Economia Política
(Curso Popular)

Segunda Parte - Sociedade Mercantil

A. Bogdanoff


Capítulo V - A Época do Capitalismo Financeiro


I - O crédito
capa

Na época da engrenagem capitalista, o crédito, que antes desempenhava somente um papel secundário na circulação do dinheiro, se transforma em um vastíssimo sistema complexo e simétrico, que serve de potente força motriz para o desenvolvimento econômico.

O sistema capitalista de relações exige de cada capitalista frequentes, e mais ou menos consideráveis pagamentos em dinheiro. Ao mesmo tempo, por muito dinheiro que possa haver em circulação, pode nem sempre haver suficiente dinheiro à mão. Momentos há em que até o capitalista mais rico não tem à mão suficiente numerário para liquidar suas contas, embora em outras ocasiões disponha de somas tão grandes que não saiba em que empregá-las. O desenvolvimento da produção capitalista tropeçaria com grandes obstáculos se todos os pagamentos houvessem de efetivar-se em numerário: o primeiro contratempo financeiro transtornaria toda a empresa do capitalismo.

Daí se deduz claramente que, com o desenvolvimento do capitalismo, com o incremento do capital e o aumento na rapidez de sua rotação, o crédito se expande continuamente e adquire uma importância crescente na produção social.

A forma da empresa de crédito capitalista, que no período que estamos examinando é o banco, alcança seu máximo desenvolvimento. O banco serve de intermediário entre a oferta e a procura para o crédito. Recebe crédito dos que podem dá-lo e dá crédito a quem dele necessita.

Os bancos apareceram anteriormente ao desenvolvimento do maquinismo; mas só sob este adquiriram completo desenvolvimento e ampla aplicação.

Do ponto de vista histórico, o banqueiro moderno é herdeiro dos funcionários medievais: o agiota e o cambista. O primeiro foi já estudado detidamente nos capítulos anteriores. Vamos agora tratar do segundo.

Devido à extraordinária desagregação do mundo feudal, em que cada magnata tinha o direito de cunhar moeda, havia tal variedade de moedas no mercado que a instituição do cambista era de importância essencial. À falta de segurança pública característica do mundo feudal fez com que os cambistas, muitos dos quais tinham em seu poder, permanentemente, grandes somas de dinheiro, adotassem medidas especiais para proteger-se contra o roubo e o saque. Por este motivo o dinheiro estava bastante seguro em seus cofres e muitos comerciantes achavam conveniente entregar seu dinheiro ao cambista para sua guarda, pelo que lhe pagavam certa remuneração. O dinheiro assim depositado era entregue a seu pedido, e o cambista não tinha o direito de utilizá- lo de maneira nenhuma(11).

O desenvolvimento do capitalismo e sua consequência — a grande procura de crédito — motivaram uma transformação radical na organização destas casas de câmbio, que, com o correr do tempo, receberam o nome de bancos.

Uma larga experiência ensinou aos banqueiros que certa parte do dinheiro que tinham sob sua guarda podia ser emprestada a juros, desde que em momento nenhum todos os depositantes, simultaneamente, acorressem a reclamar seu dinheiro, e eis que também, por outro lado, cada retirada era compensada com um novo depósito.

A observação demonstrou-lhes igualmente que os depósitos e as retiradas se efetuavam com certa regularidade sob o império das condições econômicas existentes, de tal sorte que era possível prever o fluxo e refluxo do dinheiro.

Nos diversos países há diferentes datas que costumam fazer-se todos os pagamentos e às quais obedece a maioria das obrigações financeiras. Estas datas são determinadas, às vezes pelas condições naturais da produção, e outras vezes pelo costume, não sendo fácil averiguar sua origem econômica, conquanto seja indubitável que têm suas raízes nas condições materiais da vida da sociedade. Nos países agrícolas os dias de liquidação costumam coincidir com os em que o grão é vendido. Em tais datas o mercado apresenta uma grande procura de dinheiro para saldar as contas. Então, uma grande massa de dinheiro passa da esfera do "tesouro" à da circulação e as arcas das instituições de crédito se esvaziam rapidamente. Produz-se, mesmo, uma leve perturbação no mercado de dinheiro, se bem que de curta duração e de ínfima transcendência. Pouco depois, os excessos monetários retornam ao "tesouro" e as arcas vazias das instituições de crédito se enchem novamente, às vezes no mesmo dia.

Baseando seus calculo nas leis da circulação do dinheiro, os banqueiros começaram a emprestar a varias pessoas parte dos depósitos a eles confiados; mas, a princípio, somente a curtos prazos e sob uma garantia segura. Depois, o depositante se converteu em um verdadeiro "credor" do banco, e este último começou a pagar certo juro pelo uso dos depósitos, enquanto que antes era o depositante quem pagava ao banqueiro pela guarda de seu dinheiro.

Assim surgiram as operações bancárias primordiais: as operações de depósito, baseados nos depósitos "passivos", quer dizer, aqueles em que o banco é devedor ou recebe crédito, e as operações de empréstimos, baseadas nos depósitos "ativos", isto é, aqueles em que o banco é o credor ou dá crédito.

Do ponto de vista da quantidade, em todos os países que têm um sistema de crédito desenvolvido, as operações de depósito são as principais operações passivas.

As operações de depósito podem ser de duas classes: à data fixa e sem data. Os primeiros, sobretudo os a longo prazo (e mesmo há depósitos "perpétuos"), possuem a vantagem, para o banqueiro, de que não podem ser retirados inesperadamente. Os depósitos sem data ou em "conta corrente" podem ser retirados a qualquer momento. O banqueiro tem de proceder com muita cautela para pôr estes últimos em circulação, e por este motivo os juros pagos sobre as contas correntes são menores que os pagos pelas contas à data fixa.

Ainda quando o banco tenha numerosos depósitos, nunca será absolutamente livre da falência. Esta pode sobrevir facilmente se, em consequência de perturbações econômicas imprevistas, os depositantes acorrem em número desusado a retirar, simultaneamente, seu dinheiro. Isso é tanto mais fácil de acontecer quanto as contas correntes formam a maior parte dos depósitos do banco e pertencem em sua maioria a industriais e comerciantes. Toda comoção econômica ou política, e em particular uma crise, obriga estes depositantes a reclamar imediatamente seu dinheiro ao banco para prevenir-se contra as eventualidades.

A elevação e a diminuição do juro sobre os depósitos é um meio de que se servem os bancos, quando a necessidade o exige, para atrair ou repelir o dinheiro. Suponhamos, por exemplo, que ,um banco tem um grande encaixe de dinheiro ocioso e que, portanto, tem de pagar juros sobre depósitos que pôs em circulação. O banco, então, reduz os juros, pelo que cessam de afluir novos depósitos e muitos dos anteriores depositantes retiram seu dinheiro para invertê-lo de maneira mais vantajosa.

Uma variação das operações de depósito é a emissão de "bônus", que são obrigações contraídas pelo banco, cujos juros e principal vão sendo restituídos por este durante um longo período. Os bônus equivalem a depósitos a longo prazo, que o banco restitui, não imediatamente, mas por partes, e na data fixada.

Do sistema de saldar mutuamente as contas dos depositantes pela transferência delas nas antigas casas de câmbio surgiu, ao cabo de certo tempo, o sistema de pagamento por meio do "cheque". O capitalista moderno rara vez tem em suas próprias mãos grandes somas de dinheiro, porque conserva este no banco. Quando tem de fazer algum pagamento emprega um "cheque", quer dizer, escreve uma ordem ao banco em que tem o dinheiro depositado para que abone determinada soma de determinada forma. Na maioria das vezes aquele que tem a receber não o faz em numerário, mas pede que seja feita a competente transferência para seu banqueiro.

A enorme potência econômica dos grandes banqueiros, que absorvem o capital de todas as partes e dispõem do dinheiro de milhares de capitalistas assegura-lhes tal importância social, que a simples promessa de pagamento formal por parte deles é aceita pela sociedade em lugar do próprio pagamento. Isto conduz às operações de emissão, ou seja, a emissão de notas, da qual tratamos no capítulo referente à circulação do dinheiro.

