O Partido Comunista, os católicos e a Igreja

Álvaro Cunhal

1947


Primeira Edição: Texto publicado pelas Edições «Avante!» em 1947. Reeditado pela Editorial Avante em 2007, nas Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal tomo I, pp. 789-812.

Fonte: Pelo Socialismo - http://www.pelosocialismo.net/

Transcrição: Gabriel Landi Fazzio

HTML: Fernando Araújo.

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Muitas vezes o Partido Comunista Português tem definido a sua posição em relação ao problema religioso, aos católicos e à Igreja. O Partido Comunista tem afirmado e reafirmado os seus princípios de respeito pela liberdade de crença e de prática de culto e o propósito de fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para que tais princípios sejam uma realidade no Portugal democrático de amanhã. O Partido Comunista, ainda que tendo como base teórica o materialismo dialéctico, entende que as convicções religiosas, por si só, não são susceptíveis de afastar os homens na realização de um programa social e político e que, desta forma, comunistas e católicos podem e devem unir-se em defesa dos seus anseios comuns, em defesa dos interesses e aspirações dos deserdados e ofendidos, do povo e do país. O Partido Comunista tem assim proclamado a sua vontade de união com os católicos e, na prática da sua actividade, tem demonstrado a sinceridade das suas afirmações.

A esta nossa posição de concórdia, de entendimento, de unidade, que resposta têm dado os católicos? Aqui há que distinguir. Por um lado, os trabalhadores católicos, assim como muitos católicos progressistas, particularmente jovens, têm compreendido a necessidade desta união e têm engrossado a frente da luta pelo pão, pela liberdade, pelo progresso e pela independência. Por outro lado, a Igreja Católica, pela boca dos seus mais autorizados representantes, como o Cardeal Cerejeira, altos dignitários e imprensa, longe de uma posição de concórdia e tolerância, têm tomado uma posição política clara, pregando o ódio aos comunistas e outros democratas e aconselhando o apoio ao salazarismo. A Igreja intervém assim activamente na política, colocando-se ao lado da ditadura fascista contra as aspirações democráticas do povo português.

Altera isso a nossa posição em relação aos católicos? Não, não altera. Nós, comunistas, defensores do nosso povo e da nossa pátria, continuamos desejando sinceramente a unidade com os católicos progressistas na luta pela realização das nossas comuns aspirações. A insistência da política da Igreja obriga-nos, porém, uma vez mais, a vir esclarecer o nosso ponto de vista em relação à Igreja e à sua intervenção nos negócios públicos.

A alternativa que se coloca: democracia ou fascismo

Na presente situação nacional, qual é a alternativa que se coloca ante o povo português? Essa alternativa é: ou o fascismo ou a democracia. Ou a continuação da exploração sem freio das classes trabalhadoras, do esmagamento das classes médias pelos monopólios corporativos, do atraso do país, do obscurantismo, da censura, da ausência de liberdades, do ódio, das violências da PIDE e de todo o aparelho repressivo, do isolamento internacional, das concessões ruinosas ao imperialismo estrangeiro; ou uma viragem da política portuguesa no sentido do progresso e da democracia, a libertação do país da canga do corporativismo, a realização de eleições livres, o estabelecimento de uma política externa independente e de convívio internacional. Esta é a real alternativa que se coloca ante o povo português.

O fascismo salazarista não está, porém, interessado em que a questão seja assim posta. E porquê? Porque tal alternativa está alargando cada dia a frente democrática e reduzindo a frente fascista, está isolando o salazarismo e criando no campo antifascista uma ampla unidade de homens e mulheres de todas as convicções políticas e religiosas. É por isso que o fascismo procura fazer crer que a alternativa que se coloca perante Portugal (como perante o mundo) é uma outra, é a alternativa entre a «ordem e a desordem», entre o «Comunismo e o Anticomunismo».

Que pretende com isso o fascismo? Em primeiro lugar: alargar as suas bases de apoio, atraindo os elementos mais hesitantes e aqueles que temem a «revolução comunista». Em segundo lugar: quebrar a unidade democrática, isolando os comunistas, desorientando, criando discordâncias e divisões. Na «Instrução sobre o Comunismo», proferida ao microfone da Emissora Nacional em 22 de Fevereiro passado, o Cardeal Cerejeira proclamou:

«O DILEMA ESTÁ POSTO: OU O CRISTIANISMO OU O COMUNISMO.»

O jornal O Século de 4 de Março, aplaudindo, em editorial, o discurso do Cardeal, dizia que «os sucessores de Lénine» proclamam:« Moscovo ou Roma». A verdade é que não são os comunistas que proclamam «Moscovo ou Roma» (para nós, comunistas, não se trata de «Moscovo» ou «Roma» mas de Portugal), mas é a Igreja que o proclama. E, desta forma, não somos nós que erguemos o facho da luta contra a Igreja e a Religião, não somos nós que, como diz o Cardeal, «concentramos contra a Igreja todo o exército dos nossos militantes», mas é a Igreja que concentra o seu fogo contra os comunistas e os democratas em geral, que se afasta voluntariamente do campo da democracia e do progresso, que se coloca voluntariamente no campo do fascismo.

