Economia Política
(Curso Popular)

Segunda Parte - Sociedade Mercantil

A. Bogdanoff


Capítulo I - O Desenvolvimento da Troca


I - Concepção da sociedade baseada na troca
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Já vimos que as sociedades naturais que se bastavam a si mesmas existiam praticamente sem a troca, ou, pelo menos, podiam passar sem ela. Compactas e isoladas economicamente do resto do mundo, produziam tudo o de que precisavam para satisfazer suas necessidades: alimentos, roupas e utensílios. A sociedade baseada na troca oferece um quadro muito diferente. Nela não se pode falar da existência independente, não já de meras unidades produtivas (fábricas, granjas, minas, etc.), mas de grandes regiões e até de países inteiros. Assim, por exemplo, quando, depois da guerra, a Rússia ficou isolada do resto do mundo, começou a sentir uma enorme escassez de certos produtos que reclamava para satisfazer algumas de suas mais importantes necessidades. Se certas localidades da Rússia, como Leningrado ou Moscou, ficassem isoladas do resto do país em consequência de irregularidades do transporte, a maioria da população dessas cidades ver-se-ia condenada a uma morte certa. Isto mesmo pode aplicar-se, em grau maior, à empresa econômica individual no sistema de troca.

O fato é que a sociedade baseada na troca se distingue da sociedade natural pela enorme divisão social do trabalho. Isto quer dizer que a sociedade baseada na troca se compõe de um grande número de empresas formalmente independentes entre si, cada uma das quais se dedica a fabricar um produto determinado: oficinas metalúrgicas, fábricas de fios e de tecidos, de calçados, de chapéus, granjas agrícolas, etc. Numa palavra, toda a produção está dividida em vários ramos, que, por sua vez, contam com numerosas empresas diferentes. É certo que na sociedade comunista primitiva existiam já os germes da divisão do trabalho. Ao examinar as sociedades tribal e feudal indicamos a existência de vários ramos de produção: pecuária, agricultura e artesanato. Entretanto, esta divisão do trabalho se verificava dentro dos limites de um grupo unido por um plano comum de organização. Por exemplo, na comunidade tribal, o trabalho era distribuído pelo patriarca entre seus subalternos de acordo com a força de trabalho existente; uns recebiam o encargo de cuidar do gado, outros tinham que arar a terra, etc., com o fim de satisfazer, tanto quanto possível, as necessidades de toda a comunidade.

Mas a divisão social do trabalho na sociedade baseada na troca é outra coisa, completamente diferente. Nesta não existe uma só cabeça organizadora nem nenhum plano de produção. Consiste em um sistema de diferentes empresas, aparentemente independentes, ligadas entre si pela troca de produtos, sem a qual não podem existir. Suponhamos a existência de varias empresas, uma das quais produz pão, outra roupas, uma terceira calçado, etc. Se os indivíduos diretamente ligados com a primeira empresa (o industrial e os operários) ficassem, por qualquer motivo, isolados das outras, não poderiam satisfazer suas necessidades de roupa e de calçado, e inevitavelmente teriam que deixar de trabalhar. O mesmo aconteceria com as outras. Este estado de coisas não existia na economia natural, em que, como sabemos, também apareceram, em determinada fase de seu desenvolvimento, relações de troca entre os grupos; mas se estas relações, por algum motivo, ficassem interrompidas, a sociedade poderia continuar existindo.

No sistema da economia natural, as coisas se produzem para satisfazer às necessidades do grupo produtor.

No sistema da troca, as coisas se produzem, em regra geral, não para satisfazer às necessidades do produtor, mas para a venda. As coisas produzidas para a venda recebem, então, o nome de mercadorias. Na sociedade baseada na troca os produtos são, antes de tudo, e sobretudo, mercadorias. Por este motivo o sistema de produzir com o fim de trocar se chama, frequentemente, produção de mercadorias.

II - Três formas de troca

Desnecessário é dizer que a troca não adotou imediatamente a forma sob a qual a conhecemos hoje em dia. Durante o curso de muitos séculos teve de atravessar um longo processo de desenvolvimento.