Das operações ativas, a mais importante é a da concessão de empréstimos sob garantia. Das suas formas a primeira que apareceu foi a dos lombardos, que faziam empréstimos sob a garantia da propriedade móvel. A princípio, quando esta operação tinha o caráter de usura, só se admitiam como garantia os artigos que representavam grande valor com pequenas dimensões, como lâminas de ouro, pedras preciosas, etc. Ao desenvolver-se a circulação de mercadorias e do crédito, já se fizeram empréstimos sobre mercadorias e garantias apropriadas, como certificados de embarque, conhecimentos de estradas de ferro, etc.

Com o desenvolvimento na circulação de mercadorias aparece um grande número de "garantias papel": apólices do Estado, ações de sociedades, etc. Estas garantias são admitidas igualmente pelos bancos, o que faz com que os ameace outro perigo. Tendo em conta que os valores de mercado destas garantias podem oscilar de acordo com as flutuações da oferta e da procura, ao conceder empréstimos sobre estas garantias o banco corre sempre o risco de sofrer um prejuízo em consequência da baixa de seu preço.

As operações hipotecárias consistem na concessão de empréstimos sob a garantia da propriedade imóvel (terras, casas, etc.). Estes empréstimos costumam ser a longo prazo. A operação principal e característica dos bancos que se dedicam a estas transações é a emissão de títulos hipotecários.

Uma operação de empréstimo especial é a do "crédito pessoal" quer dizer, a concessão de um empréstimo sem garantia, baseado inteiramente na solvabilidade do tomador do empréstimo. Esta é uma operação relativamente arriscada e não desempenha um papel muito importante no capitalismo desenvolvido.

Uma importante variação das operações de empréstimo é o desconto. Nela, o banco, invés de fazer empréstimos sob a garantia de títulos e outros valores, compra estes e adquire, por conseguinte, o direito do recebimento do dinheiro que representam. Isto sucede quando um credor necessita de dinheiro antes da data do vencimento dos títulos que possui. Apresenta-os, então, ao banco, e este, se os julga aceitáveis, compra-os, não pagando por eles, está claro, a totalidade de seu valor, mas deduzindo certa porcentagem. Esta é a operação que se chama desconto e a dedução denomina-se juros do desconto.

A quantia dos juros do desconto é determinada por duas condições: a taxa de juros que predomine na sociedade dada e o valor do risco que contraia o credor, isto é, o banco. Suponhamos que uma letra é descontada dois meses antes de seu vencimento e que a taxa de juros usual obtido na sociedade dada é o de 6% anual, ou seja de 4% em cada dois meses. Em tal caso não seria vantajoso para o banco descontar o título a menos de 1%, porque a soma necessária poderia render de outra maneira esses juros. Se, além disso, o banco considera que existe algum perigo de que a letra não seja resgatada, ou se julga de modo geral perigoso emprestar dinheiro no momento dado, os juros do desconto elevar-se-ão a 1 1/2 ou a 2% bimensais.

As variações dos juros do desconto e dos juros sobre os empréstimos, como as dos juros sobre os depósitos, servem ao banco para regular a quantidade de numerário em seu poder, de acordo com suas necessidades. Se a taxa de desconto e dos juros sobre os empréstimos sobe, o dinheiro permanecerá no banco, porque descontar títulos e solicitar empréstimos ao banco seria menos vantajoso. No caso contrário, e pela razão oposta, o dinheiro começa a sair do banco.

A operação de comprar e vender ações, títulos, etc., por parte do próprio banco apresenta um caráter mui peculiar e é, até certo ponto, semelhante à do desconto. Em caso de alta dos títulos adquiridos pelo banco, este ganha; em caso de baixa, perde. Esta é uma das formas do jogo da Bolsa, que igualmente pode acarretar um rápido enriquecimento ou uma súbita ruína. Estas operações levam muitas vezes os bancos à falência, e quando o banco tenha operado com dinheiro alheio, isso significa a ruína de seus depositantes.

Estas são as,características principais das atividades dos bancos. Na prática são extremamente complicadas e arriscadas, e o estudo minucioso das questões bancárias constitui uma tarefa enormemente difícil.

Como já vimos, a significação social fundamental das instituições de crédito é que com sua atividade facilitam o desenvolvimento da produção capitalista, com as relações econômicas e as consequências sociais correspondentes.

O crédito permite aos industriais e comerciantes fazer uso de recursos que não poderiam obter diretamente de suas empresas. Nenhuma empresa inverte de uma só vez a totalidade do capital necessário para sua exploração. Uma parte considerável tem de ser conservada como reserva por um período mais ou menos dilatado, para gastos imediatos ou imprevistos. À medida que a empresa se desenvolve, o capitalista se vê obrigado a deixar em reserva quantias cada vez maiores. Antigamente todas estas somas permaneciam em poder dos capitalistas como "tesouro" morto. Na atualidade, os capitalistas as colocam nos bancos, onde continuam sendo capital real, tanto do ponto de vista da sociedade, porque por intermédio do banco passam para as mãos de outros capitalistas, que as aplicam imediatamente na produção de mais-valia, como do ponto de vista dos capitalistas, para os quais produzem certo lucro em forma de juros.

Por outro lado, com auxílio dos bancos, o capitalista que não tem a reserva necessária pode ampliar fácil- mente seu negócio, tendo-se em conta para isso os lucros futuros. Isto pode realizar-se tanto mais facilmente quanto o lucro abonado pelos bancos serve de chamariz para atrair somas de dinheiro que de outro modo não se teriam convertido em capital, mas permaneceriam guardadas como "tesouro" morto. O crédito concentra em mãos dos capitalistas até dinheiro pertencente a pessoas humildes. As economias dos camponeses, dos artesãos, dos trabalhadores, etc., passam, por intermédio dos bancos de crédito popular, para as mãos dos grandes capitalistas que as empregam na ampliação de suas empresas.

A significação do sistema do crédito para a sociedade inteira assenta em que, fundindo os diversos capitais, facilita a fusão de todas as forças de produção da sociedade e apressa deste modo o triunfo desta sobre a Natureza.

Ao examinar a significação do crédito para as diversas classes da sociedade, cumpre ter em consideração, sobretudo, que ele precipita consideravelmente o desenvolvimento de dois processos. Em primeiro lugar, o processo de desagregação dos grandes e dos pequenos capitalistas se consuma rapidamente. Como os primeiros têm muito mais probabilidades de desfrutar do crédito, ampliam rapidamente suas empresas e aumentam seu capital, enquanto que os segundos, não podendo dispôr do crédito senão em um grau insignificante ou sendo-lhes este absolutamente inaccessível, acham a concorrência cada vez mais forte. Em segundo lugar, torna extraordinariamente acelerado o processo de separação entre as funções distribuidoras e de consumo dos capitalistas e sua função organizadora. Os bancos oferecem a um setor cada vez maior dos capitalistas a oportunidade de viver de seus juros, sem preocupar-se da direção pessoal de suas empresas. Deste modo um número sempre crescente de capitalistas se converte em simples "usufrutuários".

Para os operários, consagrados ao trabalho produtivo, o crédito não tem significação imediata alguma.

Atualmente a extensão que o crédito alcançou é verdadeiramente enorme, e ainda continua aumentando com tremenda rapidez. O papel dos bancos e do crédito no capitalismo industrial tem sido sumamente importante, mas na moderna etapa do capitalismo financeiro é ainda maior.

Nesta fase, os bancos começam a tomar parte direta na direção da indústria e do comércio e atuam como os organizadores da vida industrial. Suas operações ativas, quer dizer, a compra de títulos, em particular de ações, aumentam extraordinariamente. Uma vez de posse das ações, os bancos adquirem influência nos negócios das empresas particulares e acabam por assumir as funções de capitalistas individuais do tipo antigo. Estas novas funções se baseiam no desenvolvimento das sociedades anônimas por ações.

