Sobre o trabalho em Wuhan

Zhou Enlai

4 de setembro de 1930


Fonte para a tradução: Obras Escogidas de Zhou Enlai, t. I, Pequim: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1981, pp. 41-59.

Tradução e HTML: João Victor Bastos Batalha.

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Nota da edição

Em junho de 1930, sob a direção do camarada Li Lisan, o Birô Político do Comitê Central do Partido aprovou a resolução intitulada “O Novo Auge Revolucionário e a Conquista da Vitória Inicial em Uma ou Mais Províncias”, que demandava a preparação imediata de insurreições em todo o país. Assim tomou forma a segunda linha “esquerdista”. Nas reuniões de 1º e 3 de agosto daquele ano, o camarada Li Lisan defendeu a realização de levantes em Nanquim e Wuhan, além de uma greve geral em Xangai, e propôs a unificação das organizações partidárias, da Liga da Juventude e dos sindicatos em “comitês de ação” de diferentes níveis. O camarada Zhou Enlai, que havia se ausentado do país desde abril de 1930, retornou no final de agosto e, entre meados e o fim de setembro, participou da III Sessão Plenária do VI Comitê Central do Partido, na qual também atuou como um de seus presidentes, ocasião em que se pôs fim à linha de Li Lisan. O presente texto constitui a primeira parte de uma carta redigida por Zhou Enlai, em nome do Comitê Central do PCCh, nas vésperas da III Sessão Plenária, contendo instruções dirigidas ao Birô de Changjiang.

1. Para traçar um plano de trabalho em Wuhan, não basta conhecer, do ponto de vista das condições objetivas, as possibilidades atuais de desenvolver nosso trabalho e suas perspectivas de crescimento (sobre isso, já não temos dúvidas nem divergências); o mais importante é avaliar também quais são, do ponto de vista subjetivo, as possibilidades que temos de levar esse trabalho adiante. Diversas cartas enviadas pelos senhores demonstram que nosso poder subjetivo em Wuhan ainda é extremamente débil. O número total de membros do Partido, da Liga da Juventude e dos sindicatos vermelhos(1) não ultrapassa 300; a maioria das células encontra-se inativa; as organizações operárias nos principais setores industriais são extremamente frágeis; e há uma profunda desarticulação entre os diferentes níveis dos organismos dirigentes do Partido. Mais grave ainda é o fato de que a situação concreta das massas, na base, sequer chega ao conhecimento dos órgãos dirigentes. Sem uma compreensão clara das condições subjetivas, é absolutamente impossível elaborar um plano concreto e viável. Por isso, Jiang Jun(2) nos escreveu várias vezes, lamentando com veemência a impossibilidade de conhecer a realidade das massas. Diante disso, o Comitê Central enfatiza o seguinte: se os senhores ignorarem a situação real das massas, não apenas será impossível traçar um bom plano de trabalho, como também estarão distantes de se concretizar a expansão de nossa influência política e o crescente entusiasmo das massas pela revolução, de que falaram. Pois, sem a direção do Partido e sem sua força organizativa, não há como alcançar o triunfo revolucionário.

