Sobre o Marxismo e o Leninismo
(Debate)

Charles Bettelheim e Robert Linhart

1977


Primeira Edição: Entrevista publicada originalmente na revista Communisme, números 27-28, de março de 1977, sob o título Le marxisme et le léninisme. Débat avec Charles Bettelheim et Robert Linhart. Utilizamos como referência para a tradução a transcrição integral da entrevista feita pela Revue Période e disponibilizada no link: http://revueperiode.net/sur-le-marxisme-et-le-leninisme-debat-avec-charles-bettelheim-et-robert- linhart/

Fonte: Que Cem Flores Desabrochem! Que Cem Escolas Rivalizem!

Tradução: Danilo Enrico Martuscelli

HTML: Fernando Araújo.


Apresentação do Cem Flores

A última edição da revista Práxis e Hegemonia Popular (UNESP) publicou a tradução de Danilo Enrique Martuscelli do texto Sobre o Marxismo e o Leninismo. Trata-se de um debate de 1977 entre editores da revista francesa Communisme e dois grandes teóricos marxistas: Charles Bettelheim e Robert Linhart. Como diz o título, os autores de Luta de Classes na URSS e Lênin, os camponeses, Taylor abordam questões como o desenvolvimento e a retificação constante do marxismo; as relações entre a teoria marxista e as lutas de classes no processo histórico; o surgimento e as bases do revisionismo; além de debaterem as contradições da transição ao socialismo na URSS e os problemas do movimento comunista internacional da época.

Divulgamos mais essa importante tradução de Danilo Martuscelli e indicamos sua leitura por se tratar de um rico debate que guarda ainda hoje lições atuais e relevantes para a superação de nosso contexto de crise do marxismo e do movimento comunista. A partir de diferentes posições e aspectos enfatizados, os autores demonstram o caráter não-dogmático e revolucionário do marxismo. Este existe apenas na luta constante de concepções e práticas revolucionárias e científicas contra concepções e práticas burguesas e ideológicas. Um luta conectada e a serviço das lutas proletárias historicamente situadas. Por isso mesmo, a importância da luta teórica e ideológica sem trégua a todas as formas de revisionismo, deturpação burguesa do marxismo, e a necessidade de uma contínua análise concreta da realidade concreta, a partir do acúmulo teórico do passado (mas não se limitando a ele) e da posição de classe do proletariado. Pois, como diz Linhart, “o marxismo revolucionário é, antes de tudo, uma posição de classe numa situação concreta”.

A reconstrução do movimento comunista hoje, acreditamos, não ocorrerá sem seguir essas pedras angulares, já deixadas pelos grandes líderes do proletariado, como Marx, Engels, Lênin e Mao. Resgatar o caráter revolucionário do marxismo, a partir da análise concreta de nossa realidade e de uma profunda conexão com as lutas de massas hoje existentes, é um passo fundamental para ampliar a resistência proletária em contexto tão adverso quanto o nosso e colocar novamente a revolução como horizonte possível. Essa tarefa, não é irrelevante repetir, só avançará no combate a todo o lixo revisionista que hoje domina os ditos partidos de esquerda ou até mesmo comunistas, presos ao aparelho de estado capitalista e à ilusória gestão “progressista” do capital.

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Sobre o Marxismo e o Leninismo
Charles Bettelheim, Robert Linhart e editores da revista Communisme

Communisme (Bernard Fabrègues): Para começar, é preciso dizer algumas palavras sobre o que deu origem a esta discussão. Em Communisme, há cerca de um ano, demos início a um trabalho de reflexão sobre uma série de problemas ligados entre si: a relação dos revolucionários de diferentes países com os países socialistas, as origens do revisionismo, a questão Stálin… Todos esses problemas são colocados em função das tarefas, em particular da luta teórica no período atual, tendo em vista os ataques dos quais o marxismo e o leninismo são objeto por todos os lados. Ao que parece, o livro de Bettelheim (Les luttes de classes en URSS,(1) cujo volume 2 acaba de ser publicado) e o livro de Linhart (Lénine, les paysans, Taylor)(2) colocam, cada um à sua maneira, a questão do tipo de defesa do marxismo que se deve promover. Para nós, este é um debate político importante. Bettelheim aborda o problema do desenvolvimento do marxismo, da origem desse desenvolvimento, da relação entre o marxismo e as ideologias alheias ao marxismo, presentes no “marxismo historicamente constituído”. Por outro lado, Linhart fala da necessidade de uma “defesa crítica” do leninismo contra os numerosos ataques que ele sofre, ou seja, uma defesa que leve em conta o leninismo como “movimento de contradições”.

Bettelheim, em seu capítulo sobre a “formação ideológica bolchevique”,(3) você faz uma distinção entre o marxismo revolucionário e o marxismo historicamente constituído. Você poderia explicar essa distinção, que na verdade é feita com o propósito de compreender o desenvolvimento do marxismo e as origens do revisionismo?

Charles Bettelheim: Antes de mais nada, gostaria de recolocar as formulações que utilizo no contexto em que elas surgem. Sou levado a propor essas formulações no quadro de uma análise global das transformações sociais na URSS, em particular quando me questiono sobre as formas específicas das transformações ocorridas na sequência da Revolução de Outubro, durante a NEP, e, mais tarde, na passagem aos planos quinquenais. Sou assim conduzido a desenvolver uma série de observações relativas às condições específicas em que a luta pelo socialismo se desenvolveu na União Soviética, por um lado, e na China, por outro. Isto leva-me a considerar não só as características específicas das formações sociais, mas também a examinar de maneira relativamente detalhada as concepções dominantes no seio do partido bolchevique. Eu tento identificar o que nas concepções defendidas em diferentes momentos pelo partido bolchevique aparece como um aprofundamento do marxismo e do leninismo, e o que, ao contrário, aparece como o efeito de elementos que, após análise, podem ser identificados como estranhos ao marxismo, mas que constituem um componente real do bolchevismo, que representa precisamente o que eu designo como uma das formas de marxismo historicamente constituído.

O termo “marxismo historicamente constituído” refere-se ao resultado historicamente datado da fusão entre o movimento operário e a teoria revolucionária. Essa fusão não conduz necessariamente à apropriação da teoria marxista pelas organizações revolucionárias que se reivindicam marxistas. Para cada período histórico, essa fusão dá assim origem a um sistema ideológico contraditório no seio do qual se articulam as concepções do marxismo revolucionário e as concepções alheias a ele. É a partir desse sistema ideológico, sempre específico, que as organizações políticas da classe operária que se reivindicam marxistas, elaboram as “respostas” que dão aos problemas colocados pela luta de classes. Naturalmente, essas respostas são determinadas, em última instância, pelas pressões que as diferentes classes sociais exercem sobre as organizações operárias, de modo que o marxismo historicamente constituído evolui em função da própria luta de classes.

Ao levar em conta as formas específicas da fusão entre a teoria revolucionária e o movimento operário, sou levado a fazer a distinção entre o marxismo revolucionário, ou seja, a teoria cujas pedras angulares foram colocadas por Marx e Engels e que se desenvolveu desde então enriquecendo-se com as lições tiradas das lutas de classes, e as concepções a que esta ou aquela organização revolucionária adere, concepções que não incorporam necessariamente o conjunto de conquistas da teoria revolucionária em razão das condições concretas em que cada organização da classe operária foi formada e pôde se apropriar do marxismo.

Assim, as diferentes formas de marxismo historicamente constituído têm, cada uma delas, a sua própria história. Essa história é caracterizada, ao mesmo tempo, por uma certa continuidade histórica e por diferenças. Essas são diferenças que devem ser examinadas notadamente para compreender o que, no “marxismo” desta ou daquela organização, corresponde a um desenvolvimento teórico real e, pelo contrário, o que corresponde a uma forma de ocultação das análises marxistas precedentes.

Se considerarmos o bolchevismo como uma das formas do “marxismo historicamente constituído”, é possível – como tento fazer no volume 2 de Les luttes de classes en URSS – constatar que ele representa uma unidade contraditória no seio da qual se combinam as conquistas do marxismo e do leninismo com toda uma série de concepções alheias ao marxismo. Estas últimas são ativas no bolchevismo nos anos 1920 e nos anos 1930, mas seu modo de combinação se altera com as aquisições do marxismo em função da conjuntura da luta de classes.

Em termos concretos, quando analisamos o conteúdo das discussões que tiveram lugar no final dos anos 1920, constatamos que no partido bolchevique predomina cada vez mais a ideia de que o desenvolvimento socialista da URSS seria fundamentalmente condicionado pela capacidade do poder soviético de assegurar uma rápida expansão da grande indústria e pela sua capacidade de “mecanizar” a agricultura. No que diz respeito a esta última, no final dos anos 1920, a ideia de que a transformação socialista da agricultura depende antes de tudo da vontade dos próprios camponeses de se engajarem na produção coletiva, é substituída por uma ideia completamente diferente, a de uma “revolução pelo alto” que imporia aos camponeses formas coletivas de produção que permitissem o uso de máquinas. Assim, a teoria leninista de oferecer suporte aos camponeses pobres e médios para ajudá-los a se engajarem na via do socialismo é substituída por uma tese estranha ao marxismo, a de uma “revolução pelo alto”. Há uma mutação que se opera na formação ideológica bolchevique. Essa mutação tornou-se possível por certas características ideológicas do bolchevismo, mas uma vez levada a cabo, ela conduz a uma ruptura com o marxismo revolucionário.

