Resumo de questões agrárias

Vania Bambirra

2 de julho de 1992


Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. 2 de julho de 1992 (original com cabeçalho da Assessoria Técnica do PDT na Câmara dos Deputados e preâmbulo da liderança de bancada

HTML: Fernando Araújo.


Este é um trabalho da assessoria técnica do Partido na Câmara, que visa informar sobre o andamento das mais relevantes questões agrárias

Discute-se, neste número, os Projetos de Reforma Agrária que estiveram em andamento na Casa, bem como seu resultado, enviado ao Senado Federal.

Trata-se da regulamentação de um dos temas mais relevantes que ficou pendente desde a Constituinte.

Esta contribuição visa auxiliar nossos parlamentares e militantes em sua luta por um Brasil melhor.

Brasília – DF, julho de 1992
Eden Pedroso
Líder da Bancada Federal

RESUMOS DE REFORMA AGRÁRIA

A Constituição e a Reforma Agrária

O Projeto de Reforma Agrária aprovado na Câmara dos Deputados deve ser analisado desde a perspectiva do confronto entre distintas posições políticas que se enfrentaram na época da Constituinte, vale dizer, a direita, o centro e a esquerda. A direita, como sempre, almejava impedir que a Reforma Agrária fosse feita e o centro tratava de conciliar os dois extremos, propondo dispositivos legais que viabilizasse uma reforma homeopática, gradual e seletiva, que atingisse sobretudo as enormes propriedades, ou seja, os latifúndios, por dimensão e improdutivos. Essa proposta não foi aceita pela esquerda, que, em contrapartida, insistia em fixar o limite para a insusceptibilidade de desapropriação da propriedade produtiva em até sessenta módulos fiscais.

Frustrou-se, pois, a tentativa de um acordo centro-esquerda, e a direita foi agrande vitoriosa, na medida em que a nova Constituição não fixou o limite para a propriedade produtiva, deixando para ser regulamentado apenas o seu “tratamento especial”, bem como os “requisitos relativos a sua função social”, o que só recentemente foi colocado em pauta.

Balanço dos projetos de regulamentação

Ao projeto principal, da Deputada Luci Choianacki (PT), foram apensados quinze outros projetos de lei.

Aquele era muito radical para a correlação de forças atuais. Utilizava categorias de análise semelhantes às do Estatuto da Terra, inaceitáveis para os setores conservadores – tais como latifúndio por exploração (área total superior à da media propriedade e inferior a sessenta módulos fiscais, que não cumpra os requisitos relativos à propriedade produtiva) e por dimensão (área total superior a sessenta módulos fiscais). Outorgava ao Poder Executivo um poder de selecionar imóveis para desapropriação que ultrapassava os limites aceitáveis pela direita na caracterização de propriedade produtiva.

Por exemplo: as áreas beneficiadas, ou a serem, por obras públicas de vulto; as que apresentassem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros; as que estudos realizados pelo órgão executor da Reforma Agrária comprovassem que seu uso não era adequado à vocação econômica. Além disso propunha que todos os TDAs fossem inegociáveis por dez anos. Tal proposta, naturalmente, era inaceitável pela enorme bancada ruralista e demais setores liberais da Câmara, não apenas por alguns erros técnicos, mas, sobretudo, pelo seu conteúdo político, francamente favorável a uma Reforma Agrária massiva e a baixo custo.

O Deputado Odelmo Leão (PRN), designado relator do mesmo pela comissão de Agricultura e Política Rural, apresentou uma primeira versão, que circulou informalmente, não apenas entre as lideranças dos partidos da Comissão, mas também entre associações empresariais e de trabalhadores rurais. Aquela versão, apesar de conter grave erro técnico – que somente foi detectado pelo Deputado Amaury Müller – ainda que bem moderada, era, basicamente, uma proposta séria de implementação da Reforma Agrária, inspirada fortemente num projeto apresentada pelo mesmo Deputado do PDT, o que requeria poucas emendas. Porém, foram surgindo versões sucessivas da mesma, até a última, onde se faziam fortes concessões à UDR, transfigurando-se, assim, em proposta típica de centro-direita. Continha válvulas de escape para a propriedade improdutiva, através de projetos técnicos de exploração, “razões de força maior” e “pastagens tecnicamente conduzidas”, e um parágrafo que liquidava com o movimento dos trabalhadores sem-terra, deixando-o a mercê da legislação civil e penal, vale dizer, considerava-o como um caso de polícia.

Diante de tal situação, surgiram dois outros substitutivos que circularam informalmente pela Casa: o primeiro, do Deputado Rollemberg (PMDB). Apesar de propor parâmetros mais rigorosos para a propriedade produtiva, este mantinha as concessões feitas pelo Relator às propriedades improdutivas e acrescentava novas, além de conter gravíssimas falhas técnicas (ou políticas?) que inviabilizariam a Reforma Agrária. Por exemplo, considerar como área efetivamente utilizada as pastagens naturais e plantadas sem índice de lotação. Além disso, incluem item policialesco e discriminatório, como a apresentação de atestado de bons antecedentes por parte do beneficiário eventual d título de domínio e concessão de uso.

Em suma, surpreendentemente, o Deputado do PMDB conseguia propor um substitutivo que, em muito, piorava o do Deputado Odelmo Leão, levando-o, sem subterfúgios, para a direita.