Para que pudesse nascer a troca — a qual surgiu na remota antiguidade ou, o que é mais provável, nas primeiras fases da comunidade tribal autoritária — foi condição indispensável que existisse um excedente de produtos criados pela comunidade ou, em outras palavras, que a produtividade do trabalho houvesse alcançado certo grau de desenvolvimento. Mas isso não é tudo. Se duas comunidades criavam os mesmos produtos em igual quantidade, a troca não teria sentido algum e ninguém teria recorrido a ela. Tão pouco poderia pensar-se na troca se duas comunidades contíguas possuíssem excedentes de diferentes produtos, mas as relações que mantinham fossem hostis. O que unicamente poderia acontecer em tal caso era uma comunidade saquear a outra, como, aliás, frequentemente acontecia.

Daí se deduz claramente que duas condições eram necessárias para que pudesse existir a troca entre duas comunidades, a saber: certa diferença entre os produtos que cada uma obtinha e a existência de relações amistosas ou vínculos sociais entre elas. A primeira condição existia em elevado grau, devido à variedade dos meios de produção que a natureza externa proporcionava às diferentes comunidades. A comunidade agrícola cuja terra produzia trigo, invés de linho, entrava em relações de troca com a comunidade que se achasse em condições inversas. O grupo nômade de criadores de gado oferecia aos agricultores carne em troca de grãos, etc. A segunda condição manifestava-se nos vínculos de parentesco tribal que subsistiam entre as diferentes comunidades como resultado das empresas estabelecida em comum. Posteriormente, ao ir-se desenvolvendo a troca, a variedade dos produtos foi determinada, em maior grau, não pelas condições naturais, mas pela diversidade no progresso da técnica. Por essa forma se estabeleceram frequentemente relações amistosas alheias ao parentesco.

Em seu desenvolvimento histórico, a troca atravessa três fases e reveste três formas diferentes:

A primeira, a troca simples, ou casual, se aplica ao período em que a troca era ainda um fenômeno raro. Dois homens, de ordinário representantes de duas comunidades tribais, encontravam-se casualmente. Cada um levava um produto destinado à troca, de que o outro necessitava como, por exemplo, um, um machado, e, o outro, duas lanças. A troca desses dois produtos pode exprimir-se na seguinte forma:

um machado = duas lanças

Nesse caso o machado deixa de ser acidentalmente um mero produto, quer dizer, um artigo destinado ao consumo direto, e se converte em uma mercadoria. A par de seu valor de uso, como instrumento, adquire uma nova qualidade, de caráter social, eis que, em troca dele, é possível receber o produto do trabalho de outro: duas lanças. Dentre a massa geral de machados produzidos pela comunidade dada, o machado supérfluo adquiriu um valor na troca, ou valor de troca.

No correr dos tempos, a troca se torna menos casual e adquire um caráter mais permanente, porque a reunião pacífica dos representantes de diversas tribos chega a converter-se em uma prática comum. Estas reuniões se verificam já em lugares especialmente destinados ao objeto, os quais constituem o embrião do mercado. Nessas condições, o número de mercadorias trocadas é agora maior e vai aumentando incessantemente à medida que se desenvolvem a produção e as relações entre as comunidades. A forma que reveste a troca nesta nova fase poderia exprimir-se da seguinte maneira:

Um machado — duas lanças = dez flechas — uma ovelha = duas onças de âmbar, etc.

Isto é o que se chama forma completa ou desenvolvida da troca, e difere da primeira não só por suas proporções, como também por uma alteração mais profunda, que se manifesta no caráter da troca.

Como é natural, cada comunidade oferece às outras, no mercado, os artigos que mais abundam em seu território e dos quais as outras comunidades se acham privadas. Sob o ponto de vista desta comunidade tribal, a troca adquire um caráter cada vez mais uniforme. Nele se oferece um produto determinado por vários outros de especie diferente. As relações de troca que se nos deparam em tais circunstâncias podem exprimir-se da seguinte forma:

2 onças de âmbar = 1 machado, ou
10 flexas, ou
2 lanças, ou
2 panelas

O artigo colocado à esquerda da fórmula anterior — o âmbar — adquire agora, de maneira mais ou menos permanente, a qualidade especial que, na forma simples da troca, só é inerente aos produtos em ocasiões excepcionais, quer dizer, o valor da troca.

