A prisão e o assassinato dos camaradas Peng Pai, Yang Yin, Yan Changyi e Xing Shizhen

Zhou Enlai

14 de setembro de 1929


Primeira edição: artigo publicado em 30 de agosto de 1930 no Diário Bandeira Vermelha, órgão do Comitê Central do PCCh.

Fonte para a tradução: Obras Escogidas de Zhou Enlai, t. I, Pequim: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1981, pp. 34-40.

Tradução e HTML: João Victor Bastos Batalha.

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Os imperialistas e o Kuomintang colaboram constantemente para oprimir as massas operárias e camponesas e assassinar líderes revolucionários. Particularmente na metrópole de Xangai, dominada pelas potências estrangeiras, já são dezenas de milhares os que tombaram sob as botinas de ferro dos saqueadores imperialistas e dos senhores da guerra kuomintanistas desde o Incidente de 12 de Abril de 1927(1). Neste exato momento, milhares de operários, camponeses e combatentes revolucionários seguem aprisionados, condenados a penas indefinidas, nas prisões de Tilanqiao, de Caohejing, na Delegacia de Segurança Pública e no Quartel-general da Guarnição de Xangai.

Nos últimos tempos, diante do crescente perigo de uma conflagração mundial, da continuidade dos conflitos entre senhores da guerra e do avanço diário das lutas de massas, os imperialistas e o Kuomintang intensificaram sua colaboração, lançando ataques ainda mais brutais contra as massas revolucionárias e a vanguarda da revolução, o Partido Comunista da China. Os camaradas Peng Pai, Yang Yin e outros, vítimas de um desses ataques bárbaros, foram assassinados em um complô tramado em estreita colusão entre os imperialistas e o Kuomintang.

Os camaradas Peng Pai, Yang Yin, Yan Changyi e Xing Shizhen foram presos no dia 24 de agosto de 1929, por volta das quatro da tarde(2). Como se estivessem enfrentando um inimigo formidável, policiais armados das forças imperialistas, acompanhados de detetives chineses da Delegacia de Segurança Pública, chegaram em carros blindados vermelhos até a casa dos renegados Bai Xin e sua esposa, na região oeste de Xangai. Após cercarem o beco por dentro e por fora, subiram as escadas e realizaram as prisões, demonstrando que agiam com informações precisas sobre a residência. Prenderam, segundo uma lista prévia, cinco pessoas (Peng, Yang, Yan, Xing e também o camarada Zhang Jichun(3)), mas deixaram o casal Bai Xin completamente ileso. Concluído o ato, realizaram uma busca na casa e encontraram, escondidos debaixo da cama de Bai Xin, diversos materiais revolucionários, como os jornais O Bolchevique, Bandeira Vermelha(4) e circulares do Comitê Central do Partido Comunista. Os cinco camaradas foram imediatamente empurrados para dentro dos veículos pelos policiais e detetives, sendo levados diretamente para a Delegacia de Polícia de Xinzha. Toda a imprensa foi proibida de noticiar o ocorrido, razão pela qual as amplas massas permaneceram sem saber da prisão de seus dirigentes.

O dia 25 de agosto caiu em um domingo, e o Tribunal Provisório não funcionava. No dia 26, quando esse tribunal, controlado pelos estrangeiros, voltou a funcionar, o juiz, um lacaio dos imperialistas, em estreito conluio com o representante da Delegacia de Segurança Pública de Xangai, encenou a farsa de um julgamento e emitiu a sentença de extradição dos presos para a Delegacia. Na audiência, estavam presentes apenas os cinco camaradas detidos, cujas fotos haviam sido tiradas no próprio dia da prisão, sendo então chamados nominalmente e interrogados um a um. É evidente que o renegado Bai Xin havia fornecido secretamente provas que os identificavam. Para a extradição, foram mais uma vez colocados em carros blindados e levados, sob escolta armada, até a sede da Delegacia de Segurança Pública. Informações sobre o interrogatório e a extradição foram publicadas nos jornais vespertinos daquele dia, mas seus nomes verdadeiros não foram divulgados. A ocultação de suas identidades foi realizada deliberadamente pela classe dominante, com o objetivo de evitar uma reação firme e direta das massas.

