O Imperialismo e a Economia Mundial

N. Bukharin

Primeira Parte — A economia mundial e o processo de internacionalização do capital


Capítulo I — Noção de economia mundial


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1 — O imperialismo problema da economia mundial; 2 — A divisão internacional do trabalho, caso particular da divisão social do trabalho; 3 — Condições naturais e sociais da divisão internacional do trabalho; 4 — As trocas internacionais de produtos, fenômeno necessário e regular; 5 — O mercado mundial de mercadorias; 6 — O mercado mundial do capital financeiro; 7 — A economia mundial, sistema de relações de produção; 8 — Aspectos diversos do estabelecimento dessas relações de produção; 9 — A economia social em geral e a economia mundial (problema do agente econômico).

A luta dos Estados nacionais, que nada mais é que uma luta entre grupos da mesma ordem da burguesia, não caiu do céu. Não se pode considerar esse choque gigantesco como uma colisão de dois corpos no espaço imaterial, mas, bem ao contrário, tal choque é condicionado pelo meio particular em que vivem e se desenvolvem os "organismos econômicos nacionais". Deixando, há muito tempo, de ser um todo fechado, uma "economia isolada" à maneira de Fichte ou de Tunin, esses organismos formam uma esfera infinitamente mais vasta: a economia mundial. Da mesma forma pela qual toda empresa individual é parte integrante de uma economia nacional, cada uma dessas "economias nacionais" integra-se no sistema da economia mundial. Por essa razão, é necessário encarar a luta dos corpos econômicos nacionais antes de tudo como uma luta entre as parcelas concorrentes da economia mundial, tal como consideramos a luta entre empresas individuais como uma das manifestações da vida social e econômica. Desse modo, o problema do imperialismo, de sua definição econômica e de seu futuro, converte-se no de apreciar as tendências evolutivas da economia mundial e das prováveis modificações de sua estrutura interna. Antes, porém, de abordar esta questão, devemos dizer o que entendemos por "economia mundial".

A produção dos bens materiais é o fundamento da vida social. Na sociedade moderna, que produz, não simples produtos, mas mercadorias, isto é, produtos destinados à troca, o processo de troca dos diferentes produtos exprime a divisão do trabalho entre as unidades econômicas que fabricam tais mercadorias. A essa divisão do trabalho, semelhante à que ocorre nos limites de uma empresa isolada, Marx chama divisão social do trabalho. É desnecessário dizer que esta pode assumir diversas formas, como, por exemplo, a divisão do trabalho entre várias empresas de um país, ou entre diferentes ramos industriais, ou entre essas vastas subdivisões de toda vida produtiva que são a indústria e a agricultura, ou, ainda, a divisão entre países que representam sistemas econômicos específicos no sistema geral, etc.

Poderíamos esquematizar indefinidamente e formular mais de uma classificação, segundo os objetivos a que visasse o nosso estudo. Basta-nos, para o que nos propomos, ter em conta o fato de que, ao lado de outras formas de divisão social do trabalho, existe a divisão do trabalho entre economias "nacionais", entre vários países, a que ultrapassa os limites da economia nacional e constitui a divisão internacional do trabalho.

As condições de divisão internacional do trabalho são de duas sortes: primeiro, as condições naturais, que decorrem da diversidade do meio natural em que vivem os diversos organismos de produção; segundo, as condições sociais, resultantes da diferença de nível de "cultura", de estrutura econômica e do grau de desenvolvimento das forças produtivas.

