A Internacional Comunista e a questão racial

Augusto César Buonicore

2 e 11 de março de 2015


Observação: Esta é uma versão ampliada da terceira e quarta partes do artigo “O marxismo e questão racial”, publicado nos livros Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros e Um olhar negro sobre o Brasil.

Fonte: Fundação Maurício Grabois - http://grabois.org.br/portal/autores/148654-39552/2015-03-02/a-internacional-comunista-e-a-questao-racial-1-parte

Colaboração: Erik de Souza

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


1ª parte

O comunista estadunidense Claude McKay discursa no 4º Congresso da IC em Moscou (1922)
O comunista estadunidense Claude McKay
discursa no 4º Congresso da IC em Moscou (1922)

 

A Internacional Comunista (IC), fundada em 1919, de maneira pioneira, colocou no centro da pauta do movimento revolucionário a questão da libertação dos povos coloniais e a da opressão da população não-branca. A partir de então o processo de independência nas colônias e a luta contra o racismo ganharam maior impulso. Na primeira parte desse artigo abordaremos como o problema da opressão racial apareceu nos seus primeiros congressos.

“Na época da II Internacional a questão nacional se limitava a um reduzido número de problemas, que afetavam unicamente as ‘nações civilizadas’ (...). Dezenas e centenas de milhões de pessoas, pertencentes aos povos asiáticos e africanos, que suportavam a opressão nacional na forma mais brutal e mais cruel, ficavam comumente fora do campo visual dos ‘socialistas’. Não se atreviam a colocar no mesmo plano os brancos e os de pele escura, os negros ‘incultos’ e os irlandeses ‘civilizados’, os hindus ‘atrasados’ e os polacos ‘ilustrados’. (...) Não seria digno de um ‘socialista decente’ (...) falar a sério da emancipação das colônias ‘indispensáveis’ à ‘manutenção’ da ‘civilização’” (STALIN, Josef,1921).

 

Os primeiros anos da IC e a questão racial

Ao contrário da sua antecessora, a III Internacional (comunista), fundada em 1919, procurou romper com uma visão eurocêntrica do processo revolucionário mundial. Contudo, num primeiro momento, alguns elementos da antiga visão teimavam em permanecer com tal visão. O Manifesto ao proletariado de todo o mundo, aprovado quando da sua fundação, afirmava: “a Europa socialista, por sua parte, socorrerá as colônias libertadas com suas técnicas, sua organização, sua influência moral, a fim de lograr a passagem a uma vida regularmente organizada pelo socialismo”. E concluía: “Escravos coloniais da África e Ásia: a hora da ditadura do proletariado na Europa soará para vocês como a hora de sua liberação”. Aqui o sucesso das revoluções nos países coloniais parecia depender de uma possível vitória das revoluções socialistas nos países capitalistas centrais. Coisa que se acreditava iminente.

Apesar dos seus esforços, naturalmente, a Internacional Comunista não podia abarcar regiões e países muito além daqueles que já estavam representados na velha organização internacional, que falira quando da eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial em 1914. Por isso mesmo, nenhum representante da África ou da América Latina participou da sua fundação em Moscou. Nos primeiros anos, o chamado mundo colonial esteve representado apenas pela China, Coréia, Índia e Pérsia (atual Irã) – graças à proximidade com a Rússia soviética.

O primeiro partido comunista no “Continente Negro” foi fundado na África do Sul em 1921. No entanto, quando da sua criação,a maioria dos seus membros era composta por imigrantes europeus. Consta que havia apenas um negro entre esses pioneiros do comunismo africano. Logo no primeiro congresso aprovou-se a indicação de que o novo partido deveria lutar para colocar um fim nas divisões raciais existentes no movimento operário. Também se conclamou à unidade e à luta conjunta os trabalhadores negros e brancos contra a opressão capitalista e o imperialismo. Os comunistas daquele país estiveram presentes no 3º Congresso da IC, realizado no mesmo ano. O seu delegado foi David Ivon Jones, secretário-geral da organização.

Gradualmente, a IC conseguiu se expandir para a Ásia, o norte da África e a América Latina – coisa que a II Internacional não havia conseguido fazer –, mas continuou sem lograr criar partidos comunistas ou revolucionários na África Negra, com exceção do PCAS. Ela não era mais eurocêntrica, mas estava longe de representar os trabalhadores e povos de todas as partes do mundo.

A inclusão da temática propriamente negra no interior da IC está diretamente ligada à emergência do problema nos Estados Unidos – alçados à condição de uma das principais potências imperialistas do planeta. Logo após a Primeira Guerra Mundial, o conflito racial nesse país atingiu o clímax e explodiu nas ruas num verdadeiro banho de sangue. Em 1910 já havia sido fundada a Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) – uma entidade que teria papel destacado na luta pelos direitos civis dos negros estadunidenses. Um dos seus principais expoentes foi W. E. B. Du Bois, que mais tarde se filiaria ao Partido Comunista.