II - Sociedades anônimas por ações

A sociedade anônima é uma forma especial de empresa capitalista que se distingue por sua extraordinária flexibilidade e pela mobilidade do capital nela invertido. Sua estrutura permite ao capitalista que tenha invertido certa quantia em uma indústria ou em um banco retirá-la em qualquer momento e em forma monetária. Sendo acionista hoje de uma companhia ferroviária, pode sê-lo amanhã de algumas fábricas de fiação, de uma companhia de navegação ou de uma empresa internacional. De que modo se consegue esta mobilidade ou mobilização do capital? Para poder responder a esta pergunta é necessário explicar a essência, a origem e as peculiaridades das sociedades anônimas por ações.

Suponhamos que varias pessoas, por exemplo, quatro, tenham formado uma sociedade para instalar uma fundição. Para esse fim invertem coletivamente a quantia de 100.000 libras, que é gasta na aquisição de um lote de terreno, na construção de edifícios, equipagem das oficinas, compra de matérias primas, pagamentos de salários, etc. Suponhamos que o primeiro sócio tenha invertido 10.000 libras, o segundo, 20.000, o terceiro, 30.000 e o quarto 40.000 libras. Como a quantidade de dinheiro que cada um dos fundadores inverteu é diferente, seus lucros serão também diferentes. Para determinar a situação de cada fundador imprimem uns certificados especiais de participação (ações), que conferem a seu possuidor o direito a perceber certa parte dos futuros rendimentos da sociedade, e estes certificados são distribuídos entre os fundadores, proporcionalmente à quantia que cada um inverteu.

Se emitem uma ação em cada 10 libras invertidas na empresa, o primeiro receberá mil ações, o segundo duas mil, o terceiro três mil e, o quarto, quatro mil. Suponhamos que ao terminar o ano a empresa produziu um lucro líquido de 20.000 libras. Isto significa que em cada 10 libras invertidas obter-se-ão duas libras de lucro. É evidente, portanto, que os certificados que asseguram a seu possuidor o direito à percepção de lucros constituem verdadeiros valores, e, sendo assim, seu possuidor poderá vendê-los em qualquer momento a outra pessoa, que receberá os lucros em seu lugar.

Pois bem; vai o acionista vender suas ações a 10 libras cada uma? Vimos que 10 libras invertidas na fundição produziram 20% de lucros, enquanto que a mesma soma invertida em um banco ou em títulos do Estado teriam produzido um lucro consideravelmente menor, correspondente à taxa media de juro, por exemplo, de 4%. Por conseguinte, o proprietário das ações exigirá, por cada uma, 50 libras, que é a quantia que teria de depositar no banco para obter um lucro de duas libras. Não obstante, como a inversão de capital em uma empresa comerciai ou industrial é acompanhada de algum risco (os lucros da empresa podem diminuir), o comprador das ações há de querer receber por elas mais de 4%, por exemplo 5%, caso em que pagará 40 libras por cada uma; isto é, o quádruplo da quantia invertida pelo fundador da sociedade.

Como vimos no capítulo referente à distribuição, no período do capitalismo industrial a renda de uma empresa se divide em juros sobre o capital e lucros. Se, por exemplo, uma empresa produz 20% de lucro, podemos dizer que 5% constituem os juros sobre o capital, e, os restantes 15%, o lucro da empresa. Nosso novo acionista só receberá juros sobre o capital. Por conseguinte, intervem, não como capitalista industrial, mas como capitalista financeiro. Os lucros da empresa, como vimos, são obtidos pelos fundadores em forma de lucros de fundador, os quais frequentemente alcançam proporções enormes. Assim, se nossos fundadores quisessem vender a totalidade de suas ações, receberiam 400.000 libras, em lugar das 10.000 invertidas, percebendo, além destas últimas, 300.000 libras de lucro, que representariam os lucros de fundador, capitalizados. Portanto, quanto maiores são os lucros da empresa, a nata, por assim dizer, é desfrutada por um grupo de grandes capitalistas ou de bancos, que são os únicos que podem fundar as gigantescas empresas modernas, para as quais se necessitam centenas de milhares e até milhões de capital. As sociedades anônimas por ações, são, pois, um poderosíssimo instrumento para a centralização do capital nas mãos dos grandes capitalistas.

Alguns economistas pretendem que as sociedades anônimas por ações conduzem à "democratização" do capitalismo. Alegam que qualquer pessoa, sem necessidade de ser rico, até mesmo um operário, pode adquirir uma ação de 20 ou 30 libras e converter-se deste modo em acionista de uma sociedade, porventura da mesma em que trabalha. Óbvio é dizer que isto é absolutamente errôneo. Em primeiro lugar, o acionista não é mais que um prestamista; como vimos, só recebe a taxa media de juros, enquanto que os lucros da empresa, a nata do negócio, são abocanhados pelos fundadores. Em segundo lugar, a propriedade de um pequeno número de ações não permite a seu possuidor participar, nem mesmo indiretamente, na administração da empresa. É certo que os diretores da empresa são eleitos em assembleia geral de acionistas; mas na realidade o que nela se conta não são os acionistas isolados, mas os "blocos" de ações, quer dizer, os grandes acionistas.

Os pequenos acionistas nem sequer assistem à reunião, não já porque não têm influência, mas porque as ações estão disseminadas por todo o país e às vezes por todo o mundo. Percorrer centenares de quilômetros para apresentar um ou dois votos na assembleia de uma sociedade é evidentemente absurdo. O controle da sociedade está, pois, nas mãos dos grandes acionistas, os quais elegem, pessoalmente ou por seus mandatários, os diretores. A administração direta da sociedade faculta aos grandes acionistas obter lucros muito maiores que os outros acionistas. Em primeiro lugar, percebem uma participação fixa dos lucros e pingues honorários como conselheiros, que excedem de muito à remuneração dos trabalhadores mais especializados. E, além disso, como os grandes acionistas estão mais intimamente inteirados que os outros da marcha da empresa, podem aproveitar-se vantajosamente da situação do mercado. Quando se avizinham novos contratos e, por conseguinte, um aumento nos lucros, adquirem mais ações; quando diminuem as perspetivas de um aumento na receita, dispõem transitoriamente de suas ações e fazem os outros arcar com todas as consequências de uma baixa dos preços.

Para poder conseguir o domínio real de uma sociedade é necessário dispôr de mais da metade dos votos. Mas isto não passa da teoria; a experiência demonstra que não é necessário ter mais de 40, e até de 30% das ações. Deste modo se dá o caso de que uns tantos capitalistas ou um grupo financeiro podem manejar um capital muito superior ao que inverteram. O sistema particularmente complicado de prestar auxílio financeiro a outras sociedades, aumenta ainda mais o poder dos grandes capitalistas. O mais simples destes sistemas consiste na constituição de "sociedades filiais". Suponhamos que a sociedade A tem um capital de 700.000 libras, 400.000 das quais se encontram realmente nas mãos do capitalista (ou grupo de capitalistas) B, que dirige a empresa. Esta sociedade resolve constituir outra com um capital de 2.500.000 libras. Teoricamente, para que este grupo de capitalistas possa ter o controle da nova aventura, deverá possuir ações no valor de 1.300.000 libras e vender ao público somente o resto, 1.200.000 libras. Mas para que a sociedade A receba ações no valor de 1.300.000 libras tem de inverter uma soma correspondente na nova sociedade. Esta quantia obtêm-na emitindo para o público obrigações até essa cifra, pelas quais não se pagam dividendos, mas um juro determinado. Os obrigacionistas não têm voto nas assembleias da sociedade e, por conseguinte, tão pouco têm voz ativa na administração da empresa. Estes direitos são transferidos à sociedade fundadora A. Assim, acontece que o capitalista B, que tem um capital de 400.000 libras, dirige a sociedade A, e por meio dela sua sociedade filial, quer dizer, administra um capital de 3.200.000 libras.

Este sistema de constituir sociedades filiais difundiu-se por todos os países com o desenvolvimento do crédito. A oligarquia industrial adquire proporções particularmente assombrosas nos Estados Unidos.