O Cardeal procura mostrar que «vão-se cada vez mais extremando os campos» e que o choque que se está dando é não entre as forças da reacção e as forças do progresso, não entre o fascismo e a democracia, não entre os patriotas e os que se submetem ao imperialismo anglo-norte-americano, não entre os que desejam a paz e os que querem a guerra — mas entre o comunismo e o anticomunismo. E assim se procura separar do campo democrático os católicos progressistas e levá-los à defesa do fascismo. E assim se procura chamar em defesa do fascismo todos os que não sejam comunistas.

O significado da luta anticomunista

A «luta contra o comunismo» não é recurso novo de que apenas agora o fascismo lance mão. Foi à base da luta «anticomunista» que Hitler escravizou a Alemanha e a Europa e lançou o mundo na mais sangrenta guerra da História. Foi à base da «luta anticomunista» que, em cada país, os Quislings, os Lavais (237), os Tissos justificaram a sua política de traição; e que o Japão invadiu a China; e que a Espanha foi agredida e ocupada; e que os movimentos fascistas se desenvolveram, e escravizaram, e traíram.

A «luta contra o comunismo» é retomada hoje pela reacção e pelo fascismo para justificar a sua política de expansão imperialista, de exploração, de terror, de opressão colonial, de intervenção militar, de resolução dos problemas internacionais e nacionais por actos de força. A «luta contra o comunismo» é, tanto na política internacional como dentro de cada país, a luta contra a democracia e a liberdade, a luta contra os direitos das classes trabalhadoras, a luta pela sobrevivência e revanche do fascismo.

A segunda guerra mundial foi conduzida na base da luta contra o fascismo e a sua expressão mais brutal: o fascismo alemão. Os povos deram o seu sangue para extirpar o fascismo do mundo. Contudo, mal acabada a guerra, a reacção procurou logo fazer esquecer a existência do fascismo, o fascismo sobrevivente vestiu-se de «democrata», e o fogo foi concentrado novamente no «perigo comunista». Não nos devemos espantar de que os comunistas venham a ser acusados de «fascistas» pelos próprios fascistas, que já têm a audácia de nos chamar «totalitários» e «sucessores do nazismo».

O Vaticano e a Igreja Católica de cada país, em vez de tomarem uma posição progressiva, alinhando com os povos amantes da liberdade e da independência, preferiram alinhar com as forças da reacção, do militarismo, da expansão imperialista.

Logo após a tomada de Berlim pelo Exército Vermelho, o Sumo Pontífice veio falar ao mundo. Não dos horrores dos regimes fascistas e aconselhando os povos a libertarem-se do fascismo, mas para fazer esquecer a existência do fascismo, a pretexto da «luta anticomunista», para declarar que o bolchevismo é «uma tirania não menos despótica do que o nazismo» (Discurso no Sacro Colégio em 36-1945).

O Cardeal Cerejeira também veio dizer:

«Batem à porta das nações cristãs hordas de bárbaros para as destruir. A Igreja convoca os cristãos para a defesa da Pátria, das famílias, das sociedades, dos indivíduos.» (Discurso na Sé de Lisboa em 27-10-1946.)

E esclarece:

«ONTEM O RACISMO... HOJE O COMUNISMO» (cit. «Instrução»).

Assim se procura fazer esquecer que o fascismo, o racismo, não é um fenómeno passado (de «ontem»), mas é ainda e infelizmente uma realidade presente. Assim se procura mostrar que as atrocidades fascistas foram uma realidade privativa da Alemanha nazi e que não existem em Espanha, em Portugal, na Grécia. Assim se procura fazer esquecer que o Vaticano e as Igrejas apoiaram o «racismo» enquanto acreditaram na vitória de Hitler.

«Não nos envergonhamos de dizer — afirma o jornal católico O Mensageiro Paroquial de Viseu (3-11-1946) — que FOMOS, SOMOS e SEREMOS SEMPRE GERMANÓFILOS.»

No dia 13 de Novembro de 1945, o Papa declarou a um jornalista francês: «nunca fomos informados do carácter inumano da repressão nazi; só depois da libertação tivemos conhecimento da situação real». Não é esta afirmação uma tentativa para diminuir as responsabilidades do silêncio do Vaticano perante as atrocidades nazis? Não estão o Vaticano e a Igreja Católica informados do «carácter inumano» da repressão salazarista, ou franquista, ou dos monárquicos gregos, tal como ontem estavam informados da repressão hitleriana?

Sim, a Igreja e o Vaticano estão disso informados. E, desta forma, virem proclamar que o «racismo», o fascismo é um fenómeno passado e que a tirania de hoje é o «comunismo», representa colocarem-se ao lado do fascismo, tentando acobertá-lo e defendê-lo à base da «luta anticomunista».

Só quem queira fechar os olhos às realidades pode ver, na presente situação portuguesa, a perspectiva duma «revolução comunista». O Partido Comunista luta, ao lado de todos os democratas portugueses, pela concessão das liberdades fundamentais ao povo português e pela realização de eleições livres. O Partido Comunista luta para que seja dada voz ao nosso povo para que ele escolha livremente o seu destino. Não é a «revolução comunista» que os fascistas temem e contrariam, mas sim a instauração duma ordem democrática. Simplesmente, à democracia chamam «comunismo», com a intenção de criarem fantasmas para assustar as almas ingénuas e justificar medidas de terror.