No ano da eclosão da Grande Guerra (1914) foi criada na Jamaica a Associação Universal para Melhoria do Negro (UNIA), encabeçada por Marcus Garvey. Quatro anos depois, essa entidade estava firmemente enraizada nos Estados Unidos e publicava o jornal Negro World. Alguns estudiosos afirmam que a organização de Garvey chegou, no seu auge, a reunir cerca de três milhões de membros – mostrando ter grande apelo junto à população negra.

Garvey era pela afirmação da “raça negra” e elevação da sua autoestima. Diante do apartheid americano ele passou a afirmar que a única saída para os negros era abandonar os Estados Unidos e criar um país próprio no continente africano, que deveria ser libertado e unificado. Em seus discursos bradava:

“Desperta, África! Trabalhemos no sentido do glorioso objetivo de uma nação livre, redimida e poderosa. Que a África seja uma estrela brilhante entre as constelações das nações!”. E, com o objetivo de expulsar os ocupantes brancos do continente negro, ele formou a Legião Africana Universal e, em 1922, anunciou o seu objetivo de formar um Império africano do qual ele próprio seria o presidente. Mas, em 1925, acabou sendo preso e dois anos depois foi expulso do país que tanto desprezava. O garveísmo, pouco a pouco, foi perdendo a força e com ele a ideia de retorno à África.

Em 1919 havia se realizado em Londres o Primeiro Congresso Pan-Africano, encabeçado por Du Bois e composto basicamente por lideranças negras estadunidenses e caribenhas. Este seria um espaço importante de articulação da militância negra internacional e impulsionaria o embrionário movimento de libertação da África, embora a participação inicial de líderes do próprio continente tivesse sido pequena. A IC acompanhava atentamente o desenvolvimento desse movimento.

Lênin, Reed e o “problema negro” nos Estados Unidos
Lênin defende a autodeterminação dos povos e o fim da opressão aos povos não-brancos
Lênin defende a autodeterminação dos povos e o fim da opressão aos povos não-brancos

No Projeto de Tese Preliminar as questões coloniais e nacionais para o II Congresso da Internacional Comunista (1920) Lênin afirma: “Em toda a sua propaganda e agitação, tanto dentro do parlamento como fora dele, os partidos comunistas devem consistentemente expor que a violação constante da igualdade das nações e dos direitos garantidos das minorias nacionais ocorre em todos os países capitalistas, apesar da sua fachada ‘democrática’. Também é necessário, em primeiro lugar, explicar constantemente que só o sistema Soviético é capaz de garantir uma verdadeira igualdade das nações (...) e, segundo, que todos os partidos comunistas devem prestar ajuda direta aos movimentos revolucionários das nações dependentes e desfavorecidas – por exemplo, a Irlanda, os negros americanos etc.– e nas colônias”.

Neste texto, o líder bolchevique coloca o problema dos negros da América no interior da chamada questão nacional, valendo também para eles a insígnia do direito à autodeterminação. Esta imprecisão leniniana contribuiria para que a IC incorresse em grave erro ao tratar dessa questão nos congressos seguintes. É o que veremos mais adiante.

Um parêntese: Lênin havia demonstrado interesse pelos negros estadunidenses pelo menos desde 1915, quando escreveu Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos da América. Ali ele afirmou: “É inútil falar da situação degradante a que (os negros) são submetidos: sob esse aspecto a burguesia norte-americana não é melhor que a de outros países. Após haver ‘libertado’ os negros, ela se esforçou, com base no capitalismo ‘livre’ e republicano, por restabelecer tudo o que fosse possível ser restabelecido, por fazer o possível e o impossível para oprimir o negro de maneira mais descarada e vil”. Lênin chega mesmo a ver semelhanças entre a situação dos negros do sul dos Estados Unidos e a da massa dos camponeses russos, submetida às formas brutais de dominação feudal.     

No mesmo congresso da IC (1920), o jornalista estadunidense John Reed fez uma contundente denúncia em relação à situação dos negros no seu país. Contudo, ele apresentaria uma nuance em relação ao que propusera Lênin aos negros americanos. Afirma Reed: “A posição dos negros é terrível (...). A maioria dos estados do sul nega aos negros os seus direitos. Nos outros estados, onde os negros, segundo a lei, têm o direito de votar, eles são mortos se tentam exercê-lo (...). Aos negros não se permite viajar nos mesmos vagões que os brancos, ir aos mesmos bares e restaurantes, ou viver nos mesmos bairros (...). No Sul o negro não tem direito algum e sequer conta com a proteção da lei. Normalmente alguém pode matar negros sem ser punido. Uma terrível instituição branca é o linchamento de negros. Isto acontece da seguinte forma: o negro é untado de óleo e pendurado em um poste telegráfico. Toda a cidade, os homens, mulheres e crianças, correm para ver o show e levar para casa, como souvenir, um pedaço da roupa ou da pele do negro que eles torturam até a morte”.

“Se considerarmos os negros como um povo escravizado e oprimido, então isto nos colocará duas tarefas: de um lado, um forte movimento racial e, de outro, um forte movimento proletário, cuja consciência de classe está se desenvolvendo rapidamente. Um movimento que busca uma existência nacional separada, como pôde ser visto anos atrás, como por exemplo, com o movimento ‘de volta à África’, não é nunca bem sucedido entre os negros. Eles se consideram, sobretudo, como americanos e se sentem em casa nos EUA. Isto simplifica as tarefas dos comunistas consideravelmente”. Aqui a posição de Reed se afasta da de Lênin e daquela que seria aplicada pela IC. Esta advogava que a questão dos negros americanos era parte da questão nacional e que, por isso, eles poderiam reivindicar o direito à autodeterminação. Ou seja, formar um Estado à parte.