Assim, pois, o desenvolvimento do sistema de exploração capitalista por meio de sociedades origina uma palpável alteração no caráter mesmo da propriedade privada capitalista. O poder da propriedade relativamente ao processo da produção se torna ilimitado, pôs- to que se bem dá direito aos pequenos capitalistas de compartilhar da mais-valia social, não se lhe dá o de intervir no processo produtivo. Esta limitação outorga por sua vez, aos possuidores de certa parte do capital, um poder ilimitado sobre o capital inteiro. A propriedade da maioria dos pequenos capitalistas se vê submetida a crescentes limitações: seu antigo controle da produção desapareceu para sempre e o círculo dos que os dominam se estreita cada vez mais. Deste modo, os proprietários individuais, por assim dizer, deixam de existir e se convertem em uma sociedade de capitalistas. Os indivíduos não têm direito senão a perceber certa parte da renda social, e a administração da indústria se concentra nas mãos dos capitalistas que inverteram um capital considerável de per se, mas insignificante em comparação com a soma total do capital.

Este processo se acelera à medida que se desenvolve o sistema de sociedades, o qual progride atualmente a toda velocidade.

III - O monopólio capitalista privado

Junto à tendência do capital a fazer-se impessoal por meio das sociedades anônimas, verifica-se outro processo não menos característico do capitalismo moderno, a saber: o consórcio de diversas empresas, abrangendo às vezes indústrias inteiras.

O antigo capitalismo já descrito constituía o reinado da livre concorrência. Impelido pela incontida ânsia do lucro, o capitalista, aperfeiçoando sua técnica, expandindo sua empresa, apurando os métodos de exploração dos operários, esforçava-se no sentido de reduzir o custo de produção e baixar os preços para conquistar uma massa cada vez mais numerosa de compradores. Em tais circunstâncias, os lucros de um capitalista isolado podiam descer abaixo do nível típico de um país dado. Esta diminuição dos lucros em uma empresa isolada conduzia à afluência, a outras empresas mais vantajosas, do capital invertido nela. Isto era relativamente simples se a composição orgânica do capital era reduzida, quer dizer, quando a maior parte do capital era utilizado para o pagamento de salários e, por conseguinte, a quantidade invertida em edifícios, maquinaria e matérias primas não constituía a parte principal do capital da empresa. Em tal caso, não era difícil ao capitalista liquidar seu negócio: podia despedir seus operários e inverter o resto de seu capital em outra indústria.

Estas emigrações de capital são cada vez mais difíceis à medida que o capitalismo se desenvolve. Paralelamente a este desenvolvimento ocorre o desenvolvimento da técnica, que determina o aumento da composição orgânica do capital. Uma proporção cada vez maior do dinheiro invertido em uma empresa forma o capital constante (meios de produção), e, uma parte cada vez menor, o capital variável (salários). Se antes a quantidade de dinheiro invertida em salários era 80 libras para cada 100, agora a proporção é de 20 libras, ou ainda menos. É particularmente importante observar que o aumento do capital é acompanhado do aumento da parte dele que é invertida em edifícios e maquinaria e forma, como é sabido, o capital fundamental.

Devido a isto, nem sempre o capital invertido pode ser retirado e transferido a outra empresa. Com o desenvolvimento da concorrência, as empresas capitalistas, em particular as chamadas indústrias pesadas (metalúrgicas e mineiras) podem encontrar-se em situações em que a taxa de lucro seja muito baixa. Este perigo é tanto mais ameaçador quanto, com o desenvolvimento, a taxa de lucro tende a diminuir. A taxa média de lucro constituía, antes, 20%; mas a extensão de suas oscilações era muito maior que no período moderno, em que ficou reduzida a uns 5 ou 6%, e a menor perturbação pode ser fatal a toda empresa isolada.

Os capitalistas se esforçam por achar uma saída para esta situação, e a encontram na criação do monopólio capitalista privado, que coloca o consumidor ante uma só organização poderosíssima.

As formas que o monopólio capitalista se reveste são muito diversas e, do mesmo modo, tomam diferentes nomes: carteis, sindicatos, trustes, etc. Mas a finalidades de todos eles é a mesma, a saber: limitar a concorrência para elevar a renda das empresas que integram o monopólio. Os métodos adotados pelo cartel consistem no estabelecimento de preços mínimos, na limitação do rendimento na designação de certas esferas do mercado para seus respetivos membros, no estabelecimento de iguais condições para a compra e para o crédito. Quando a independência de cada empresa, relativamente ao mercado, desaparece, quer dizer, quando a venda dos artigos fabricados por elas é efetuada por um escritório central para todas as empresas reunidas, temos um sindicato. A fase imediata do monopólio capitalista privado é o truste, no qual as diversas empresas se fundem por completo em uma sociedade anônima gigantesca sob uma só direção, que controla, não só as relações entre as empresas fundidas e o mercado, como também seus problemas internos: aperfeiçoamento da técnica, relações com os operários, etc..

O processo de sindicalização (assim como o de trustificação) verifica-se primeiramente entre empresas homogêneas: sociedades mineiras com sociedades mineiras, fábricas de cigarros com fábricas de cigarros, etc. Isto é o que se chama sindicalização horizontal. Mas o processo não termina aqui; aplica-se também a empresas de natureza diferente à medida em que intervém nas sucessivas etapas da fabricação de determinados produtos. Muitas vezes verifica-se a sindicalização vertical. quer dizer, a fusão das unidades coletivas se efetua entre empresas que produzem o artigo acabado e as unidades que as suprem de matérias primas. Em era de prosperidade, a oferta de matérias primas se atrasa relativamente à produção dos artigos acabados. Isto é devido ao fato de, para ampliar a produção de matérias primas, ser necessário um período de tempo mais longo que para fazê-lo com a produção de artigos manufaturados. O resultado é que as matérias primas encarecem consideravelmente, o que por sua vez motiva uma baixa nos preços e um prejuízo. Por causa desta instabilidade nos lucros, as empresas de que nos ocupamos formam o sindicato vertical e criam empresas colossais que desde logo abrangem a fabricação de determinadas mercadorias em todas as suas fases.

A tarefa fundamental, tanto dos sindicatos verticais como dos horizontais, consiste em aumentar os lucros. Ao fixar um preço determinado, agem como senhores indiscutíveis e absolutos do mercado, ao qual impõem suas condições. Não é necessário que os sindicatos abarquem toda a produção para que se assenhoreiem do mercado, porque as empresas que ficam fora não podem em caso algum atender a toda a procura. Entretanto, se a existência de empresas independentes constitui um sério perigo para um sindicato, este ‘‘declara-lhes guerra" e reduz os preços até tal ponto, que os competidores não podem resistir e se veem obrigados a ingressar no sindicato. Uma vez conseguido o monopólio, o sindicato trata de elevar continuamente os preços. O único obstáculo que pode opôr-se a esta elevação dos preços, pelo truste, é a redução da quantidade de artigos vendidos, motivada pelo fato dos compradores, alarmados com os preços, negarem-se a adquirir esses produtos. Este estado de coisas pode acarretar em qualquer momento a redução dos lucros e impedir a elevação dos preços.

O estabelecimento do monopólio proporciona, portanto, ao sindicato e ao truste, a faculdade de elevar os preços acima dos limites em que oscilavam sob a ilimitada concorrência que caracterizava o capitalismo do seculo XIX. O preço de produção, quer dizer, o custo de produção, mais o lucro médio, deixa de determinar os preços do mercado com suficiente exatidão, enquanto que por contrapeso são aplicados impostos indiretos que costumam diminuir o salário real do consumidor operário.

O incremento dos lucros e o enriquecimento ilimitado dos sindicatos facilitam a limitação e até a abolição completa dos intermediários comerciais. Durante a existência das empresas autônomas, cada uma das quais produzia para a outra, intervinham entre elas dezenas de intermediários, cada um dos quais absorvia uma parte da soma total de mais-valia. Com o desenvolvimento do truste, isto não sucede;. O sistema de trustificação suprime de chofre todos estes elos intermédios e torna totalmente supérfluos os serviços do capital comercial. O capital comercial, que imperava poderosamente sobre toda a vida econômica nos albores do capitalismo, fica, agora, completamente subordinado ao capital industrial.

Os lucros dos comerciantes, que antes eram repartidos entre muitos, ficam agora nos bolsos dos proprietários do truste, e, quando estes empregam os serviços do comerciante, a parte que a este toca é mínima.