A Igreja está fazendo política

No seu discurso de 20 de Novembro de 1946, o Cardeal Cerejeira veio declarar que «a Igreja em Portugal não tem, nem quer ter, a menor influência política, se por isto se entender a intervenção nos negócios públicos e no regime do Estado».

E sublinhou que

«a Igreja não faz política», que «o clero não tem qualquer privilégio político nem exerce, como tal, nenhuma influência política».

Estamos de acordo que esta deveria ser a atitude da Igreja e do Clero. Mas não o é na realidade.

O mesmo discurso, como tantos outros, realizou precisamente o contrário. Isto é: representou uma intervenção nos negócios públicos, o exercício da influência religiosa na política nacional.

Que conselho dava o Cardeal aos católicos portugueses? Que atitude lhes aconselhou em relação ao Estado salazarista? O Cardeal aconselhou aceitação e defesa do regime, obediência ao salazarismo, cooperação com o salazarismo:

«Se não está enfeudada (a Igreja) a nenhum regime político — disse o Cardeal — cumpre lealmente os seus deveres para com o existente. Respeita e manda respeitar as autoridades públicas que têm, aos olhos dos cristãos, algo do poder de Deus (si); obedece e manda obedecer às leis; coopera com o poder público na ordem espiritual em vista do bem comum. A obediência às legítimas autoridades é obrigação dos católicos.»

Não é isto fazer política? Não é isto o exercício pelo Clero, como tal, da influência política?

Nós pensamos que à igreja compete cuidar da religião, e não cuidar da política: Não basta dizer que «a Igreja não faz política» quando a faz activamente, quando essa própria declaração tem o único objectivo de cobrir a política que se faz, de dar maior autoridade às indicações de concordância e obediência ao fascismo. E se a Igreja faz política, se põe a sua autoridade em matéria religiosa ao serviço de um regime político, como pode esperar com justiça não ser atingida nem criticada pelos adversários desse regime? Nós não combatemos a Igreja na sua acção puramente religiosa. Mas, tornando-se a Igreja uma força política, intervindo a cada passo na política, fazendo política fascista, que pessoa, que católico sincero, poderá negar aos democratas o direito (e o dever) de combaterem a política reaccionária da Igreja?

Diz o Cardeal que

«ainda que qualquer ministro da Igreja tenha podido tomar atitudes políticas, não o faz como ministro da Igreja, antes COMO CIDADÃO PARTICULAR» (cit. discurso de 20-11-1946).

Pois bem. Agrada-nos que a questão seja assim posta. Como «cidadãos particulares», como políticos, devem ser combatidos aqueles ministros da Igreja que tomam atitudes políticas ao lado do fascismo. Como «cidadãos particulares» devem ser combatidos aqueles que, nos púlpitos ou na imprensa católica, fazem política fascista. Como «cidadãos particulares» devem ser combatidos os membros do Alto Clero, incluindo Sua Eminência não pelo facto de serem sacerdotes, mas pelo facto de SEREM FASCISTAS.

Infelizmente, a Igreja, que, para justificar a sua actuação política e dos seus ministros, afirma ser essa actuação desenvolvida por cada um como «cidadão particular», diz-se atingida, insultada, perseguida, quando, como «cidadãos particulares», os seus ministros são criticados ou atingidos em consequência da sua acção contra o povo e a pátria. Exemplo bem vivo é a atitude do Vaticano e das Igrejas Católicas em face das condenações dos sacerdotes que na Jugoslávia, como na Albânia, conspiraram e traíram como «cidadãos particulares» e como «cidadãos particulares» foram julgados e punidos.

Ao fazer política, é a Igreja que se coloca no terreno das lutas e das contingências, e não nós que a colocamos.

E que ela está fazendo política fascista ficará mais claro pelo que se segue.

A Igreja ao lado do salazarismo

Para iludir os anseios democráticos do povo português e a opinião democrática mundial, o salazarismo faz os maiores esforços para demonstrar não ser um regime fascista. Quando acalentava esperanças do triunfo internacional do fascismo, da vitória de Hitler na guerra, Salazar, ao mesmo tempo que ajudava Hitler, orgulhava-se da semelhança da «nossa ditadura» com a «ditadura fascista» «na guerra declarada a certos princípios da democracia»; orgulhava-se por a «Ditadura portuguesa [...] não ser inferior, nos seus resultados e nas suas directrizes, à obra da ditadura italiana». (Entrevistas a António Ferro, em 1933.)

Vencida a Alemanha, derrotado o fascismo nos campos de batalha, Salazar procura, ao mesmo tempo que fazer esquecer a ajuda que prestou a Hitler, fazer-se passar por «democrata... orgânico». Nenhum apelido o incomoda mais do que «fascista» (que diz não ser) ou «totalitário» (de que acusa os democratas portugueses).

Tal como durante a guerra a Igreja não levantou a voz contra o auxílio salazarista a Hitler, agora a Igreja auxilia Salazar no seu disfarce «democrático». Falando da designação de «fascista» que uma revista estrangeira dava ao regime português, o Cardeal, no seu discurso de 20 de Novembro, dizia que

«as mais solenes definições políticas do regime português feitas pelos homens responsáveis repugnam a tal qualificação. E não deixa de ser suspeito o facto de que aqueles que de tal (de fascista — Ed.) mais acusam de fascista o regime português são os que hoje procuram destruir todas as liberdades».