Continua Reed, “os comunistas não devem se colocar à margem do movimento negro que reivindica, no momento, sua igualdade política e social, ao mesmo que desenvolve entre os negros, rapidamente, a consciência racial. Os comunistas devem usar este movimento para expor a mentira da igualdade burguesa e enfatizar a necessidade da revolução social que libertará todos os trabalhadores da servidão, mas que também é o único caminho para a libertação do escravizado povo negro”.

Em 1922, pela primeira vez, um congresso da IC (o 3º) conseguiu debater e aprovar uma tese tratando especificamente da “questão negra”. Nela se afirma: “A guerra mundial, a revolução russa, os grandes movimentos protagonizados pelos nacionalistas da Ásia e muçulmanos contra o imperialismo, despertaram a consciência de milhões de negros oprimidos pelos capitalistas, reduzidos a uma situação de inferioridade há séculos, não somente na África, mas quem sabe, ainda mais nos Estados Unidos”.

Para a IC os Estados Unidos eram “o centro da cultura negra e da cristalização do protesto negro”. Por isso, “a história reservou aos negros dos Estados Unidos um papel importante na libertação de toda raça africana (...). A grande participação dos negros na indústria após a guerra, o espírito de rebelião que despertou neles as brutalidades de que são vítimas, coloca aos negros da América, e, sobretudo os da América do Norte, na vanguarda da luta da África contra a Opressão”. A importância da questão negra nos Estados Unidos pode ser medida pela aprovação de duas longas resoluções da IC sobre o tema, em 1928 e 1930.

Continua o documento: “O problema negro converteu-se numa questão vital da revolução mundial. A III Internacional, que reconheceu a valiosa ajuda que puderam trazer para a revolução proletária as populações asiáticas nos países semicapitalistas, considera a cooperação de nossos camaradas negros oprimidos como essencial para a revolução proletária, que destruirá o poder capitalista”. O centro da ação dos negros revolucionários de todo o mundo deveria ser “a luta contra o capitalismo e o imperialismo”.

Os comunistas apresentaram, também, uma plataforma positiva para aquele movimento: “A Internacional lutará para assegurar aos negros a igualdade de raça, política e social (...), utilizará todos os meios para conseguir que os sindicatos admitam os trabalhadores negros nas suas fileiras. Nos lugares onde estes últimos têm o direito nominal de filiar-se aos sindicatos, realizará propaganda especial para atraí-los. Se não conseguir, organizará os negros em sindicatos especiais e aplicará a tática de frente única para forçar os sindicatos a admiti-los em seu seio”. Por fim, a IC aprovou a realização de uma conferência sobre o problema negro em Moscou, que não ocorreu como previsto. O interessante é que esse primeiro texto ainda não fala da luta pela autodeterminação do povo negro nos Estados Unidos e Cuba.

Contudo, a incompreensão da estratégia leninista da autodeterminação dos povos no seio dos partidos comunistas dos países coloniais persistia. Num documento do PC Português de 1924 ainda podia se ler coisas como essa: “É claro que nas nossas colônias africanas (...) um movimento separatista, dada a incultura das massas negras, só aproveitaria às burguesias de várias cores que atualmente exploram os nossos territórios coloniais. (...). Devemos conseguir submeter à nossa influência o proletariado europeu trabalhando nas colônias; fazer-lhe nascer um sentimento de fraternal amor por essa pretalhada ignara, que ele tantas vezes ajuda a explorar por conta do patrão comum”. (O comunista, nº 21, 1924) Contra esse tipo de visão – bastante minoritária – é que a direção da Internacional Comunista se insurgia. 

A crítica da IC à subestimação do problema negro
Otto Huiswoud e Claude McKay no 4º Congresso da IC em Moscou (1922), onde se aprovou a primeira tese sobre a questão negra
Otto Huiswoud e Claude McKay no 4º Congresso da IC em Moscou (1922),
onde se aprovou a primeira tese sobre a questão negra

No 5º Congresso, em 1924, o secretário-geral da Internacional, Dimitri Manuilski, fez uma dura crítica aos partidos comunistas da França e da Inglaterra. Afirmou que na França existiam 800 mil “nativos” e que o Partido Comunista nada estava fazendo para organizá-los e formar quadros para luta anticolonialista. Por outro lado, grande parte deles – 250 mil – estava sendo recrutada pelo Exército colonialista francês.

Perguntou: “Acreditais que possam fazer a revolução se amanhã esses 250 mil estiverem contra vocês, do outro lado da barricada? Poderá a classe operária francesa ganhar uma só greve se a burguesia dispuser de reservas negras, que poderá lançar a qualquer momento contra ela?”. De fato, alguns anos depois, trabalhadores das colônias (os mouros) foram recrutados pelos exércitos fascistas de Franco e atirados contra a República Espanhola.