O domínio do mercado coloca o monopólio capitalista em vantajosa posição durante a crise. Uma combinação de empresas (sindicato ou cartel) ou uma só empresa gigantesca (truste), ao avizinhar-se uma crise, podem paralisar imediatamente a produção, reter artificialmente suas mercadorias nos armazéns e deter assim, até certo ponto, a baixa catastrófica dos preços. Deste modo, o monopólio do mercado permite a um sindicato ou truste uma baixa enorme de preços em relação às empresas autônomas e alheias à fusão. Isto explica o gigantesco desenvolvimento do movimento de sindicalização na década passada. Este processo atinge suas máximas proporções nos Estados Unidos, onde a centralização da indústria atingiu proporções verdadeiramente espantosas.

Não obstante, em todos os países se observa já o desenvolvimento desta tendência do capitalismo para o monopólio completo de ramos inteiros da indústria, tanto das de caráter homogêneo como heterogêneo. A indústria se vai centralizando e se concentrando cada vez mais, apresentando-se ao mercado como uma única instituição capitalista eminentemente organizada. Este processo é acelerado ainda mais pelos bancos, que atuam como centros organizadores de toda a indústria moderna, impelindo esta a um novo desenvolvimento da centralização.

IV - Os bancos como centros organizadores da indústria

Anteriormente, os bancos pouco se interessavam pelo destino das empresas independentes. Costumavam conceder crédito a um fabricante solvável por um período determinado. Deste modo, o capitalista acelerava a rotação de seu capital e não tardava em devolver o empréstimo à instituição que lho havia fornecido. Nesta época, o banco só tinha interesse em que o devedor levasse a bom termo a operação que projetava (a aquisição de matérias primas, a produção e venda do artigo acabado). O destino do banco não estava de modo algum ligado ao da empresa a quem emprestava seu dinheiro.

Durante a década passada verificou-se uma modificação completa. As proporções das empresas aumentaram de tal maneira que a instalação delas já não estava ao alcance dos capitalistas individuais. Apareceram então em cena os bancos, os quais começaram a agir, não já somente como credores, mas também como fundadores. Absorveram como uma esponja todo o capital livre do país e inverteram grande parte dele em determinadas indústrias. A fundação de sociedades anônimas se converteu então em uma das operações mais importantes dos bancos. A emissão de ações industriais passou a ser a mais lucrativa de suas operações ativas.

Não deve supôr-se, entretanto, que o banco vende todas as ações da empresa que funda. Em regra gera! conserva em seu poder o número de ações suficientes para deter o domínio da nova sociedade. A posição do banco em relação com as empresas industriais ou comerciais, com isto, muda radicalmente. O banco inverte seu dinheiro nas entranhas da terra, em máquinas de aço, em muros de pedra, em estações ferroviárias. Está vitalmente interessado, não só no êxito de uma ou outra operação empreendida pela empresa para cuja criação contribuiu, como também em todas suas atividades, na sua existência mesmo. O capital bancário, em outros tempos independente do capital comercial e industrial, se confunde com este último e forma o capital financeiro.

O processo desta fusão se verifica, não só nas novas empresas estabelecidas, como também nas já existentes. A história da indústria no decurso destes últimos anos é a história da conquista da indústria pelo capital bancário. O banco reúne de 25 a 30 % das ações de uma sociedade fundada por ele e isto basta para assegurar-lhe a maioria de votos e permite-lhe, assim, eleger os diretores. Outro método adotado pelos bancos para subordinar a se o capital comercial e industrial consiste em "vivificar" este último. Suponhamos, por exemplo, que certa fábrica, devido ao antiquado de sua técnica ou à insuficiência do capital em rotação, começa a acusar prejuízo ou uma diminuição de seus lucros. Para aumentar a receita da empresa torna-se necessário mais capital, e, para tal fim, a empresa se vê obrigada a solicitar o auxilio do banco. Este acede: converte-se, porém, em coparticipante do negócio. Se a empresa é uma sociedade anônima, o banco se assegura o número de ações suficientes para poder controlá-la. Se é uma empresa individual, transforma-a em uma sociedade anônima. Em um ou outro caso, o negócio é assumido pelo banco.

A expansão do domínio do capital financeiro não deve tomar-se no sentido de que os capitalistas industriais se convertem em escravos dos bancos. Existe uma grande diferença entre o desenvolvimento do capitalismo moderno e a conquista do artesanato ou do trabalhador doméstico pelo capitalismo mercantil. A fusão do capital bancário com o capital industrial apresenta dois aspectos. Os diretores da indústria entram nos conselhos dos bancos e os representantes dos bancos entram nos órgãos dirigentes das sociedades anônimas, sindicatos e trustes.

Toda vez que os bancos têm grandes interesses na indústria, é muito natural que uma redução ou elevação dos lucros afete sobretudo os grandes acionistas. A isto se deve os esforços que os bancos realizam para harmonizar os interesses das empresas que estão sob sua influência. Isto o consegue, em primeiro lugar, com sua participação direta por meio de seus representantes na direção das fábricas de uma indústria determinada. No primeiro caso se esforçam por limitar a concorrência entre as empresas individuais, e, no segundo, concitam as empresas que dominam a formar uma fusão vertical. Ulteriormente esta tendência leva à formação de sindicatos e trustes. Por outro lado, a fusão das indústrias e as vantagens que as grandes instituições oferecem sobre as pequenas, conduz à fusão dos bancos. Isto fez com que na Inglaterra o número de bancos se reduzisse, em uma década, de 159 para 73. Semelhante diminuição não se verificou, desde logo, como resultado da ruína de bancos isolados, mas como resultado de sua fusão paulatina, o que não impediu que suas operações aumentassem de 60%. Coisa análoga sucedeu em todos os demais países capitalistas adiantados.

Assim, pois, o desenvolvimento do capitalismo financeiro conduz à fusão da indústria nacional, a qual se verifica tanto em sentido horizontal como no vertical. Os limites de tal formação seriam a constituição, em cada país, de um único truste gigantesco, sustentado financeiramente por um banco central. O sistema capitalista mundial, que era formado por centenas de milhares de unidades produtivas individuais, pouco a pouco se vai convertendo em um conglomerado de uns tantos trustes nacionais, que se enfrentam no mercado mundial. Esta formação capitalista moderna, não só domina a vida econômica dos respetivos países, como também exerce uma influência extraordinária em sua política interior e exterior. É ela a força que decide as questões da paz e da guerra e que lança, uns contra outros, a exércitos de milhões de homens.

V - O imperialismo como política do capital financeiro

A política dos países capitalistas modernos só pode ser explicada do ponto de vista de sua estrutura econômica e pela compreensão da essência do capitalismo financeiro.

Basta considerar, por exemplo, a questão das barreiras protecionistas. Houve um tempo em que as indústrias dos países capitalistas jovens (Alemanha, Estados Unidos, etc.) devido à superioridade da técnica da Inglaterra, não podiam competir com os artigos ingleses. Surgiu então a ideia das tarifas protecionistas, protecionistas no sentido de que facilitam o desenvolvimento da indústria interna e a protegem até que os preços de produção, dentro do país, se nivelem com os que vigoram em países mais desenvolvidos. Uma vez isto conseguido, segundo as doutrinas do fundador do "protecionismo" (Frederico List), as tarifas devem ser abolidas por completo. Citemos um exemplo, à guisa de ilustração. Suponhamos que um capitalista inglês, graças à perfeição de sua técnica, pode colocar determinada mercadoria no mercado alemão por 20 marcos e que o capitalista alemão não pode vender o mesmo artigo por menos de 25 marcos. Em tal caso se impõe aos artigos ingleses um imposto alfandegário de 5 marcos, pelo que serão vendidos no mercado alemão pelo mesmo preço que o do capitalista nacional, o qual poderá então competir com o seu rival estrangeiro. Mas o desenvolvimento do capitalismo pressupõe sobretudo o desenvolvimento da técnica, e, por conseguinte, o barateamento do custo de produção das mercadorias. Suponhamos que o preço de produção da mercadoria de que nos estamos ocupando se reduz, graças aos progressos da técnica, a 22 marcos. Em tal caso, de conformidade com a doutrina das tarifas protecionistas, os direitos de alfândega deveriam ser reduzidos de cinco para dois marcos. Assim, pois. os direitos de alfândega, de necessidade vital em certos momentos para um país capitalista jovem, deveriam desaparecer por completo. O protecionismo era considerado como uma medida transitória contra o livre câmbio, quer dizer, o comércio não restringido por muralhas alfandegárias.

