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Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - (jornal FACE - Órgão do Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, Ano X, setembro 1962, p. 8.)
HTML: Fernando Araújo.
Quando foi decretada no dia 10 de agosto a paralisação da greve estudantil iniciada há dois meses atrás e que visava conseguir para os estudantes a participação de 1/3 nos órgãos de direção das Universidades, tal atitude constituiu um retrocesso mas pode também significar um avanço do movimento estudantil. Nosso objetivo é analisar quais as causas desse retrocesso e quais as novas perspectivas que se abrem a partir de agora, para o avanço da tomada de consciência dos estudantes.
Através de uma análise das direções estudantis o problema inicial que se coloca são as relações destas com suas bases. Logo de início pode-se deduzir que tais direções se apresentam como cúpulas quando consideramos:
1) Que a sua liderança não reflete o pensamento da grande maioria dos estudantes devido a decalagem entre as recentes tomadas de posições das entidades, que têm um caráter já bastante avançado do ponto de vista político, e a falta generalizada de politização de vastos setores universitários. Tal desnível tendeu a se agravar na medida em que a liderança estudantil assumiu certas posições que correspondiam antes a perspectiva de alguns grupos de esquerda, com presença menos ou mais destacada dentro da correlação de forças da sociedade brasileira, que as posições que seriam especificamente estudantis.
2) Na medida em que a liderança, por estar afastada de suas bases, não promove com essas um diálogo indispensável à democratização e ao avanço da consciência estudantil. O que assistimos são os Congressos Nacionais, aos quais comparecem um número restrito de estudantes e nos quais as decisões são tomadas, oficializadas e divulgadas, sem que os assuntos fossem previamente debatidos em cada escola, a fim de se chegar a conclusões das quais tivessem participado pelo menos a grande maioria do estudantado. Isso tem como consequência que a liderança estudantil, por ter se distanciado demais das bases, tem de usar de processos não muito legítimos para manter suas posições. Os conchavos, os acordos e as “queimações” já são uma tradição no movimento estudantil.
Mas a consequência mais grave de tudo isso aparece quando as entidades estudantis, manipuladas por líderes que estão mais vinculados a grupos ou a organizações não estudantis, resolvem lançar palavras de ordem que por não terem um conteúdo bem definido tornam-se slogans e portanto não conseguem mobilizar os mais amplos setores universitários e consequentemente nem a opinião pública. Muitas vezes greves são iniciadas mas não são mantidas porque a classe estudantil como tal não sabe definir para si mesma o caráter de tais greves.
Do ponto de vista de um movimento revolucionário a primeira vista tem-se a impressão que as sucessivas tomadas de posição das lideranças estudantis têm constituído um avanço do processo revolucionário brasileiro, pelo seu caráter radical, na medida que levantam bandeiras como a aliança operário-estudantil-camponesa, luta contra o imperialismo e o latifúndio, defesa de Cuba, reformas de base, etc. Mas é preciso se ter em conta que nem sempre as posições mais radicais são as mais eficazes do ponto de vista revolucionário. Isso porque a eficácia de uma posição se mede pela capacidade de politização e de mobilização. E enquanto tais posições permanecerem como posições de cúpula, enquanto elas não conseguirem arrastar a grande maioria dos estudantes, elas terão apenas contribuído para agitar problemas importantes, sem contudo, preparar os quadros necessários para equacioná-los através de soluções práticas definitivas. Até que ponto as mais recentes iniciativas de caráter político das cúpulas estudantis têm sido efetivamente um instrumento revolucionário?
A Aliança Operário-Estudantil-Camponesa: sua existência significaria um grande avanço da revolução brasileira, mas ela está ainda por ser efetivamente realizada. Ao que se saiba nenhuma entidade estudantil se propôs até agora atuar, por exemplo, na formação de Ligas Camponesas, nem tampouco atuar nos sindicatos, nenhum plano de aproximação dos estudantes às classes oprimidas foi posto em execução e talvez nem mesmo existam. O congresso nacional da aliança operário-estudantil-camponesa cuja proposição de sua realização partiu da UNE até hoje não foi realizado e ao que se saiba não sairá se depender dos estudantes. (É claro que muitos estudantes têm tido bastante presença no movimento operário e muitos deles estão mesmo empenhados no trabalho camponês, mas isso só se verifica quando estes estudantes pertencem a organizações políticas não estudantis, ou são por elas recrutados). Até mesmo cursos de politização para operários e camponeses que facilmente poderiam ser planejados por entidades estudantis, nem ao menos são cogitados.
Por não haver de fato essa aliança, na crise agosto várias tentativas foram feitas por entidades estudantis no sentido de armar uma resistência legalista, mas foram quase todas frustradas porque as entidades não compreenderam que uma resistência efetiva só poderia ser levada a cabo se fosse organizada ao lado dos sindicatos e associações operárias.