Um jornal católico, O Mensageiro Paroquiai, traduz este pensamento sem qualquer pudor dizendo que, em Portugal,

«um governo verdadeiramente democrático preside aos destinos da nação» e que «a democracia corporativista (sic) é a que melhor se adapta ao carácter do povo português» (número de 8-10-1946).

Não é, porém, apenas neste aspecto da política salazarista que o Cardeal, a Igreja e a sua imprensa vêm em auxílio do regime salazarista.

Quando, em Outubro-Novembro de 1945, Salazar levou a cabo a sua «manobra política de grande estilo» que foi a farsa eleitoral, a oposição democrática colocou algumas condições para concorrer às urnas. Essas condições eram: a concessão das liberdades democráticas básicas, a permissão de partidos políticos, novo recenseamento e adiamento do acto eleitoral. Em princípios de Novembro, o salazarismo estava defrontando um amplo movimento nacional de massas, cuja força, unidade e firmeza política eram uma ameaça para a própria existência do fascismo. O salazarismo, apesar de que o recenseamento fora encerrado sete meses antes (numa altura em que a oposição não podia prever a realização de eleições), apesar de não dar amplas liberdades de propaganda eleitoral (proibição de reuniões, não autorização de novos jornais, prisões, ameaças, etc.), temia que os democratas concorressem às eleições e vencessem. E não temia menos a boicotagem do acto eleitoral pelos democratas e a consequente débil percentagem dos votantes. Era esta a situação em princípios de Novembro de 1945.

Foi nesta situação que o Cardeal Cerejeira (em 7 de Novembro) veio falar ao povo português (num «documento dirigido ao clero» e publicado em toda a imprensa diária), incitando os católicos a irem às eleições-burla e a votarem nos candidatos salazaristas.

Claro que o Cardeal, como sempre, envolve as suas afirmações em rodeios de linguagem a enjeitarem responsabilidades. Aqui, como sempre que intervém na vida política, reafirma que a Igreja «está acima e fora da política concreta dos regimes, sistemas, governos, partidos, programas, pessoas». Mas vai dizendo que «condena as doutrinas erróneas que se traduzem praticamente na tirania do poder e na escravização do espírito e da consciência» (isto não respeita ao fascismo mas à democracia); que «condena o totalitarismo cesarista (isto também não visa o salazarismo — Ed) comunista e demagógico, porque todo o totalitarismo político nega a missão e a liberdade da Igreja» (para o sr. Cardeal o salazarismo não é um regime totalitário); que

«aos que pretendem fazer do Estado incarnação do Anti-Cristo, a Igreja não pode deixar de dar combate».

E previne os católicos de que não devem abster-se das eleições, de que devem votar:

«A abstenção política dos católicos — disse o Cardeal — priva a sociedade dos tesouros de luz e de caridade que a consciência cristã possui. Todo o católico tem o dever de trabalhar por uma lei fundamental do Estado que não se oponha aos santos princípios morais e religiosos. este dever exercem-no os católicos através do voto», etc.

E, ao longo de todo o seu extenso discurso, indica em quem devem votar os católicos, alertando contra os perigos de uma mudança de situação política pois «corre-se o risco de perder o bem presente na procura precipitada do bem futuro».

«Ideias e aspirações justas em si, como as de liberdade, democracia, cultura, reforma social, redenção proletária, enlouqueceram desde que perderam a seiva cristã.»

Que representam estas palavras senão aconselhar os católicos a votarem contra os que falam em liberdades, em democracia, em reforma social, em «redenção proletária», isto é, contra os democratas portugueses? Tão bem foram compreendidas estas instruções pelo clero reaccionário que a pequena imprensa católica (e há dezenas de pequenos jornais católicos pelo país) se lançou abertamente na luta eleitoral, contra a boicotagem aconselhada pelo MUD e pela votação nos candidatos salazaristas. a voz do pároco da freguesia de N. Sr.a da Encarnação, por exemplo, num artigo intitulado «As eleições de domingo», dizia:

«Os católicos devem votar por aqueles que defendem os interesses da religião e da Pátria. não se pode votar PELOS COMUNISTAS OU COMUNIZANTES, ANARQUISTAS, SOCIALISTAS, BOLCHEVISTAS, LADRÕES, ASSASSINOS, etc. É PECADO MORTAL DAR O VOTO A CANDIDATOS INDIGNOS E ATÉ PODE PECAR GRAVEMENTE QUEM NÃO FOR VOTAR. (N.° 473.)

Não é isto abusar dos sentimentos religiosos dos católicos?

Não foi contudo a farsa eleitoral de 1945 a única situação difícil em que a Igreja veio dar um substancial apoio a Salazar, ainda que, quando da farsa eleitoral, esse apoio não tenha conseguido que votassem mais de 20 por cento dos eleitores inscritos. Agora, por exemplo, a fim de facilitar a nova manobra salazarista que está no choco, o Cardeal, de harmonia com a ofensiva conjugada da reacção mundial, veio pregar a constituição de uma ampla frente «anticomunista» e ordenar aos católicos progressistas a sua separação dos outros «democratas» («Instrução» de 22 de Fevereiro). Uma semana depois, em 4 de Março, Salazar fez um discurso em que insistiu na ideia da conversão da «União Nacional» numa grande «frente patriótica». E passada mais uma semana, no dia 12 de Março (no mesmo dia em que Truman anunciou a sua nova política «anticomunista»), um banquete na Nunciatura em homenagem a Carmona era noticiado com grande destaque nos jornais, com grandes fotografias de Carmona no meio de Salazar e Cerejeira.

