Carta aos Redatores do Boletim da Federação do Jura

Mikhail Bakunin

12 de Outubro de 1873


Primeira edição:
Fonte: Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.

Caros companheiros,

Eu não posso nem devo deixar a vida pública sem vos endereçar uma última palavra de reconhecimento e de simpatia.

Faz quatro anos e meio aproximadamente que nós nos conhecemos, e apesar de todos os artifícios de nossos inimigos comuns e das calúnias infames que lançaram contra mim, conservastes vossa estima, vossa amizade e vossa confiança em mim. Vós não vos deixastes intimidar por esta denominação de "bakuninianos" que eles lançaram em vossos rostos, preferindo guardar a aparência de serem homens dependentes, do que a certeza de terdes sido injustos.

E, por sinal, sempre tivestes, e em alto grau, a consciência da independência e da perfeita espontaneidade de vossas opiniões, tendências, atos, e a pérfida intenção de nossos adversários era tão transparente, por outro lado, que não pudestes tratar suas insinuações caluniosas e ferinas de outra forma, se não com o mais profundo desprezo.

Vós o fizestes, e é precisamente porque tivestes a coragem e a constância de fazê-lo que acabastes de conquistar hoje, contra a intriga ambiciosa dos marxistas, e em proveito da liberdade do proletariado e de todo o futuro da Internacional, uma vitória tão completa. Fortemente socorridos por vossos irmãos da Itália, da Espanha, da França, da Bélgica, da Holanda, da Inglaterra e da América, fizestes retornar a grande Associação Internacional dos Trabalhadores ao caminho, do qual as tentativas ditatoriais do Sr. Marx fracassaram em desviá-la.

Os dois Congressos que acabam de se realizar em Genebra foram uma demonstração triunfante, decisiva, da justiça e, ao mesmo tempo também, da potência de vossa causa. Vosso Congresso, o da liberdade, reuniu em seu seio os delegados das principais federações da Europa, menos a Alemanha; proclamou em voz alta e estabeleceu amplamente, ou melhor, confirmou a autonomia e a solidariedade fraterna dos trabalhadores de todos os países. O Congresso autoritário ou marxista, composto unicamente de alemães e de operários suíços, que parecem ter aceito a liberdade em desgosto, esforçou-se em vão para remendar a ditadura arrebentada, e de agora em diante ridicularizada, do Sr. Marx.

Após ter lançado muitas injúrias aqui e ali, para constatar sua maioria genebrense e alemã, eles chegaram a um produto híbrido que não é mais a autoridade integral, sonhada pelo Sr. Marx, mas que é ainda menos a liberdade, e se separaram profundamente desencorajados e descontentes com eles próprios e com os outros. Esse Congresso foi um enterro.

Assim, vossa vitória, a vitória da liberdade e da Internacional contra a intriga autoritária, está completa. Ontem, quando ela podia parecer ainda incerta, — ainda que, no que me concerne, jamais duvidei disso, — ontem, digo, não era permitido a ninguém abandonar suas fileiras. Mas, hoje, quando esta vitória se tomou um fato realizado, a liberdade de agir segundo suas conveniências pessoais voltou a cada um.

E aproveito esta oportunidade, caros companheiros, para vos pedir a gentileza de aceitar minha demissão como membro da Federação Jurássica e membro da Internacional. Possuo muitas razões para assim agir. Não creais que seja principalmente por causa dos desgostos pessoais dos quais eu estive saturado nesses últimos anos. Não digo que eu seja absolutamente insensível a eles; todavia, eu sentiria ainda bastante força para resistir, se eu pensasse que minha participação posterior no vosso trabalho, nas vossas lutas pudesse ter alguma utilidade ao triunfo da causa do proletariado. Mas não acredito nisso.

Por meu nascimento e por minha posição pessoal, e não por minhas simpatias e minhas tendências, nada mais sou do que um burguês e, como tal, não saberia fazer outra coisa entre vós senão propaganda teórica. Bem, tenho esta convicção de que o tempo dos grandes discursos teóricos, impressos ou falados, passou. Nos últimos nove anos desenvolveram-se no seio da Internacional mais idéias do que era preciso para salvar o mundo, se apenas as idéias pudessem salvá-lo, e desafio quem quer que seja a inventar uma nova.

O tempo não está mais para idéias, e sim para fatos e para atos. O que mais importa, hoje, é a organização das forças do proletariado. Mas esta organização deve ser a obra do próprio proletariado. Se eu fosse jovem, eu me transportaria para um meio operário, e, compartilhando a vida laboriosa de meus irmãos, participaria igualmente com eles do grande trabalho dessa organização necessária.

Mas minha idade e minha saúde não me permitem fazê-lo. Elas me pedem, ao contrário, a solidão e o repouso. Cada esforço, uma viagem a mais ou a menos, torna-se um caso muito sério para mim. Moralmente sinto-me ainda bastante forte, mas fisicamente canso-me rapidamente, não sinto mais as forças necessárias à luta. Eu não poderia ser, no campo do proletariado, mais do que um estorvo, não uma ajuda.

Como vedes, caros companheiros, tudo me obriga a pedir demissão. Vivendo longe de vós e longe de todo o mundo, que utilidade eu poderia ter para a Internacional em geral e para a Federação do Jura em particular? Vossa grande e bela Associação, de agora em diante totalmente militante e prática, não deve sofrer com sinecuras nem posições honorárias em seu seio.

Retiro-me, então, caros companheiros, pleno de reconhecimento por vós e de simpatia por vossa grande e santa causa, - a causa da humanidade. Acompanharei com uma ansiedade fraterna todos os vossos passos, e saudarei com alegria cada um de vossos novos triunfos. Estarei convosco até a morte.

Mas antes de nos separar, permiti que eu vos dê um último conselho fraterno. Meus amigos, a reação internacional, cujo centro hoje não está nesta pobre França, burlescamente dedicada ao SacréCoeur, mas sim na Alemanha, em Berlim, e que é representada tanto pelo socialismo do Sr. Marx quanto pela diplomacia do Sr. Bismarck; esta reação que propõe como objetivo final a pangermanização da Europa, ameaça tudo engolir e tudo perverter nesse momento. Ela declarou uma guerra mortal à Internacional, representada hoje unicamente pelas Federações autônomas e livres. Como os proletários de todos os outros países, mesmo que fazendo parte de uma república a forçados a combatê-la, pois ela se vós e vosso objetivo final, a emancipação do proletáriado do mundo inteiro.

A luta que tereis que sustentar será terrível. Mas não vos deixais desencorajar, e sabei que, apesar da imensa força material de vossos adversários, o triunfo final vos estará assegurado, se observardes fielmente estas duas condições:

  1. Mantende-vos firmes em vosso principio da grande e ampla liberdade popular, igualdade e a solidariedade, elas mais seriam do que mentiras.
  2. Organizai cada vez mais a solidariedade internacional, prática, militante, dos trabalhadores de todas as profissões e de todos os países, e lembrai que, infinitamente fracos como indivíduos, como localidades ou como países isolados uma força imensa, irresistível, nesta universal coletividade.

Adeus. Vosso irmão,
Mikhail Bakunin


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Inclusão 27/05/2016