Comecemos pelas primeiras:

"Comunidades diferentes encontram, em seu ambiente natural, diferentes meios de produção e diferentes meios de subsistência. Seu modo de produção, sua maneira de viver, seus produtos, são, portanto, diferentes. É essa diferença natural que provoca a troca de produtos mútuos, no momento em que as comunidades entram em contato, e, conseqüentemente a transformação progressiva dos produtos em mercadorias. A troca não cria a diferença das esferas de produção, mas põe em relação essas esferas e as transforma em ramos, mais ou menos dependentes uns dos outros, de uma produção social total".(1)

A diferença das esferas de produção é, portanto, aqui, o resultado de condições naturais de produção. Não seria difícil fundamentar esta tese com múltiplas ilustrações. Tomemos, por exemplo, as matérias vegetais. O café só pode ser cultivado em certas condições climáticas; isso ocorre principalmente no Brasil, em parte da América Central e, em menores proporções, na África (Abissínia, colônias inglesas da África Central, África Oriental Alemã) e na Ásia (Índias holandesas, Índias inglesa, Arábia, península de Malaca). O cacau vinga apenas nos países tropicais. A borracha, que exerce importante papel na produção moderna, exige igualmente certas condições climáticas, que tornam a sua produção em apanágio de certos países (Brasil, Equador, Peru, Bolívia, Guianas etc.). — O algodão — que, de todas as matérias fibrosas, é a que ocupa o primeiro lugar na vida econômica — é cultivado nos Estados Unidos, na Índia inglesa, no Egito, na Ásia Menor, nas possessões russas da Ásia Central. A juta, que ocupa o segundo lugar, é exportada quase exclusivamente por um só país: a Índia inglesa. Se tomarmos a produção mineral, obteremos um quadro idêntico, visto tratar-se aí, de certa maneira, de riquezas naturais do país. O carvão, por exemplo, é exportado pelos países que possuem ricas jazidas de hulha (Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Áustria, etc.); o petróleo provém dos países onde há zonas petrolíferas (Estados Unidos, Cáucaso, Holanda, Índias, România, Galícia); os minérios são extraídos na Espanha, na Suécia, na França, na Argélia, na Terra Nova, em Cuba, etc. O manganês é fornecido pelo Cáucaso e pela Rússia Meridional, pela Índia inglesa e pelo Brasil; as jazidas de cobre encontram-se predominantemente na Espanha, no Japão, no sudeste africano alemão, nas colônias britânicas da África do Sul, na Austrália, Canadá, Estados Unidos, México, Chile e Bolívia.

Qualquer que seja, porém, sua importância, as diferenças naturais das condições de produção passam cada vez mais para um segundo plano em relação às diferenças que engendra o crescimento desigual das forças produtivas em cada pais.

"É conveniente frisar que as relações de produção têm apenas importância relativa para as relações de produção, para o comércio e o transporte; em outras palavras, seu peso negativo depende, em larga medida, do nível de "cultura" do indivíduo. Enquanto as condições naturais (medidas segundo a escala humana de espaço e de tempo) podem ser consideradas como valores constantes, o nível de cultura é uma variável e, por mais importante que sejam as diferenças nas condições naturais de cada país para a produção e a circulação, as diferenças de cultura são, em termos relativos, igualmente importantes. Sómente a ação combinada desses dois fatores provoca os fenômenos da vida econômica".(2)

As jazidas de hulha, por exemplo, podem ser um "capital morto", se faltam condições técnicas e econômicas para sua exploração; em compensação, as montanhas, que eram outrora um obstáculo às relações entre indivíduos, os pântanos, que entravavam a produção etc., perderam o sentido negativo que possuíam graças a uma técnica altamente evoluída, de que resultaram os túneis, os trabalhos de drenagem, etc.

Mas, para nós, é ainda mais importante o fato de que a desigualdade de desenvolvimento das forças produtivas cria vários tipos econômicos e esferas industriais, ampliando assim a divisão internacional do trabalho sobre uma base social. Referimo-nos à diferença que existe entre os países industriais, que importam produtos agrícolas e exportam produtos manufaturados, e os países agrários, exportadores de bens agrícolas e importadores de produtos industriais.