Na mesma noite em que chegaram à Delegacia de Segurança Pública, os cinco camaradas voltaram a ser interrogados; sem que, no entanto, se arrancasse deles absolutamente nada. Por sua vez, os cinco camaradas imediatamente começaram a fazer trabalho de propaganda dentro da prisão, deixando muitos guardas profundamente impressionados. Na tarde do dia 27, o interrogatório foi retomado e durou entre quatro e cinco horas. Quando chegou a vez do camarada Peng Pai, um testemunho foi apresentado para confirmar sua identidade, a qual Peng reconheceu abertamente, sem qualquer hesitação. Ao ser questionado sobre sua trajetória pessoal, o camarada Peng falou, com enorme paixão, durante mais de uma hora. Começou relatando seu trabalho no movimento camponês em Haifeng e Lufeng, antes mesmo de ingressar no Partido, e seguiu descrevendo como ali fundou os sovietes. Quando começou a narrar como puniu os contrarrevolucionários em Haifeng e Lufeng, o camarada Peng se voltou diretamente ao interrogador e, em voz alta, declarou: “Fuzilamos incontáveis contrarrevolucionários como você. Chega de perguntas. Levem-me logo para o fuzilamento”. Até o próprio interrogador ficou visivelmente abalado. Ao chegar sua vez, o camarada Yang Yin também reconheceu abertamente sua trajetória revolucionária. Ao retornarem para as celas após o interrogatório, os cinco camaradas entoaram juntos A Internacional, expressando seu ódio coletivo contra o inimigo; um gesto que causou enorme impacto em toda a prisão.

Após o segundo interrogatório, temendo que algo inesperado pudesse acontecer, a Delegacia de Segurança Pública transferiu, na madrugada do dia 28, os cinco camaradas para o Quartel-general da Guarnição. Naquela mesma noite, houve um atentado contra a vida de Chiang Kai-shek, e todos os guardas considerados suspeitos foram levados sob custódia para o próprio Quartel-general. A partir do alto escalão, com Xiong Shihui(5), até os subordinados da Seção Judicial, todos ficaram em um frenesi de agitação, como se estivessem à beira da loucura. Os guardas detidos foram brutalmente torturados: ensanguentados, com os ossos quebrados, nenhum deles revelou quem fora o autor do atentado. Por conta desse incidente, os cinco camaradas não foram interrogados durante três dias (de 28 a 30 de agosto). Permaneceram encarcerados sob vigilância rigorosa, com algemas nos pulsos e grilhões nos pés. Durante esse período, os cinco camaradas não desperdiçaram nenhuma oportunidade de realizar trabalho de propaganda junto aos prisioneiros e aos soldados do Quartel. Quando os camaradas Peng, Yang e os demais tocavam nos pontos mais sensíveis para os soldados, alguns destes batiam no peito e choravam, praguejando contra os senhores da guerra kuomintanistas, dizendo que era preciso exterminá-los a todos. Nos momentos mais comoventes, os cinco entoavam A Internacional e a Canção dos Pioneiros(6), enquanto soldados e prisioneiros respondiam com palavras de ordem, transformando a sombria prisão em um campo de batalha vibrante. Alguns criminosos comuns, que haviam recorrido ao assalto por conta da miséria, se comoveram profundamente e afirmaram: “Nós, pobres, não temos outro caminho justo senão seguir o Partido Comunista!”. Já alguns detidos por suspeita de serem revolucionários passaram a se expressar com ainda mais firmeza: “O único caminho que devemos seguir daqui em diante é a revolução”. Outros camaradas presos comentaram: “Como dignos dirigentes do Comitê Central do nosso Partido, eles nos deram um exemplo brilhante”. Pessoas que há muito tempo conheciam o nome de Peng Pai se apressaram em visitá-lo assim que souberam de sua presença. Houve até quem expressasse orgulho por tê-lo conhecido pessoalmente no passado.

