O fundamento teórico da linha de Li Lisan

Zhou Enlai

1 de dezembro de 1930


Origem: excertos do relatório crítico sobre a linha de Li Lisan(1), apresentado em uma conferência de quadros dos departamentos subordinados ao Comitê Central do Partido Comunista da China.

Fonte para a tradução: Obras Escogidas de Zhou Enlai, t. I, Pequim: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1981, pp. 72-76.

Tradução e HTML: João Batalha.

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Para corrigir os erros da linha de Li Lisan, devemos denunciá-la e criticá-la de forma profunda, sem nos limitarmos a repetir a linha da Internacional Comunista(2). A formação dessa linha não foi acidental. Não poderia ter se tornado dominante nos organismos dirigentes do Partido se não houvesse encontrado, dentro dele, uma base para seu surgimento. Portanto, devemos analisar o aparecimento da linha de Li Lisan à luz das três seguintes circunstâncias:

1) A condição histórica foi que, mesmo após o VI Congresso Nacional do Partido, certas questões fundamentais permaneceram sem o devido esclarecimento.

2) Na composição do Partido, a proporção de militantes de origem proletária era reduzida, enquanto o número de membros de origem pequeno-burguesa era bastante elevado. Em consequência, isso deu origem a desvios, ora “de esquerda”, ora de direita, na linha do Partido.

3) A ideologia de Li Lisan não encontrou oposição enérgica nas discussões anteriores.

Esses três fatores foram os que favoreceram a ascensão da linha de Li Lisan nos organismos dirigentes.

Ao mesmo tempo, devemos compreender o fundamento teórico da linha de Li Lisan.

1. Incapacidade de avaliar corretamente a correlação de forças na luta de classes. A Internacional Comunista tem toda razão ao afirmar, em sua carta, que a linha de Li Lisan não soube analisar corretamente a situação objetiva nem avaliar com precisão a correlação de forças na luta de classes. Temos provas mais que suficientes disso nos artigos e relatórios do camarada Li Lisan, bem como na resolução de 11 de junho(3) por ele redigida. Naquela ocasião, ao analisar as forças do inimigo, o camarada sempre se atinha exclusivamente às suas fraquezas ou exagerava em demasia algum desses pontos; por outro lado, ao avaliar nossas forças subjetivas, via apenas os pontos fortes, ignorando as debilidades. Por essa razão, no tocante ao andamento da revolução mundial e da revolução chinesa, a resolução de 11 de junho, ao apreciar o imperialismo e as classes dominantes, sustentava que estes eram impotentes e não podiam senão aguardar sua ruína; e, ao avaliar as forças revolucionárias, não apenas exagerava o crescimento do Exército Vermelho, mas, sobretudo, superestimava o desenvolvimento da luta dos operários urbanos, bem como seu nível de consciência e de organização. Nenhuma dessas análises correspondia à realidade. Como resultado desse enfoque, sua apreciação da situação revolucionária não poderia deixar de ser equivocada. Eis o método não marxista-leninista adotado pelo camarada Li Lisan na análise dos problemas.