Manuilski criticou o fato de que nas últimas eleições, dos sete candidatos indicados pelo PCF nenhum era “nativo”. “Porque”, continuou, “lançaram como candidatos somente representantes da raça dominante?”. Para ele, os comunistas ingleses seriam os mais afetados pelos preconceitos coloniais. “Em nenhum dos muitos documentos que examinamos”, afirmou, “encontramos uma só palavra da parte do Partido inglês que se declarasse resolutamente a favor da independência das colônias (...). Estamos muito reconhecidos por haver gritado no momento das intervenções contra a revolução russa: ‘Não toquem na Rússia!’. A Internacional Comunista os felicitará muito mais no dia em que gritarem com todo vosso valor: ‘Deixem as colônias!’”.

Os representantes franceses reconheceram seus limites, mas refutaram algumas das críticas de Manuilski, pois eles teriam tomado a iniciativa de agrupar os trabalhadores estrangeiros e nacionais num mesmo sindicato, feito propaganda anti-imperialista nas colônias e lançado vários jornais em língua árabe.

Explicaram que havia fracassado a tentativa de indicar um candidato nativo que estava aprisionado, mas haviam lançado pela Federação do Sena um comunista árabe. Por fim, afirmaram que a insígnia de independência para as colônias se encontrava no programa eleitoral do partido. Os comunistas ingleses também relativizaram as críticas de Manuilski.

Vários delegados usaram a palavra para se referirem especificamente ao “problema negro”, especialmente na América do Norte. Um dos representantes dos Estados Unidos, Jackson, chegou a afirmar: “Aos negros não se combate apenas como classe, mas também como raça. Até a burguesia negra (...) sofre perseguições; estão desenvolvendo uma cultura e uma psicologia particulares de negros (...). Os periódicos que convêm ao cérebro dos brancos não convêm ao dos negros. Os mesmos discursos, a mesma propaganda, as mesmas publicações não são suficientes. O negro não sente animosidade alguma contra o comunismo, mas querem saber de que modo ele satisfará as suas necessidades particulares”.

W. E. B. Du Bois no
W. E. B. Du Bois no
Congresso dos partidários da paz em Paris (1949).
No final da vida esse legendário
líder negro estadunidense se filiaria ao Partido Comunista

Outro delegado estadunidense, Israel Amter, afirmou que “o problema negro é, em si, um problema de raça. Porém para o Partido francês e inglês e outros é principalmente um problema colonial. Os operários dos países imperialistas não se interessam pelo problema negro. Vivem generosamente dos lucros arrebatados pela burguesia das colônias e se opõem aos movimentos que tendem à libertação destas e o melhoramento da sorte dos povos coloniais. Temem baixar o seu próprio nível de vida depois da libertação dos povos coloniais”. O congresso criou uma “comissão dos negros”, presidida pelo comunista estadunidense Otto Huiswood. Outro negro de destaque na comissão foi Claude Mackay.

Nesse período (1926) foi criado o Comitê de Defesa da Raça Negra, dirigido por Lamine Senghor. Ele buscava vincular a luta anti-imperialista com a luta pela libertação da África e contra a subjugação dos negros em geral. Em 1927 ocorreu em Bruxelas uma Conferência Internacional Anticolonial, sob auspício da Internacional Comunista. Nela os delegados, encabeçados por Senghor, fizeram a denúncia do colonialismo e defenderam a URSS como “um exemplo histórico de união livre de nações e raças construídas sobre as ruínas do imperialismo”, definindo-a como “a estrela-guia dos movimentos de libertação nacional”. Um dos resultados daquele encontro foi a criação da Liga Anti-Imperialista, que jogou um importante papel no final da década de 1920.

Dois delegados da África do Sul – Jimmy Arnold La Guma e Josiah Tshangana Gumede – aproveitaram a ocasião para conhecer a experiência de construção socialista na URSS e ficaram bastante impressionados com o que viram. Na volta, um deles proclamou: “Eu vi um novo mundo chegar (...). Eu estive na Nova Jerusalém”. Outro histórico dirigente negro estadunidense William Edward Burghardt  Dubois – que, mais tarde, com 93 anos de idade entraria no partido comunista–, depois de visitar a URSS em 1926, afirmaria maravilhado: “Se o que eu vi com meus olhos e escutei com meus ouvidos na Rússia for bolchevismo, eu sou um bolchevique”. A Revolução de 1917 e a experiência de construção do socialismo na Rússia encantavam as principais lideranças radicais negras. A solução dada ao problema dos povos pela URSS parecia ser um modelo a ser seguido, especialmente quando comparado ao que acontecia nos Estados Unidos e nas colônias. 

2ª Parte
11.03.2015

A segunda parte desse artigo tratará das tentativas da Internacional Comunista de organizar a luta mundial dos trabalhadores negros e das sucessivas campanhas promovidas contra o colonialismo e o racismo. Também abordará os erros cometidos por ela ao defender a autodeterminação nacional dos negros no continente americano. Por fim, abordará a questão de como as lideranças negras viam a experiência socialista na União Soviética nas décadas de 1920 e 1930.