Tudo isto mostra que os chefes responsáveis da igreja estão agindo de braço dado com o SALAZARISMO, APOIANDO SUAS MANOBRAS E SUAS DEMAGOGIAS.

A todo o passo esse apoio se faz sentir.

No Brasil desenvolveu-se um grande movimento anti-salazarista? Pois bem: o Cardeal vai aí numa missão que transcende em muito motivos religiosos e, de volta (30-9-1946), logo no momento do desembarque, declarou ao microfone da Emissora Nacional:

«Não faltaram lá bocas de brasileiros ilustres a fazerem o elogio do Portugal renovado.»

Salazar procurou entrar na ONU, comprando o auxílio anglo-norte-americano com toda a espécie de serviços e auxílios à política dos Estados Unidos e da Inglaterra? Vimos nós no dia 26 de Julho de 1946 chegar a Lisboa uma missão da UNRRA para tratar do «problema da fome» no mundo? E a 3 de Agosto o Conselho de Ministros aprovar a contribuição para essa campanha demagógica anglo-americana de 25 000 contos de «mercadorias disponíveis (s/i;) no mercado nacional»? E a 5 de Agosto ser noticiado o pedido salazarista de admissão na ONU? Também na preparação desta manobra a Igreja deu o seu auxílio. A 3 de Abril, Salazar, num apelo aos portugueses, referindo-se a um pedido da Inglaterra para a participação de Portugal numa campanha mundial contra a fome, dizia

«Importa produzir ao máximo géneros alimentícios e não consumir deles senão o estritamente necessário.»

Em 1 de Maio do mesmo ano podíamos ouvir o Cardeal referir

«o apelo que os chefes das nações mais interessadas na ordem e no bem-estar do mundo têm feito em favor das multidões imensas que o novo flagelo da fome ameaça sacrificar. Nós temos que ir em seu auxílio. Já a voz dos que têm responsabilidades de governo disseram aos portugueses a maneira mais eficaz de cooperar nesta cruzada mundial. Resume-se em dois verbos: poupar e produzir.»

A imprensa católica, já sem as responsabilidades dos altos dignitários, põe em palavras claras o que o Cardeal diz em formas complicadas. Não falamos já nos diários a voz e novidades, cuja acção fascista é bem conhecida. Falamos agora apenas da pequena e numerosa imprensa católica. Seguindo as instruções do alto clero reaccionário, ela torna-se cúmplice da política de opressão, ruína e subserviência internacional do governo de Salazar.

Assim, por exemplo, a folha de domingo, de Faro, num artigo sobre o 28 de Maio, «data histórica», diz:

«Em Carmona e Salazar consubstanciam-se as virtudes do heroísmo e da confiança, do valor militar e da certeza nas energias da raça. 20 anos são pouco para erguer dos escombros do passado a nova cidade. Por isso a revolução tem de continuar»... (N.° de 2-6-1946.)

Mais recentemente (16-2-1947), insiste o mesmo jornal:

«O Sr. Presidente do Conselho continua firme no seu posto de comando, indiferente aos cansaços, à saúde que tem sacrificado, na crescente devoção que a sua vasta obra política testemunha e que o povo conscientemente reconhece.»

O amigo da verdade(sic), de Rochoso, Guarda:

«Afinal, tanto o presidente Truman como os dirigentes franceses estão copiando aquilo que Salazar fez entre nós.» (19-1-47.)

o mensageiro paroquial, de Viseu, fala na

«homenagem àqueles que reintegraram o país no rumo tradicional e fomentaram o seu desenvolvimento e o livraram dos horrores da guerra» (16-6-1946). «O que falta a esses povos? Um chefe como Salazar. Um dia, quando se cansarem da sua falta de juízo, hão-de vir pedir a Salazar uma esmolinha de bom senso» (4-8-1946).

O mensageiro, de Leiria:

«O sublime pioneiro do ressurgimento foi Salazar... Homem que votou integralmente a sua vida nas aras do amor da pátria. Todos sentimos no peito o desejo de gritar: obrigado Salazar» (16-2-1946). «Só a mais refinada malevolência poderá negar a obra profundamente renovadora do Estado Novo.» (27-4-1946)... «a posição invejável que desfruta na comunidade internacional» (6-6-1946). «O governo de Salazar tem realizado a sua acção de fomento com larga visão e atendendo sempre ao maior e melhor rendimento e aproveitamento de todos os valores reais.» (7-9-1946.) «À organização corporativa não cabem responsabilidades no mercado negro.» (149-1946.) «Confiemos nos homens que governam.» (4-1-1947.) Sobre o orçamento: «Aos cidadãos ficará a certeza de que o contributo prestado à nação, longe de ser gasto em obras de luxo ou de segunda ordem, reverte, na totalidade, em prol do bem-estar geral.» (11-1-1947.)