Na forma desenvolvida da troca, as proporções em que os produtos são trocados adquirem maior estabilidade que em sua forma simples. No exemplo citado anteriormente, a comunidade tribal troca o âmbar, não só por produtos que não produz, como também pelos que são fabricados pelos seus próprios membros. A experiência lhe ensina que para produzir dez flechas ou duas panelas se requer a mesma quantidade de trabalho que para obter duas onças de âmbar. É, pois, natural que esta comunidade mantenha sempre a mesma proporção, e ao verificar a troca, as duas onças de âmbar serão a quantidade máxima que pode dar por dez flechas ou por duas panelas.

A forma desenvolvida da troca introduz algo de novo na vida da comunidade. Se examinarmos o exemplo anterior veremos que a comunidade produz âmbar, não só por suas propriedades físicas nem unicamente para satisfazer suas necessidades de adorno, como também por seu valor de troca. Começa, por assim dizer, a especializar-se num ramo da produção e a atender a suas necessidades em grau cada vez maior, mediante o trabalho das comunidades vizinhas, É certo que este processo não alcança tal extensão que torne impossível a existência independente da comunidade; mas como outras comunidades intensificam também a produção de um ou outro artigo, as relações intertribais adquirem amplitude cada vez maior, e deste modo começa a desenvolver-se a divisão social do trabalho.

A troca não permanece estacionária em sua forma desenvolvida. As comunidades tribais que entram em contato, não com os fabricantes de âmbar mas com seus próprios vizinhos, aceitam também o âmbar em troca de seus produtos, e deste modo este artigo se vai difundindo cada vez mais. Ao mesmo tempo se desenvolve sua função social e frequentemente sucede o seguinte:

Suponhamos que o produtor de machados, que necessita de panelas, não encontra um oleiro que necessite de machados; e, sim, vendedores de outras mercadorias: um, lhe oferece, em troca de seus machados, lanças; outro, flechas; um terceiro, âmbar, etc. Que deve fazer? Depois de refletir um pouco, adquire o âmbar, o que é perfeitamente compreensível: ele não necessita de âmbar; mas como existe uma grande procura deste artigo (os selvagens, como as crianças apreciam os adornos), tem mais probabilidade de trocá-lo por panelas que de encontrar um oleiro que necessite de um machado. Nas mesmas circunstâncias, os demais produtores pensam e procedem de igual maneira. O âmbar chega a converter-se em uma mercadoria especial, que todo o mundo aceita com satisfação, e, por último, se estabelece o costume de trocar todas as mercadorias, primeiramente por âmbar, para, depois, obter os artigos desejados. Pouco a pouco vai desaparecendo a troca direta, e o âmbar se converte em um intermediário constante e obrigatório, em um instrumento de troca, ou em um meio de circulação de mercadorias. Em tais condições a troca apresenta a seguinte forma:

1 machado = 2 onças de âmbar
10 flexas
2 lanças
2 panelas

Como se vê pela fórmula anterior, é natural que o valor de todas as demais mercadorias comece a medir-se e a exprimir-se pelo âmbar. O âmbar se converte, portanto, na medida do valor. Como participante necessário e constante em todos os atos da troca, pode-se chamá-lo de mercadoria-moeda, e esta terceira forma de troca se denomina, então, forma plenamente desenvolvida, ou forma monetária da troca.

O valor de troca, expresso na forma monetária, chama-se preço.

III - A moeda

A história da forma monetária da troca representa a consecutiva substituição, na categoria de moeda, de uma mercadoria por outra.

A princípio, esta função foi desempenhada pelas mercadorias que, por uma ou outra razão, mais difundidas estavam, como o âmbar, as peles, o sal, etc.

