Carta a Mathilde Reichel

Mikhail Bakunin

16 de Fevereiro de 1850


Primeira edição: Königstein. 16 de fevereiro de 1850. Le Réveil, Genêve, 3 de julho de 1926.
Fonte: Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.

Se eu mereci a condenação à morte? De acordo com as leis, pelo que eu pude compreender da explicação de meu advogado, sim. Segundo a minha consciência, não. As leis estão raramente de acordo com a história e permanecem quase sempre atrás dela. Eis porque há agitações sobre a terra e sempre haverá. Eu agi segundo minha melhor convicção e nada busquei para mim mesmo. Fracassei como tantos outros, e alguns melhores, antes de mim, mas o que quis não pode perecer, não porque eu o quis, mas porque aquilo que eu quis é necessário, inevitável. Cedo ou tarde, com maior ou menor sacrifício, isso virá, no sentido de seu direito, de sua realização. Este é o meu consolo, minha força e minha fé.

Querida amiga, você sonha com um reino dos céus sobre a terra, você crê que a palavra é suficiente para converter o mundo, para conduzir os homens rumo a uma maior humanidade e liberdade. Mas apenas abra os anais da história verá que o menor progresso da humanidade, cada novo fruto vivo cresceu num solo abundantemente regado de sangue humano, e assim podemos esperar que o nosso também não será inteiramente perdido. O próprio Cristo, - ao qual não tenho a intenção de nos comparar - foi condenado à morte como criminoso de Estado pelas leis judáicas. Mas ele não derramou sangue, você dirá.

Sim, outros tempos, outros costumes. Para entender esta questão em sua plena verdade, você deve, querida amiga, situar-se num ponto de vista mais elevado. A história é uma tragédia, uma luta contínua, magnífica, do Velho e do Novo. O Velho tem razão porque ele subsiste; o Novo, porque ele próprio é o princípio interior de vida e de destruição deste Velho, a fonte criadora do futuro. Não se esqueça nunca que houve um tempo em que o Velho pareceu igualmente novo e, por isso, ilegal. Agora ele se tomou sólido, acomodou- se, quer dizer, tomou-se lei, e ele combate o "novo Novo', assim como ele foi combatido pelo "Velho de outrora. Nesta luta, é tanto o Novo que triunfa, e a isso se chama Revolução, quanto o Velho, e dá-se o nome de Reação e castigo legal. Os dois partidos têm razão, segundo seu ponto de vista: tanto o que julga quanto aquele que é julgado. O primeiro, porque tem as leis com ele, o outro, porque age de acordo com suas convicções (...).

Eu sei, você odeia as tempestades; e com razão? Aí está a questão. As tempestades no mundo moral são tão necessárias quanto na natureza: elas purificam, rejuvenescem a atmosfera espiritual, elas desenvolvem as forças sonolentas, elas destroem o destrutível e dão ao eterno vivo um brilho novo, que não se pode apagar. Na tempestade, respira-se mais facilmente; é somente no combate que se aprende o que um homem pode, o que ele deve, e, na verdade, uma tempestade semelhante era uma necessidade do mundo atual, que estava bem perto de sufocar com seu ar empesteado. Mas a tempestade está longe de ter passado; eu acredito, estou firmemente convencido de que aquilo que nós vivemos (1848-49) foi apenas um fraco começo do que ainda virá e durará muito tempo. A cura nos será tanto mais difícil quanto mais perigosa tiver sido a doença, e a doença é incomensurável.

Observe à sua volta e veja como este mundo, que se diz civilizado, está desvairado e impotente e não sabe o que fazer; para onde fugir. Ele parou em sua marcha, não pode ir mais longe pois foi abandonado por todos os elementos que levam à vida e ao progresso. Ele não acredita em mais nada, nem nele próprio, nem no futuro. Sua hora soou, sua vida atual nada mais é senão um último combate mortal; mas não tema, querida amiga, um mundo mais jovem e mais belo o seguirá; lamento apenas uma coisa, eu não o verei, e você também não, pois a luta, como eu o disse, durará ainda muito tempo e sobreviverá a nós dois.


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Inclusão 26/08/2015