A VOZ DE FÁTIMA:

«Os homens que nos governaram durante os longos anos de guerra... cumpriram honradamente os compromissos tomados pela nação... e com tal arte o fizeram que salvaram tudo, mesmo a honra.» (13-6-1945.)

o apóstolo da juventude, de Braga:

«Devemos essa paz e a paz interna à vigilância aturada do homem que redimiu a pátria.» (27-1-1946.) «Num mundo que ansiosamente procura os caminhos do futuro, Portugal apresenta-se senhor de uma doutrina atestada por méritos de 20 anos.» (14-7-1946.) «Vinte anos de progresso e de paz...» (24-11-1946.)

Mas toda esta cega e servil propaganda dos jornais católicos em favor do fascismo salazarista é ainda pouco. Nos seus elogios, os jornais católicos chegam a atingir o ridículo. o amigo da verdade diz por exemplo:

«Depois que Salazar subiu ao poder, portugalizar um país é manter esse país em paz, com boas finanças e boa orientação. E se nós portugalizássemos o mundo?» (3-2-1946.)

E O mensageiro não lhe fica atrás:

«A voz da Igreja, pela boca do Papa, repetidas vezes tem afirmado o mesmo pensamento de Salazar, quanto ao problema da paz.» (5-1-1946.)

A defesa constante do regime salazarista e da sua política, o endeusamento de Salazar, é o que encontramos em toda a imprensa católica. Não só nos jornais citados. O mesmo encontramos em muitos outros jornais, como a voz da verdade, órgão do Seminário dos Olivais, O distrito deportalegre, semanário da Acção Católica, o amigo do povo, órgão da diocese de Coimbra, a crença, boletim paroquial de Vila Franca do Campo, a defesa, de Évora, O dever, da Ilha do Pico, etc.

Muitos exemplos que podíamos multiplicar mostram a ligação dos altos dignitários da Igreja com os chefes salazaristas, mostram que a igreja, o clero, a imprensa católica, «fazem política», política ao lado do fascismo salazarista. O cardeal bem pode dizer que aos sacerdotes a Igreja recomenda que se abstenham de qualquer actuação política «para se consagrarem com mais pureza, dedicação e independência à missão espiritual que lhes é própria». Os factos mostram que esta não é a realidade. Mas que, ao contrário, a Igreja lhes recomenda uma actuação política ao lado do salazarismo.

Essa actuação política vemo-la nós ainda nos sermões políticos feitos em todas as igrejas do país; na pregação do ódio aos comunistas e outros democratas; em denúncias de democratas feitas à PIDE por padres fascistas; nas reuniões feitas por padres franciscanos que percorreram as Beiras, em que se diz ir haver «nova guerra salvadora» — entre o Vaticano e Moscovo — e ser necessário apoiar Salazar, que será um defensor do Vaticano (sic). Será isto «consagrarem-se com pureza, dedicação e independência à missão espiritual que lhes é própria»?

Este caminho de política fascista aberta por que enveredou a Igreja não é o que mais convém ao povo português, não se harmoniza com os interesses e a independência do país e não é também o que mais convém aos católicos e à própria Igreja.

Quem compromete a Religião e a Igreja?

Nós, comunistas, tornamos bem clara a nossa posição em face da religião. Para nós, no que respeita ao Estado, a religião deve ser olhada como uma questão privada. Nós permanecemos fiéis ao ensinamentos de Lénine:

«Cada um — disse Lénine — deve ser absolutamente livre de professar a religião que quiser e de não professar nenhuma religião.» (Artigo de 1905 no Nóvaia Jizn. (238))

Plena liberdade de consciência, plena liberdade de crença e prática de culto — este é o objectivo por que lutamos e queremos que seja uma realidade no Portugal democrático de amanhã. Nós somos intransigentes adversários da «guerra contra a religião», das palavras e práticas que firam os sentimentos religiosos dos crentes. Nós somos contrários a qualquer repressão em matéria religiosa, a quaisquer perseguições por motivos religiosos. Além disso, ser contrário à liberdade de consciência que nós defendemos seria a melhor forma de fortalecer os preconceitos e o fanatismo que consideramos os factores prejudiciais à libertação das classes trabalhadoras e ao progresso em geral.

Na União Soviética, onde os nossos ideais estão sendo realizados, há completa liberdade religiosa. Desmentindo as calúnias fascistas, jornais e emissoras (não os portugueses) anunciaram, por exemplo, que Domingo de Páscoa, o ministro dos Estrangeiros francês, Bidault, e outros diplomatas católicos que participavam na Conferência de Moscovo assistiram à habitual missa na capital soviética.

A orientação quanto ao problema religioso é consagrada na Constituição Política da URSS (e a realidade corresponde à letra da lei):

«A fim de assegurar aos cidadãos a liberdade de consciência — diz o art. 124 — a Igreja, na URSS, está separada do Estado e a escola da Igreja. A liberdade de praticar os cultos religiosos e a liberdade de propaganda anti-religiosa são reconhecidos a todos os cidadãos.»