Naturalmente, as transformações da formação ideológica bolchevique inserem-se em uma conjuntura política particular, em uma conjuntura política caracterizada por relações tensas entre o partido e o poder soviético, por um lado, e importantes frações do campesinato, por outro. No entanto, a ausência de uma análise concreta das origens desta tensão, e das debilidades da política camponesa que permitiram essa tensão se desenvolver, acaba conferindo prioridade não mais à ação política e ideológica, mas às mudanças técnicas. Estas são então consideradas como a condição determinante da transformação das relações sociais, o que corresponde à adoção de uma tese “economicista-tecnicista”.

A profundidade das transformações que assim se operam na formação ideológica bolchevique, como marxismo historicamente constituído, aparece explicitamente, e sob uma forma teórica, no texto de Stálin: “Materialismo dialético e materialismo histórico”. Neste texto, Stálin propõe a teoria segundo a qual as transformações sociais são determinadas pelo tipo de relação existente entre a sociedade e a natureza. Esse texto coloca a disjuntiva “sociedade-natureza” como constituída por duas realidades externas entre si. A natureza é pensada como uma “atmosfera” da sociedade, enquanto a relação desta última com a natureza é pensada a partir da categoria de forças produtivas. O desenvolvimento dessas forças é afirmado como sendo o elemento motor das transformações sociais. A partir de então, a luta de classes não é mais a força motriz da história, é apenas um auxiliar para “ajudar” o desenvolvimento das forças produtivas, quando as relações de produção existentes se opõem a este desenvolvimento. Este último parece assim implicar uma espécie de “lei do progresso”, no sentido da ideologia burguesa. Sabemos que esta ideia foi retomada por Oskar Lange que fala da “lei do desenvolvimento progressivo das forças produtivas”.

Assim, uma “dinâmica” exterior à luta de classes seria o motor da história. Essa dinâmica garantiria um “desenvolvimento social”. Tal noção de “desenvolvimento social” é outro tema que está em ação em “Materialismo dialético e materialismo histórico”. Este tema ambíguo é estranho ao marxismo. Ele apresenta a “sociedade” como uma espécie de realidade em si, exterior às classes que a constituem.

Do mesmo modo que o marxismo e a social-democracia alemã no início do século e a Segunda Internacional, o bolchevismo representa uma forma particular de marxismo historicamente constituído. Passou por transformações particularmente importantes durante a década de 1930, transformações que resultaram na ocultação de teses fundamentais do marxismo revolucionário, em particular a de que a luta de classes é o motor da história das sociedades divididas em classes. Esta tese fundamental foi substituída por outra, a do papel motor do desenvolvimento das forças produtivas. Da mesma forma, o conceito de transição socialista, que corresponde ao processo de transformação do capitalismo em comunismo, foi substituído pela noção não científica de “modo de produção socialista”.

A análise que efetuo sobre a formação ideológica bolchevique, leva-me no volume 2 de Les luttes de classes en URSS a fazer a distinção entre o marxismo historicamente constituído (aquele que predomina em certo período histórico) e o núcleo científico de concepções que se reivindicam marxistas, núcleo que designo pelo termo marxismo revolucionário. Este último é o produto das análises teóricas de Marx e Engels e do aprofundamento e desenvolvimento dessas análises por aqueles que continuaram sua obra baseados na experiência das lutas de classes e das revoluções. Ao introduzir as noções de “aprofundamento” e “desenvolvimento” do marxismo revolucionário, sublinho que isso não é “dado” de uma vez por todas nos textos dos “clássicos”, nos textos de Marx e Engels. Como diz Lenin, esses últimos lançaram as “pedras angulares” do materialismo histórico, mas isto é necessariamente “inacabado”, como qualquer ciência. O marxismo revolucionário se transforma, portanto, e essa transformação se opera com base dos conhecimentos já produzidos, que são progressivamente enriquecidos e se articulam de modo a explicar cada vez melhor os processos reais, oferecendo a possibilidade de agir sobre o curso da história. O desenvolvimento do marxismo revolucionário leva às formulações precedentes. O que distingue tal enriquecimento do marxismo é que ele não funciona como uma “justificação” da ordem existente, mas se constitui como uma arma que efetivamente serve às lutas do proletariado, pois ele guia essas lutas.

A experiência chinesa mostra precisamente como o desenvolvimento do marxismo revolucionário de Lênin (desenvolvimento que adquire uma importância particular em seus últimos escritos) pôde ser usado e servir à consolidação da ditadura do proletariado na China. Estou pensando aqui, em particular, no que Lênin escreveu sobre a relação que o partido dirigente deve desenvolver com as massas camponesas.

Communisme (Bernard Fabrègues): Em seu livro, você emprega o termo “contradições internas” à formação ideológica bolchevique, e você diz que essas contradições estão na origem do desenvolvimento do marxismo historicamente constituído, mas que o movimento dessas contradições é determinado pela luta de classes. No entanto, o emprego deste termo “contradição interna” levanta um problema: que tipo de contradição? São apenas contradições internas a um determinado sistema de pensamento (e neste caso corre-se o risco de cair no idealismo para quem tudo se passa no pensamento), ou são também e sobretudo contradições entre o estado de conhecimentos em um determinado momento, o estado do marxismo, e a realidade objetiva? Qual é, de fato, o estatuto deste termo “contradição interna”?

Charles Bettelheim: De fato, é justo questionarmo-nos sobre o estatuto dessas contradições. Na verdade, esse termo designa várias realidades. Por um lado, trata-se das contradições entre o movimento real e o conhecimento que temos dele, porque o processo de conhecimento é indefinido, e nunca há uma total adequação do conhecimento ao movimento real. É um tipo de contradição que se reproduz sempre enquanto tudo se transforma. Mas, por outro lado, também se trata das formulações contraditórias que podem existir no seio do marxismo. Essas contradições são propriamente um efeito das adequações desiguais das teses e conceitos do marxismo ao movimento real.

Tomemos, por exemplo, os textos que o próprio Marx escreveu em vários momentos, mesmo em momentos próximos, como os textos d’O Capital. Quando analisamos esses textos, podemos encontrar formulações que estão defasadas umas em relação às outras, algumas delas nos permitem compreender melhor o movimento real. Consequentemente, algumas formulações podem ser a origem de desenvolvimentos positivos, permitindo se apropriar mentalmente da realidade e agir sobre ela. Em contrapartida, outras formulações que são, digamos, para empregar uma metáfora, a herança de formulações anteriores, não levam em conta as formas mais desenvolvidas do pensamento de Marx.

Assim, em O Capital, a oposição entre a dominação formal e a dominação real das relações de produção é um tema solidamente dominante. Essa oposição permite mostrar que são as transformações das relações de produção que constituem o quadro no interior do qual as forças produtivas se desenvolvem e assumem determinadas características. No entanto, apesar do papel dominante que O Capital confere à natureza das relações de produção, relações que determinam a natureza das forças produtivas que se desenvolvem em seu seio, ainda encontramos, por vezes, nesta mesma obra, fórmulas diferentes que sugerem que seriam as transformações técnicas que determinariam as transformações sociais. Deste modo, encontramos em Marx formulações que estão defasadas umas em relação às outras, que estão em contradição entre si. Algumas dessas formulações servirão justamente de base para o desenvolvimento posterior do marxismo; outras, ao contrário, poderão ser isoladas e usadas para justificar ao mesmo tempo algo distinto: uma concepção completamente petrificada do “marxismo” que é incapaz de ser realmente enriquecida.

Communisme (Henri Corbières): Como se produz o que é o corpo científico do marxismo e o que delimita a teoria científica? Quais são as relações entre o corpo teórico e a formação ideológica bolchevique, se a chamamos assim? Eu gostaria de ilustrar o que disse tomando o exemplo d’O Capital de Marx. Ele não dá a prova da possibilidade de um desenvolvimento relativamente autônomo da teoria científica em relação às lutas reais das classes? Se considerarmos a teoria da mais-valia e da força de trabalho, os elementos concretos da vida real, a exploração do trabalho pelo capital, já existiam em 1844, assim como em 1867?(4) No entanto, foi necessário um longo trabalho científico para se chegar a esta teoria…. Observo que essa teoria da mais-valia é crucial, não se pode ignorá-la, é necessário defendê-la e aplicá-la. Em todo caso, já não precisamos “descobri-la”. Penso que sem esses vinte anos de trabalho científico, de análise e estudo histórico da realidade e das leis do modo de produção capitalista, assim como das teorias burguesas, Marx não teria descoberto essa teoria. Mas, ao mesmo tempo, ele só a descobriu, porque a procurava, porque tinha a pretensão de armar o proletariado com uma economia – denominada por ele como a “economia política do proletariado” –, porque tinha, enfim, como ponto de partida uma posição de classe, e é essa posição de classe proletária que o orientava em seu trabalho teórico. Poderíamos encontrar outros exemplos.

Charles Bettelheim: A questão levanta um problema real e importante, que em parte atravessa as questões que foram evocadas no início desta discussão.

A própria história do marxismo e do leninismo nos impele a reconhecer que há contradições internas no seio do pensamento marxista. A existência dessas contradições abre um campo para um trabalho de crítica, autocrítica e retificação. Esse trabalho é certamente comandado pelas exigências da luta de classes, mas isso não significa que ele se desenvolva apenas como reverberação [das] ou paralelamente às novas experiências de luta. Ele também pode se assentar na reflexão crítica das lutas anteriores, incluindo a das lutas ideológicas de classes que puderam mostrar como uma ou outra formulação abria o caminho para concepções estranhas às exigências das lutas do proletariado.