Mas a abolição das tarifas não chegou a efetivar-se. Ao contrário, quase todos os países capitalistas trilham o caminho do protecionismo e aumentam continuamente os direitos alfandegários. Qual é o objetivo desta política? Quando os Estados Unidos aumentam suas tarifas para algumas mercadorias até 150% de seu valor, e a França aumenta as suas, de um só golpe, de 25 %, é evidente que esses países visam fins, não defensivos, mas agressivos.

Se não existissem as tarifas, os monopólios capitalistas privados que dominam os mercados nacionais não poderiam elevar os preços acima dos que predominassem no mercado mundial, e não poderiam obter esses lucros suplementares que, como já explicamos, constituem um imposto indireto sobre o consumidor. Por este motivo, os sindicatos fazem pressão sobre seus governos e os obrigam a elevar cada vez mais as tarifas. Assim se eleva uma grande muralha aduaneira que impede que os artigos estrangeiros penetrem no mercado interno, controlada pelos sindicatos, e os diretores destes embolsam a diferença entre os preços artificialmente elevados no mercado interno e os estabelecidos no mercado mundial pela livre concorrência.

As tarifas de cartel (nome dado aos modernos direitos tarifários, que já não têm nada de comum com o protecionismo) estão estreitamente relacionados com o dumping", que significa a venda de mercadorias no mercado do exterior a preços extraordinariamente baixos e, às vezes, inferiores ao custo de produção. Que interesse, dir-se-á, pode ter um sindicato, em vender artigos no estrangeiro a preços ridiculamente baixos e até sofrendo um prejuízo considerável? O certo, entretanto, é que a bem dizer o sindicato não sofre prejuízo algum: o prejuízo verificado no mercado do exterior é compensado com a elevação artificial dos preços do mercado interno.

Assim, pois, o objetivo imediato das tarifas de cartel é forçar os preços no mercado interno para explorar o consumidor nacional a fim de ficarem os sindicatos com as mãos livres no mercado do exterior. Mas quanto maior é o mercado interno e mais numerosos são seus compradores, maiores são os lucros que os sindicatos podem obter dentro de seu país e mais fácil lhes é conquistar os mercados dos países pelos quais lutam pacificamente os capitalistas das nações adiantadas. Isto dá lugar ao afã de estender as muralhas aduaneiras, de aumentar a área do território em que o monopólio capitalista de uma nação determinada tem um domínio exclusivo. Esta é uma das fases do imperialismo, um dos requisitos prévios das guerras imperialistas modernas.

Mas a ânsia de dilatar os territórios econômicos não é a única causa das guerras imperialistas. Neste sentido desempenha um importantíssimo papel a questão das matérias primas e dos mercados para os produtos acabados.

Em regra geral, as indústrias extrativas e, em particular a agricultura, se atrasam em seu desenvolvimento relativamente às indústrias manufatureiras. Na década passada isto motivou uma alta contínua no preço das matérias primas de toda a espécie, e ao mesmo tempo foi causa dos países capitalista se esforçarem cada vez mais, por todos os meios, por assegurar-se as fontes de matérias prima. Estas fontes são constituídas por países atrasados, e neles os piratas mundiais concentram seus esforços. A Inglaterra, por exemplo, precisa de algodão, e encontra no Egito o reforço econômico correspondente. A Rússia czarista estendeu seus tentáculos com iguais objetivos ao Turquestão, etc. Observamos aqui os mesmos fenômenos que na sindicalização vertical, com a diferença de que, nesta, a fusão das empresas que se dedicam às diversas fases da fabricação de um dado artigo, cm determinado pais, é efetuada mediante convênios, enquanto que no outro caso é realizada com o argumento das armas. Na essência, entretanto, os fatos são em ambos os casos da mesma natureza econômica. A anexação do Egito e do Turquestão, etc.. reproduziram em maior escala as mesmas relações de produção existentes entre as empresas fundidas dos países que se lançaram na senda do capitalismo financeiro.

Papel análogo desempenham os mercados que podem consumir os artigos acabados. As forças de produção do capitalismo se desenvolvem incessantemente. A quantidade de mercadorias produzidas pelo gigantesco capitalismo moderno aumenta continuamente. Ao mesmo tempo, a política do capitalismo financeiro, com seus preços de monopólio e suas tarifas de cartel, limita a capacidade aquisitiva das massas. Deste modo se cria uma contradição irreconciliável entre o desenvolvimento das forças de produção e a escassez de mercados. Como resolver esta situação? Só há uma resposta: recorrer aos mercados de países industriais pouco desenvolvidos, de países selvagens ou semicivilizados, como o sudoeste da Africa, o Congo belga, Turquia e Pérsia; de países novos, como a Austrália e o Canadá. Mas a superfície da terra é limitada e os apetites dos trustes das diversas nações são pouco mais ou menos os mesmos. Isto dá origem a novos conflitos e compele a resolver pela força das armas as divergências surgidas na esfera da concorrência pacífica.

Outro importantíssimo requisito prévio do imperialismo nasce do que se costuma chamar a exportação de capital. Já indicamos anteriormente várias das formas dos magnatas do capitalismo financeiro se enriquecerem. De um lado estão os vultosos lucros de fundador, e por outros os preços de cartel, os lucros comerciais suplementares conseguidos por via do estabelecimento de muralhas aduaneiras, que permitem aos trustes elevar os preços até o mesmo nível das tarifas, etc. Todos estes fatores contribuem para a enorme acumulação de capitais destinados a permanecer ociosos dentro do país.

Em sua luta pelo monopólio o capitalismo financeiro mantém o mercado em um estado de tensão. Para ele tem grande importância fazer com que a expansão da produção não acarrete uma oferta excessiva de produtos, e a baixa inevitável dos preços e dos lucros, que é o seu resultado. Mas a expansão da produção destinada aos mercados exteriores também tem seus limites, porque estes mercados costumam ser protegidos por uma muralha chinesa de tarifas. Isto motiva a afluência do excesso do capital para os países atrasados, para os quais são transferidos imediatamente as gigantescas empresas de nossa época.

A exportação de capital não deve considerar-se exclusivamente como exportação de dinheiros. A mais-valia criada pelo proletário emigra para o estrangeiro em forma de máquinas, trilhos, etc., e ali se converte em capital ativo, que tem por objetivo a extração de novas massas de mais-valia. O capital exportado é invertido nas entranhas da terra, em minas, estradas de ferro, canais; em enormes obras de irrigação, etc. Todas estas empresas se baseiam em lucros que em qualquer hipótese não são inferiores aos obtidos nos países dos trustes nacionais. Como a exportação do capital promete lucros adicionais ilimitados, é evidente que os capitalistas de capa país se esforçarão por assegurar-se novos campos de exportação e de concessões, isto é, o direito de construir estradas de ferro, de abrir minas de estabelecer comunicações postais e telegráficas, etc. Naturalmente, isto acarreta conflitos entre os trustes das diversas nações, conflitos que costumam conduzir a guerras imperialistas.

Vemos, pois, que na época do capitalismo financeiro as guerras são inevitáveis, porque constituem um resultado das forças que movimentam o capitalismo moderno. Mas estes conflitos outra coisa não são que uma forma aperfeiçoada da concorrência, a substituição da rivalidade pacífica pela rivalidade militar. Assim sendo, não poderiam os trustes de diferentes países chegar a um acordo na repartição do mercado mundial de mercadorias e de capital, do mesmo modo como o fazem as diversas empresas dos diferentes países quando formam um sindicato? Tendo em consideração que atualmente existem alguns sindicatos internacionais, poderia à primeira vista parecer que cumpre responder afirmativamente; mas, no entanto, a resposta tem de ser negativa.