E na Constituição da República Federativa Popular da Jugoslávia, tão combatida e caluniada, diz-se expressamente que é contrário à Constituição e punível qualquer acto pelo qual seja feita uma limitação de direitos em virtude duma diferença de religião, assim como todo o incitamento ao ódio e discórdias de religião (art. 21). E o art. 25 sublinha:

«A liberdade de consciência e a liberdade religiosa são garantidas aos cidadãos.»

E estabelece-se que as comunidades religiosas (que podem ser ajudadas materialmente pelo Estado) são livres de exercer as suas funções religiosas; que as escolas religiosas destinadas à formação dos padres são autorizadas, ainda que ficando sob o controlo geral do Estado; que qualquer abuso da Igreja para fins políticos é proibido.

Não é isto dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César?

Enquanto a Igreja se mantiver no domínio da actividade religiosa, enquanto os sacerdotes se não servirem da sua actividade em matéria religiosa para fins políticos, nós defendemos que nenhuma limitação deve ser feita à sua actividade. Só na medida em que a Igreja intervém nos negócios públicos, faz política, se coloca abertamente contra a renovação democrática em Portugal, apoia abertamente o fascismo salazarista — só nessa medida ela poderá sofrer as contingências da sua acção.

Mas então é lícito perguntar: Quem compromete a religião e a Igreja? Quem conduz a religião ao terreno da luta política, ligando-a a uma facção anti-democrática? A quem cabe assim a responsabilidade do divórcio entre a Igreja e as forças democráticas? Quem levanta a incompatibilidade entre a Igreja e o Estado democrático, opondo-se activamente ao seu advento e fazendo-lhe já hoje guerra aberta?

Quem quer que seja justo nas suas apreciações e juízos não poderá deixar de concluir que não somos nós, comunistas (não são os democratas portugueses), que estamos a comprometer a situação da Igreja, das organizações católicas, da imprensa católica, no Portugal democrático de amanhã. São os altos dignitários da Igreja, são os sacerdotes fascistas, são aqueles que abusam da hierarquia eclesiástica e da influência religiosa para apoiarem o Estado salazarista — são esses que estão a comprometer a Igreja, as organizações católicas, a imprensa católica, e a justificar críticas e ataques que venham a ser feitos e medidas que venham a ser tomadas não contra a sua acção religiosa, mas contra a sua acção política.

Os católicos honrados não poderão deixar de reconhecer a justiça destas afirmações.

Quem recebe ordens do estrangeiro?

Uma das acusações que a todo o momento é lançada contra o Partido Comunista é receber «ordens do estrangeiro», «obedecer a Moscovo».

Quando da greve dos operários das Construções e Reparações Navais de Lisboa (Abril de 1947), os jornais tiveram o desplante de dizer que o governo os informara (sic) «de que há semanas fora prevenido de que Moscovo (!!!) tentava realizar uma das suas sinistras ofensivas periódicas». (O Século de 9-4-1947). E também recentemente o nazi Marcelo Caetano, no seu discurso de 18 de Março, dizia serem os comunistas portugueses, «de obediência moscovita». Acompanhando naturalmente os salazaristas, também o Cardeal Cerejeira proclamou que os comunistas «obedecem cegamente à Rússia Soviética».

Esta estafada consigna é empregue pelo fascismo com vistas a desacreditar o Partido Comunista e a erguer dúvidas sobre a sua política nacional, ao mesmo tempo que a justificar as perseguições e violências contra os comunistas. Não temos por que nos defender de tais calúnias. Toda a actuação do Partido Comunista, a sua orientação política, a sua luta esforçada através de muitos anos em defesa do povo português e dos verdadeiros interesses da pátria, os seus mártires e heróis, aí estão para mostrar o seu carácter, a sua natureza nacional.

Interessa, porém, aqui considerar um outro aspecto da questão: em que medida existe independência e carácter «nacional» dos nossos acusadores, em que medida eles obedecem só aos ditames das suas inteligências e aos interesses da nação ou em que medida seguem ordens vindas do exterior.

Na sua última viagem ao Brasil, estranhamente associada à acção conspirativa do Vaticano no Brasil e à preparação febril do golpe antidemocrático, o Cardeal Cerejeira disse em S. Paulo (5 de Outubro de 1946):

«Para saber o que diria Cristo, para fazer o que Cristo mandaria, basta pois ajoelhar aos pés de Pio XII, ouvir humildemente e atentamente o que ele diz e ordena.»

E repetiu as palavras do Papa:

«Nunca a gente se engana quando se abandona à vontade da Providência, sobretudo quando esta nos fala por via hierárquica. Nas inspirações particulares pode haver ilusão; na obediência ao representante de Cristo, nunca.»

Não temos aqui em vista discutir a obediência que, em matéria religiosa, no que respeita ao «espírito e aos costumes», os católicos devem aos seus superiores hierárquicos e ao chefe da Igreja de Roma. Queremos apenas sublinhar que Pio XII não é apenas o representante de Cristo na terra e um chefe espiritual! Ele é ao mesmo tempo o chefe dum Estado estrangeiro — o Vaticano — que como tal é considerado nas relações com os outros Estados, onde tem os seus representantes diplomáticos (os Núncios). O Vaticano tem gigantescos interesses financeiros e económicos em bancos estrangeiros. Como Estado, o Vaticano tem a sua política própria. Obedecer a esta política não pode ser considerado, em relação à Igreja de cada país, como «obediência hierárquica» em matéria religiosa, mas sim como OBEDIÊNCIA POLÍTICA A UMA POTÊNCIA ESTRANGEIRA.