Por conseguinte, a primeira tarefa dos senhores consiste em conhecer a fundo as condições reais de vida das massas operárias de Wuhan e suas reivindicações (não apenas as dos elementos avançados, mas, sobretudo, as demandas gerais das amplas massas atrasadas). Não basta prestar atenção ao que dizem alguns poucos militantes ou quadros, como que “já não é hora de falar de salários, mas de empreender grandes ações”, ou que “neste momento, o que importa é pegar em armas”, e assim por diante. É ainda mais importante reconhecer que a maioria dos trabalhadores segue sem direção para a luta, sem qualquer força organizada capaz de tomar iniciativas. Mesmo que, em tese, a maioria prefira as grandes ações às pequenas, isso não significa que esse estado de ânimo, por si só, baste para garantir o triunfo da revolução. Devemos, antes, compreender essa preferência como expressão do ressentimento das massas diante do monstruoso terror branco e de sua simpatia pelo avanço das guerras camponesas, mas é necessário um imenso e árduo trabalho de propaganda e organização para transformar esse ressentimento em luta obstinada e essa simpatia em vontade consciente de participar e liderar as guerras camponesas. Sem força combativa, base organizativa e, sobretudo, a direção firme do Partido, a classe operária não tem como levar adiante grandes ações, ainda que o deseje. Para criá-las, não basta o simples apelo às palavras de ordem do Partido, muito menos àquelas que conclamam às grandes ações, isto é, à insurreição armada. O fato de um punhado de pessoas desejarem a insurreição, enquanto a maioria ainda nutre “a esperança generalizada de que tudo se resolverá com a chegada do Exército Vermelho a Wuhan”, não indica disposição real das massas para grandes ações, ao contrário, revela sua debilidade e sua dependência do Exército Vermelho. Por isso, é necessário construir uma força combativa e uma base organizativa por meio do desenvolvimento constante de lutas reivindicatórias, greves e manifestações, em consonância com as consignas do Partido. É absolutamente impossível criar, do dia para a noite, uma força combativa e uma base organizativa sem que os operários passem por essas lutas, greves e manifestações, e sem que se forjem nesse processo. Também não é possível consolidar a direção do Partido de forma espontânea, sem que este lidere e promova incessantemente tais ações. Eis aqui o princípio fundamental ao qual os senhores devem se ater ao elaborar toda a sua tática e plano de trabalho. Esperamos, sinceramente, que o mantenham sempre em mente.

2. Devido aos defeitos subjetivos supracitados (que consistem em limitar a atenção a apenas um aspecto da questão) e às dificuldades objetivas enfrentadas (decorrentes, sobretudo, do desconhecimento da situação nas bases), as “principais táticas atuais do Partido entre os operários”, tal como formuladas pelos senhores, permanecem restritas a princípios excessivamente gerais. Os senhores tendem a colocar toda a ênfase na “preparação para uma insurreição armada”, sem dedicar a devida atenção à aplicação concreta das táticas ou à adoção de métodos específicos adequados às condições particulares de Wuhan. Por isso, os pontos propostos não diferem em nada do que já foi estabelecido na circular do Comitê Central, sendo válidos para qualquer lugar. A seguir, indicaremos as deficiências e os equívocos contidos nessas formulações.

Primeiro ponto. Os senhores afirmam: “Somente por meio da mobilização política o Partido poderá conquistar rapidamente as amplas massas operárias e organizar efetivamente uma insurreição armada”. Ora, salta aos olhos que tal afirmação propõe uma dicotomia entre as lutas reivindicatórias cotidianas e a preparação de uma insurreição armada, ignorando que incentivar certas reivindicações políticas e econômicas das massas, articulando-as às palavras de ordem do Partido, é justamente o método fundamental para conquistar as amplas massas na preparação ativa para a insurreição armada.

Segundo ponto. Os senhores defendem que a Federação Provincial de Sindicatos elabore um programa de reivindicações e organize uma greve dos operários de todos os ramos em Wuhan e outras localidades. Contudo, isso está longe de ser suficiente. Uma greve geral não eclodirá de forma repentina se o Partido apenas se limitar a lançar apelos e promover agitação em virtude de um programa geral, sem dirigir concretamente as lutas reivindicatórias dos operários de diferentes setores e sem organizar, de forma progressiva, greves e manifestações por categoria. É particularmente importante o trabalho entre os operários desempregados. Na atual conjuntura de Wuhan, em que seu número cresce diariamente, esses trabalhadores devem se tornar uma das principais forças motrizes na preparação da insurreição armada. Por isso, os senhores devem atribuir maior importância a esse trabalho.

