Parecer ao PDL nº 623-A, de 1998

Vania Bambirra

Fevereiro de 1998


Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - (original com cabeçalho da Assessoria Técnica do PDT na Câmara dos Deputados e a informação: ORDEM DO DIA. ITEM 01. PDL Nº 623-A, DE 1998. AUTOR: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. EMENTA: Aprova o texto do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares – CTBT, concluído em Nova York, em 24 de setembro de 1996. DEPUTADO RESPONSÁVEL:(1) ASSESSOR RESPONSÁVEL: Vania Bambirra POSIÇÃO DA ASSESSORIA: pela rejeição

HTML: Fernando Araújo.


A mensagem submete ao Congresso Nacional a aprovação do Tratado sobre a Proibição Completa de Testes Nucleares (Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty – CTBT).

O mesmo, além de um Preâmbulo, compõe-se de dezessete artigos:

Artigo I – Obrigações Básicas. Trata dos deveres de cada Estado Parte visando impedir explosões experimentais de armas nucleares em qualquer lugar sob sua jurisdição ou controle.

Artigo II – Organização. Estabelece os Dispositivos Gerais. A Conferência dos Estados Partes, o Conselho Consultivo, o Secretariado Técnico e os Privilégios e Imunidades. Neste artigo fica pois definida a estrutura, a composição, a competência e o funcionamento do Tratado.

Artigo III – Medidas Nacionais de Implementação. São definidas, de acordo com os procedimentos constitucionais respectivos, as modalidades necessárias para implementar as obrigações prescritas pelo Tratado.

Artigo IV – Verificação. Define as Disposições Gerais de um regime para a verificação do cumprimento do Tratado abrangendo os seguintes elementos: a) o Sistema Internacional de Monitoramento; b) as Consultas e Esclarecimentos; c) as Inspeções in loco e d) as Medidas para Fomento da Confiança, vale dizer, a criação de incentivos para a implementação do mesmo.

Artigo V – Medidas para Corrigir uma Situação e Garantir a Observância, Inclusive Sanções. Subsana irregularidades em relação à observância do Tratado por meio de ações corretivas, inclusive por meio de sanções.

Artigo VI – Solução de Controvérsias. Resoluções pertinentes ao Tratado e às determinações da Carta das Nações Unidas visando resolver as controvérsias relativas à interpretação do Tratado.

Artigo VII – Emendas. Estabelece as situações em que qualquer Estado Parte poderá propor emendas ao Tratado, ao Protocolo ou aos Anexos do Protocolo.

Artigo VIII – Exame do Tratado. Define o método de avaliação da implementação do Tratado.

Artigo IX – Vigência e Retirada. Fixa vigência ilimitada do Tratado restringindo o direito a retirada de países membors a acontecimentos extraordinários relacionados com a essência do mesmo e que venham a prejudicar interesses supremos de um Estado Parte.

Artigo X – Situação Jurídica do Protocolo e dos Anexos. Define os mesmos como parte integrante do Tratado.

Artigos XI, XII e XIII – Assinatura, Ratificação, Adesão. Estabelece as formalidades convencionais.

Artigo XIV – Entrada em Vigor. O Tratado entrará em vigor 180 dias após a data do depósito dos instrumentos de ratificação por todos os Estados relacionados no Anexo II, porém não antes de dois anos da data em que o mesmo foi aberto para assinatura.

Artigo XV – Reservas. Fica estabelecido que o Tratado e Anexos não serão sujeitos a reservas.

Artigo XVI – Depositário. O Secretário Geral das Nações Unidas é definido como o Depositário do Tratado.

Artigo XVII – Textos Autênticos. Explicita os idiomas cujos textos autênticos serão depositados junto ao Secretário-Geral da ONU.

O Tratado contém dois Anexos e um Protocolo. O Anexo I contempla a lista de Estados conforme o Artigo II, § 28, e o Anexo II a Lista dos Estados, conforme o Artigo XIV. O Protocolo divide-se em três partes. A parte I trata do Sistema Internacional de Monitoramento e Funções do Centro Internacional de Dados; a parte II, das inspeções in loco, e a parte III, das Medidas de fomento da Confiança.