"Do momento em que desenvolve e tem como condição a troca de mercadorias, toda divisão do trabalho baseia-se na distinção entre a cidade e o campo. Pode-se dizer que toda a história econômica da sociedade se resume nesse movimento alternativo".(3)

A distinção entre "cidade" e "campo" e o movimento alternativo, que se efetuavam outrora nos quadros de um só país, reproduzem-se agora em um plano consideràvelmente mais amplo. Deste ponto de vista, países inteiros, notadamente os países industriais, representam a cidade e as regiões agrícolas constituem o campo. A divisão internacional do trabalho coincide, nessa perspectiva, com a divisão entre os dois principais setores de conjunto da produção social, a indústria e a agricultura, e constitui-se nisso que se chama divisão do trabalho.(4) O que é fácil de mostrar quando se examina a relação existente entre as regiões de produção industrial e agrícola.

O trigo candial é cultivado sobretudo no Canadá, nas regiões agrícolas dos Estados Unidos, na Argentina, Austrália, Índia, Rússia, Rumânia, Sérvia, Hungria. O centeio provém principalmente da Rússia. A carne é fornecida pela Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos (regiões agrícolas), Canadá (cuja produção é particularmente abundante), Argentina, Dinamarca, Holanda, etc., O gado é geralmente exportado dos países agrários da Europa para os países industriais, e tem como principais produtores a Hungria, Holanda, Dinamarca, Espanha, Portugal, Rússia e os países balcânicos. A madeira é originária da Suécia, Finlândia, Noruega, Rússia do Norte, certas regiões do ex-império Austro-Húngaro, enquanto as exportações canadenses também começam a se desenvolver.

Se enumerarmos agora os países que exportam produtos manufaturados, veremos que se trata das nações industriais mais desenvolvidas do mundo. Os tecidos de algodão são lançados no mercado em primeiro lugar pela Inglaterra, vindo, em seguida, Alemanha, França, Áustria, Bélgica, etc., e, dentre os países de além-mar, os Estados Unidos, Os tecidos de lã são produzidos para o mercado mundial pela Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Bélgica, etc.. Os artigos de ferro e aço são fabricados principalmente na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, países que atingiram o mais alto nível de industrialização, colocando-se, em segundo plano, a Bélgica, França e Áustria-Hungria. Os produtos químicos são fabricados pela Alemanha, que detêm o primeiro lugar, e depois, pela Inglaterra, Estados Unidos, França, Bélgica, Suíça.

Há, assim, uma repartição específica das forças produtivas do capitalismo mundial. As duas principais subdivisões do trabalho social passam por uma linha que separa dois tipos de países, resultando daí a divisão do trabalho social no plano internacional.

A divisão internacional do trabalho manifesta-se através do comércio internacional.

"Os produtores entram em contato social somente pela troca dos produtos de seu trabalho e é nessa troca que se revelam as características sociais específicas de sua produção. Em outras palavras, o trabalho de cada um só aparece como um elo do conjunto do trabalho social graças às relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por intermédio destes, entre os próprios produtores".(5)

O trabalho social do mundo divide-se entre países. O trabalho de cada país isolado torna-se parte do trabalho social total, por intermédio da troca que se efetua no plano mundial. A interdependência dos diferentes países no terreno da troca não é de maneira alguma acidental, mas a condição necessária da evolução social ulterior, constituindo-se, por isso, o comércio internacional em fenômeno regular da vida social e econômica. Esta ficaria totalmente desequilibrada se a América do Norte e a Austrália cessassem bruscamente de exportar seu trigo e seu gado, a Inglaterra e a Bélgica o seu carvão, a Rússia o seu trigo e suas matérias primas, a Alemanha suas máquinas e seus produtos químicos industriais, a Índia, o Egito e os Estados Unidos o seu algodão, etc. Em compensação, os países exportadores de produtos agrícolas se veriam igualmente votados à paralisia se os mercados viessem repentinamente a se fechar — e isso é particularmente válido para os países de "monocultura", que cultivam por assim dizer um único produto (o café no Brasil, o algodão no Egito, etc.). Os exemplos dados a seguir mostrarão o quanto o comércio internacional é, hoje em dia, necessário para assegurar a marcha normal da vida econômica.