O exemplo dado, que se refere à passagem da noção de “valor do trabalho” para o conceito de “valor da força de trabalho”, parece-me excelente. Esse exemplo nos coloca diante de um desenvolvimento que o próprio Marx opera ao retificar alguns de seus primeiros textos. Esse desenvolvimento do pensamento de Marx não é o resultado de eventos maiores que teriam sido produzidos no âmbito dos confrontos sociais. Ele resulta da crítica que Marx efetua às concepções econômicas burguesas, de suas críticas ao pensamento de Adam Smith e Ricardo, crítica que ele leva a cabo não para “fins intelectuais”, mas para ajudar a classe operária a direcionar melhor suas forças para superar o mundo das aparências imediatas e compreender assim a conexão interna das relações sociais.

Dizer que o marxismo, em uma ou outra etapa do seu desenvolvimento, comporta contradições internas, é, antes de mais nada, dizer que algumas formulações marxistas levam em conta o movimento real, enquanto outras não. Em outras palavras, significa reconhecer que algumas formulações estão em contradição com o movimento real. De acordo com as condições concretas da luta das classes, o desenvolvimento do marxismo implica levar em consideração tanto suas próprias contradições internas, como as contradições que opõem o conhecimento marxista historicamente constituído ao processo histórico real. É por isso que os grandes avanços do marxismo estão geralmente ligados ao surgimento de novas experiências históricas no campo das lutas sociais.

Assim, o desenvolvimento do marxismo comporta duas perspectivas. Uma está relacionada ao aprofundamento interno e à retificação do sistema conceitual. Essa perspectiva é comandada principalmente pela luta ideológica de classe. A outra perspectiva está ligada às lutas levadas a cabo diretamente pela classe operária, lutas cujo resultado exige uma ou outra retificação ou precisão. O exemplo mais significativo desse desenvolvimento é constituído pelos textos que Marx dedicou à Comuna de Paris. Essas duas perspectivas do desenvolvimento do marxismo são complementares. Dependendo da conjuntura política e ideológica, a primeira perspectiva ou a segunda joga um papel dominante no processo efetivo de desenvolvimento do marxismo.

Communisme (Bernard Fabrègues): Vamos voltar um pouco, Linhart, o que você quer dizer com a definição do pensamento de Lênin como um “movimento contraditório”? Você escreve que o pensamento de Lênin é um pensamento dialético. Logo, você também fala de contradições, mas não me parece que elas tenham o mesmo lugar.

Robert Linhart: A pergunta feita há pouco é bastante boa para se aprofundar: trata-se de um sistema de contradições internas, de um pensamento que, em luta consigo mesmo, procura a sua própria coerência, seguindo critérios científicos, ou uma cientificidade que teria se dado a si próprio; trata-se de um pensamento que está em contradição e em luta, porque está em luta com o real, e porque o próprio real é um sistema de contradições?

Communisme (Bernard Fabrègues): Você escreve que o pensamento de Lênin está em luta consigo mesmo e com o real. Portanto, há duas facetas.

Robert Linhart: Há duas facetas. Creio que há uma que é determinante e outra que é determinada: o pensamento de Lênin está em luta consigo mesmo, porque está em luta com o real. É elaborado nesta luta com o real, porque não existe uma situação ideal: todas as situações estão “agrupadas” por definição e, se há uma série de coisas a fazer e a pensar dentro de um dado sistema de determinações históricas, isso ocorre sempre em seus limites.

Levemos em conta o sistema de pensamento dos marxistas e de Marx do tempo de Marx, do tempo d’O Capital, da Primeira Internacional, da luta sindical na Alemanha e na Inglaterra no século XIX; o bolchevismo do tempo de Lênin na Rússia; ou o pensamento de Mao Zedong na China da Revolução Cultural, tratam-se de sistemas de pensamento que são historicamente determinados e limitados. A única continuidade que pode ser encontrada neles é a posição de classe e está ligada ao fato de que o materialismo histórico, que eles fundaram e desenvolveram, é a arma teórica e ideológica da qual o proletariado se apoderou. Isso é historicamente ainda válido. Mas isso é quase tudo. Quanto ao resto, parece-me que tudo, salvo um texto ou outro e uma época ou outra, faz pouco sentido: Marx não atribuiu às palavras “força produtiva”, “técnica”, “relações de produção”, “Estado”, “proletariado”, “burguesia” o mesmo conteúdo que Lenin, Stálin ou Mao Zedong. É necessário, sempre, ser preciso. E o que há de comum é menos importante do que a diferença.

Sua pergunta inicial me parece justa: o marxismo está sendo atacado, como defendê-lo? O único marxismo que vale, é o marxismo que luta e serve à revolução.

É por isso que a luta “em defesa dos conceitos marxistas” é, em última análise, irrisória, quando pretende se resguardar de qualquer inserção concreta. A experiência mostra que não existe conceito marxista que não possa ser usado pela burguesia. E o proletariado pode se apossar de muitas noções inicialmente difundidas pela burguesia. Mais uma vez, só podemos ser precisos.

Vamos tomar um exemplo atual que me parece revelador. O conceito de “ditadura do proletariado”.

Se imaginarmos o marxismo como uma espécie de sistema concêntrico com um núcleo universal e círculos contingentes, é evidente que vamos colocar no núcleo central a ditadura do proletariado: não há necessidade de citar os grandes clássicos, temos a impressão de que temos algo realmente sólido aqui.

E, muito naturalmente, quando, na primavera passada, Marchais(5) abandonou oficialmente o termo ditadura do proletariado, algumas pessoas agitaram a bandeira da revolta e disseram: aí está, isso é uma afronta ao marxismo! Na verdade, isto poderia dar a impressão de ser uma luta relativamente clara: o partido comunista abandona algo que o definia como um partido marxista em favor de algo que o define como um partido revisionista. Mas para quem examina as coisas de um ponto de vista concreto, este é um falso debate. O partido comunista é um partido revisionista há muito tempo, quer se separe ou não da teoria da ditadura do proletariado, assim como o partido comunista que hoje governa na Hungria não é propriamente um partido comunista, apesar de ele reivindicar a ditadura do proletariado.

Vamos mais longe: esse falso debate mascara um debate real, essencial para todos aqueles que, na França, buscam um marxismo vivo. Se algo aconteceu nos últimos anos nas organizações revisionistas, é preciso observar, antes de mais nada, não os estatutos, mas as dificuldades que surgiram com a União Soviética. Deste lado, ocorreu efetivamente toda uma série de coisas e é urgente mensurar a natureza e o alcance que elas possuem. Existem agora contradições entre os revisionistas da Europa Ocidental e os que estão no poder na URSS e no Comecon?(6) Elas se desenvolverão? Elas correspondem a diferenças de interesse entre as bases sociais dos movimentos revisionistas ocidentais e as classes possuidoras do Leste? Para que forma de sociedade – de capitalismo de Estado – tendem as forças sociais que sustentam o revisionismo ocidental? Elas podem entrar em conflito com o imperialismo soviético? Essas são algumas das questões que se colocam àqueles que querem fazer do marxismo uma arma de luta na França de hoje. O fato de o termo “ditadura do proletariado” desaparecer dos estatutos do PC não é o problema: o que conta é saber se os PC ocidentais deixarão de ser agentes da ingerência soviética para se tornar forças políticas de outro tipo. Isto não significa, claro, que eles se tornarão por isso partidos marxistas e proletários! Se um real processo de constituição de um sistema revisionista ocidental em ruptura com a URSS ocorresse, seria uma coisa extremamente importante. E, no limite, tanto melhor, se abandonarem o termo “ditadura do proletariado”: mais vale um revisionismo aberto, em movimento, suscetível a crises e transformações que um revisionismo dissimulado sob os princípios formais do marxismo, e estagnado ideologicamente diante das massas que ele engana e imobiliza. Face ao revisionismo, não é das mesmas citações eternas de Lênin que precisamos (é muito fácil responder que o mundo de 1977(7) não é mais o de 1917 e que devemos levar em conta os sessenta anos de experiência que se interpuseram), mas de uma análise de classe do revisionismo moderno. Apenas a análise concreta de uma situação concreta é de alguma utilidade aqui. É por isso que é indispensável pensar a ideologia – incluindo a nossa própria – em seu movimento. É neste sentido que eu proponho, em Lénine, les paysans, Taylor, a noção de “formação ideológica” para designar o bolchevismo. Eu disse que trataria o leninismo deste ângulo para iniciar a análise da formação ideológica bolchevique, ou seja, de um sistema de pensamento determinado que surgiu numa determinada luta de classes e numa situação que tinha seus limites. Tanto quanto sabemos, as teorias, os sistemas ideológicos, são produto de forças sociais, de sistemas de pensamento historicamente constituídos. Os intelectuais ingleses ou alemães de meados do século 19 não são o produto do mesmo sistema de determinações que os intelectuais russos do início do século 20, assim como os intelectuais chineses e outros… Isto não quer dizer que não alcançamos algo de universal em cada momento, mas este universal só existe no particular, só assume o seu significado no particular.