2. Negação do desenvolvimento desigual da revolução e concepção errônea sobre os auges revolucionários. Isso se manifestava tanto em sua análise dos problemas da China quanto na apreciação da situação revolucionária mundial. Na Circular nº 70 do Comitê Central(4), havia uma frase que afirmava que a revolução chinesa seguiria um desenvolvimento uniforme. Superficialmente, tal afirmação parecia inofensiva, mas já semeava os erros futuros. No informe à Internacional Comunista redigido pelo camarada Li Lisan, afirmava-se que o desenvolvimento da revolução chinesa era desigual apenas em aparência, mas uniforme em essência. Assim, negava-se por completo o desenvolvimento desigual da revolução. Por isso, o camarada Li Lisan também se equivocou completamente nesse ponto ao debater com Chen Shaoyu(5) numa reunião de quadros do Comitê Central. A seu ver, a eclosão da revolução chinesa provocaria, inevitavelmente, uma eclosão simultânea da revolução mundial. Numa declaração do Partido sobre o Incidente de Changsha(6), afirmava-se que o desencadeamento da revolução chinesa levaria necessariamente a insurreições armadas em todo o mundo. O camarada Li Lisan procurava negar o desenvolvimento desigual da revolução, citando as características da revolução mundial em seu terceiro estágio(7). Tal era sua concepção tanto da revolução mundial quanto da revolução chinesa. Ao negar o desenvolvimento desigual da revolução, Li Lisan interpretava o auge revolucionário como se fosse uma situação pré-revolucionária imediata. No entanto, segundo uma resolução do VI Congresso Nacional do Partido(8), “em vista de futuros auges, exige-se com maior razão que o Partido tome como tarefa prática atual a preparação e até mesmo a deflagração de insurreições armadas”. Isso demonstra que há um processo entre o surgimento de um auge revolucionário e a instauração de uma situação pré-revolucionária imediata, ainda que ambos não estejam separados por uma Grande Muralha. Contudo, na Circular nº 1 do Comitê Central, publicada após o retorno de Li Lisan ao país, afirmava-se que, com a chegada de um novo auge, a palavra de ordem da insurreição armada deveria ser transformada de mera consigna propagandística em chamado à ação. Desse modo, apagava-se a distinção entre um auge revolucionário e uma situação pré-revolucionária imediata. No ano passado, o Partido recebeu a resolução da X Sessão Plenária do Comitê Executivo da Internacional Comunista(9), na qual se afirmava que um novo auge havia começado no movimento revolucionário da China. Ao expor essa questão no Congresso Provincial do Partido em Jiangsu, apontei que um novo auge era distinto de uma situação pré-revolucionária imediata, e que, embora houvesse surgido tal auge, ainda não se configurava essa situação. Entretanto, à época, essa questão não gerou grandes debates no Birô Político, tendo sido feitas apenas alterações menores nos documentos. Esse fato também evidencia a fraca preparação teórica do Partido, fraqueza que contribuiu para a formação da linha de Li Lisan. O camarada Li Lisan dizia que a palavra russa “подъём” não deveria ser traduzida como “auge” e que um auge revolucionário equivalia a uma situação pré-revolucionária imediata. Se isso fosse verdade, então a tese contida na resolução do VI Congresso Nacional do Partido, segundo a qual “com um novo auge geral, a revolução pode triunfar primeiro em uma ou mais províncias importantes”, deveria ser reformulada nos seguintes termos: “numa situação geral pré-revolucionária imediata, a revolução pode triunfar primeiro em uma ou mais províncias importantes”. No entanto, se já existisse uma situação geral pré-revolucionária imediata, que sentido teria falar em vitória inicial em uma ou algumas províncias? Dado que o camarada Li Lisan enxergava as coisas dessa forma, não causa surpresa sua teoria de que, para conquistar a vitória nas províncias de Hunan, Hubei e Jiangxi, seria necessário primeiro tomar Wuhan, e que a tomada de Wuhan marcaria o início da vitória revolucionária em todo o país. Por isso, propôs organizar a repatriação dos chineses residentes na Sibéria, que a Mongólia participasse das operações militares e da constituição de uma União Soviética Chinesa e que a União Soviética (URSS) destacasse tropas para atacar o Japão. Naturalmente, tais propostas refletiam não apenas a negação do desenvolvimento desigual da revolução, mas também a influência de uma onda súbita de putchismo e dirigismo.

