Carta do primeiro-ministro Zhou Enlai ao primeiro-ministro Nehru

Zhou Enlai

7 de novembro de 1959


Fonte para a tradução: Premier Chou En-Lai's Letter to Prime Minister Nehru, Zhou Enlai Internet Archive, seção inglesa do Marxists Internet Archive.
Tradução: Renan Yamasaki Veiga de Barros.
HTML: Lucas Schweppenstette.


Sua Excelência Sr. Jawaharlal Nehru
Primeiro-ministro da República da Índia
Nova Delhi

Prezado Senhor Primeiro-ministro

A carta de Vossa Excelência datada de 26 de setembro de 1959 foi recebida. É lamentável que inesperadamente outro confronto na fronteira, em 21 de outubro, tenha ocorrido nas áreas ao sul de Kongka Pass, território Chinês. A respeito desse confronto, os Governos da China e Índia têm trocado diversas cartas, incluso as notas de 4 de novembro do Governo Indiano ao Governo Chinês. Lamentavelmente, essa nota não apenas ignora em vários aspectos os eventos decorrentes da questão da fronteira e a verdade sobre o conflito, como adota uma atitude muito prejudicial para nossas relações. Obviamente, tomar tais atitudes de modo algum nos é útil para a resolução desta questão. Nas circunstâncias atuais, considero que o dever mais importante que temos pela frente é, antes de mais nada, adotar medidas eficazes com rapidez e sem hesitação para comedidamente melhorar as relações entre os dois países nas fronteiras, para a eliminação integral da possibilidade da escalada de qualquer conflito no futuro.

Dado que a fronteira Sino-indiana nunca foi delimitada, que é muito longa e muito distante dos centros políticos de ambos os países, receio que, se não encontrarmos uma solução totalmente adequada para os dois governos, os confrontos fronteiriços que ambos os lados rejeitam aderir poderá novamente ocorrer no futuro. E uma vez que tal escalada ocorra, mesmo que pequena, será aproveitada por pessoas hostis à amizade de nossos países para agirem em direção aos seus objetivos. Existe uma história de longa amizade, não havendo conflitos de interesses fundamentais entre os dois países que idealizaram os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica. Não possuímos motivos para justificar o aumento contínuo das tensões na fronteira entre nossos países.

A carta de Vossa Excelência de 26 de setembro resguarda muitos pontos de vista com os quais o Governo Chinês não pode concordar. Sobre eles, gostaria de expor minha opinião em outra ocasião. Sou grato, no entanto, por esta carta ter reiterado que o Governo Indiano atribui grande importância à manutenção das amistosas relações com a China, e concorda com a consistente opinião defendida pelo Governo Chinês de que as disputas fronteiriças

já existentes devam ser resolvidas de forma amigável e pacífica, e que, enquanto se aguarda por um acordo, o status quo deva ser mantido sem que nenhuma das partes busquem alterá-lo. A fim de manter de forma eficaz o status quo da fronteira entre os dois países, de garantir a tranquilidade das regiões fronteiriças e de criar uma atmosfera favorável à uma resolução da questão fronteiriça, o Governo Chinês propõe que as forças armadas da China e da Índia recuem cada uma 20 quilómetros da chamada Linha McMahon no Leste, e da linha até a qual cada lado exerce controle real no Oeste, comprometendo-se ambos a absterem-se de enviar novamente pessoal armado para a patrulha das zonas de evacuação das forças militares, mantendo porém, o pessoal administrativo civil e a polícia desarmada para o desempenho das funções da administração e manutenção da ordem. Esta proposição é, na verdade, uma extensão da proposta do Governo Indiano contida nas notas de 10 de setembro que diziam que nenhum dos lados deveria enviar seu pessoal armado para Lonhju, também para a fronteira entre a China e a Índia, e além disso, traziam a proposta de separação das tropas de ambos os lados a uma distância de 40 quilómetros. Em havendo a necessidade de se aumentar essa distância, o Governo Chinês também estará disposto a considera-la. Tanto antes como depois da delimitação formal da fronteira entre nossos países através de negociações, o Governo Chinês estará enfaticamente disposto a fazer tudo o que estiver em seu alcance para criar zonas fronteiriças pacíficas e mais seguras para os dois países, para que nós nos distanciemos dos conflitos na fronteira definitivamente. Se esta proposta do Governo Chinês foi aceita pelo Governo Indiano, medidas concretas para a implementação da proposta poderão ser discutidas e deliberadas pelos canais diplomáticos entre ambos os países.

O Governo Chinês nunca teve a intenção de prejudicar a situação na fronteira e nossas relações mantidas com a Índia. Acredito que Vossa Excelência também deseja se ver livre dessa atual tensão. Espero sinceramente que, em prol da grande e duradoura amizade dos mais de um bilhão de pessoas de nossos países, os governos da China e da Índia dediquem esforços conjuntos para se chegar em um rápido acordo sobre a proposta anteriormente referida.

O Governo Chinês propõe que, a fim de se discutir mais a fundo a questão das fronteiras e outras questões em nossas relações, os Primeiros-ministros dos dois países estabeleçam diálogo o mais breve possível.

Estimado Senhor Primeiro-ministro! O povo de nossos países deseja que atuemos prontamente. Penso que deveríamos satisfazer seu desejo, e não permitir àqueles que buscam o desgaste da amizade entre a China e a Índia atinjam seu obscuro objetivo. Fico prontamente no aguardo da resposta de Vossa Excelência.

Aproveito essa oportunidade para lhe expressar os meus cordiais cumprimentos.

(Assinado) ZHOU ENLAI
Primeiro-ministro do Conselho de Estado da
República Popular da China.


Inclusão: 02/12/2023