Se abordarmos o problema da luta em torno do marxismo, há formas mais evidentes de afronta, tais como as que surgiram nos últimos anos: a ideologia do desejo ou a ideologia anticomunista edificada a partir da chamada descoberta dos campos soviéticos (digo chamada, porque as pessoas da minha geração eram bastante influenciadas por isso quando começaram a fazer política: no início dos anos 60, o sistema repressivo soviético já não era certamente mais segredo para ninguém!). Essas ondas de colapsos ideológicos são evidentemente as mais espetaculares, mas há outras formas de investimento contra o marxismo por parte da ideologia burguesa. Penso que a defesa dogmática do marxismo é também uma forma de podar o marxismo. Essa defesa dogmática não intervém nas lutas ideológicas concretas, não permite compreender as transformações concretas que estão ocorrendo tanto na ideologia como na sociedade, e faz do marxismo progressivamente um sistema de pensamento repetitivo e cada vez menos utilizado. E que, além disso, resiste mal a choques! Temos um belo exemplo disso hoje: estamos testemunhando uma nova onda de antimarxismo em relação à China, e isso deveria nos incitar a refletir sobre o problema da defesa do marxismo e o que é realmente o marxismo revolucionário. O que me impressiona em toda essa história é que estamos assistindo a uma espécie de colapso do maoísmo europeu, ou seja, de um sistema de pensamento a partir do qual havíamos imaginado que todos os grandes problemas tinham finalmente sido resolvidos – as relações entre dirigentes e dirigidos, entre operários e camponeses, entre pequenas e grandes empresas, etc. – e que tínhamos finalmente chegado à Verdade com V maiúsculo. Assim se construiu todo um rousseauneismo ingênuo a partir da simplificação do maoísmo, que se tornou uma espécie de ideologia padrão para julgar todos, Stálin, depois Lênin, depois Marx… Mas se estudamos um pouco a China, vimos que isso não corresponde à realidade. E, além disso, essa imagem tende a se desfazer nas lutas políticas e nas lutas de classes que estão ocorrendo na China. Para quem tem um ponto de vista materialista histórico, isto não é uma revelação: não há um modelo fixo, e qualquer sociedade é uma espécie de resultante de forças de classe contraditórias – e no caso da China, isto parece longe de estar estabilizado. Mas para aqueles que adotam um ponto de vista idealista (um sistema de referência normativo onde os critérios do bem e do mal são assegurados de uma vez por todas), isto é evidentemente o colapso de um sonho: a China é uma sociedade como qualquer outra… Alguns pensam que estão aprendendo coisas espetaculares hoje – mas só são espetaculares porque estão colocando na ordem do dia o espírito crítico! Consideremos a agricultura: parece ser hoje evidente que um dos maiores problemas da economia chinesa é a estagnação da agricultura. E, ao que parece, uma das decisões tomadas em 1974 para combater esta estagnação foi mudar a política de fertilizantes, cujo tipo de produção não permitia uma renovação suficiente dos solos explorados muito intensivamente: decidiu-se, então, abandonar a política de pequenas e médias fábricas de fertilizantes e de complementá-la desenvolvendo uma grande indústria química que pudesse servir de base para uma grande e mais sofisticada produção de fertilizantes. Em si, já adianto, tal fato tem pouco significado: deveria ser inserido num contexto global, do qual conheço muito pouco. É talvez uma decisão justa, talvez uma decisão errada. Ela favorece talvez esta ou aquela força social em detrimento de outra… Na minha opinião, ela só pode ser apreciada no contexto de uma análise global da estrutura social chinesa. Mas para certa representação idealista, isto será visto em si como uma virada catastrófica: grandes quantidades de fosfato, de amônia, terão que ser processadas, tecnologia estrangeira terá que ser importada (o que os chineses começaram a fazer), etc. Tudo intrinsecamente ruim. Poderíamos responder que os chineses não importam fábricas estratégicas da mesma forma que outros países, que eles as examinam completamente, que todas as funções são revistas etc. Em suma, não há como escapar de uma análise complexa onde existem outras determinações, que não se resumem ao preto no branco. Além disso, estou convencido há vários anos de que toda uma parte da realidade na China não é conhecida, pela boa razão de que os meios de propaganda (que nos transmitem uma certa imagem) são objeto de intensas lutas políticas e ideológicas entre grupos que se transformam – como vimos – e que fornecem cada um à sua maneira uma determinada representação por controlarem a informação. Para que uma posição marxista não colapse a cada mudança de análise, propaganda ou relação de forças políticas, ela deve se ater a uma série de princípios básicos e conservar um espírito crítico na análise de uma dada formação ideológica, em relação com a realidade… O que está colapsando hoje não é nem o marxismo nem o papel histórico da China e do pensamento de Mao Zedong, é o idealismo histórico: já vai tarde. Infelizmente, é possível prever que ele assumirá outras formas…

Communisme (Claude Roland): Deveríamos voltar um pouco à ideia da distinção entre marxismo, bolchevismo… apenas como sistemas limitados historicamente, e entre os quais a diferença seria mais importante do que o que têm em comum. Há aqui um perigo: considerar apenas sistemas histórica e geograficamente determinados que não manteriam relações entre si, além de impossibilitar às pessoas que estariam inseridas nesses sistemas emitirem julgamentos ou avaliações sobre o que está acontecendo nos outros.

Robert Linhart: O que você afirma é caricatural. Há uma unidade do conjunto: é a posição de classe, a posição proletária, o que faz com que o marxismo, o marxismo histórico, quando penetra nas massas, se torne uma arma do proletariado – e é a unidade de tudo isso. Dito isto, me parece mais vital do que nunca ter consciência do fato de que esta unidade nunca é determinada nos textos. Vamos tomar um exemplo atual. É bem sabido que muitos marxistas franceses consideravam excelentes os textos daqueles que agora são chamados na China de “o bando dos quatro”.(8) Muito bem. Mas qual é o problema em avaliar a linha dos “quatro”? O problema é saber qual era a sua prática real, que relações tinham com as massas e que consequências efetivas tinha a sua linha política para as diferentes forças sociais em movimento em toda a China. Este é o único problema real.

Communisme (Henri Corbières): Como pode ser realizada a luta ideológica entre os marxistas? Vamos usar os textos e teses deste ou daquele período para examinar as posições desta ou daquela pessoa. Não vamos ler textos marxistas pelo prazer de lê-los ou fazer história por fazer história, vamos lê-los para tomar posição hoje em função dos problemas que se colocam hoje: ou seja, vamos nos servir das conquistas passadas para o momento atual. Nesse sentido, a luta ideológica entre os marxistas é uma luta de classes. Hoje, é indispensável, por exemplo, saber onde se situa a ruptura entre Lênin e Stálin. É, portanto, indispensável fazer uma análise materialista da luta de classes na URSS que permita dizer: aqui está a ruptura entre Lênin e Stálin, não se trata de se contentar com a exegese dos textos, mas de observar que tal texto, correspondente a tal conjuntura, sinaliza, por seu abandono de tais conquistas ou posição de classe do marxismo, o resultado de uma luta de classes e que, no plano teórico, o proletariado não prevaleceu. Poderemos então dizer que, nessa situação concreta, no quadro da “formação ideológica bolchevique” em tal momento, tal linha política, posição ou conceito proposto por Stálin representava a posição da burguesia. Nesse sentido, o que faz Bettelheim é muito útil. Chega um momento em que essa formação bolchevique se transforma em seu contrário e no qual a burguesia prevaleceu. Essa vitória da burguesia foi o resultado de uma luta de classes, inclusive nos planos ideológico e teórico. Isto, só podemos compreendê-lo em referência ao nível revolucionário marxista, certo “ganho”.

Robert Linhart: Um dos objetivos do meu livro (em particular o capítulo sobre Gorky)(9) era explorar as raízes do ódio anticamponês que existia no partido bolchevique e na intelligentsia socialista russa, e a luta que Lênin tentou travar contra esta ideologia anticamponesa veiculada pela pequena burguesia intelectual e urbana com a qual ele teve que se aliar. Para compreender isto, ele regressa a muito antes da revolução, ao fracasso do populismo e até à relação entre as classes sociais do Estado russo… Ainda assim, isto é algo que mais tarde se cristalizou e assumiu uma forma extremamente violenta e feroz durante o período de Stálin.

A questão que você coloca, a saber, como é que a ideologia que foi encarnada por Stálin tomou forma, é, na minha opinião, uma questão fundamental. Mas é uma questão que não pode ser respondida de forma alguma tomando os textos de Stálin (que, aliás, são hoje geralmente apresentados de forma truncada) e procurando uma coerência interna, ou o momento em que ele se desvia da perspectiva de Lênin, ou o momento em que uma de suas formulações difere das de Marx, etc. O que continua sendo a questão fundamental, parece-me, na avaliação sobre Stálin, pode efetivamente ser resumida da seguinte forma: havia, na Rússia dos anos 1920-1930 e seguintes, um sistema de contradições concretas entre forças de classes em movimento: Stálin representava principalmente a perspectiva burguesa ou a perspectiva proletária neste sistema de contradições? Em 1929, Stálin não discutia com Mao Zedong, os “quatro”, os ecologistas, etc. Ele discutia com Bukharin, Trotsky, Zinoviev… Havia então uma série de correntes posicionadas, de contradições sobre a questão camponesa, a política industrial, a questão do terrorismo, tudo dentro de um horizonte que era o da época e que desde então, fomos muito além.