Na Exposição de Motivos o Ministro de Estado das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampréia, argumenta que “Ainda que o Tratado não se destine à destruição dos arsenais das potências nuclearmente armadas, a cessação dos testes certamente impedirá o aprimoramento das bombas atômicas”.

Ora, tal argumento é falaz, pois é bem sabido que o estoque de bombas armazenado pelas potências nucleares é suficiente para destruir o mundo centenas de vezes, em questão de segundos.

Nosso parecer é pela REJEIÇÃO deste Tratado, em coerência com a mesma linha de argumentação que desenvolvemos na análise que nos conduziu à rejeição do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares-TNP, porque consideramos que a subscrição do mesmo é uma postura subserviente em relação às grandes potências, particularmente aos EUA. O CTBT, da maneira como foi concebido, viola a soberania dos Estados nacionais. Senão vejamos como isso se revela tomando apenas alguns exemplos. No Artigo II, na parte “c”, que trata da Composição, Procedimento e Tomada de Decisões do Conselho Executivo, no parágrafo 40, alínea “c”, diz que o mesmo deverá “receber, considerar e agir (sublinhado nosso) sobre pedidos de, e relatórios sobre, inspeções in loco…”, vale dizer, para realização das mesmas cumpre-se apenas um rito sumário para uma ação absolutamente invasiva de um território nacional que ocorrerá em lapsos exíguos de tempo, sem que o país suspeito de “infringir” o Tratado tenha sequer tempo hábil para tentar preservar sigilo sobre instalações, laboratórios, etc., relacionados a sua segurança defensiva sem conexão com qualquer atividade bélica ou nuclear.

Às funções do Secretariado Técnico e, em especial àquelas do Diretor-Geral, concederam-lhes um poder exorbitante de ingerência nos territórios dos Estados Partes durante as inspeções. Da mesma maneira, a figura do observador da Verificação, “um cidadão” enviado pelo Estado parte solicitante da inspeção ou de um terceiro Estado Parte, é absolutamente intrusiva, pois o Estado parte inspecionado poderá vetar tal “cidadão” no limitado prazo de 12 horas após a aprovação da inspeção in loco! Esse “cidadão” não poderá ser um agente camuflado de um serviço secreto? Além disso há de se ter em vista que o processo para o início da inspeção é muito rápido – a equipe de inspeção chegará ao ponto de entrada no prazo máximo de 6 dias – ao passo que seu término é bem moroso, pois pode estender-se por um período de até 70 dias. O Estado vistoriado “nos termos do Artigo VI, parágrafo 57 (b) e parágrafo 88 (a) (…) terá o direito de adotar medidas para proteger instalações e locais sensíveis em toda a área de inspeção e de evitar o vazamento da informação confidencial não relacionada com o propósito da inspeção. Tais medidas podem incluir, entre outras:

“(…) usar cobertura protetora para esconder dispositivos, depósitos e equipamentos sensíveis”, etc.

Porém, como poderão funcionar os paliativos de segurança do sigilo em um prazo tão limitado de tempo?

O próprio Tratado consagra, por diversas vezes, o caráter intrusivo da Verificação no que reza o parágrafo 58 do Artigo IV:

“A inspeção in loco será conduzida da maneira menos intrusiva possível (sublinhado nosso) compatível com a realização eficaz e oportuna do mandato de inspeção e de acordo com os procedimentos estabelecidos no Protocolo. Quando possível, a equipe de inspeção iniciará com os procedimentos menos intrusivos e somente então (!) adotará procedimentos mais intrusivos …”.