Os comunistas e o problema negro sob o capitalismo
Comunistas negros protestam contra a ocupação da Abissínia em 1935
Comunistas negros protestam contra a ocupação da Abissínia em 1935

No 6º Congresso da IC, realizado em 1928, o “problema negro” foi incluído novamente no interior da tese sobre a questão nacional e colonial. Podemos dizer que, em alguns aspectos, as suas formulações representavam alguns avanços em relação às resoluções aprovadas em congressos anteriores. Em primeiro lugar, por constatar que “as situações dos negros nos diversos países são diferentes e por isso requerem estudos concretos e análises concretas”. A IC dividiria os países que tinham problemas raciais em três grandes grupos: 1º Os Estados Unidos e alguns países sul-americanos onde uma compacta massa negra é uma minoria frente à população branca; 2º A África do Sul onde os negros formariam uma maioria frente aos colonizadores brancos; 3º Os estados negros que seriam colônias ou semicolônias do imperialismo, como Libéria, Haiti, Santo Domingos e os países da África Central. Para cada um desses grupos de países caberia uma tarefa particular. É interessante que o Brasil não tenha sido citado explicitamente, mas no geral era incluído no primeiro grupo de países – pois, afinal, ele era o único país da América do Sul que possuía uma população negra expressiva, senão majoritária.

Nos Estados Unidos a tarefa do Partido consistia “na luta pela plena igualdade de direitos dos negros, pela eliminação de toda desigualdade social e política e todo tratamento desigual das raças. O Partido Comunista estava obrigado a levar a luta mais enérgica contra as exteriorizações do chauvinismo branco, a opor ativa resistência à ‘lei de Linch’, a intensificar o seu trabalho entre o proletariado negro, a incorporar ao partido os elementos do proletariado negro com consciência de classe, a lutar pela admissão dos negros em todas as organizações dos operários brancos (...), trabalhar entre as massas negras pequeno-burguesas, esclarecendo-as sobre o caráter utópico-reacionário das correntes pequeno-burguesas do tipo do garvismo e travar uma luta contra a influência destas correntes sobre o proletariado”.

Contudo, o VI congresso chegou à conclusão de que em muitos países os negros não eram apenas uma minoria, mas uma “nação dentro da nação”. E, por isso, tinham direito à autodeterminação. Essa tese havia sofrido certa resistência no interior da IC, como é possível ver na intervenção de John Reed. A mudança de posição começou justamente pelo secretariado anglo-saxão da IC, onde participavam os comunistas negros norte-americanos. Pela primeira vez foram propostas as consignas: “autodeterminação dos negros” e criação de um cinturão negro (beltblack), abarcando os estados do sul dos Estados Unidos.

Em Cuba também foi levantada a proposta de formação de um estado negro na Província do Oriente (a chamada “franja negra”). Naquela região havia uma clara maioria negra nativa – vinda da colonização –e mais 100 mil trabalhadores imigrantes jamaicanos e haitianos. Na adaptação brasileira, o nosso “Belt Black” seria o estado da Bahia. Essa proposta atualmente estranha se manteve até o VII Congresso da IC, em 1935, quando foi definitivamente abandonada. Apenas pequenas frações trotskistas continuaram defendendo-a, apesar das desconfianças de Trotsky em torno daquela insígnia.

O programa da Internacional, aprovado no mesmo congresso, fez uma referência bastante crítica ao movimento criado por Garvey: “O garvismo, que antes era a ideologia dos pequenos proprietários e operários negros nos Estados Unidos e que ainda hoje exerce certa influência sobre as massas negras, converteu-se também num obstáculo no caminho da evolução revolucionária. Depois de ter se pronunciado pelo princípio de igualdade social completa de direitos dos negros, transformou-se numa espécie de ‘sionismo’ negro, o qual, em vez da luta contra o imperialismo norte-americano, lançou a palavra de ordem ‘retorno à África’! Esta perigosa ideologia, sem qualquer princípio democrático autêntico, que sonha com os benefícios de um ‘reinado negro’, deve ser fortemente combatida, pois não só não fomenta, mas, pelo contrário, é um obstáculo a luta libertadora das massas negras contra o imperialismo norte-americano”.

Podemos dizer que até aquele momento havia pouco conhecimento sobre as particularidades dos africanos. Dentro dos estreitos esquemas teóricos dominantes todos aqueles povos foram catalogados como comunidades primitivas – sem classes e sem Estado. A favor dos comunistas estava o fato de que a verdadeira história da África e de suas inúmeras (e complexas) civilizações era praticamente desconhecida no Ocidente. A antropologia e a geografia eram marcadas pelo colonialismo e o racismo.

Apesar desses limites, o VI Congresso impulsionou a inserção dos comunistas entre a população negra. Um bom exemplo foi o que ocorreu com o Partido Comunista da África do Sul. Em 1927, de um total de 400 filiados, apenas 50 eram negros. No ano seguinte estes já eram 1600. Na conferência nacional de 1929 participaram 20 delegados negros, num total de 30. O partido, que tinha apenas um negro na sua fundação, havia se africanizado. Numa escala menor, o mesmo aconteceu nos Estados Unidos. Isso representou uma vitória política e moral da Internacional Comunista sobre seus adversários.