Pouco a pouco, estas mercadorias foram substituídas pelo metal-moeda. Primeiramente apareceram o ferro e o cobre, metais que eram adquiridos com grande empenho porque os utensílios e as armas que com eles se fabricavam eram de capital importância para todas as comunidades. Ao mesmo tempo, o metal oferece muitas vantagens na sua utilização como moeda. Em primeiro lugar, pode ser dividido em unidades de valor reduzido, coisa que não podia fazer-se com outras mercadorias, como o gado por exemplo. Em segundo logar, uma unidade de metal possui o mesmo valor que outra, enquanto que com as demais mercadorias, inclusive o gado, não acontece o mesmo. Em terceiro lugar, o meta! pode ser conservado melhor do que outros artigos, se bem que o cobre e o ferro também sofram alguma deterioração com o tempo. Finalmente, o metal, que pesa pouco em comparação com outros artigos de igual valor, encarece devido ao fato de que sua produção exige uma maior quantidade de trabalho.

Posteriormente, o ferro e o cobre foram substituídos pela prata e pelo ouro. Nos metais preciosos todas as vantagens técnicas anteriormente enumeradas se manifestam em máximo grau. À primeira vista pode parecer difícil explicar como estes metais, quase inúteis, puderam ser adquiridos com o mesmo interesse que o gado, o ferro, etc.; mas a explicação é a seguinte; a prata e o ouro se empregam principalmente como adorno. Ainda nos tempos atuais os objetos de adorno se vendem com facilidade. Os povos incultos, e, em particular, as mulheres ignorantes consentem em privar-se do necessário, contanto que possam exibir alguma joia. Os povos selvagens e semicivilizados, em particular, apreciam os adornos, aos quais têm em grande estima. Basta saber, por exemplo, que os mercadores europeus podiam adquirir por um colar grandes quantidades de peixe, caça, frutas, etc. Assim, pois, a procura de artigos ornamentais permitiu a substituição da moeda de ferro e de cobre pela de prata e de ouro.

Não deve crer-se, entretanto, que o metal-moeda adotou desde logo a forma perfeita e delimitada da moeda moderna, com um peso certo e uma determinada qualidade. A princípio, o metal não foi mais que a mercadoria-moeda: só se diferençava das outras mercadorias em que era aceita em troca de qualquer outro artigo.

Por conseguinte, o metal-moeda constitui uma determinada mercadoria, que é pesada e aferida, quer dizer, cuja quantidade e qualidade se examina a todo momento. Com o desenvolvimento da troca, este estado de coisas apresenta sérios inconvenientes. Por tal motivo, o fragmento informe de metal-moeda foi recebendo pouco a pouco uma ou outra forma: anéis, discos, quadrados, etc. Gravados com algum desenho e com a indicação de seu peso e de seu valor, estes constituíam os predecessores da moeda moderna, cuja cunhagem alcançou atualmente seu mais alto grau de perfeição técnica.

Ao desenvolver-se a troca, deu-se com frequência o caso de um provável comprador ver-se privado transitoriamente de dinheiro e, apesar de necessitar dos artigos imediatamente, não tinha com que comprá-los, se bem que podia demonstrar que em breve prazo disporia de numerário. Em tais circunstâncias, o vendedor prontificava-se a entregar-lhe suas mercadorias a crédito. A palavra "crédito" significa "confiança". Toda operação de crédito pressupõe evidentemente confiança, primeiro na honra e, depois, na solvência do devedor.

Na data marcada, o devedor entregava o dinheiro, o qual, neste caso, assumia um novo papel: o de meio de pagamento.

Para o progresso normal da vida da sociedade baseada na troca, é absolutamente necessário que exista no mercado uma quantidade suficiente dos meios de troca e de pagamento. Vejamos de que quantidade se necessita.

No caso da venda à vista a quantidade de dinheiro necessária equivale evidentemente ao preço total dos artigos vendidos no mercado. Mas em um período determinado e tratando-se de certo número de transações à vista, a quantidade de dinheiro necessária pode ser menor que o preço total das mercadorias.

Suponhamos que um sapateiro compra trigo a um camponês pelo valor de uma libra esterlina. Com a libra esterlina o camponês compra uma relha de arado a um ferreiro e, este, uma mesa ao carpinteiro. Todas estas transações se efetuaram no decurso de uma semana e para elas foi necessário tão somente uma libra esterlina, quando o preço total de todas as mercadorias é de três libras. A razão é que durante a semana a mesma libra trocou de mãos três vezes. Em geral, a quantidade de dinheiro de que o mercado necessita para as transações à vista em um período dado, se determina dividindo o preço total das mercadorias vendidas pelo número de transações realizadas durante o mesmo período. As mercadorias vendidas a crédito passam de mão em mão sem auxílio do dinheiro. Não obstante, estes artigos têm de ser pagos ulteriormente. Para determinar a quantidade de dinheiro que o mercado do crédito requer não só é necessário ter em conta a rapidez da circulação do dinheiro, como no caso anterior, mas também outra circunstância.