Mesmo as pessoas que se opunham completamente umas às outras, estavam em completo acordo sobre coisas que hoje parecem bastante questionáveis. Tomemos a “oposição operária” de Kollontai e os textos de 1920-21: é sabido que ela dizia se opor à burocratização, ao controle do partido e do Estado sobre a classe operária; ela parece então representar a corrente que teria sustentado a iniciativa operária face a algo mais autoritário, mais organizado. Mas veja o que Kollontai diz sobre a técnica: ela adota exatamente a mesma concepção de técnica que Lênin, e diz coisas bem parecidas sobre o papel dos especialistas, da grande indústria que deve funcionar como um relógio, etc. Retrospectivamente, claro que é fácil afirmar hoje: “Mas deveríamos ter recusado aplicar a técnica industrial capitalista e inventado outra, mobilizando a iniciativa técnica das massas!”. Tudo o que se pode dizer é que este ponto de vista não surgiu na época: não surgiu em nenhuma das correntes ideológicas revolucionárias que existiam e podiam se opor. A partir daí, pode ser interessante investigar por que isso não surgiu nessa época. Então, você tem que observar a formação da classe operária, a existência ou não de savoir-faire (habilidades) artesanais nas principais produções industriais, o problema da importação de tecnologia tal como ela se colocou na Rússia da época. Eu não vou desenvolver isso aqui: tentei analisar tudo isso na segunda parte do meu livro.(10) De qualquer forma, tudo deve ser examinado e se você fizer isso com bastante atenção às condições concretas da época, você começa a definir certo universo mental que restringe as alternativas até certo ponto. As pessoas daquela época têm a impressão de estar em completo desacordo e ainda assim concordam com algo fundamental que aparecerá cinquenta anos mais tarde!

Para a grande virada de 1929, me parece que devemos nos fixar nessa mesma perspectiva materialista: refletir sobre o sistema social como um todo; o “paralelogramo de forças” políticas e de classes; os diferentes pontos de vista na crise (mencheviques, trotskistas, bukharinistas, etc.); as linhas que se manifestaram (crescimento prudente, coletivização e industrialização aceleradas); os comportamentos ideológicos das forças reais que existiam (os povoados, os pequenos camponeses, a burguesia rural, a administração soviética, o aparelho do partido, as diversas categorias de operários fabris…). Assim que você começa a imaginar, o que não é evidentemente proibido, a linha que teria sido correta, mas que ninguém formulou, você entra num terreno que é muito mais especulativo: então, você deve mostrar que as condições de produção desta linha também existiam. Caso contrário, você cairá numa história idealista onde tudo poderia ter corrido bem, de modo que: “Bastaria isso para…”.

Communisme (Bernard Fabrègues): Entre Stálin e Lênin, se há unidade, há também diferença: o problema todo é saber o que predomina: a unidade ou a diferença? A questão é seguinte: de que forma Lênin usa o marxismo num sentido revolucionário para analisar (e transformar) a situação concreta em que se encontra e de que forma Stálin usa ou não o marxismo num sentido revolucionário na situação concreta de seu tempo? Por exemplo, nos textos de Lênin sobre a cooperação, podemos observar como ele se reapropria, em condições históricas precisas, de algumas ideias essenciais que Engels havia desenvolvido em outras condições e em outra época (“A questão camponesa na França e na Alemanha” de 1894) e como ele as usa para compreender as contradições e traçar a via para transformar as relações sociais no campo. As teses propostas por Engels na época haviam sido enterradas pela social-democracia alemã, cujas concepções influenciaram fortemente a grande maioria dos bolcheviques. De certa forma, Lênin recupera e desenvolve as teses de Engels referentes ao não emprego da violência contra os camponeses e à cooperação como uma forma interna e progressiva de coletivização.

Este exemplo (e muitos outros poderiam ser citados) permite observar por que, na minha opinião, é um erro compreender os marxismos de diferentes períodos apenas como sistemas historicamente limitados, sem qualquer ligação real entre eles. É evidente que as condições históricas concretas e a conjuntura da luta de classes não podem ser deixadas de fora da análise (caso contrário, cairíamos no idealismo). Mas reduzir tudo a estas condições, é como curvar a vara para o lado oposto. No limite, assim se pode justificar tudo, ou, por exemplo, chegar a essa conclusão de que a ruptura da aliança operário-camponesa, ou ainda o restabelecimento da ditadura da burguesia na URSS, eram inevitáveis.

Você citou anteriormente o exemplo do abandono da ditadura do proletariado pelo PCF. Você tem razão em dizer que uma denúncia dogmática deste abandono deixa de lado o essencial: porque o PCF, que é revisionista há muito tempo, abandona agora a proclamação formal deste princípio. Em outras palavras, para entender isto, é necessário fazer uma análise concreta do revisionismo, da imagem da ditadura do proletariado como sendo o que existiu na URSS desde a década de 1930, etc. Mas isso também é necessário porque é preciso defender a teoria marxista da ditadura do proletariado, desenvolvida por Marx, Lênin e Mao: é uma arma indispensável na luta pelo comunismo. Que essa própria teoria deva ser apropriada criticamente, que é vital desenvolvê-la com base na experiência adquirida, que no futuro ela deve ser necessariamente enriquecida por novas experiências, tudo isso está correto. Mas a sua apropriação pelo proletariado é decisiva. E isto é verdadeiro para todos os conceitos fundamentais do marxismo- leninismo: nesse sentido, é falso dizer que os conceitos de forças produtivas, relações de produção, Estado, classes, proletariado, burguesia, etc., são sobretudo concebidos de forma diferente em Marx, Lênin, Mao. É sobretudo o contrário que é verdadeiro, ou seja, no essencial, o que há em comum é mais importante do que a diferença. Caso contrário, seria difícil entender como, com base numa análise realizada com a ajuda da teoria marxista e dos conceitos de materialismo histórico, foi possível transformar (ou começar a transformar) a realidade social.

Se levarmos a cabo o raciocínio de que o marxismo é apenas uma posição de classe proletária em uma determinada conjuntura, não podemos mais entender o que é o revisionismo: estamos, portanto, desarmados para lutar contra ele. Bettelheim escreve que o que permite o revisionismo emergir numa determinada época são as contradições do marxismo historicamente constituído da época anterior. Isto implica que o revisionismo vai se apoiar sobre o que era estranho ao marxismo, ou o que era contraditório no próprio marxismo. Parece-me que esse aspecto (desde que não se faça dele única causa, ignorando as transformações das relações de classe) é importante, porque nos permite colocar a questão das transformações no seio do próprio marxismo.

Em contrapartida, acredito que sua posição, Linhart, equivale a relativizar completamente o marxismo (ou os marxismos de diferentes períodos), e a isolá-lo dos diferentes períodos históricos, ou seja, a tornar incompreensível o desenvolvimento ou a regressão do marxismo, da teoria marxista.

Embora seja verdade que o “núcleo revolucionário do marxismo” não tem nada de definitivamente estável ou eternamente adquirido, ele existe, e é essa existência que funda sua possibilidade de desenvolvimento.

Robert Linhart: Esse conceito de “núcleo revolucionário do marxismo”, receio, é um pouco como o horizonte que desaparece à medida que nos aproximamos dele. À medida que as lutas de classe se desenvolvem, passamos o nosso tempo examinando as noções básicas: classe social, Estado, forças produtivas, etc., porque cada geração produz novas formas de ideologia burguesa dentro do que aparecia à geração anterior como o “núcleo revolucionário”.

Mas há algo específico do nosso tempo, existe um imenso império revisionista, capitalista e imperialista, que se disfarça inteiramente de metodologia marxista, incluindo aqui a teoria da ditadura do proletariado! Os soviéticos estão publicando as obras completas de Lênin. Estou surpreso que isto não abale mais as pessoas. Eles publicam todos os textos revolucionários de Marx e Lênin dos quais estamos falando, e aparentemente isto não estremece as bases do sistema soviético!

Hoje, na China, o problema colocado é saber se uma determinada posição sobre a técnica, as pequenas unidades de produção, o papel da superestrutura, favorece o proletariado ou a burguesia. Na minha opinião, isto só pode ser decidido por meio de uma análise concreta, e muitos dos elementos que precisamos para construí-la escapam-nos. É perfeitamente possível descobrir dentro de alguns anos (direi logo que esta é uma hipótese escolar) que este ou aquele texto contra o mecanicismo ou o “tecnicismo” que nos parece deslumbrante, terá sido de fato uma arma de luta contra o proletariado. Como podemos descobrir o contrário. Essa opacidade das formações sociais onde ocorreram as revoluções da ditadura do proletariado é, além disso, um problema. Há nos discursos políticos que ali são formulados, uma forma de codificação que ainda não aprendemos a ter domínio: no entanto, a experiência deveria ter-nos ensinado a não tomar ao pé da letra os textos que têm sempre uma função específica numa determinada relação de forças. Investigar as vias da descodificação parece-me ser uma das tarefas da análise revolucionária marxista atual: e, no fundo, é só assim que damos um conteúdo ao conceito de “formação ideológica” entendido como um dos componentes da formação social. Creio que qualquer sociedade também produz as suas formas de representação e ilusão, e que isto também se aplica às chamadas sociedades “em transição”. Investigar, na medida do possível, as leis desta produção não é o menor dos desafios da crítica marxista.