Na Inglaterra, durante os três primeiros decênios do século XIX, as importações de trigo, destinadas a completar a quantidade necessária ao consumo interno, não iam a mais de 2,5%; atualmente, chegam a cerca de 50% (alcançando mesmo 80% para o trigo candial); são de aproximadamente 50% para a carne; 70% para a manteiga; 50% para os queijos, etc.(6) Lekssis calcula que, para os produtos manufaturados belgas, o mercado externo tem a mesma importância que o mercado interno. Na Inglaterra, o mercado interno dificilmente absorve o dôbro dos produtos manufaturados, dos artigos metalúrgicos e do carvão destinados à exportação. O mercado interno é, para a Alemanha, quatro vezes e meia mais importante que o mercado externo.(7) Segundo Ballod, a Inglaterra importa três quartos e mesmo quatro quintos do total de carne que consome, a Alemanha importa 24 a 30% de trigo, aproximadamente, 60% de forragem e 5 a 10% de carne.(8)

Poderíamos multiplicar Esses exemplos ao infinito. Há, no processo de troca, uma relação de mercado que regula inumerável série de unidades econômicas, dispersa em pontos geográficos os mais afastados. Nessas condições, a divisão mundial do trabalho e a troca internacional supõem a existência de um mercado mundial e de preços mundiais.

Atualmente, os preços não são determinados somente pelos custos inerentes a uma dada produção, nacional ou local. Em larga medida, essas particularidades locais e nacionais desaparecem no nível geral regulador dos preços mundiais, que influem, por sua vez, sobre certos produtores, certos países, certas regiões. O fenômeno salta aos olhos em relação a produtos como o carvão e o ferro, o trigo e o algodão, o café e a lã, a carne e o açúcar, etc.

Tomemos a produção de trigo. As condições de produção são aí extremamente variadas, sem que as diferenças de preços sejam muito sensíveis. Para o período de 1901 a 1908, o preço (em marcos) de uma tonelada era o seguinte:

Mercado Centeio Trigo Cevada
Viena 146 168 149
Paris 132 183 149
Londres 132 139 138
Nova Iorque 132 141 138
Alemanha 155 183 163
Fonte: J. Corad: Getreidenpreise, in Handwörterbuch der Staatswissensehaften

As condições de produção de trigo na Inglaterra e na América do Norte são assás diferentes. Seu preço nos mercados de Londres e de Nova Iorque é, entretanto, aproximadamente o mesmo (139 e 141 marcos) pelo fato de o vasto fluxo de trigo americano se lançar constantemente sobre a Inglaterra e Europa ocidental, através do oceano Atlântico.

Pode-se constatar o movimento e a formação dos preços mundiais consultando as cotações da bôlsa de comércio dos principais mercados: Londres, Nova Torque, Berlim. Ali, registram-se diàriamente a variações dos preços mundiais, centralizam-se as notícias do mundo inteiro e, dessa maneira, observam-se a oferta e a procura mundiais.

O comércio internacional repousa sobre a divisão internacional do trabalho, mas não se deve pensar que se processa exclusivamente dentro dos limites traçados por esta divisão. Os países não trocam somente produtos de natureza diferente, mas também produtos similares. Determinado país pode, por exemplo, vender para outro não só mercadorias que este não produz, ou o faz em quantidade ínfima, mas também realizar sua exportação fazendo concorrência à produção estrangeira. Neste caso, a troca internacional tem seu fundamento, não na divisão de trabalho (que implica na produção de valores mercantis de natureza diversa), mas unicamente na diferença dos respectivos custos de produção, na diferença dos valores individuais (para cada país), que, na troca internacional, resumem-se no trabalho socialmente necessário no mundo.(9)

A economia realizada sobre os meios de pagamento, isto é, sobre as remessas de ouro, mostra até que ponto os diversos países aproximaram-se uns dos outros no processo de troca.