O fato é que a condição principal para ser possível a sindicalização é a aproximada igualdade da força econômica das empresas que formam o sindicato. Se uma delas goza de condições excepcionalmente favoráveis, se, por exemplo, possui algum invento raro ou força motriz natural, é de sobejo evidente que se absterá de ingressar no sindicato, o qual poderia coarctar sua liberdade ao conceder-lhe só uma parte determinada dos lucros gerais da indústria fundida. Esta empresa preferiria conservar sua independência. O mesmo pode a- plicar-se aos Estados ou aos "trustes nacionais", como nos outros os chamamos. Poderá ter cabimento para os diversos Estados chegar a um acordo quando possuem aproximadamente o mesmo desenvolvimento de suas forças de produção. Assim, sendo, não era vantajoso para a Alemanha sindicar-se com países nos quais a técnica se achasse comparativamente pouco desenvolvida, como, por exemplo, a Rússia, e mesmo a França. A par da igualdade econômica, outra condição necessária para a formação de alianças é a igualdade econômico-política, quer dizer, a igualdade da força militar. Se A e B são dois trustes nacionais economicamente iguais, mas A é mais poderoso militarmente com B, nesse caso A não pensará em sindicar-se com B, mas, simplesmente, em absorvê-lo. Tudo isto demonstra que o caminho para a formação de um único truste mundial ante uma única classe operária, não se desenvolve através de argumentos pacíficos, mas de guerras sangrentas como a de 1914.

Mas pode o capitalismo chegar à última fase de seu desenvolvimento lógico, à criação de uma só economia mundial, regulada e organizada por um só centro capitalista? Esta é uma pergunta a que convém responder.

VI - Rumo à derrocada do sistema capitalista

Sendo, pela sua parte, o resultado inevitável do gigantesco desenvolvimento das forças de produção, o capitalismo moderno traça a senda de seu próprio desenvolvimento. Qual é a força mais poderosa que impulsiona a indústria para diante? Já vimos que é a concorrência sem freio, que reina em todos os lugares em que o capitalismo ainda não chegou à fase moderna. Nesta concorrência, a vitória é daquele que mais baratos pode colocar os artigos no mercado, e a redução do custo de produção se consegue, sobretudo, mediante o desenvolvimento da técnica e o aumento da quantidade de mercadorias produzidas. Assim, sendo a concorrência opera como um estímulo poderoso para a expansão da produção, e, por conseguinte, para o desenvolvimento das forças de produção. Quando a concorrência é abolida e, a indústria, colocada em situação de monopólio, o desenvolvimento estaciona e o progresso dos aperfeiçoamentos técnicos, fica restringido.

A concorrência é a locomotora do desenvolvimento capitalista. Se a concorrência cessa, o desenvolvimento sofre uma paralisação e o capitalismo se detêm. Tal ocorre atualmente em todo o sistema capitalista mundial à medida que envereda pelo caminho do capitalismo financeiro com seus cartéis, sindicatos e trustes. Claro está que isto só é a tendência, pois ainda que a concorrência esteja sendo abolida dentro de cada país, vemos, não obstante, que continua constituindo um fator importantíssimo no mercado mundial. Entretanto, como a imensa maioria das mercadorias é vendida no mercado interno, que se encontra sob o controle de uns tantos colossos capitalistas, a cessação do desenvolvimento das forças de produção tem de ir se fazendo cada vez mais palpável. Os novos inventos são retidos cada vez mais pelos bancos ou sindicatos que os compram, e o processo de produção segue o caminho da rotina, e estaciona.

Este processo de decadência é devido também a outra causa, isto é, a uma transformação radical da consciência social da classe capitalista. Tempo houve em que o capitalista era sinônimo de homem ativo e empreendedor. O capitalista dirigia pessoalmente sua empresa e fazia todos os esforços possíveis por elevá-la à máxima altura. O capitalista não era um espectador na vida econômica, mas estava no centro mesmo da produção. Com o desenvolvimento das sociedades anônimas, que constitui o principal requisito prévio do capitalismo financeiro, a função do capitalista se modifica. Ao converter-se em acionista, afasta-se do processo de produção e deixa de tomar parte na vida econômica. Sua atividade fica limitada à esfera do consumo, a lucubrações sobre como melhor satisfazer suas dispendiosas necessidades. Converte-se em um simples destacador de "cupons" e em um cobrador de dividendos. Em uma palavra, o capitalista degenera em parasita social, como aconteceu anteriormente com o proprietário de escravos da antiguidade e com o senhor feudal. Em suas últimas fases, o capitalismo revela sintomas da mais profunda degenerescência, que há de conduzir fatalmente a seu desmoronamento.

Tudo isto permanece oculto dentro do capitalismo. Tudo isto, por assim dizer, é um fator passivo que o arrasta à morte. Há, porém, um fator incomensuravelmente mais ativo, e é a extraordinária violência das contradições de classe, que não pode comparar-se com quanto, sob o domínio do capitalismo, haja sido possível ver-se até agora.

O capitalismo financeiro explora o proletariado até o máximo. Ao fixar para as mercadorias preços de cartel, preços que excedem de muito o seu valor de trabalho, reduz os salários reais do operário. A participação dos operários no produto social diminui muito mais depressa que durante o reinado da concorrência; a proletarização dos pequenos produtores prossegue a toda a velocidade. A distribuição da riqueza criada defronta, em toda sua violência, a questão da correlação de forças das duas classes da sociedade capitalista. E, o que é mais, imperialismo significa militarismo mundial e guerra mundial. Rios de sangue e requintes de barbaria e destruição sem precedentes contribuem para despertar a consciência do proletariado, compelindo-o a empreender uma luta ativa em prol do socialismo. A inelutabilidade objetiva da revolução se torna cada vez mais evidente: é só questão de tempo: quer dizer, do grau de preparação histórica do proletariado.

Assim, pois,

"na luta extraordinária de interesses hostis, a ditadura dos magnatas do capital acabará por ser substituída pela ditadura do proletariado" (Hilferding);

e,

"a hora da propriedade privada soou: os expropriadores serão expropriados" (Marx).

VII - A ideologia do capitalismo industrial e financeiro

Na etapa manufatureira, primeira fase do capitalismo, continuou o processo da emancipação do indivíduo da tutela de várias autoridades, sobrevivência do sistema feudal. A servidão, onde existia, foi abolida: o poder e a influência sociais da igreja diminuíram rapidamente; os grêmios acabaram por perder toda significação; as relações entre o desenvolvimento dos acontecimentos e as formas políticas se modificaram; a monarquia absoluta, ou se transformou e revestiu a culta aparência do despotismo ilustrado, ou foi substituída por formas constitucionais e parlamentares, quase sempre por meio de revoluções populares. Tudo isto conduziu à supressão dos obstáculos que se opunham ao desenvolvimento da economia individualista e do indivíduo. As novas formas sociais de vida puderam desenvolver-se com muito maior rapidez que até então.

A crescente acumulação da riqueza nas mãos das classes a que pertenciam as funções organizadoras (produtivas e, sobretudo, distributivas) permitiu a muitos dos representantes destas classes consagrar-se ao trabalho intelectual. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento geral da técnica da produção e das comunicações e a crescente complexidade das funções organizadoras criaram uma maior procura de trabalho intelectual: os capitalistas precisaram de engenheiros, técnicos, navegantes, peritos, contadores, economistas, etc.; o Estado precisou de funcionários competentes, etc. Devido a estas circunstâncias formou-se rapidamente uma intelectualidade burguesa. O trabalho dos intelectuais era bem remunerado, de conformidade com suas necessidades e sua privilegiada posição. Consagrando-se inteiramente ao trabalho intelectual, a esta intelectualidade foi possível desenvolver a produtividade do trabalho em sua própria esfera. Por conseguinte, as classes superiores da sociedade, desde o senhor de terra ao intelectual burguês, poucos obstáculos encontraram para seu desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, os materiais de conhecimento nascidos da vida produtiva da sociedade aumentaram extraordinariamente. A esfera de atividade dos povos civilizados se dilatou e abrangeu continuamente novas porções do globo. A riqueza natural de cada esfera foi explorada intensamente. Ambas as causas conduziram ao progresso das ciências técnicas. Este por sua vez, foi acompanhado do desenvolvimento das ciências que são inseparáveis destas e que constituem sua generalização : as ciências naturais. Os séculos XVI, XVII e XVIII se assinalaram pelo rápido progresso das matemáticas, da mecânica, da física, da química e das ciências biológicas. O desenvolvimento da navegação exerceu considerável influência no progresso das ciências naturais, permitindo aos europeus estudar melhor a natureza dos diversos países; mas a astronomia, ciência especialmente aplicada à navegação, recebeu um impulso particularmente importante. O progresso da astronomia manteve estreita relação com a invenção e aperfeiçoamento de instrumentos óticos, o que, por sua vez, acelerou o desenvolvimento de todas as ciências da natureza viva, etc.