O Comitê Sindical Internacional dos Trabalhadores Negros
Comitê negro da liga antiimperialista - 1927
Comitê negro da liga antiimperialista - 1927

A plenária da Internacional dos Sindicatos Vermelhos (ISV), presidida por Alexandre Lozovsky, reunida em julho de 1928, criou o Comitê Sindical Internacional dos Trabalhadores Negros (CSITN), que lançou o jornal O Trabalhador Negro. James W. Ford foi eleito presidente do comitê e membro da Comissão Executiva da ISV. Outros dirigentes eram George Slavin (EUA), James La Guma (África do Sul), Ducadosse (Guadalupe) e um cubano. 

Segundo Hakim Adi, o recém-formado CSITN esteve sempre na mira policial, especialmente após 1930. Seus ativistas foram presos e expulsos da Alemanha, Holanda e Bélgica. O governo trabalhista britânico, por exemplo, proibiu o CSITN de realizar a sua primeira conferência internacional em Londres, o que obrigou o Comitê a transferi-la para Hamburgo na Alemanha. Finalmente, em 8 de julho de 1930 começou a Primeira Conferência Internacional dos Trabalhadores Negros, ligada à Internacional Vermelha dos Sindicatos (IVS).

Apesar de ter durado apenas dois dias e reunido cerca de 20 delegados, o encontro se revestiu de forte simbolismo. Como disse Hakim Adi, “pela primeira vez, trabalhadores vindos da África e da Diáspora africana se encontraram para discutir juntos problemas comuns e como eles poderiam ser resolvidos”. Estavam presentes representantes das Índias Ocidentais, de Gâmbia, Costa do Ouro, África Britânica, Estados Unidos, África do Sul, Camarões, Serra Leoa, Nigéria, dentre outros. As principais ausências foram as organizações da América Latina, incluindo o Brasil, e das colônias francesa e portuguesa. Isso foi o resultado da subestimação da questão racial por parte de vários partidos comunistas, apesar da pressão exercida pelas direções da IC e da ISV.

A conferência oficializou a criação do CSITN e deu-lhe uma liderança e um programa aprovados por delegados de vários países. Entre os seus objetivos estava: “ajudar os trabalhadores negros a se libertarem eles mesmos da opressão imperialista; lutar contra as barreiras raciais e o chauvinismo branco que divide os trabalhadores em benefício dos opressores e exploradores; desenvolver um espírito de internacionalismo entre os trabalhadores negros”.

Como bem observou Hakim Adi, “o Comitê Sindical Internacional dos Trabalhadores Negros foi fundado num momento em que o Cominter estava em processo de mudança de orientação (...). O ‘terceiro período’, inaugurado no 6º Congresso da Internacional Comunista, foi quando a Questão Negra teve mais atenção, especialmente como ela se colocava nos Estados Unidos e na África do Sul”. Por outro lado, o chamado “terceiro período” – também conhecido como o de “classe contra classe” – seria marcado pela predominância de uma política sectária e obreirista. A socialdemocracia passou a ser chamada de social-fascista e as alianças com direções de outras forças políticas condenadas como oportunismo de direita.

Depois de quase um ano à frente do Comitê, James W. Ford voltou aos Estados Unidos, onde seria candidato à vice-presidência por três vezes pela legenda do Partido Comunista. Em novembro de 1931 George Padmore chegou a Hamburgo para substituí-lo. Este havia nascido em Trinidad Tobago e também era dirigente do PCEUA. Com a ascensão do nazismo, em 1933, foi preso e obrigado a fugir para a Inglaterra e depois França.

O CSITN teve um grande papel na campanha internacional em defesa dos “Scottsboro Boys” (1931) – nove jovens negros acusados injustamente de molestar duas mulheres brancas no Alabama, Estados Unidos, e corriam o risco de serem executados. Nesse esforço, a mãe de um deles viajou pela Europa participando de manifestações públicas de solidariedade organizadas pelos comunistas. Depois de uma longa batalha política e jurídica se conquistou uma vitória parcial, embora importante.

O CSITN se envolveu ainda em outra campanha de solidariedade internacional. Desta vez foi para libertar o ativista sindical negro estadunidense Angelo Herndon. Este havia liderado uma manifestação de trabalhadores desempregados (Marcha da Fome) em junho de 1932 na cidade sulista de Atlanta e, por isso, foi preso e acusado de tentativa de insurreição. Um júri o condenou a 20 anos de prisão. Houve denúncias e manifestações em todo o mundo, encabeçadas pela IC e pela ISV. Herndon foi libertado algum tempo depois. Os negros estadunidenses sabiam que não estavam mais lutando sozinhos, tinham o apoio de uma forte corrente política socialista internacional – fato que aumentou a influência dos comunistas junto a essas comunidades não somente na América. 

Uma nota da União dos Trabalhadores Negros da França, corretamente, denunciava: “Nem os radicais (referindo-se ao Partido Radical), nem o Partido Socialista reconhecem os direitos dos negros à total libertação; somente o Partido Comunista tem escrito no seu programa os direitos dos negros e sua aspiração à liberdade política e à independência nacional (...)”. Para esta organização, o PCF seria o único “disposto a ajudar o negro na sua luta por justiça, liberdade e libertação”. Escrevendo naquele mesmo período, Albert Nzula, que se transformaria num dos principais líderes do PC da África do Sul, afirmou: “Cheguei à conclusão de que toda pessoa bem-pensante deve ser comunista”. Centenas de lideranças negras se aproximaram do comunismo naqueles anos conturbados.