Suponhamos que o carpinteiro compra trigo a crédito ao camponês pelo valor de uma libra esterlina e que este compra uma mesa àquele, também a crédito, pelo valor de dezoito shillings. No ajuste de contas, o carpinteiro pagará ao camponês dois shillings, embora o total das dívidas se eleve a trinta e oito shillings.

Assim, pois, ao liquidar as dívidas, a quantidade necessária dos meios de pagamento é diminuída pela importância de pagamentos que se cancelam mutuamente. O resto é satisfeito com a quantidade de dinheiro necessário de acordo com a rapidez da circulação da moeda.

Em geral, a soma de moeda de que o mercado necessita num período dado de tempo (a procura de moeda) determina-se da seguinte maneira: o preço total das mercadorias vendidas, excluindo as vendidas a crédito, se acrescenta à soma dos pagamentos ulteriores que hão de ser efetuados em determinada data, sem contar os que se cancelam mutuamente. O total deste modo obtido se divide então pelo número de vezes que a moeda troca de mão durante o período dado.

Na sociedade baseada na troca, a quantidade real de moeda nunca é menor, geralmente, que a "procura de moeda" no mercado. Antes ao contrário, além da moeda em circulação no mercado há um excedente que repousa pacificamente como "tesouro" ou reserva financeira nos bolsos ou nas arcas de seus proprietários, dispostos a aparecer quando aumentar a procura de moeda para a aquisição de mercadorias ou para o pagamento de dívidas.

IV - O valor do trabalho e sua significação no cálculo da produção

Na sociedade baseada na troca, cada produtor permuta seu produto (suas mercadorias) pelas mercadorias dos demais. Primeiramente troca suas mercadorias por dinheiro e com este compra as mercadorias de que necessita; mas, como já vimos, o dinheiro é também uma mercadoria e, portanto, não há fazer com ele nenhuma distinção. A questão a resolver é a seguinte: que quantidade de mercadorias recebe o produtor em troca das suas? Em outras palavras: qual é o valor de troca de suas mercadorias?

Suponhamos que a sociedade é completamente homogênea, que seus vários membros são iguais pela amplitude de suas necessidades e que a quantidade de força de trabalho que cada um deles emprega na produção seja também igual. Se a sociedade é formada por um milhão de membros, cada um representará a milionésima parte do gasto social de força de trabalho. Se ao mesmo tempo a totalidade da produção social satisfaz por completo à totalidade das necessidades sociais, cada membro, para a completa satisfação de suas necessidades, receberá a milionésima parte do produto social. Se um deles recebe menos, começará a enfraquecer-se e a degenerar, pelo que não poderá continuar desempenhando sua função social de proporcionar a milionésima parte da força de trabalho social para a luta contra a Natureza. Se alguns deles recebe mais da milionésima parte, os demais sofrerão as consequências e receberão menos.

A quantidade de força de trabalho de que a sociedade necessita para produzir uma determinada mercadoria denomina-se valor social ou, simplesmente, valor desse produto. Empregando este termo podemos apresentar o exemplo anterior da seguinte maneira:

Para que uma sociedade homogênea, baseada na divisão do trabalho, possa manter sua produção é necessário que cada um de seus membros receba, em troca de seus produtos, uma quantidade de produtos de valor igual a suas necessidades. No exemplo que apresentamos, o valor das mercadorias de um membro dado constitui a milionésima parte do valor total do produto social, e o valor das mercadorias necessárias para o uso de cada membro equivale à milionésima parte do total da força de trabalho social.

O valor social se mede pela duração e pela intensidade do trabalho dos homens que intervieram na produção. Se é necessário empregar trinta horas de trabalho social para produzir determinada mercadoria e trezentas horas de trabalho, duas vezes mais intenso que o anterior, para produzir outra, é evidente que o valor social do segundo produto (a quantidade de trabalho nele consubstanciada) será vinte vezes superior à do primeiro.