"Se, para um país qualquer, adiciona-se, de um lado, o montante das entradas e saídas de ouro, e, de outro lado, a exportação e a importação mercantis, constata-se que o valor das remessas de ouro não atinge quase nunca a 5% do valor das remessas de mercadorias. A propósito, convém notar que o balanço comercial nada mais é que uma parte do balanço de contas de um país".(10)

Da mesma maneira que se forma, na esfera da circulação mercantil, o mercado mundial de mercadorias, forma-se o mercado mundial de capital-dinheiro, que encontra sua expressão na igualação internacional da taxa de desconto. Assim, o fator financeiro tende também a contribuir para a substituição da conjuntura econômica de cada país isolado pela conjuntura mundial.

O exemplo do mercado de mercadorias mostra-nos que, atrás das relações de mercado, ocultam-se as relações de produção. Toda ligação no processo de troca entre os produtores supõe que seus trabalhos individuais foram já totalizados no conjunto do trabalho social. Vê-se, portanto, que, atrás da troca, está a produção; atrás das relações de troca, as relações de produção; atrás das relações de coisas-mercadorias, as relações das pessoas que as produzem. Se a ligação no processo de troca não tem um caráter acidental, é que estamos, então, em face de um sistema estável de relações de produção, que forma a estrutura econômica de uma dada sociedade. A partir daí, podemos definir a economia mundial como um sistema de relações de produção e de relações de troca correspondentes, abrangendo a totalidade do mundo.

Não se deve, porém, pensar que essas relações de produção estabelecem-se unicamente no processo de troca.

"Desde que, de uma maneira qualquer, os homens trabalhem uns para os outros, o trabalho adquire uma forma social"(11);

em outras palavras, qualquer que seja a forma, direta ou indireta, que toma a relação entre os produtores, a partir do momento em que ela se estabelece ou adquire uma forma estável, pode-se falar da criação de um sistema de relações de produção, isto é, do crescimento (ou da formação) de uma economia social. A esse título, a troca aparece como uma das formas de expressão mais primitivas das relações de produção. A vida econômica moderna, de extrema complexidade, conhece formas, de natureza muito diferentes, que dissimulam essas relações. Se, por exemplo, compramos, na bolsa de valores de Berlim, ações de uma empresa norte-americana, estabelecemos uma relação de produção entre o capitalista alemão e o operário norte-americano. Se uma cidade russa faz um empréstimo junto aos capitalistas de Londres e lhes paga juros, passa-se o seguinte fenômeno: uma parte da mais-valia que exprime a relação entre o operário e o capitalista inglês cabe à prefeitura da cidade russa, a qual, por sua vez, sob forma de juros, transfere para a Inglaterra, uma parcela da mais-valia que é obtida da burguesia dessa cidade e que exprime a relação de produção entre o operário e o capitalista russo. Dessa maneira, estabelece-se uma ligação entre os operários, assim como entre os capitalistas dos dois países. Como já dissemos, a circulação do capital-dinheiro, que toma proporções sempre maiores, desempenha aí papel particularmente importante. Pode-se, assinalar uma série de formas de ligação econômica: a emigração e a imigração enquanto circulação de força de trabalho; a transferência de uma parte do salário dos operários emigrados (remessa de dinheiro para o pais de origem); a fundação de empresas no estrangeiro e o deslocamento da mais-valia obtida; os lucros das companhias marítimas, etc. Teremos oportunidade de voltar ao assunto. No momento, nos limitaremos a constatar que a economia mundial encerra todos esses fenômenos econômicos, que se apoiam, em definitivo, sobre as relações das pessoas no processo de produção. De maneira geral, todo processo da vida econômica mundial de nossos dias consiste em produzir mais-valia e reparti-la entre os diversos grupos burgueses com base em uma reprodução constantemente aumentada das relações entre duas classes: o proletariado mundial e a burguesia mundial.