Diante deste quadro, o Deputado Amaury Müller decide apresentar uma emenda substitutiva e mais vinte e quatro emendas à Comissão de Agricultura e Política Rural. Contudo, as mesmas não foram aceitas pela Comissão por não ser o Deputado membro da mesma.

Este substitutivo não era radical. Era mais bem uma proposta de regulamento para uma Reforma Agrária moderna, sem extremismos, sem concessões absurdas à direita e sem itens inexequíveis pelo seu esquerdismo, sem nenhuma incorreção técnica, pois se fundamentava, rigorosamente, no Direito Agrário Brasileiro, especialmente no Estatuto da Terra em suas regulamentações complementares. Nele contemplava-se concessões à propriedade produtiva (como estímulos fiscais para a implementação do sei desenvolvimento sustentável) mas, ao mesmo tempo, depuravam-se os sofismas contidos nas demais versões, enquanto privilégios outorgados às propriedades improdutivas – sobretudo pecuárias – relacionados com prazo para implantação de projetos técnicos.

Tal proposta, discutida com lideranças vinculadas a setores ruralistas, influenciou, em boa medida, a versão final do projeto apresentado pelo Deputado Odelmo Leão (cujo relatório, a nível da Comissão, não foi sequer discutido, pois aprovou-se em plenário um pedido de urgência para a Ementa) que assimilava, também, parte da proposta do Deputado Roberto Rollemberg. Devido a esta última influência, a versão moveu-se do centro-direita para a direita, mas a própria direita discordava da mesma, por não querer arriscar-se a ver sequer um palmo de terra desapropriado. O Deputado Amaury Müller resolve, então, não apresentar a sua proposta e concentra-se somente nas emendas à última versão Odelmo.

Na véspera da discussão em plenário, surge um substitutivo de ultra-direita, assinado pelo Deputado Fábio Meirelles (PDS). Sequer houve tempo para que os partidos apresentassem emendas ao plenário, exceto o PDT.

No dia seguinte, houve uma reunião de líderes partidários, na qual chegou-se a um acordo em torno do projeto do Deputado Odelmo Leão, com o acatamento de emendas de vários partidos, o que, ao cabo de poucas horas, foi aprovado em plenário. Nesse acordo, das vinte e cinco emendas apresentadas pelo Deputado Amaury Müller, foram aprovadas dez, defendidas brilhantemente pelo Deputado Giovanni Queiroz (PDT).

As emendas do PDT que foram aprovadas e as mais graves derrotas

Estas foram as emendas do PDT, aceitas durante o acordo de Lideranças, algumas também apresentadas por outros partidos:

Os Estados e o Distrito Federal poderão receber delegação de competência da União para efetuar desapropriações; foram suprimidos dois parágrafos que restringiam os requisitos para o cumprimento da legislação trabalhista; foi eliminado o dispositivo que considerava a questão social – conflitos decorrentes da posse e uso da terra – caso de ação penal; foram eliminadas as restrições à desapropriação de mais de um imóvel no mesmo município durante três anos; limitou-se para 100 módulos de exploração indefinida, a aquisição ou arrendamento pelas pessoas jurídicas estrangeiras. A partir desse número, só o Congresso poderá dar autorização. Finalmente, foi suprimido o artigo absurdo que dava aos profissionais de nível superior ou médio, em Ciências Agrárias, acesso aos assentamentos dos trabalhadores rurais sem-terra (hoje estimados, no mínimo, em seis milhões).

As mais graves derrotas foram, basicamente, em quatro pontos: a determinação de que os pastos nativos serão considerados como terra efetivamente utilizada, mesmo que não exista nenhuma cabeça de gado na propriedade, e a desapropriação de imóveis rurais, em todo o território nacional, obedecerá uma ordem de prioridade, segundo o Grau de Utilização da Terra – GUT, de acordo com uma escala que varia de 20% chegando até 80%. Como se pode perceber, estes dois pontos inviabilizam a Reforma Agrária. Ademais, incluiu-se no projeto de lei – que é ordinária – uma emenda que trata do rito sumário (Lei Complementar que foi aprovada em 20/06/91, quatro dias depois da Lei Agrária) e manteve-se um dispositivo que assegura, ao desapropriado, a preferência para a parcela na qual e situe o imóvel rural. Isto significa que o mesmo recebe, à vista, o valor das benfeitorias, TDAs pelas terras, e ainda ganha, de graça, uma fração de terra de sua preferência, vale dizer, a melhor…

Além desses aspectos, ficaram abertas várias brechas para que a propriedade improdutiva possa escapar da desapropriação: poderá apresentar projeto técnico de exploração. Também não poderão ser desapropriadas as propriedades que, por razão de força maior – ou seja, por qualquer coisa – caso fortuito ou renovação de pastagens, deixaram de apresentar o Grau de Eficiência na Exploração – GEE.

Fica claro, por tudo isso, que os vitoriosos não foram os posseiros, assalariados, parceiros, arrendatários, mas, sobretudo, os pecuaristas. Tudo depende agora do Senado Federal, que poderá fazer modificações, no texto da Lei, e, de novo, na Câmara dos Deputados.

Ronaldo Caiado, até agora, não teve nenhuma razão para chorar. Se o fez, foi por mera encenação.

Vania Bambirra
Assessoria Liderança do PDT
02/07/1992


Inclusão: 16/11/2021