O valor social não depende da quantidade de trabalho que cada indivíduo gastou em um dado produto. Se em consequência da falta de perícia, ou pela carência de utensílios adequados, ou por qualquer outra circunstância acidental, um trabalhador emprega mais tempo que o habitual na produção de uma mercadoria, nem por isso o valor desta será maior que de costume. Por outro lado, seu valor não diminuirá se, devido a uma especial aptidão ou ao emprego de utensílios especiais não generalizados ainda na sociedade, um trabalhador pode produzir uma mercadoria em menos tempo do costumeiro. O valor social representa a quantidade de força de trabalho, normalmente necessária para produzir mercadorias nas condições de trabalho habituais a essa sociedade.

Assim, pois, é necessário distinguir entre o valor social, ou normal, e o valor individual, ou acidental, entre a quantidade de força de trabalho geralmente necessária numa dada fase do desenvolvimento social e a força de trabalho empregada em cada caso individual. Para a ciência econômica somente tem importância o valor normal. Unicamente pode prestar atenção ao valor individual à medida em que isso seja necessário para abranger todo desvio da normalidade.

Se forem examinadas varias formas de trabalho cada uma de per se, não será difícil ver que umas são mais complexas ou mais simples que outras. Por exemplo, o trabalho de um sábio é mais complexo que o de um relojoeiro e o deste mais que o de um sapateiro, etc. Ao investigar o valor social das mercadorias é mister ter em linha de conta o grau de complexidade do trabalho.

A variedade das formas de trabalho e sua complexidade desigual se deve à desigual preparação dos trabalhadores e, por conseguinte, ao desenvolvimento desigual de seus organismos. As formas mais complexas de trabalho correspondem a um desenvolvimento superior e, as formas mais simples, a um desenvolvimento inferior. É evidente que um organismo muito desenvolvido gasta em um tempo dado mais força de trabalho que outro, menos desenvolvido. Portanto, o trabalho complexo deve considerar-se como um maior gasto de força de trabalho que o trabalho simples: o trabalho complexo equivale a trabalho simples multiplicado. Assim, uma hora de trabalho de um sábio pode equivaler a três horas de um mecânico e a doze de um aprendiz.

Denomina-se "trabalho simples" a forma de trabalho menos complexa que existe em uma dada sociedade.

Ao comparar os valores, o trabalho simples representa uma medida natural com a qual podem medir-se outras formas de trabalho mais complexas. Uma hora de trabalho simples de intensidade média numa sociedade constitui uma unidade natural de força de trabalho. Se um artigo é produzido em cem horas de trabalho social de tal complexidade que cada hora equivale a quatro de trabalho simples de intensidade média, o valor desse produto se exprimirá em 400 unidades.

É evidente por se mesmo que, tratando-se de sociedades em diferentes fases de desenvolvimento, as unidades de força de trabalho têm de variar também.

Portanto, como unidade de medida da força de trabalho social devemos tomar uma hora de trabalho de intensidade média. Se uma mercadoria custa doze horas destas, terá de ser trocada por outra que contenha também doze horas, por exemplo, por uma quantidade correlativa de metal-moeda. Se a troca se verifica sobre qualquer outra base, alguma empresa sofrerá prejuízo. Os preços das mercadorias no mercado devem corresponder em média a seu valor, pois, do contrário, a existência da sociedade, como um todo, se tornaria sumamente instável.

Em todo caso, a sociedade baseada na troca possui certa estabilidade apesar de os preços das mercadorias continuamente se afastarem, em maior ou menor grau, de seu valor por não haver cabeça organizadora que dirija a troca. Não obstante, a estrutura mesma da sociedade contêm um organismo regulador peculiar, o qual dirige as flutuações de preços de tal maneira que os desvios em um sentido se compensam com os desvios contrários, graças ao que se conserva em equilíbrio. Este mecanismo possui uma força elementar enorme, que se denomina concorrência do mercado.