Terceiro ponto. Os senhores contrapõem a tática de “ingressar nos sindicatos amarelos para conquistar as massas” à tarefa de liquidar os sindicatos kuomintanistas, o que é ainda mais equivocado. Se um sindicato kuomintanista possui base de massas, devemos ingressar nele com o objetivo de conquistar a maioria destas e nele atuar até que sejamos capazes de desmantelá-lo. Se não houver base de massas, então sequer há razão para ingressar. O fato de os sindicatos amarelos tornarem-se, dia após dia, mais alinhados ao Kuomintang e mais próximos do fascismo não justifica pensar que tenha havido uma mudança radical em nossa tática com relação a eles. Tal juízo não corresponde à realidade e ainda pode levar os militantes a pensar, de forma oportunista, que quando no passado ingressávamos nos sindicatos amarelos, não o fazíamos com o propósito de liquidá-los(3).

Quarto ponto. É correto impulsionar com vigor a constituição da Vanguarda Vermelha(4). No entanto, se esta estiver plenamente divorciada das lutas reivindicatórias e da vida real das massas, se se afastar do trabalho de organização popular e limitar-se a aguardar o momento de pegar em armas para lançar uma insurreição, então não passará de um destacamento armado mercenário, incapaz de cumprir o papel de vanguarda das massas, fadado a se afastar delas e a cair no isolamento. Esse perigo já pode ser observado em Xangai.

Em muitas de suas cartas, os senhores abordaram a questão do armamento. Se fizerem dessa questão o eixo central para a consolidação da Vanguarda Vermelha, farão com que esta perca seu caráter de massas e vacile em sua determinação de tomar as armas do inimigo para derrubar o poder do Kuomintang. Nesse sentido, é fundamental que se atribua a devida importância ao trabalho entre os operários das fábricas de armamentos. Encontrar meios de arrancar armas do inimigo: eis o caminho fundamental para armar o proletariado.

Quinto e sexto pontos. Os senhores mencionaram o crescimento das organizações do Partido e da Liga da Juventude, mas sem vinculá-lo minimamente à questão da luta. Aí reside uma tendência perigosa, pois, num momento em que tais organizações se desenvolvem com robustez, visando à insurreição armada, cria-se um terreno propício para que certos oportunistas se entreguem ao palavrório desviacionista “de esquerda” sobre insurreição armada, em vez de dirigir as massas em suas lutas concretas. Essa tendência já se manifestou em Xangai. Em Wuhan, os senhores devem precaver-se contra esse perigo e compreender que toda mobilização limitada ao discurso sobre insurreição armada ou “grandes ações”, bem como à reivindicação de armas para o treinamento de suas forças, em vez de conduzir as massas em suas lutas reivindicatórias — isto é, nas “pequenas ações” — acabará, do mesmo modo, permitindo o agrupamento de oportunistas que promovam perspectivas desviacionistas “de esquerda”.

Sétimo ponto. Em relação ao trabalho das comissões industriais do Partido, mencionado pelos senhores, é preciso considerar que essas comissões são organizações provisórias que reúnem certos quadros do Partido engajados no movimento operário, encarregados de impulsionar e organizar sindicatos vermelhos no setor industrial. Uma vez que esses sindicatos e suas ramificações nas diversas fábricas forem formalmente constituídos e passarem a admitir operários, as comissões devem ser dissolvidas como tais e convertidas em grupos dirigentes do Partido, cessando também seu exercício de comando direto, de modo a estimular os sindicatos, em todos os níveis, a desempenharem um papel autônomo. Portanto, as comissões industriais existem apenas como instrumentos para o desenvolvimento dos sindicatos vermelhos. Uma vez formados, todos os esforços devem se concentrar em garantir o funcionamento independente do sistema sindical, não podendo, em hipótese alguma, permitir que as comissões industriais do Partido substituam os sindicatos em suas funções de direção. Em Xangai, tem-se cometido o erro de relegar os sindicatos vermelhos a uma posição impotente; por isso, esperamos que os senhores estejam atentos a esse problema de antemão.

Oitavo ponto. É correta a proposta dos senhores de intensificar a luta contra os desvios de direita. Contudo, ao mesmo tempo, o perigo dos desvios “de esquerda” também continua a se manifestar no interior do Partido. Os senhores devem combater com firmeza a noção de que esse tipo de desvio seria mais aceitável que o de direita, ou de que, neste momento, basta preocupar-se apenas com este. É preciso compreender que tanto os desvios “de esquerda” quanto os de direita podem entravar e arruinar a revolução. Naturalmente, o de direita segue sendo, hoje, o principal perigo dentro do Partido, especialmente entre os quadros mais antigos(5).