Uma vez no Quartel-general da Guarnição, os cinco camaradas compreenderam que sua morte era inevitável, razão pela qual as cartas que enviaram secretamente da prisão eram, em sua maioria, de caráter testamentário. Pediam aos camaradas do Partido que não se entristecessem com sua prisão, mas que prosseguissem firmemente nos esforços pela continuidade da revolução. Exortavam os camaradas dirigentes mais importantes do Partido a cuidarem de si mesmos, pelo bem da causa partidária. Expressavam a esperança de que, ao travar lutas contra as correntes internas de oposição(7), o Partido dedicasse maior atenção ao trabalho educativo, a fim de instruir toda a militância. Em suas conversas, também discutiam muitas questões políticas. Infelizmente, o conteúdo dessas discussões não chegou além dos muros da cadeia. Conversavam e até riam com serenidade, como se nada houvesse acontecido. O camarada Yang Yin, em um desses momentos, disse sorrindo: “Tendo conhecido o caminho da verdade ao amanhecer, não há por que se lamentar se a morte vier ao entardecer(8). Nos testamentos que deixaram às esposas, pediam, com insistência, que se dedicassem de corpo e alma ao trabalho do Partido.

No dia 30, o Tribunal Provisório, de forma deliberada, convocou repentinamente os cinco camaradas para uma audiência de revisão. Para cumprir as formalidades, naquela tarde, sob pesada escolta, foram retirados do Quartel-general da Guarnição e levados ao tribunal, onde os aguardavam um pelotão de soldados, diversos detetives da Delegacia de Segurança Pública, alguns assistentes do Quartel-general e policiais estrangeiros armados com duas metralhadoras leves. A corte realizou uma sessão especial, da qual o público foi excluído. As perguntas e respostas não passaram de uma repetição da audiência anterior. Tanto o juiz quanto o cônsul imperialista e o advogado da delegacia da concessão estrangeira, que auxiliavam no julgamento, pronunciaram palavras vagas, sem declarar abertamente quais crimes Peng, Yang e os demais camaradas teriam cometido. O advogado de defesa também falou algumas palavras, mas nem o juiz nem os demais lhe deram qualquer atenção. Quando a sentença final foi lida, ninguém conseguiu ouvir o que foi dito. Apenas após o fuzilamento de Peng, Yang e outros dois camaradas é que um jornal em língua inglesa de Xangai publicou, às pressas, a sentença do tribunal que os condenava a oito anos de prisão. Essa segunda audiência não passou de uma farsa judicial encenada em conjunto pelos bandidos imperialistas e os senhores da guerra kuomintanistas. Lançavam mão de procedimentos jurídicos como tentativa de enganar as massas, mas morriam de medo que a verdade viesse a público. Na realidade, há muito as amplas massas revolucionárias deixaram de acreditar em suas malditas leis! Quem sabe quantas pessoas inocentes os imperialistas e o Kuomintang já assassinaram ou executaram sob falsas acusações desde o Incidente de 12 de Abril de 1927? Os rios de sangue que jorraram das chacinas já tingiram de vermelho o coração das massas operárias e camponesas empobrecidas, que agora pensam apenas em responder ao terror branco com a força de sua luta. Que se danem essas malditas leis!

Concluído o interrogatório no Tribunal Provisório, os cinco camaradas foram imediatamente reconduzidos, sob forte escolta armada, ao Quartel-general da Guarnição. Ao retornarem da corte para o camburão, o camarada Yan Changyi ergueu o punho e exclamou: “Viva o Partido Comunista!”, e os cinco se entreolharam e sorriram. Assim que chegaram ao Quartel-general, foram novamente colocados nas celas, onde lhes foi servida uma refeição que incluía até bebida alcoólica. Sabiam que a morte era iminente. Quem se importaria com aquela nojenta “refeição de caridade”? Cerca de uma hora depois, os camaradas Peng Pai, Yang Yin, Yan Changyi e Xing Shizhen foram chamados para serem executados. Os quatro pronunciaram suas últimas palavras de encorajamento aos soldados e aos prisioneiros e cruzaram o portão da prisão entoando A Internacional e bradando palavras de ordem. O impacto foi tamanho que soldados e prisioneiros desataram a chorar, e até os carcereiros viraram o rosto diante de tão comovente cena. A execução foi realizada em segredo, nas próprias dependências do Quartel-general, algo inédito durante o mandato de Xiong Shihui. Isso dá uma ideia da gravidade do caso e do pavor que tomava o inimigo. Os disparos que ceifaram a vida dos quatro camaradas puderam ser ouvidos fracamente por aqueles dentro da cadeia. Um dos prisioneiros sacrificou um galo em oferenda aos céus, tamanha era sua comoção. Os quatro camaradas deixaram intencionalmente três peças de roupa íntima como lembrança: os únicos pertences pessoais que legaram ao mundo! Após a execução, o Quartel-general ordenou o sepultamento secreto dos corpos numa tentativa de apagar os vestígios do crime. Contudo, ainda que as amplas massas não tenham podido prestar homenagem aos restos mortais de seus heroicos dirigentes, seus feitos resplandecerão para sempre na memória do povo como uma luz inextinguível.