Se um produtor se dispõe a vender suas mercadorias por menor de seu valor, seu negócio sofrerá um prejuízo; se outro produtor compra-lhe as mercadorias por mais de seu valor, também sairá perdendo. Entre comprador e vendedor surge sempre uma luta de interesses. Em consequência desta luta, cada qual se obstina em não pedir nunca menos do valor de suas mercadorias e em não dar nunca mais do que as mercadorias dos demais valem. Deste modo a ideia dos "preços, que se desenvolve na sociedade, corresponde aproximadamente ao valor real das mercadorias.

Todavia, nem sempre o produtor pode vender suas mercadorias por seu valor: às vezes se vê obrigado a vendê-las mais baratas. Suponhamos que mil sapateiros tenham apresentado ao mercado duzentos mil pares de sapatos e que a sociedade só possa comprar cento e cinquenta mil pares. Em tal caso, os sapateiros ver-se- iam em um grave aperto: a oferta seria maior que a procura, pelo que não poderiam ser vendidos todos os sapatos, e cada um dos vendedores se exporia a ver-se sem fregueses. Em consequência disto, estabelece-se uma renhida luta entre os vendedores, cada um dos quais disposto a sacrificar uma parte do valor para atrair os compradores e não ficar com o artigo encalhado. Os preços da mercadoria baixam, e os sapatos, que custavam cinquenta "horas de trabalho simples", são vendidos por uma quantia que representa trinta e cinco ou quarenta unidades de força de trabalho de igual natureza. O negócio dos sapateiros se enfraquece e alguns se arruínam por completo, renunciando muitos deles à profissão. O resultado é que em outra oportunidade o mercado não só não está saturado de calçado, como até mesmo acontece justamente o contrário: se a procura é de cento e sessenta mil pares de sapatos a oferta somente será de cento e vinte mil. Em tal caso, trava-se uma luta entre os compradores. Não querendo ficar sem calçado, muitos deles concordarão em pagar por este mais de seu valor e darão sessenta ou sessenta e cinco unidades de trabalho em forma de dinheiro, em lugar de cinquenta. Estes preços vantajosos permitirão ao produtor ampliar seu negócio, e, então, o número de sapateiros tornará a aumentar, pelo que se produzirá uma nova mudança nas relações entre a oferta e a procura e os preços flutuarão em outra direção.

Assim, pois, a competição no mercado entre comprador e vendedor, por um lado, e entre os vendedores de mercadorias análogas, por outro, assim como entre seus compradores, tende a manter os preços, dentro de sua contínua oscilação, no nível aproximado de seu valor, fazendo cair os preços que tenham subido demais e elevando os preços que tenham baixado excessivamente.

O mecanismo da concorrência nem sempre pode operar livremente na troca. Em certas circunstâncias aparece em cena o monopólio. O termo monopólio significa, não a insuficiência da concorrência, mas sua ausência absoluta; costuma, porém, empregar-se em caso de redução considerável da concorrência. Se na produção de uma mercadoria socialmente necessária só intervém um produtor ou alguns produtores associados, o comprador pode ver-se obrigado a dar por essa mercadoria um preço muito elevado.

Resulta, então, que um grupo individual, aproveitando-se de sua posição privilegiada, explora o resto da sociedade.

O monopólio explica igualmente o fato de que na sociedade baseada na troca de algumas coisas que não são produto do trabalho e que não possuem valor de trabalho, têm, não obstante, seu preço, como, por exemplo, a terra não cultivada, a energia da água (quando se arrenda um rio para mover um moinho), os títulos honoríficos, a remissão de pecados, a santificação dos casamentos e outros serviços eclesiásticos, etc..

Isto sucede quando certos artigos não criados pelo trabalho, mas que possuem alguma utilidade, chegam a converter-se, por existirem em limitadas quantidades, na propriedade privada de uns tantos indivíduos que se negam a permitir seu uso a outros sem perceber alguma remuneração em forma de certo valor, quer dizer, certa soma de dinheiro. O preço de tais artigos não pode determinar-se por seu valor, pois que não o têm. Como toda exploração, os preços destas mercadorias são determinados pela correlação de forças das classes sociais, que, neste caso, são os vendedores e os compradores de tais artigos. Claro está que, em última análise, estas relações se explicam pelas condições históricas, quer dizer, pelo desenvolvimento das relações do homem para com a Natureza.


Inclusão 25/04/2016