A crise no Comitê de Hamburgo e a centralidade da luta antifascista
Delegados do 1a. Conferência Internacional dos trabalhadores negros (1930)
Delegados do 1a. Conferência Internacional dos trabalhadores negros (1930)

Entre 1934 e 1935, quando ocorreu uma alteração substancial na estratégia da IC – pela qual se rompeu com a linha esquerdista de “classe contra classe” e passou a se propugnar a política de frentes populares contra o nazi-fascismo –, houve uma ruptura com Padmore e outros dirigentes negros. O problema central para eles era de que a Alemanha e o Japão não tinham colônias na África, mas a Inglaterra e França tinham e os Estados Unidos continuavam sendo um dos países mais racistas do mundo. Assim, segundo pensavam, não havia porque considerá-los melhores que Alemanha, Itália e Japão. Opinião que se comprovou historicamente falsa. Por suas posições, Padmore foi expulso do PCEUA e da IC. Medida que teve apoio da maioria das lideranças negras comunistas, que tinham no nazi-fascismo o pior inimigo.

A partir de 1934 a direção do CSITN foi assumida pelo comunista estadunidense Otto Huiswood. Logo a sede da entidade teve que sair da Holanda e se transferir para Paris, aproveitando-se da vitória da Frente Popular. Contudo, nuvens pesadas já anunciavam as fortes tempestades que se abateriam sobre a Europa e o mundo. 

A última grande batalha de solidariedade internacional em que o CSITN se envolveria foi em defesa da Etiópia, atacada pelas tropas da Itália fascista em outubro de 1935. O título da histórica campanha era “Tirem as mãos da Etiópia”. Este protesto galvanizou o movimento negro de todo o mundo e teve nos comunistas a sua força de vanguarda, diante da capitulação vergonhosa da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos. Infelizmente, para as forças antifascistas a Etiópia foi derrotada em maio de 1936, depois de heroica resistência. Sucumbia assim o único país independente da África Negra.

A crise que levou Padmore a ser expulso representou o ocaso do CSITN. De fato, a aproximação entre a URSS e países imperialistas, como eram Inglaterra, França e Estados Unidos, levou ao arrefecimento do movimento de libertação nas colônias desses países, na África e Ásia. Entre o final de 1937 e início de 1938 – às vésperas da Segunda Guerra Mundial e quando Stalin mais se dedicava em construir uma aliança antinazista – o comitê praticamente foi extinto.

Apesar de afastado do movimento comunista internacional – e flertando com o trotskismo e o anarquismo –, Padmore se posicionou firmemente em defesa da URSS quando ela foi invadida pelas tropas da Alemanha Nazista. Em setembro de 1941 publicou o artigo “A atitude dos socialistas diante da invasão da União Soviética”. Ali afirmou: “A defesa da União Soviética contra o nazi-imperialismo é a obrigação de todos os trabalhadores, povos colonizados e intelectuais progressistas (...). Essa não é uma questão sentimental. Esta é uma das coisas que vitalmente ameaça o futuro da classe trabalhadora internacional e a humanidade progressista”

“A outra razão pela qual nós devemos defender a União Soviética, e isso se aplica particularmente aos povos colonizados e às raças dominadas, é porque ela é a única Grande Potência que solucionou o problema das nacionalidades (...). Na União Soviética, (...) a segregação racial, disseminada por todo o Império (britânico), não tem mais lugar. Eu visitei a maioria dos países europeus e da América, e nunca encontrei um povo mais simpático em relação às raças de cor do que o povo soviético”.

“A Revolução não só emancipou os trabalhadores russos da opressão do capitalismo, mas libertou mais de cem nacionalidades e raças sujeitas ao jugo do imperialismo czarista. O Império Russo (...) foi transformado em uma união de povos livres, iguais em status”.

“É Isto o que Hitler quer destruir e substituir por sua ‘Nova Ordem’, onde os alemães serão os Herrenvolk (povos de senhores) e todos os outros povos serão escravos que trabalham em prol da raça ‘superior’ (ariana). É de se admirar porque asiáticos estão lutando e morrendo em defesa de Moscou, Leningrado e Kiev contra o megalomaníaco racial Hitler?”

“Trabalhadores! Irmãos das colônias! Não podemos desapontar o povo soviético. Temos de fazer tudo ao nosso alcance para ajudá-lo a derrotar o fascismo e o nazismo”. Logo após a Segunda Guerra Mundial, escreveria um novo artigo simpático à política de nacionalidades e racial da União Soviética, comandada por Stalin.

Contudo, mais à frente, em plena guerra fria, tornou-se um crítico ácido do marxismo, assumindo posições francamente anticomunistas. Escreveu o livro Pan-africanismo ou comunismo?, no qual chegou a afirmar: “Somente uma força é capaz de deter o comunismo na Ásia e na África,o nacionalismo dinâmico assentado num programa socialista de industrialização”. Foi assim que ele pretendeu ganhar as grandes potências capitalistas para a causa da independência e do desenvolvimento africano. A mensagem foi compreendida muito bem por vários líderes do mundo ocidental e cristão.