Após a prisão dos cinco camaradas, o Comitê Executivo Central do Kuomintang em Nanquim recebeu da Direção Municipal de Xangai um relatório jactancioso vangloriando-se da operação. Em seu telegrama de resposta, ordenou a Xiong Shihui que realizasse imediatamente o fuzilamento. Como os lacaios já estavam completamente absorvidos com o caso da tentativa de assassinato de Chiang Kai-shek, a execução foi levada a cabo com ainda mais pressa do que o habitual.

Na China contemporânea, onde a luta de classes se acirra intensamente, quantos revolucionários e quantos dirigentes revolucionários já foram assassinados, aberta ou secretamente, pelo inimigo! Na realidade, isso é inevitável antes da vitória da revolução e constitui uma base de sangue sobre a qual essa vitória se assentará. Sem o heroísmo dos combatentes revolucionários, que avançam em sucessivas hordas, não seria possível pavimentar o amplo caminho para o grande triunfo da revolução. A morte de cada combatente revolucionário, seja na linha de frente ou na retaguarda, possui um imenso valor. Particularmente, a queda de um dirigente revolucionário representa um feito indelével, capaz de iluminar os corações de milhares e milhares de indivíduos do povo, impulsionar poderosamente a revolução e inflamar o entusiasmo revolucionário de cada membro das massas oprimidas, de modo que estas avancem a passos firmes rumo ao fragor das chamas revolucionárias. Por isso, diante da memória dos mártires, não devemos derramar lágrimas de tristeza, mas sim assumir com ainda mais firmeza a causa que deixaram inacabada; devemos redobrar nossos esforços e marchar sempre adiante pelo caminho da luta tingido com o sangue dos mártires!

De fato, a queda dos quatro mártires — Peng, Yang, Yan e Xing — representa uma perda imensa para a revolução chinesa e para o Partido Comunista da China. Os dirigentes revolucionários surgem das amplas massas e são forjados ao longo de incontáveis lutas e vitórias. Se ao inimigo bastam apenas alguns minutos para eliminar nossos dirigentes, a nós não é possível formar novos líderes em tão pouco tempo. Por isso mesmo, a liquidação física dos nossos quadros é o método mais atroz e virulento empregado pelo inimigo para sufocar a revolução. A única resposta possível é nos lançarmos com ainda mais força à luta de massas, intensificando-a a ponto de varrer o terror branco e as chacinas, aproximando a vitória da revolução e o fim do domínio inimigo. Só assim compensaremos as perdas de hoje! Só assim cumpriremos os desígnios dos quatro mártires! Só assim as classes oprimidas poderão finalmente se vingar do inimigo odiado!

Os bandidos kuomintanistas e os imperialistas recorrem a artimanhas diabólicas e métodos vis para destruir a revolução e assassinar seus dirigentes. Nossa resposta, a resposta das massas revolucionárias, é diferente: uma luta de classes franca e aberta, sempre. Essa forma distinta de combate é a arma poderosa que nos permitirá triunfar sobre o inimigo. Pois é somente por meio da luta aberta que poderemos conquistar as amplas massas, e é unicamente pela força destas que seremos capazes de aniquilá-lo. No curso dessa luta, todos os bandidos kuomintanistas e os imperialistas, mestres das intrigas e dos assassinatos, serão exterminados de uma vez por todas.

Operários, camponeses, soldados e massas empobrecidas! Combatentes da vanguarda revolucionária! Glória eterna ao espírito revolucionário dos mártires! Jamais cessaremos nossa luta! Marchemos adiante pela estrada tingida com o sangue dos mártires! Avante! Esforcemo-nos para alcançar a vitória final da revolução!