É por isso que não me parece correto tentar encontrar um porto seguro apagando dos textos passados tudo o que se contrapõe às suas linhas ideais. Descartamos os textos de Lênin onde se manifestariam tendências que hoje são chamadas de “tecnicistas” ou de desconfiança em relação ao campesinato. Apagamos de Stálin tudo o que se manifestaria como perspectivas dialéticas de suas posições. Então, em 1930, Stálin insistia longamente em seu texto “A vertigem do sucesso” e especialmente “Resposta aos camaradas kolkhozianos” (abril de 1930) sobre a necessidade de não romper com o camponês médio e criticava fortemente os “excessos”, repetindo que o único alvo deveria ser o “kulak”. Lênin tinha tomado posições semelhantes nos tempos do “comunismo de guerra” e, em ambos os casos, a luta de classes propriamente dita tomou um rumo diferente. Devemos recordar também que, por ocasião da ascensão do stakhanovismo, e em outras circunstâncias, Stálin difundiu textos que preconizavam a iniciativa das massas e criticavam a onipotência dos especialistas. E penso que isto também teve efeitos sobre a linha política aplicada por Stálin. Mas o desenvolvimento subsequente do revisionismo e os conhecimentos (certamente limitados) que estamos começando a ter sobre a sociedade soviética estão agora trazendo à luz hoje aspectos dessa sociedade que haviam permanecido ocultos. É tendo em conta todos os aspectos da linha de Stálin que podemos avaliar a complexidade das lutas de classe da época. E é também tendo em conta todos os aspectos das posições políticas formuladas por Stálin – que estão longe de ser sempre “mecanicistas” ou “economicistas” – que podemos adquirir algumas reflexões para a análise do presente.

Em suma, é necessário renunciar a uma “linha ideal” para ampliar o escopo da análise materialista.

Communisme (Bernard Fabrègues): É verdade que nos deparamos com coisas contraditórias em Stálin. Em outro plano, também encontramos coisas contraditórias em Khrushchev. O problema é saber o que predomina, analisando todos os aspectos da ligação entre teoria e prática. Agora, o que predomina em Stálin (e no partido) a partir da década de 1930 é, antes de mais nada, uma defasagem crescente entre o discurso político e a prática efetivamente seguida. A coletivização foi imposta mantendo até o fim a proclamação da aliança com o camponês médio, enquanto desde o início fora construída na prática contra a aliança com o camponês médio. Stálin, em 1930, disse: não devemos empregar a violência contra os camponeses, enquanto todas as diretrizes partidárias desde o início da coletivização (e depois de 1930) envolveram, na verdade, o uso da violência contra as massas de camponeses. Quando, no final do comunismo de guerra, a aliança operário-camponesa é rompida objetivamente, Lênin afirma: é necessário restabelecê-la. Lênin é materialista, ele observa e designa a realidade tal como ela é. Quando, após a coletivização, a aliança operário-camponesa é de novo rompida objetivamente, Stálin proclama que ela se fortaleceu. O que predomina, de agora em diante, é a negação das contradições. O outro aspecto dominante desde os anos 1930, no âmbito ideológico e teórico, é a teoria das forças produtivas, o culto absoluto da técnica “moderna”, a concepção de revolução pelo alto, etc.: ou seja, essencialmente uma regressão do marxismo-leninismo para o revisionismo. Isto corresponde, aliás, à dominação crescente da burguesia em todos os domínios. As intervenções de Stálin sobre o stakhanovismo, por exemplo, só aparentemente colocam em questão o economicismo desenfreado então dominante: elas não deixam de forma alguma o quadro da palavra de ordem “a técnica decide tudo”, apenas apelam para a “iniciativa” operária (ou para a “crítica” dos quadros) no sentido preciso de elevar os padrões de produção, etc.

Em ambos os planos – a ruptura entre certos aspectos apologéticos do discurso político e da prática efetiva, por um lado, e o caráter essencialmente revisionista do quadro teórico global, por outro – o que predominará entre o período stalinista e o período de Khrushchev é a continuidade. E tudo isto está principalmente em ruptura com o que se passou na época de Lênin e mesmo na década de 1920 (sob condições obviamente diferentes).

Gostaria de voltar à influência que na história certas formações ideológicas particulares tiveram sobre o movimento operário e comunista. Este é um aspecto importante da questão do “partido-fundador”, cuja história terá de ser feita um dia. Esse “partido-fundador” era a social-democracia alemã na época da II Internacional, o partido bolchevique na época da III Internacional, mas também de certa forma o PCCh, após a ruptura com o revisionismo soviético. Muitas vezes nos recusamos a observar que a relação entre os diferentes partidos ou os diferentes movimentos operários nacionais não é uma relação de completa exterioridade.

Na realidade, é uma relação muito complexa que se transforma, especialmente no domínio ideológico e teórico. Por exemplo, é claro que, por razões históricas óbvias, a relação entre causas externas (URSS) e causas internas não é a mesma na China no início da década de 1950 e no início da década de 1960. Creio que uma concepção antidialética das conexões entre causas externas e causas internas na história do movimento comunista internacional (uma concepção que se desenvolveu em reação aos ataques da burguesia e também contra o trotskismo, mas que acabou por negar que as causas externas poderiam, em certas circunstâncias, ser determinantes), permite, portanto, perpetuar uma série de mal-entendidos ou mistificações. Muitas vezes estamos dispostos a reconhecer a unidade do revisionismo internacional (na verdade, uma unidade muito contraditória), mas nos esquecemos que o proletariado também tem, tal como a burguesia, uma existência internacional.

É como se, com a chegada de Khrushchev ao poder, as causas externas (a URSS) se tornassem dominantes no movimento comunista internacional, enquanto antes, na época de Stálin, as causas internas dos diferentes países tivessem primazia. Isto é negar que o marxismo tal como existia na União Soviética na época (para não falar da política internacional) é o que tem dominado o movimento comunista internacional.

Robert Linhart: Penso que os mecanismos especificamente ideológicos a que chamamos de influências, modo de pensar (social-democrata ou não), são mecanismos subordinados às relações reais, às relações de classe. Penso que há uma maneira idealista de colocar o problema, dizendo: aí está, a mentalidade da Segunda Internacional foi repelida, depois ressurgiu, e então vimos voltar uma mentalidade que havíamos esquecido, depois um conceito que estava perdido, etc. Se um conceito ressurge nesta ou em outra época e é usado para um ou outro objetivo político, isso ocorre em uma dada conjuntura política e social.

Não podemos ignorar todo o percurso e isolar a questão teórica para resumi-la em um corpus de critérios que certamente definiriam o marxismo revolucionário de hoje. O marxismo revolucionário é, antes de tudo, uma posição de classe numa situação concreta. É inútil responder indefinidamente às questões colocadas pelas crises passadas e presentes com: “temos de preservar a aliança operário-camponesa. As massas não devem ser intimidadas, etc.”. Essas são apenas boas palavras que se despedaçam diante de contradições reais. E é somente se levarmos em conta o conjunto das contradições reais da época em que estamos – e da época de que falamos – que podemos usar, de uma forma que faça sentido, as palavras linha de massa, ideologia, classes, técnica, sistema produtivo.

Caso contrário, temos, de um lado, uma teoria que segue sua pacata rotina, “enriquecendo-se com contribuições”, e, de outro, uma realidade atual diante da qual perdemos terreno. Mas vocês sabem muito bem que hoje as pessoas que reivindicam a mesma base teórica, não sabem o que pensar sobre Angola, Cuba, União da Esquerda e mil outras coisas que a vida coloca na ordem do dia. Essa é a tragédia. Há uma desproporção fantástica entre certos debates teóricos sobre o marxismo e a capacidade de levar em conta a luta de classes concreta de hoje.

Charles Bettelheim: É evidente que não se pode explicar as transformações de uma formação social dando centralidade às concepções teóricas daqueles que protagonizam as lutas ocorridas no âmbito desta formação social, mas também não se pode ignorar essas concepções. De modo geral, o curso e o resultado das lutas sociais são determinados pelas formas ideológicas no seio das quais as massas e as organizações políticas travam sua luta. De fato, como Marx aponta no Prefácio de 1859, é sempre através de determinadas formas ideológicas que as lutas sociais são travadas, e o resultado dessas lutas depende das formas ideológicas e representações que dominam a ação daqueles que lutam. Daí a importância da luta ideológica de classe: daí a atenção dada por Lênin à luta no front teórico, compreendendo aqui o front filosófico.

Para voltar à formação social soviética do final da década de 1920 (que analiso no volume 2 de Les luttes de classes en URSS), são certamente as contradições sociais objetivas que desempenham um papel determinante nas transformações pelas quais esta formação social passa. Essas contradições são constituídas, notadamente, pela forma das relações entre o proletariado e o poder soviético, de um lado, e as massas camponesas, de outro; pela forma das relações entre a indústria e a agricultura, etc. No entanto, o tratamento dessas contradições pelo partido bolchevique não é um simples reflexo dessas contradições. Esse tratamento assinala uma linha política que é em si mesma o produto de uma ampla luta de classes, de uma luta de classes que também se desenvolve no plano teórico. O resultado do conjunto dessas lutas exerce uma ação decisiva sobre o movimento subsequente de contradições. É claro que a luta ideológica de classes não se desenrola no domínio das “ideias”. Ela se articula com as práticas sociais concretas, com as relações de forças entre as classes. Assim, a forma de industrialização com a qual a União Soviética se engajara em 1929-1930 não pode ser separada do papel desempenhado pelos dirigentes das grandes empresas, pelos dirigentes dos trustes soviéticos, pelos dirigentes da Comissão do Plano e do Conselho Superior da Economia Nacional. Estamos na presença de um conjunto de forças sociais que agem sobre o curso e a forma de industrialização, e que agem também sobre as transformações pelas quais passa a formação ideológica bolchevique. Contudo, essas transformações agem também em resposta às lutas de classe na URSS, à ideologia do partido bolchevique e – tendo em vista o papel decisivo desempenhado por este partido na Terceira Internacional – às lutas de classes em todos os países onde estão presentes seções da Terceira Internacional.