Luta anti-imperialista e por um Regime Nacionalista e Democrático: a luta anti-imperialista foi iniciada há muitos anos contra o fascismo, mais tarde tomou impulso com a campanha pelo monopólio estatal do petróleo. Posteriormente se desenvolveu na luta contra a invasão da Guatemala, pela encampação das companhias estrangeiras como a American Can, contra os testas de ferros dos trusts internacionais Roberto Campos e Lucas Lopes, pela regulamentação das remessas de lucros, na defesa da Revolução Cubana, etc. Contudo uma luta anti-imperialista mais consequente não pode ainda se realizar. Em geral tem-se limitado quando muito a um ou outro artigo sobre o assunto, algumas declarações esparsas dos presidentes de entidades e nos congressos estudantis em inflamados discursos. Isso se explica devido a dois fatores:
Centro Popular de Cultura: cuja finalidade seria a aproximação do povo com o intuito de politizá-lo através do teatro, cinema, música, etc. não está por sua vez conseguindo ser tão bem sucedido como o poderia ser. 1) pela mensagem reformista que leva; 2) por estar restrito a apenas um pequeno grupo de estudantes. Desta forma, o CPC, que poderia ser um instrumento efetivo de politização das classes populares na medida que tivesse um conteúdo mais revolucionário, e também do estudantado se fosse aberto à participação de todos os universitários por meio de discussões e debates, sobre seus objetivos, do estímulo, por exemplo, através de concursos de peças teatrais, de canções, etc. torna-se mais um instrumento de barganha das cúpulas com determinados grupos a fim de que estes mantenham o apoio a elas.
Revista Movimento: que pode ser bem definida como a “Senhor” do movimento estudantil pelo requinte de sua apresentação e pela indefinição de seu conteúdo, não atinge sequer as bases estudantis. A participação nela se restringe a um pequeno grupo de estudantes com pretensões de intelectuais. É assim um órgão fechado que nem ao menos possui uma coluna de debates. Seu caráter é mais ilustrativo do que formativo. Se se meditar sobre as pretensões que as entidadades estudantis têm quando declaram “é preciso fazer a aliança operário-estudantil-camponesa” é legítimo perguntar porque não se lançar então, em lugar de uma revista sofisticada, um jornal ou uma revista de massas???
UNE Volante: sua idéia foi uma das mais interessantes que a liderança já teve. Contudo, ela partiu de um pressuposto falso, qual seja, o de levar às bases os programas, os objetivos e as realizações das quais essas mesmas bases não haviam participado. E, na prática, a coisa se agravou, pois em quase todos os Estados ela não passou de inflamados discursos, alguns filmes e peças interessantes e outras completamente alienadas, algumas canções anti-imperialistas e no mais confraternizações com autoridades e nenhum contato com o operariado, o que aliás estava programado! Para não se falar que grande parte dos estudantes não sabia o que era a UNE Volante.
Reforma Universitária: tem sido o slogan mais propalado ultimamente ao lado de outros como a democratização do ensino, a vinculação da Universidade à realidade, etc. Mas, de fato, que vem a ser isso para o estudantado? Conseguirá a maioria dos estudantes definir o que entendem por RU? Por acaso este assunto tão sério já foi debatido na maioria das Faculdades? Estas perguntas a liderança estudantil deveria se fazer, pois não há luta sem exército, sem mobilização, sem convicção. A cúpula estudantil não pode querer democratizar um sistema universitário arcaico enquanto ela estiver lutando sozinha para isso, enquanto ela não conseguir sensibilizar as bases através de um diálogo democrático, enquanto ela não deixar de exercer o papel de cúpula e passar a ser vanguarda. Do contrário, ela poderá continuar promovendo congressos de RU, decretando greves insustentáveis e escrevendo artigos sobre o assunto, pois nada disso contribuirá sequer para abalar a superfície das ruínas da Universidade brasileira.
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Tentamos analisar rapidamente as as recentes posições e realização do movimento estudantil. Acreditamos que conseguimos sistematizar alguns problemas que devem ser levados em conta pelos dirigentes estudantis. Cremos que é necessário que as críticas sejam feitas de maneira clara e honesta, pois do contrário a reação organizada, que dispõe de amplos meios de divulgação, continuará a se aproveitar do maior erro de nossas cúpulas que é a falta de coragem e o medo de perder o poder que as leva a procurarem “tapar o sol com a peneira” sob a racionalização de quem nem sempre é tático dizer a verdade. Mas a verdade deve ser dita sem vacilações e sem receio. Não fora assim Fidel Castro não teria denunciado os erros da Revolução Cubana como por exemplo as tendências burocráticas ativas na máquina governamental de Cuba, pelo simples fato de achar que a reação pode explorar; não fora assim, e os líderes católicos que compreendem que a posição da igreja é reacionária não poderiam denunciá-la e teriam de conformar-se em vê-la desaparecer fatalmente com o capitalismo; não fora assim, e o stalinismo estaria até hoje travando a evolução do povo soviético na sua marcha para uma verdadeira democracia socialista.
Acreditamos que só há um caminho pelo qual o movimento estudantil estará de fato contribuindo para o avanço do processo revolucionário brasileiro. Este caminho é a democratização do movimento estudantil através do diálogo, da participação e da atuação conjunta dos estudantes na direção das entidades estudantis. Que nenhuma definição de posição política seja tomada antes de estar gravada na consciência da grande maioria do estudantado brasileiro. Então, as cúpulas, os acordos e os conchavos, os slogans vindos de cima para baixo deixarão de existir e com eles os fracassos e os recuos e surgirá então necessariamente uma vanguarda cujas palavras de ordem serão cumpridas, determinando o avanço incontido do processo de tomada de consciência objetiva dos vastos setores universitários, para a liquidação de toda a estrutura sobre a qual está assentada esta universidade burguesa.
Neste momento, em que a greve por 1/3 acaba de fracassar, a liderança deve assumir este fracasso, deve autocriticar-se e, a partir de uma crítica lúcida e construtiva, fazer com que o estudantado sinta o porque deste fracasso e com isso possa lançar as bases para o surgimento de uma nova etapa do movimento estudantil.
Notas de rodapé:
(1) Seria necessário também analisar o caráter das bases estudantis, o que no momento não nos foi possível fazer. Contudo, acreditamos que a falta de tal análise não prejudicará as conclusões que tiraremos. (retornar ao texto)