Quanto às emendas ao Tratado, essas são praticamente impossíveis de serem adotadas, pois ainda que se obtenha voto favorável da maioria dos Estados Partes na Conferências de Emendas, as mesmas só serão acatadas “desde que nenhum Estado-Membro vote negativamente”, vale dizer, o Tratado, além de possuir vigência ilimitada é também imutável, pois não existe consenso entre nações profundamente desiguais.

Por último, é importante destacar o fato que chama a atenção, no Anexo I do Protocolo, nas Tabelas de Listas de países que fornecerão as estações sismológicas, estações de radionuclídeos, laboratórios de radionuclídeos, estações hidroacústicas e estações infrasônicas, a presença predominante da potência hegemônica no mundo, os Estados Unidos da América.

Já havíamos dito, em nosso parecer contrário à subscrição ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares – TNP, que “o Brasil deve, sim, no cenário mundial, levantar sua voz contra a militarização em geral e a atômica em particular, exigindo que as potências nucleares, encabeçadas pelos EUA, deixem de chantagear a humanidade com o pesadelo da hecatombe nuclear e liquidem de vez seus arsenais destrutivos quantitativos e cessem as pesquisas de aperfeiçoamento qualitativo. Assim, a existência de tratados discriminatórios será supérflua”.

Tal posição coincide com a do governo da Índia, expressa por seu Chefe de Governo, até dezembro, Sr. Inder Kumar Gujral quando diz que “… a Índia tem adotado a política de não assinar tratados desiguais e discriminatórios. Por isso, não se interessou em fazer parte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). O governo indiano realizou um teste nuclear pacífico em 1974, mas tem tido muito cuidado em abster-se de armar o país com artefatos atômicos. E vem observando cuidadosamente todas as disposições do TNP, apesar de estar fora dele”.

E prossegue:

“Não temos exportado tecnologia nem materiais atômicos a países estrangeiros nem temos contribuído, abertamente ou não, para o processo de proliferação nuclear. O mesmo não podem dizer outras nações, inclusive algumas das principais potências nucleares.

Quando o Tratado de Proibição Geral dos Testes Nucleares foi debatido na Comissão de Desarmamento, em Genebra, deixamos bem claro que não apoiaríamos o documento a menos que ele contivesse a promessa das grandes potências atômicas do desarme total dentro de um prazo razoável (…)

A Índia não deseja armar-se com material nuclear, a não ser que seja forçado a fazê-lo. Mas não pode abrir mão do controle da tecnologia nuclear até que o mundo se veja livre de armas atômicas e que elas sejam retiradas de suas fronteiras”.(2)

Tal posição reflete a postura de uma nação soberana, postura essa que o Brasil vem abdicando desde o governo Collor de Mello e, sistematicamente, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A política externa brasileira vem se pautando pelo oportunismo irresponsável visando a vã pretensão de obter um assento permanente junto ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Resulta que, somente as potências nucleares – EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França e China – fazem parte desse Conselho, com direito e voz e veto. Ainda assim, nos dias de hoje, no mundo unipolar, os EUA se arvoram o direito de decidirem sozinhos a paz ou a guerra, como ficou patente, nos dias de hoje, em sua decisão imperial de atacar o Iraque, promovendo um genocídio contra o seu povo, apesar do veto da Rússia, França e China. E, naturalmente, tal genocídio conta com o respaldo do Itamaraty, revelando a meta de alinhar definitivamente o Brasil aos desígnios do imperialismo norte-americano.

Essas são as razões que fundamental nossa profunda convicção, baseada no estudo teórico do contexto da evolução da posição brasileira ao longo de décadas, de que o PDT, baluarte da luta pela soberania nacional, deve rejeitar esse Tratado servil, sem deixar-se intimidar pelo moderno colonialismo que vem envolto em um pseudo pacifismo.

Brasília, fevereiro de 1998.


Notas de rodapé:

(1) Nota do Memorial-Arquivo Vania Bambirra: informação em branco no original. (retornar ao texto)

(2) Cadernos do Terceiro Mundo, dezembro de 1997, pg. 51. (retornar ao texto)

Inclusão: 16/11/2021