Comentário a Margaret Benston
[esboço]

Vania Bambirra


Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. S/d. Original incompleto.

HTML: Fernando Araújo.


“”(…)(1) verdadeiro” porque se encontra à margem do comércio e do mercado. E pré-capitalista num sentido muito real. Esta designação do trabalho caseiro como função de uma categoria especial, “mulheres”, significa que este grupo tem uma relação diferente com a produção que o grupo “homens”. Intentaremos definir então as mulheres como um grupo de pessoas responsáveis da produção de simples valores de uso em todas aquelas atividades associadas com o lar e a família”.

“Devido a que os homens não têm nenhuma responsabilidade com tal produção, é aqui onde se encontra a diferença entre os dois grupos. Note-se que as mulheres não estão excluídas da produção de mercadorias. Participam do trabalho assalariado, porém como grupo não tem têm responsabilidade estrutural dessa área e a sua participação em geral é considerada transitória” (…)

“A base material do status inferior das mulheres deve ser encontrada justamente nesta definição delas. Numa sociedade em que o dinheiro determina o valor, as mulheres constituem um grupo que trabalha fora da economia do dinheiro. Seu trabalho não vale dinheiro, portanto carece de valor, e nem sequer constitui verdadeiro trabalho. As mulheres que efetuam este trabalho sem valor dificilmente podem esperar valer tanto como os homens que trabalham por dinheiro. Em termos estruturais o mais próximo à condição das mulheres é a de outros que estão ou estiveram por fora da produção de mercadorias, quer dizer, servos e camponeses”.

Margaret Benston procura também analisar porque a sociedade industrial capitalista moderna não foi capaz de libertar a mulher de suas tarefas no lar e destaca que isto se deve a que “até o presente nenhuma sociedade conta com o trabalho doméstico industrializado”. E cita a clássica colocação de Engels no sentido de que “a primeira premissa para a emancipação da mulher é a reintrodução de todo o sexo feminino na indústria pública…” e isto se faz possível não só como resultado de uma indústria moderna a grande escala, que não só permite a partipação de um grande número de mulheres na produção, mas bem realmente a reclama e, mais ainda, se esforça por converter o trabalho doméstico particular em uma indústria pública.

A mesma autor adverte:

“O temor a que a introdução do trabalho doméstico na indústria pública dê por resultado um tipo de vida de quartel militar é mais realista sob o capitalismo. Com uma produção socializada, a eliminação do motivo de lucro e de seu trabalho subalterno alienado não existe para que, em uma sociedade industrializada, a industrialização do trabalho doméstico não haveria de traduzir-se em melhor produção, quer dizer, melhor comida, ambienta mais confortável, um mais inteligente e carinhoso cuidado com as crianças, etc., que no atual núcleo familiar”.

Sem dúvida a família tal como se organizou no capitalismo é muito funcional para este sistema e sobre isto Margaret Benston destaca:

“A produção efetuada em casa é paga por meio dos ingressos do marido-padre” (…) “A mulher, a quem se nugar um lugar ativo no mercado, tem pouco controle sobre as condições que governam a sua vida. Sua dependência econômica se reflete em sua dependência emocional, passividade e outros rasgos “típicos” da personalidade feminina. Ela é conservadora, temerosa, resignada ao status quo”.

Diz mais ainda:

“As mulheres funcionam como um massivo exército industrial de reserva. Quando o trabalho é escasso (nos começos da industrialização, durante as duas guerras mundiais, etc.) as mulheres se conformam em uma parte importante da força de trabalho. Quando existe menor demanda de trabalho (como ahora…) as mulheres se convertem em força de trabalho sobrante, mas pela qual são responsáveis economicamente seus maridos e não a sociedade. O “culto do lar” que reaparece nas épocas de superávit laboral é usado para afastar as mulheres da economia de mercado”. Ademais, “a igualdade de acesso a trabalhos fora de casa, sendo uma das condições prévias para a libertação da mulher, não bastará por si mesma para outorgar-lhe igualdade; enquanto o trabalho doméstico continue sendo matéria de produção particular e de responsabilidade da mulher, esta simplesmente terá uma dupla carga de trabalho”.

Toda esta análise demonstra que: ou a mulher é superexplorada quando trabalha também fora do lar ou então, quando isto não ocorre, “a manutenção de sua família é uma carga oculta do assalariado, seu salário compra a força de trabalho de duas pessoas”, e que este “trabalho não pago no lar é necessário para que todo o sistema funcione”.