3. Concepção equivocada sobre organização. Ao tratar das questões organizativas, o camarada Li Lisan falava com frequência da necessidade de fortalecer as forças subjetivas. No entanto, fazia-o partindo de um ponto de vista inteiramente oportunista. Em seu relatório ao Congresso Nacional das Zonas Soviéticas(10), desconsiderou as forças subjetivas como condição necessária ao desenvolvimento da revolução e limitou-se a analisar as condições objetivas. Afirmou que, uma vez instaurada uma situação pré-revolucionária, não haveria falta de forças subjetivas, citando como exemplo o Movimento de 30 de Maio(11) e o período de Wuhan(12). Nas reuniões de 1º e 3 de agosto de 1930(13), defendeu a necessidade de “fortalecer a organização”, mas, com isso, queria dizer apenas que a situação pré-revolucionária já estava, em geral, amadurecida e que o povo se levantaria para a luta tão logo fosse organizado. Por essa razão, entendia como suficiente o simples lançamento de um apelo à insurreição armada e, no caso de Xangai, a convocação de uma quarta insurreição. Assim, excluía por completo a força organizativa como uma das condições necessárias para o amadurecimento de uma situação pré-revolucionária. Na realidade, esse entendimento conduziria inevitavelmente à liquidação da organização. O estabelecimento do Comitê Geral de Ação não significou apenas, na prática, a supressão da Liga da Juventude, mas também do próprio Partido.

4. 4. Manifestações de oportunismo e aventureirismo militar na avaliação da situação da luta e na formulação das tarefas. O camarada Li Lisan sustentava concepções bastante peculiares quanto à organização e ao desenvolvimento das lutas do Exército Vermelho e do campesinato. Isso se devia, em parte, ao fato de se deixar enganar por números aleatórios que lhe eram fornecidos de maneira leviana por pessoas provenientes das zonas rurais, embora essa não fosse a causa principal. Nas reuniões de 1º e 3 de agosto de 1930, afirmou que um ataque do Exército Vermelho a Wuhan provocaria, inevitavelmente, uma insurreição operária. Outro camarada do Birô Político chegou a escrever no Diário Bandeira Vermelha: “Estamos contra a ideia de tomar Wuhan apenas com a força do Exército Vermelho, mas também é equivocado afirmar que os operários não se levantarão em luta quando o Exército Vermelho se aproximar de Wuhan. Sem dúvidas, se levantarão”. Outro ponto defendido pelo camarada Li Lisan baseava-se na hipótese de um motim entre os soldados de Nanquim. A seu ver, bastaria tal motim para assegurar a tomada da cidade, o que repercutiria em Wuhan e provocaria uma greve geral dos operários em Xangai. Por essa razão, acreditava que, à medida que o Exército Vermelho se aproximasse de Wuhan, os operários locais deflagrariam uma insurreição, Nanquim seria tomada e outra insurreição eclodiria em Xangai. Ao mesmo tempo, Chiang Kai-shek seria derrotado no confronto entre os senhores da guerra ao longo da Ferrovia Longhai, e o mesmo aconteceria com Feng Yuxiang(14), em decorrência dos levantes camponeses em Henan. Então, com as tropas do Norte marchando para o Sul, as defesas do Norte ficariam desguarnecidas, permitindo que os camponeses daquela região também lançassem insurreições. Daí sua proposta de que a Mongólia e a URSS enviassem tropas. Formular decisões e dispor insurreições armadas com base em tal análise foi, em todos os sentidos, uma manifestação de oportunismo militar — uma ilusão de que a vitória poderia ser obtida simplesmente por meio da manipulação dos conflitos entre os senhores da guerra.

5. Apelo às teorias de Trotsky como complemento à sua própria teoria sobre a transição revolucionária. Na resolução de 11 de junho, o camarada Li Lisan afirmava que a conquista da vitória inicial em uma ou mais províncias marcaria o começo da transição revolucionária. Isso significava, na realidade, abandonar a tarefa central prevista no programa político da revolução democrática. Por consequência, sua influência também se fez sentir na resolução do Congresso Nacional das Zonas Soviéticas sobre a questão agrária, na qual já se notava a intenção de implementar prematuramente um programa político socialista nas zonas soviéticas(15) então existentes.