Além dos oito pontos formulados pelos senhores, há ainda a questão da organização dos comitês de ação. No passado, ao unificar as organizações do Partido e da Liga da Juventude em comitês de ação, suprimiu-se o sistema organizativo independente da Liga. Isso foi um erro. A Liga, por não ser uma organização partidária, deve conservar seu próprio sistema de organização e manter um trabalho autônomo. Ao incorporá-la aos comitês de ação do Partido, das células ao Comitê Central, visava-se atribuir-lhe uma responsabilidade política maior, e não fundi-la com o Partido. O sistema organizativo e o método de trabalho da Liga devem ser mantidos como antes. Os senhores devem retificar as práticas adotadas nesse aspecto. É especialmente necessário estimular a Liga a dedicar maior atenção ao trabalho entre os jovens. A transferência de seus quadros para outras funções deve ser reduzida ao mínimo.

Atualmente, um dos problemas centrais do trabalho em Wuhan é o de como colocar em marcha as atividades das células. Os senhores já têm bom domínio de como fazê-lo. O Comitê Central deseja destacar que, na distribuição e promoção de quadros, deve-se prestar especial atenção aos níveis inferiores. Entre os numerosos quadros enviados pelo Comitê Central, os mais capacitados podem ser designados para atuar nas células. Ainda que não possam, de imediato, participar da produção nas fábricas, é fundamental que deixem suas túnicas de lado e se insiram no meio dos operários, auxiliando os militantes locais a ativar a vida das células. Paralelamente, os senhores devem recrutar com prontidão novos militantes e quadros dentre os operários em luta, promovendo-os aos organismos dirigentes. Assim, embora o Comitê Central continue enviando quadros qualificados, conforme solicitado, o mais importante é que os senhores se empenhem com determinação na promoção de novos quadros a partir das células de base.

As opiniões dos senhores a respeito das manifestações são corretas. É inadequado que um punhado de elementos avançados realize manifestações por conta própria. É preciso preparar-se para manifestações de massas. Disso também se depreende que será impossível organizar uma greve geral ou manifestações em larga escala apenas por meio de apelos à insurreição armada, sem dar atenção às lutas reivindicatórias das massas, às suas exigências políticas e econômicas parciais, à ampliação dos sindicatos vermelhos e da Vanguarda Vermelha por meio dessas lutas diárias, bem como à articulação entre as demandas parciais e as reivindicações políticas gerais.

Em suma, o principal defeito de todos os planos de trabalho elaborados pelos senhores reside no fato de que se concentram exclusivamente na deflagração de uma insurreição armada, esquecendo que a preparação ativa para tal insurreição pressupõe mobilizar o máximo possível do povo, de modo que, por meio da luta, este se forje, se organize, passe a reconhecer a direção do Partido e a aceitar suas palavras de ordem. Só assim será possível construir uma força combativa ampla e uma base organizativa sólida para a luta de massas, assim como uma direção partidária pujante. Ao falarmos das lutas, entendemos que estas devem evoluir progressivamente das reivindicações parciais para as gerais, das lutas cotidianas, greves e manifestações até alcançar uma greve geral. O papel dirigente do Partido, sobretudo nas atuais condições, consiste em lançar-se firmemente nessas lutas e articulá-las às reivindicações políticas gerais e às ações coordenadas, visando à preparação para a batalha final e decisiva.

De acordo com esse princípio, solicitamos que os senhores formulem planos e métodos de trabalho para Wuhan tão viáveis quanto possível, atribuindo especial importância à implementação efetiva das tarefas essenciais. Sugerimos que concentrem seu trabalho prioritariamente entre os operários ferroviários, marinheiros, trabalhadores das fábricas de armamentos, portuários, servidores públicos, operários têxteis e condutores de riquixás.