Um balanço positivo
Mãe de um dos Scottsboro em campanha na Europa (1932)
Mãe de um dos Scottsboro em campanha na Europa (1932)

Muitas das críticas elaboradas por segmentos do movimento negro aos comunistas eram justas, especialmente quanto à pouca atenção dada ao problema racial e, como consequência, as soluções inadequadas oferecidas a ele. Mas, sem dúvida, foi a magistral vitória da URSS sobre a Alemanha nazista – o papel decisivo da luta dos comunistas nos países sob ocupação – que mudou a correlação de forças no mundo e criou melhores condições para que os povos da África e Ásia aniquilassem o colonialismo. No bojo desse processo, a luta antirracista adquiriu maior força inclusive nos Estados Unidos.

A existência da URSS e o crescimento do movimento comunista ajudaram indiretamente na abolição das leis segregacionistas nos Estados Unidos. Citemos um exemplo sempre nos lembrado pelo filósofo comunista Domenico Losurdo. Em 1954, quando se discutia a constitucionalidade das escolas públicas segregadas no Sul dos Estados Unidos, o ministro da Justiça enviou aos juízes da Suprema Corte um documento que dizia: “A discriminação racial fortalece a propaganda comunista e gera dúvidas mesmo entre as nações amigas sobre a intensidade de nossa devoção à democracia”. Ou seja, é preciso acabar com a segregação como forma de deter o avanço das ideias comunistas tanto nos países coloniais (e dependentes) como nos próprios Estados Unidos. Repito: a revolução russa e as vitórias soviéticas, indiretamente, acabaram ajudando a colocar um fim na discriminação contra os negros.

Concluo com trechos de um artigo “A Revolução Russa e o Movimento Negro”, escrito pelo dirigente trotskista negro James P. Cannon no final da década de 1950. Sendo um opositor às direções da IC e do PCEUA não haveria razão nenhuma para que exagerasse quanto ao papel desempenhado pelos stalinistas junto à comunidade negra estadunidense na década de 1930.

“Os comunistas norte-americanos dos primeiros anos, sob a influência e pressão dos russos na Comintern, estavam aprendendo lenta e dolorosamente a mudar sua atitude de não ver na questão negra nada que merecesse uma atenção especial, para além do programa revolucionário do proletariado em geral; a assimilar a nova teoria da questão negra como uma questão especial de pessoas duplamente explorada e posta na situação de cidadãos de segunda classe, o que requeria um programa de reivindicações especiais como parte do programa geral – e a começar a fazer algo sobre esta questão.” A década de 1930 – durante o auge do stalinismo na IC – encontrou “um Partido Comunista preparado para atuar neste terreno como nenhuma outra organização radical havia feito neste país”.

“Foi o Partido Comunista, e nenhum outro, que converteu os casos de Herndon e Scottsboro em questões conhecidas nacional e internacionalmente, e que pôs os grupos de linchamento legal dos "Dixiecratas" na defensiva, pela primeira vez, desde a derrubada da Reconstrução. Os militantes do partido dirigiram as lutas e as manifestações para conseguir condições justas para os negros desempregados e para colocar novamente nos seus apartamentos os móveis dos negros que eram jogados na rua pelos proprietários. Foi o Partido Comunista que apresentou um negro como candidato a vice-presidente (dos Estados Unidos) em 1932 – algo que nenhum outro partido radical ou socialista jamais havia feito”.

“Quando o partido adotou a palavra de ordem da ‘autodeterminação’, não abandonou sua vigorosa agitação a favor da igualdade e dos direitos dos negros em todas as frentes. Ao contrário, intensificou e estendeu esta agitação. Isto era o que os negros desejavam ouvir, e isso foi o que fez a diferença (...). Pela primeira vez, desde a época dos abolicionistas, os negros viram um grupo enérgico, dinâmico e combativo de gente branca defendendo a sua causa. Desta vez não foram uns quantos filantropos e liberais tímidos, mas sim os pertinazes stalinistas dos anos 1930, que estavam à frente de um movimento radical de grande alcance que, gerado pela depressão, estava em ascensão”.

“O partido incorporou milhares de militantes negros nos anos 1930 e se converteu, por um tempo, em uma força real dentro da comunidade negra. A causa principal disto era sua política sobre a questão da igualdade de direitos, sua atitude geral – a qual havia aprendido dos russos – e sua atividade em torno da nova linha”.Tenho dito!


BIBLIOGRAFIA
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CHADAREVIAN, Pedro C. “Os precursores da interpretação marxista do problema racial. In: Crítica Marxista, nº24, 2008.
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Documentos
Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista – 2 partes – Pasado y presente, Buenos Aires, 1977
V Congreso de la Internacional Comunista – 2 parte – Pasado y presente, Buenos Aires, 1975.
VI Congreso de la Internacional Comunista – 2 parte – Pasado y presente, México, 1977

Inclusão: 25/08/2020