A economia mundial constitui uma das formas da economia social em geral. Por economia social, a economia política entende, antes de tudo, um sistema de empresas individuais, ligadas entre si pela troca. Deste ponto de vista, é claro que a economia social não implica absolutamente a existência de um agente economico que dirija todo o conjunto das relações econômicas. A economia política não visa a uma espécie de "unidade teleológica" racional "diretora"; visa essencialmente a todo um sistema desorganizado de empresas, em que não há uma direção econômica coletiva racional, onde as leis econômicas são as leis anárquicas do mercado e da produção a ele surdinada. Eis porque nenhum elemento pode servir de signo constitutivo determinante para a compreensão da economia social em geral e da economia mundial em particular.

"Até aqui, os organismos econômicos nacionais não puderam exercer uma influência geral reguladora sobre o mercado internacional, onde até hoje a anarquia reina como rainha, pois é esse o teatro de hostilidades em que se afrontam os interesses nacionais" (isto é, os interesses nacionais das classes dirigentes).(12)

Nem por isso, entretanto, a economia mundial deixa de ser a economia mundial.(13)


Notas de rodapé:

(1) KARL MARX: O Capital, livro 1, tomo II, p. 251; tradução francesa de J. Molitor. Nos exemplos seguintes, não mencionaremos os países que produzem o bem citado, mas somente os que o exportam. (retornar ao texto)

(2) Ernst FRIEDRICH: Géographie des Welthandels und Weltverkerhs; Iena, Gust, Fischer, pág. 7. (retornar ao texto)

(3) Karl MARX: O Capital, tomo II, págs. 251-252. (retornar ao texto)

(4) "Se se considera apenas o trabalho em si, pode-se designar a divisão da produção social em seus grandes ramos, tais como a agricultura, a indústria, etc., pelo nome de divisão do trabalho em geral; seu desdobramento em espécies e variedades, pelo de divisão do trabalho em particular; e a divisão do trabalho numa fábrica, pelo nome de divisão do trabalho em detalhe" (Marx). (retornar ao texto)

(5) Karl MARX: O Capital, tomo 1, pág. 57. (retornar ao texto)

(6) Bernhard HARMS: Wolkswirtschaft und Weltwirtschaft, Versuch der Begründung einer Weltwirschaftslehre, Iena Gust. Fischer, 1912, pág. 176. (retornar ao texto)

(7) G. ZIVERKING: Política comercial exterior, Livraria Heffding, São Petersburgo, 1908. (retornar ao texto)

(8) C. BALLOD: Grundriss der Statistik, pág. 118. (retornar ao texto)

(9) É evidente que, no primeiro caso, a diferença de custos de produção exerce igualmente influência. Exprime, Porém, a produção de bens de natureza diversa, o que não ocorre no segundo caso. (retornar ao texto)

(10) Julius WOLF: Das Internationale Zahllungswesen, Leipzig, 1913, pág. 62, in Veröffenflichungen des Mitteleuropäischen Wirtschaftsvereins in Deutschland, fascículo XIV. (retornar ao texto)

(11) Karl MARX: O Capital, págs. 55-56. Grifado pelo Autor. (retornar ao texto)

(12) Paul STAHLER: Des Giroverkerhr seine Entwicklung und internationale Ausgestaltung, Leipzig 1909, pág. 127. (retornar ao texto)

(13) Essas observações visam à opinião falsamcnte difundida sobre a natureza da economia mundial. Kalver, por exemplo, propõe o termo economia do mercado mundial (Weltmarkt-wirtschaft). Segundo Harms somente os tratados internacionais autorizam o emprego da expressão "economia mundial" em sua aplicação à época atual. Para Kobatsch (ver sua obra: "A política econômica internacional", Paris, ed, Giard et Brière, 1913) uma economia mundial supõe necesssriamente um Estado mundial. Entretanto a expressão "economia mundial" supõe a clasificação segundo a grandeza dos bens econômicos e de modo algum segundo a diferença dos modos de produçào, razão pela qual é absurdo acusar os marxistas, (como o faz Harms) de não verem além da economia capitalista senão a economia socialista e de não perceberem a existência da economia mundial. Harms confunde clasaificações referindo-se a coisas assás diferentes. (retornar ao texto)

Inclusão 18/09/2015