No volume 2 de Les luttes de classes en URSS, procurei precisamente mostrar a articulação entre contradições sociais objetivas, transformações sociais e transformações da formação ideológica bolchevique. A análise concreta revela o papel desempenhado por estas últimas transformações na medida em que elas conduzem a uma interpretação determinada da realidade soviética e ao desenvolvimento de uma linha política.

De modo geral, algumas das concepções que dominam cada vez mais o partido bolchevique durante os anos 1930 refletem uma prática (por exemplo, a da “revolução pelo alto” iniciada em 1929), mas, por sua vez, essas concepções permitem consolidar-se e mostrar-se como “teoricamente justificadas”.

Novamente, se a teoria e as formas ideológicas não desempenhassem o papel que jogam nas lutas reais, a luta ideológica da classe – que é um dos aspectos essenciais da prática leninista – não teria a importância que merece na história do movimento revolucionário.

É analisando a articulação das lutas sociais e fazendo um balanço dos seus efeitos, bem como do papel desempenhado pelas formas ideológicas dominantes, que podemos tirar lições e trazer à luz as consequências positivas ou negativas, da perspectiva da revolução proletária, deste ou daquele conjunto de posições teóricas.

Assim, a análise concreta permite definir melhor como uma forma particular de marxismo historicamente constituído pode ser enriquecida através das lutas de classes e contribuir para o desenvolvimento do marxismo revolucionário. Este marxismo é susceptível de se desenvolver porque não é constituído apenas por tomadas de posições que seriam úteis ao proletariado apenas numa dada conjuntura: ele é também constituído por um conjunto de conhecimentos de alcance universal. Negar a capacidade de desenvolvimento do marxismo revolucionário é reduzir ao mínimo a experiência histórica e sua apropriação teórica; é supor que é quase sempre necessário “começar do zero”, porque só existiriam situações concretas particulares, e não conceitos que permitissem analisá-las. Rejeitar a ideia – confirmada pela experiência – de uma teoria marxista capaz de se desenvolver e de se enriquecer, é questionar o caráter científico do marxismo, sua capacidade de produzir conhecimentos de alcance universal, e assim reduzir o marxismo a um “ponto de vista” e a um “método”.

Se a análise concreta da formação ideológica bolchevique e de suas transformações nos permite compreender melhor as condições nas quais o marxismo revolucionário foi capaz de se desenvolver, essa análise também nos permite compreender as regressões pelas quais passou a formação ideológica bolchevique, regressões que acabariam por transformar o bolchevismo em seu contrário, o que também comporta consequências internacionais.

O problema da ruptura entre Lênin e Stálin deve ser colocado desta forma. Essa ruptura não se manifesta apenas no plano teórico (por exemplo, como transformação do marxismo de um instrumento crítico em um instrumento apologético), mas também, e acima de tudo, no plano prático. Neste plano, o que caracteriza a ruptura entre Lênin e Stálin é a tentativa efetuada, a partir de 1929, de impor “pelo alto” às massas transformações sociais que elas não estão dispostas a aceitar, de modo que o conteúdo das transformações realizadas (por exemplo, o desenvolvimento dos kolkhozes) é radicalmente diferente do que seria obtido com base num verdadeiro movimento de massas, com inúmeras consequências para a formação social soviética.

Em toda uma série de domínios, podemos registrar tais rupturas entre as posições de Lênin e Stálin. É o caso, por exemplo, das relações entre grande e pequena indústria, do problema da diferenciação salarial, do abandono ou manutenção do partmax (ou seja, da proibição de um membro do partido receber um salário superior ao de um operário). De fato, tanto no plano prático como no plano teórico, observamos o desenvolvimento, durante a década de 1930, de um conjunto de concepções que irão contribuir maciçamente para as derrotas subsequentes do proletariado soviético. Há lições a serem tiradas daqui, e estas lições têm um alcance universal.

Communisme (Bernard Fabrègues): Eu gostaria de acrescentar algo neste sentido, sobre a relação Lênin-Stálin. Se tomarmos a concepção de socialismo de Lênin (concepção que está em desenvolvimento), a concepção do que representa a transição entre capitalismo e comunismo, do que significam as alianças de classes; se observarmos como Lênin, diante da prática e das condições concretas da revolução soviética, desenvolve suas concepções, ele está constantemente buscando captar as contradições, se esforça para apreender o que se mostra como novo na prática das massas, tenta criticar ou rever certas ideias que ele mesmo teve antes, luta eventualmente para retificar a política definida anteriormente, etc., temos um exemplo fantástico de uma atitude fundamentalmente dialética (isto é, crítica e revolucionária). É por isso que o pensamento de Lênin (que deve ser compreendido em seu movimento) está constantemente na vanguarda das posições do proletariado, e por isso Lênin foi um dos maiores dirigentes do proletariado. Mas se compararmos tudo isso com a concepção de socialismo que vai predominar a partir dos anos 30, em condições reconhecidamente diferentes, vemos algo qualitativamente distinto aparecer (ainda estou falando do que predomina). Já não vemos esta perspectiva dialética, esta perspectiva de crítica em relação à própria prática, mas, pelo contrário, a justificação, a apologia da ordem de coisas existente. A partir da década de 1930, a ideia predominante (vide Stálin) é que o socialismo venceu definitivamente, porque a propriedade estatal é hegemônica, e a tarefa essencial é “defender” o estado de coisas tal como ele é. Já não se trata mais de dizer: estamos na transição entre dois modos de produção, por isso temos de continuar a revolução; pelo contrário, afirmam: temos, acima de tudo, de proteger o que existe. Mas o que existe ainda é o capitalismo, o capitalismo de Estado, a burguesia na sociedade, o partido e o Estado, etc.

Communisme (Henri Corbières): Concordo plenamente com Linhart quando ele afirma que a posição da classe proletária é uma característica fundamental do marxismo, mas não creio que este seja o único aspecto que possa ser retido. Penso que existem conquistas e que essas conquistas constituem um todo problemático que, ao mesmo tempo que nos permite examinar a realidade, é ele próprio constantemente posto a funcionar nessa realidade. Além da posição de classe, esta conquista constitui uma concepção científica do modo de produção e do desenvolvimento social, e ainda a experiência negativa e positiva acumulada pelo movimento revolucionário. Insisto no fato de que esta conquista não é dada como assegurada, pois está constantemente em jogo uma luta, uma apropriação e uma despossessão do proletariado.

Mas essas conquistas não oferecem nenhuma garantia. Nada, absolutamente nada pode garantir que o proletariado, se fizer a revolução, não será esmagado algum tempo depois. Mesmo que esse proletariado seja poderosamente organizado, experiente, possua um partido que emprega brilhantemente o marxismo-leninismo, conduz a luta de classes, etc., não há garantia eterna de que o proletariado não voltará a cair sob o domínio do capital. Eis aqui uma conquista: sem garantias, sem verdade absoluta. Não é possível, por exemplo, falar de uma “vitória definitiva” do socialismo, ao contrário do que o movimento comunista reivindicava na época de Stálin.

Robert Linhart: O termo “conquista” parece-me enganoso. O problema é que essa “base” deve ser conquistada constantemente, em novas lutas concretas, em conjunturas inéditas. Vejamos a questão da aliança operário-camponesa: poderíamos ter lido todos os textos imagináveis sobre os erros que não se deve cometer (relembro que Stálin, durante a NEP, citava constantemente textos de Engels e Lênin sobre a necessidade de não ofender o campesinato, de dirigi-lo por meio de persuasão, etc.), ter passado uma boa parte de nossas vidas repisando este ou aquele princípio fundamental ou declarando este ou aquele… e fazer o contrário em determinadas condições! Esse é o problema do marxismo. A linha de massas é certamente uma importante conquista política do marxismo revolucionário. Mas uma “conquista teórica”? Questiono isso: estou convencido de que podemos projetá-la para encobrir uma ditadura da burguesia.

O pensamento de Lênin, por exemplo, é um sistema que não incorpora, na minha opinião, o que se pode exigir hoje em dia em termos de aliança entre operários, camponeses, intelectuais, de transformação do processo de trabalho, de ideologia e superestruturas, etc. O pensamento de Lênin e o leninismo tem, como tais, globalmente, algo de ultrapassado. Dito isto, o que chamamos de “marxismo-leninismo” é bastante diferente: é precisamente a capacidade de assumir a perspectiva fundamental do materialismo histórico e do proletariado em cada época nova, a fim de lidar com problemas concretos, novos. Isto não pode ser conseguido através do congelamento de fragmentos de experiência histórica em receitas. Por que dizer que o que é “adquirido” para sempre é a cooperação agrícola, ou a pequena indústria? É ridículo…

No que diz respeito ao período de Stálin, que foi um período de transição, creio que ele concentrou elementos de ditadura do proletariado sobre a burguesia (no início dominantes) e elementos da ditadura da burguesia sobre o proletariado (cada vez mais importantes no final do período). E é verdade que não podemos nos contentar com explicações simplistas de que tudo mudou da noite para o dia porque Khrushchev derrubou a maioria no Politburo ao tê-lo cercado com tanques. Mas igualmente simplista é a visão de que tudo deu errado porque passamos de um bom Lênin dialético para um mau Stálin mecanicista.

Communisme (Henri Corbières): Uma questão se coloca: o que fazer hoje com as análises marxistas?

Robert Linhart: Eu não acredito que se possa fazer da defesa do marxismo um objetivo autossuficiente. O marxismo despertará sempre para servir, enquanto houver pessoas que saibam se servir dele.

