvidos dos cidadãos da República Democrática Alemã.

Até 1961, a fronteira aberta constituía um dos mais graves problemas da RDA. O imperialismo usava todos os processos de sabotagem e de corrupção contra a República Democrática. O mercado negro de dinheiro permitia que alguns milhares de homens e de mulheres trabalhassem em Berlim Ocidental, recebessem os seus salários em marcos ocidentais com os quais compravam marcos orientais por um terço do valor e residissem luxuosamente em belos apartamentos na RDA. O Estado gastava milhões de marcos com a preparação técnica dos seus cidadãos, a quem o Ocidente oferecia salários de tal modo elevados que muitos deles não resistiam e abandonavam a sua terra, traindo vergonhosamente os seus companheiros. A ocupação e depravação moral da República Federal, sobejamente conhecida no mundo, era usada como forma de corrupção da juventude da RDA Os actos de sabotagem e espionagem eram o pão nosso de cada dia.

Esta situação já de si insustentável, foi deteriorada em 1961 com o aumento de provocações excepcionalmente graves que atingiram o ponto culminante em 13 de Agosto daquele ano, quando soldados americanos, protegidos por tanques blindados, armados até aos dentes, violaram repetidamente a fronteira da RDA Só a calma e reflexão dos soldados e oficiais do exército da República Democrática e das forças soviéticas evitaram que esta situação degenerasse num conflito armado.

As relações entre o CDU (Adenauer) e os americanos foram deterioradas, por o partido alemão desejar dos americanos uma política de força, mesmo a guerra.

Não restava aos dirigentes da RDA outra alternativa, para defesa própria, da construção pacífica do seu país e do socialismo, para defesa do mundo socialista de que orgulhosamente fazem parte, e para defesa da paz na Europa e no mundo, que levantar à volta de toda a fronteira com o capitalismo imperialista e à volta da zona ocidental de Berlim um muro de defesa da liberdade e da paz.

E realizar um controlo efectivo nas entradas e saídas do seu território. Trabalho árduo, difícil, mas feito com a decisão e a firmeza necessárias a quem sabe defender tudo o que lhe é mais caro na vida.

Vi com os meus olhos a documentação irrefutável do que se seguiu. Provocações constantes, ao longo de toda a fronteira, por todos os meios. Ofertas de dinheiro para suborno dos soldados, exibição da literatura pornográfica mais torpe, prostitutas a desnudarem-se perante os soldados e a fazer a oferta do corpo e de todas as perversões, cartazes de propaganda anti-socialista e anti-RDA por toda a parte, alti-falantes, ataques com cocktails-molotov, ataques a tiro, abertura de túneis para colocação de bombas, raptos de crianças, metidas em malas, algumas das quais chegavam já mortas. Isto com a colaboração activa ou a cumplicidade das autoridades e da polícia da RFA.

Ao longo de todos estes anos. Só em 1974 houve cerca de 70 mil provocações deste género.

Na sala de entrada do posto fronteiriço da Porta de Brandenburgo estão os retratos de sete jovens do exército da República Democrática Alemã, mortos cobardemente, a tiro.

E a revista ilustrada «Quick», editada na RFA, publicou uma entrevista intitulada «Fui eu que matei um «VOPO»(3), com o assassino que vive livremente na República Federal.

É o assassino de Egon Schultz, assassinado em 5 de Outubro de 1964.

Esta a história do muro, muro da vergonha mas não daqueles que defendem a sua terra, uma vida próspera e digna e a paz entre os homens. De vergonha para os que o impuseram. De orgulho para os que dia e noite, arriscando a sua vida, cumprem o seu dever.


Notas de rodapé:

(2) Destas emissoras ainda ao serviço das forças de ocupação na Alemanha Ocidental, a mais reacionária é americana — a RIAS — Ruvdfunk Im Amerikanisehen Sektor. Uma outra é a SFB — Sender Freies Berlin. (retornar ao texto)

(3) A palavra «VOPO» é uma abreviatura de Volks Polizist (polícia do povo) com que os reacionários da Alemanha Ocidental pretendiam caluniar a RDA. (retornar ao texto)

Inclusão 16/02/2015