Geralmente e de várias maneiras, os progressos da técnica criaram a necessidade e motivaram o progresso do conhecimento, que mantém estreita relação com aquela e constitui sua imediata continuação.

O progresso do conhecimento no período da manufatura teve enorme significação para o desenvolvimento ulterior do capitalismo. Só em determinada fase do desenvolvimento das ciências é possível passar da manufatura para o mecanismo capitalista.

Quando isto se verificou, o progresso do conhecimento cientifico se acelerou ainda mais, não só por causa do incessante incremento da produção e de sua crescente complexidade, como também pelo fato de que a investigação científica mudou de métodos sob a influência da produção mecânica. Os laboratórios, os observatórios e toda a classe de institutos científicos começaram a revestir a forma de grandes empresas, com inumeráveis trabalhadores científicos e não científicos, um complexo sistema de subdivisão do trabalho e uma maquinaria poderosa e precisa. Em nossos tempos, os descobrimentos e os inventos são o resultado direto da produção em grande escala, da concentração das forças científicas e do aperfeiçoamento dos meios de investigação. As entidades capitalistas modernas (sindicatos e trustes) têm,na maioria dos casos, laboratórios para estudos científicos.

Desnecessário é dizer que, no capitalismo, o fetichismo natural perde sua razão de ser, e apenas subsistem vestígios dele nos setores mais atrasados e degenerados da sociedade.

O desenvolvimento do individualismo e do fetichismo das mercadorias culminou com a criação da classe burguesa mas, em fins da época do capitalismo manufatureiro, a ideologia desta classe manifestou uma considerável modificação.

Na luta contra as autoridades do passado e as sobrevivências do feudalismo, esta classe propugnou com firmeza as ideias da liberdade individual, primeiro econômica e, depois, politica. Mas estas liberdades, que foram conseguidas, em diferentes graus, por meio de revoluções burguesas, só o eram na aparência: na realidade, significavam a liberdade de explorar o proletariado. Este, por sua vez começou a lutar por sua liberdade material para desenvolver-se, e a burguesia teve de lutar para conservar sua dominação. O aspecto autoritário do sistema social, conservado sob a forma do Estado capitalista, com sua burocracia e seu exercito e a sujeição dos operários na fábrica ainda quando fosse dentro dos limites de um contrato, etc., começou a produzir seus resultados. A burguesia, então, voltou as costas, indiferente, aos ideais de liberdade e se esforçou por manter sua autoridade sob a forma da ordem protegida pelo militarismo.

Esta mudança coincide com a crescente degenerescência da classe capitalista. Como sabemos, nas últimas fases do capitalismo, aquela transfere cada vez mais suas funções organizadoras aos homens da intelectualidade paga por ela, e suas unidades se convertem em usufrutuários e acionistas que levam uma vida de parasitas sociais.

Para a classe operária apenas houve algum desenvolvimento independente ou ideológico no período da manufatura: os operários não haviam começado ainda a constituir uma classe. Os ínfimos salários da imensa maioria dos operários e o exíguo desenvolvimento correspondente de suas necessidades, apenas lhes permitiam um mínimo progresso. A monotonia de sua vida embotava todas as suas faculdades. O mais importante, de tudo, porém, era o isolamento dos operários, motivado pela extrema especialização do trabalho manual. Os operários desta época eram incapazes de organizar-se para a luta em prol de seus interesses econômicos, porque seus interesses era mui diversos. Isso era acentuado ainda mais pelas grandes diferenças de salário dos operários especializados. Naqueles dias surgiu às vezes a organização dos pequenos produtores das indústrias domésticas; mas os proletários do período manufatureiro não tinham sindicatos.

A produção mecânica criou novas relações e tendências. A substituição do operário especializado pela máquina transferiu a esta a parte maior e mais difícil da especialização. A máquina deu ao trabalho físico o caráter de controle organizador, de vigilância da máquina, a qual realizava agora o trabalho mecânico que antes o operário executava. Por conseguinte, era necessário que este possuísse certa inteligência, e esta necessidade aumentou à medida que se foi aperfeiçoando a máquina que tinha de dirigir, requerendo-se ao mesmo tempo maior atenção e força de vontade. Tudo isto deu origem a uma afinidade de interesses entre os operários, mesmo entre os que trabalhavam em diferentes espécies de máquinas. Ao mesmo tempo, foi-se tornando mais fácil a passagem de uma para outra natureza de trabalho, porque o período de preparação de um operário que tinha de trabalhar com máquinas era consideravelmente menor que o necessário para a aprendizagem dos antigos oficios. Esta troca de ocupações se foi tornando mais frequente e mais comum sob a pressão do desemprego forçado, assim como pela introdução de nova maquinaria. Por outro lado, as diferenças de salários tenderam a desaparecer. Todas estas circunstâncias fizeram com que os operários, organizados em massas pelo processo mesmo da produção, se sentissem mais unidos uns aos outros e tivessem consciência da afinidade de seus interesses. A cooperação fraternal das oficinas se estendeu à cooperação militante das organizações operárias. Tudo isso reunido despertou o espírito coletivista dos operários e conduziu à elaboração da ideologia do coletivismo operário.

Este coletivismo, novo princípio cultural que vem a substituir ao de autoridade e ao de individualismo, é hostil tanto a um quanto a outro. Tem algo de comum com o primeiro por sua tendência à organização; mas difere dele profundamente porque estabelece vínculos conscientes e voluntários entre os homens, porque repele a desigualdade e a obediência cega, elementos totalmente alheios à cooperação fraternal. O traço de parentesco que apresenta com o individualismo é sua tendência à igualdade, ao ideal do livre desenvolvimento; mas difere profundamente dele em que repudia tanto o antagonismo entre homem e homem como também a autonomia do eu individual como um centro completamente isolado de esforços e interesses. Para o coletivismo operário, este centro é a comunidade produtora e o indivíduo é considerado como um dos elos que forma seus vínculos indestrutíveis.

O coletivismo significa uma transformação radical do pensamento e da vontade dos trabalhadores. Ao repelir o princípio autoritário anula toda base para as ideias e para os sentimentos religiosos. Antepondo a experiência viva da comunidade produtora a qualquer outra coisa e utilizando-a como pedra de toque para todas as verdades e valores, destrói também a base da especulação metafísica. Este ponto de vista tem servido de ponto de partida para uma grande transformação sobrevinda nas ciências sociais, em particular na economia política. Esta teoria pôs de manifesto o fetichismo das mercadorias, descobriu sob a curteza dos valores o trabalho coletivo cristalizado,, a força de cooperação; criou a doutrina do materialismo histórico, a doutrina do processo de produção social como base do desenvolvimento da sociedade; criou a teoria da luta de classes, consideradas estas como agrupamentos determinados pelas relações do homem com a produção. Esta é a ideologia proletária, o socialismo científico. Seu lado prático se manifesta na luta em prol dos ideais do socialismo.

O desenvolvimento desta ideologia se processa passo a passo e através diversas contornações; mas continuamente sua marcha tende a acelerar-se.


Notas de rodapé:

(11) Como vimos no capítulo referente à circulação do dinheiro, em alguns lugares, como, por exemplo, na Itália, estas casas de câmbio acabaram por transformar-se em bancos de emissão. (retornar ao texto)

Inclusão 17/05/2016