A única coisa que pode manter o marxismo vivo hoje são as análises concretas que ele pode produzir – seja sobre a França, Portugal, a Europa do Sul, as novas formas de imperialismo e a transferência de tecnologia, a luta de classes na China, etc.

Precisamos evidentemente de análises da União Soviética atual (e não apenas da sua história). Ela constitui ou não um sistema imperialista hoje? O que é o Comecon? Como podemos chamar, na URSS, a burguesia e o proletariado? Que forças proletárias podem ser apoiadas na URSS? Tudo isto é ainda um mistério imenso. E temos visto em Portugal o quanto os grupos que reivindicavam o marxismo-leninismo e a China estão desorientados sobre as questões mais fundamentais da estratégia antirrevisionista: a UDP(11) e o MRPP(12) opuseram-se com violência, uma violência que até levou alguns militantes a matarem-se uns aos outros!

Para voltar à França, uma questão como a avaliação sobre maio de 68 é extremamente importante. Pessoalmente, penso que maio de 68 presenciou um duplo movimento: uma tentativa de expressão proletária da classe operária, esmagada pelo desemprego e pelas difíceis condições de vida que lhe foram impostas pelo gaullismo; e uma irrupção que tomou a boca da cena, da pequena burguesia intelectual, ávida para transformar a sociedade de alguma forma e para assumir posições de poder. E penso que maio de 68 contribuiu efetivamente para uma renovação maciça da participação da pequena burguesia no sistema de poder do capitalismo. Tal renovação tem sido levado a cabo, entre outros segmentos, pelos praticantes das chamadas “ciências humanas”, do desenvolvimento da rede psiquiátrica, psicanalítica, psicológica, sociológica e pedagógica, através da formação permanente, do planejamento urbano, da produção cultural… “A imaginação no poder”: esta palavra de ordem concentrava a reivindicação de uma pequena burguesia comprimida pela forma de dominação burguesa existente, e que conseguiu participar da remodelação desta forma de dominação. Dito isto, quando nos encontrávamos presos entre o martelo do movimento de massas da juventude e da pequena burguesia intelectual e o batente de um poder revisionista dominante sobre a classe operária, apesar da agitação de algumas de suas frações, o que deveríamos fazer?

No início dos anos 1960, era evidente que a França era um país imperialista, mas a consciência que as pessoas tinham desse país era espantosa. Havia toda uma geração que tinha acabado de sair da guerra da Argélia, que tinha passado pela experiência com Massu,(13) a tortura. Além disso, o conflito entre o imperialismo e os povos revolucionários do mundo encarnava-se de forma exemplar no Vietnã. Havia alguma evidência lá.

Hoje em dia, a França é evidentemente um país imperialista, mas a consciência das pessoas sobre isso, especialmente os intelectuais, é muito menor. A França está atualmente saqueando Gabão, Marrocos, Amazônia, Mato Grosso: é a mais-valia drenada pelos investimentos franceses em todo o mundo que permite à burguesia francesa reestruturar a sua indústria e gerir um enorme desemprego sem chegar ainda a provocar uma explosão social. Todos esses mecanismos são os mesmos de antes, mas os conhecemos menos e ficamos menos escandalizados.

Acontece que os ideólogos que estão sempre dispostos a girar como cata-ventos e se associar ao vento dominante, estão procedendo assim. Em 1965-66, eles estavam do lado do marxismo porque havia toda uma crise de ideologia burguesa e o protesto humanitário contra as guerras coloniais. Mas hoje a situação é muito mais complexa e, embora os mecanismos objetivos sejam profundamente os mesmos, a burguesia controla muito melhor a imagem de suas formas de dominação e tem sido capaz de usar a restauração do capitalismo na URSS para fazer dela um espantalho anticomunista. A tensão ideológica é, portanto, mais dura e é muito mais difícil ter uma posição marxista hoje em dia.

Hoje é difícil fazer análises marxistas, mas é a única maneira de defender o marxismo: produzir um marxismo vivo na situação concreta atual. Com base nisso, podemos dizer: para entender o processo atual, precisamos entender outros processos passados, eu concordo plenamente com isso, mas desde que, a pretexto de prolegômenos para um estudo mais aprofundado, não nos prendamos a coisas que são, em última análise, debates escolásticos e uma maneira de fazer o marxismo sobreviver de forma acadêmica, o que é apenas uma ilusão de sobrevivência.

Charles Bettelheim: A defesa do marxismo passa antes de tudo pela produção de conhecimentos com a ajuda do marxismo, e por ações orientadas por esses conhecimentos, que são, por sua vez, retificados na ação. Portanto, certamente concordamos que a defesa do marxismo não será alcançada através da repetição de “textos sagrados” do passado. Ela passa antes de mais nada pela análise concreta da situação atual na França e no mundo, de modo a permitir uma orientação justa das lutas que se desenvolvem e se desenvolverão. Só assim o marxismo pode continuar a ser um guia para a ação. Mas é preciso sublinhar que a análise marxista de uma situação concreta não é uma simples descrição empírica da realidade. Esta análise põe necessariamente em marcha de forma crítica os conhecimentos já adquiridos pelo marxismo. Sem essa mobilização de conhecimentos adquiridos, a análise concreta corre o risco de permanecer superficial, de não captar o movimento real e de repetir os erros do passado. Portanto, a análise concreta das lutas atuais não pode se separar da análise concreta do passado, das lutas dos últimos cinquenta anos, da representação que tínhamos feito delas e das concepções teóricas que as orientaram. É nesta condição que o marxismo se desenvolverá e estará à altura das necessidades da época, continuando assim a ser a teoria revolucionária sem a qual nenhum movimento revolucionário pode obter verdadeiras vitórias.


Notas de rodapé:

(1) [Nota do tradutor]: O livro Les luttes de classes en URSS foi publicado na França pelas editoras Seuil e Maspero em três volumes, sendo o último dividido em dois tomos: volume 1. Première période 1917-1923 (em 1974); volume 2. Deuxième période 1923-1930 (em 1977); volume 3. (tomo 1) Troisième période 1930-1941: les dominés (em 1982); e volume 3. (tomo 2) Troisième période 1930-1941: les dominants (em 1983). Em língua portuguesa, encontramos duas traduções desta obra: uma delas intitulada A luta de classes na União Soviética, que foi publicada pela editora Paz e Terra e abrange apenas os dois primeiros volumes que foram lançados em 1979 e 1983; a outra edição foi publicada na íntegra em Portugal entre 1976 e 1986 por Publicações Europa-América com o título mais fiel ao original: As lutas de classes na URSS. (retornar ao texto)

(2) [Nota do tradutor]: O livro Lenin, les paysans, Taylor foi publicado na França pela editora Seuil em 1976. No Brasil, a tradução deste livro intitulada Lenin, os camponeses, Taylor foi lançada pela Editora Marco Zero em 1983. (retornar ao texto)

(3) [Nota do tradutor] Referência ao capítulo 3: La formation ideólogique bolchevique et ses transformations (A formação ideológica bolchevique e suas transformações), que integra a quarta parte do volume 2 do livro Les luttes de classes en URSS. (retornar ao texto)

(4) [Nota do tradutor]: Provavelmente, Corbières se refere aqui, respectivamente, às seguintes obras de Marx: Manuscritos Econômico-Filosóficos, também conhecida como Manuscritos de 1844, e O capital, cujo primeiro tomo foi publicado em 1867. (retornar ao texto)

(5) [Nota do tradutor]: Referência a Georges Marchais, que na época era o secretário geral do Partido Comunista Francês. (retornar ao texto)

(6) [Nota do tradutor]: Fundado em 1949, o Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecon) visava integrar economicamente os países do chamado bloco socialista do Leste Europeu liderado pela União Soviética e foi uma resposta ao Plano Marshall encabeçado pelos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria. Integravam inicialmente o Comecon os seguintes países: União Soviética, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia. (retornar ao texto)

(7) [Nota do tradutor]: Referência ao ano de publicação da entrevista. (retornar ao texto)

(8) [Nota do tradutor]: Referência aos quatro dirigentes do Partido Comunista Chinês que assumiram papel destacado no processo de tomada de decisões no período da Grande Revolução Cultural Proletária (1966- 1976). Integravam o bando dos quatro os seguintes dirigentes comunistas: Jiang Qing (esposa de Mao Zedong), Yao Wenyuan, Wang Hongwen e Zhang Chunqiao. (retornar ao texto)

(9) [Nota do tradutor]: Trata-se do capítulo 3 intitulado La haine (O ódio) do livro Lenin, les paysans, Taylor. (retornar ao texto)

(10) [Nota do tradutor]: Trata-se da parte intitulada Lenin et le taylorisme (Lenin e o taylorismo) da obra Lenin, les paysans, Taylor. (retornar ao texto)

(11) [Nota do tradutor]: Trata-se da União Democrática Popular, partido de orientação maoísta fundado em Portugal em 1974, a partir da fusão de três grupos marxistas-leninistas: o Comitê de Apoio à Reconstrução do Partido Marxista-Leninista (CARP ML), os Comitês Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (CCRML) e a Unidade Revolucionária Marxista-Leninista (URML). (retornar ao texto)

(12) [Nota do tradutor]: Trata-se do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, partido de orientação maoísta fundado em Portugal em 1970. A partir de 1976, passou a se chamar Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP). (retornar ao texto)

(13) [Nota do tradutor]: Referência ao general Jacques Massu que liderou as tropas francesas na Batalha da Argélia e sustentou amplamente a prática da tortura contra seus adversários neste país. (retornar ao texto)

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Inclusão: 01/09/2022