A conclusão única que se depreende desta análise é a de que “a sociedade deve começar a tomar responsabilidade com relação aos filhos; a dependência econômica da mulher e dos filhos do esposo-pai deve terminar. O outro trabalho realizado na casa também deve ser transformado — restaurantes comunais e lavanderias — por exemplo. Quando semelhante trabalho seja transladado ao setor público desaparecerá a base material para a discriminação da mulher”.

Convém destacar que esta análise é feita tomando em consideração a realidade social da mulher nos países capitalistas desenvolvidos. Contudo é adequada também para a realidade dos países menos desenvolvidos e dependentes na medida em que, aqui como lá as mulheres são sobretudo produtoras de valores de uso. Porém entre as mulheres de classe média e alta esta situação em geral é em boa medida aliviada ou suprimida através da exploração do trabalho das empregadas domésticas, o que é possibilitado devido à existência de uma grande oferta de mão de obra barata. De qualquer forma, esta transferência da exploração da mulher para as classes despossuídas, o que é muito usual nos países subdesenvolvidos, só pode ser eliminada através da eliminação estrutural das condições gerais da dominação da mulher, ou seja, através da construção de uma nova sociedade, o que supõe a superação do sistema capitalista. Mas é necessário também destacar que a luta pela libertação da mulher nos países capitalistas dependentes, apesar de que o seu conteúdo essencial seja o mesmo que nos países capitalistas desenvolvidos, deve adotar uma forma política distinta. Vejamos porque: nos Estados Unidos, Canadá ou em vários países europeus (especialmente os nórdicos) estas lutas assumiram a forma de lutas setoriais sem chegar jamais a um entrosamento mais estreito — ideológica e organicamente — com as forças sociais mais amplas dos respectivos países. Isto encontrava a sua explicação — e até a sua justificação — no fato de que a luta revolucionária da classe operária naquelas nações atravessava, e ainda atravessa, por um largo período de recessão. É verdade que em 1968, em especial o movimento operário, renasceu de maneira impetuosa no cenário político dos grandes centros do capitalismo moderno. Porém, esse renascimento foi efêmero e não foi suficientemente explorada a sua potencialidade no sentido de transformá-lo no eixo aglutinador de todos os movimentos dos mais diversos setores sociais. Com o recrudescimento da crise econômica, a ascensão do movimento operário foi contida e os distintos segmentos sociais prosseguiram suas lutas isoladamente. Nos Estados Unidos, por exemplo, assistimos ao surgimento e o ocaso de fortes movimentos femininos, de negros, de estudantes, de chicanos, etc. Agora, nos países capitalistas dependentes, como é o caso dos latino-americanos, não se justifica a organização de movimentos de libertação — como o das mulheres — desvinculado, isolado do contexto geral da luta de todas as classes oprimidas. Estes devem estar intimamente entrosados programática e praticamente com as lutas de todo o povo pela construção de uma nova sociedade que deverá surgir através de um profundo processo de transformações estruturais em todos os níveis da vida econômica, social e política. As mulheres enquanto tais têm problemas que lhes são específicos, porém estes problemas somente poderão ser resolvidos na medida em que o conjunto das classes oprimidas se comprometam enquanto tais com a sua resolução. Os movimentos para a libertação da mulher encontram sua máxima justificação, portanto, na medida que sejam capazes de não se isolar e de se aglutinar com os demais movimentos populares, porque sabemos muito bem que os problemas de fundo da exploração da mulher não podem ser resolvidos meramente através de uma reelaboração das normas jurídicas. Crer nisso é compartir um enfoque tipicamente liberal. Os problemas de fundo da exploração da mulher só podem ser paulatinamente equacionados através da implementação de uma política econômica voltada para enfrentá-los na sua base material e isso significa a incorporação da mulher no processo produtivo, paralelamente à criação de todo um sistema de jardins de infância, lavanderias públicas, restaurantes populares, etc.; bem como da implementação de toda uma política cultura que busque a criação de novos valores superiores com o objetivo de superar os preconceitos sobre os quais se assenta a visão machista do mundo.


Notas de rodapé:

(1) Nota do Memorial-Arquivo: o original, sem as páginas iniciais, começa em trecho de uma citação. Foram mantidos “espanholismos” presentes no original. (retornar ao texto)

Inclusão: 14/11/2021