Quando da reunião do Consistório, em que os cardeais de todo o mundo foram receber instruções a Roma para a sua acção política, o Papa declarou, na cerimónia da entrega dos chapéus cardinalícios aos novos cardeais, que «a unidade e a direcção da Igreja é supranacional» (20-1-1946). Esta ideia do carácter supranacional da Igreja é de há muito defendida e martelada. E assim se justifica que, dentro de cada país e em relação aos problemas nacionais e especialmente aos políticos, a Igreja não actue com independência mas obedeça ao Vaticano.

Nas campanhas internacionais do Vaticano contra a Polónia, a Jugoslávia, a voluntária incorporação dos Estados bálticos na URSS, nós vemos a Igreja Portuguesa seguir as directrizes do Vaticano, reproduzindo ideias, palavras, argumentos, calúnias. O mesmo podemos ver nas campanhas para salvar os nazis do justo castigo e para fazer sobreviver os regimes fascistas ainda existentes. A Igreja Portuguesa, por erro dos seus dirigentes, não se limita a uma acção religiosa e, o que é mais grave, na sua acção política não olha aos interesses do povo e da nação, mas aos desígnios, aos propósitos e aos planos «supranacionais» do Vaticano.

O apoio que a Igreja dá a Salazar não deriva apenas de circunstâncias internas, das concessões constantes que Salazar faz à Igreja: concessões no ensino (livros, programas, ensino religioso nas escolas primárias, secundárias e quartéis, reforma que se prepara); concessões nas colónias e na máquina do Estado; Concordata; subsídios financeiros; isenção de impostos sobre doações, sucessões e cisas; procissões nas ruas; representantes da Igreja em todas as manifestações públicas, etc. O apoio que a Igreja dá a Salazar deriva também de instruções vindas de Roma. Para os seus planos internacionais, o Vaticano conta com Portugal fascista como uma peça do seu jogo. O apoio da Igreja Portuguesa a Salazar é ditado também por este interesse do Vaticano.

O Vaticano ajuda Salazar

A política externa do Vaticano é caracterizada pela pregação e preparação activa da cruzada anti- soviética, pela luta contra todas as realizações democráticas, pela defesa do fascismo sobrevivente e preparação da sua revanche.

Ela aparece-nos nas campanhas contra as jovens democracias da Europa, e em especial contra a Polónia e a Jugoslávia, campanhas essas que o Cardeal Cerejeira secunda falando no «martírio da Polónia» (Carta Pastoral sobre o fim da guerra de 1-5-1945) e «na condenação sem garantia de defesa do arcebispo de Zagreb» (22-2-1947).

Ela aparece-nos na campanha contra a adesão livre dos Estados bálticos à URSS, campanha essa que o Cardeal secunda ao vir falar no «exemplo das nações bálticas que entristece e aflige a consciência cristã».

Ela aparece-nos nas tentativas para salvar do justo castigo os criminosos de guerra e as forças fascistas, tentativas que o Cardeal secunda ao dizer que «não estão inocentes de sangue todas as mãos que querem exercer justiça», ao insinuar que os horrores nazis foram erros que «são tidos por crimes» e «algumas vezes erros só porque não foram coroados de êxito» (1-5-1945) e absolvendo o nazismo porque «falta a certo totalitarismo democrático autoridade e critério para o condenar» (30-91946).

Ela aparece-nos no apoio ao regime de Franco de cujo novo conselho de Regência (num total de 4) fazem parte dois altos dignitários da Igreja, apoio esse que o Cardeal secunda ao insurgir-se contra as «acusações» dos «governos impostos do estrangeiro» à «Espanha católica» (22-2-1947) e que a imprensa católica aplaude ao dizer, por exemplo, que «é estúpido aceder aos comunistas de Paris para derrubar Franco» (O Mensageiro Paroquial, 31-3-1946), que «o regime de Franco foi implantado para pôr termo ao regime bolchevista» (Ibid., 7-7-1946), ou que «por aqueles 3 pecados mortais que o generalíssimo Franco cometeu — primeiro, guerra à maçonaria; segundo, derrota do marxismo; terceiro, respeito que o grande homem (sic) votou à Igreja católica — muito mais eu gosto dele.» (Apóstolo da Juventude, 1-9-1946.)

A política reaccionária do Vaticano aparece-nos na intervenção nas eleições francesas e italianas, nas vésperas das quais o Papa fez longo discurso (1-6-1946) falando largamente dessas eleições e mostrando os perigos de votar no «Estado materialista, sem religião e sem Deus». Ela aparece-nos nas proclamações do Papa contra as nacionalizações e as reformas agrárias.

Ela aparece-nos na acção conspiratória do Vaticano nos países da América Latina e particularmente no Brasil, onde conspira Plínio Salgado, a quem A Folha de Domingo, de Faro (28-41946) elogia «a elevação dos ideais, vibração dos sentimentos, a fulgurância do espírito e o calor da eloquência» — acção essa que é apoiada pelo Cardeal na sua recente viagem ao Brasil como verdadeiro representante do Papa.

Ela aparece-nos no apoio hoje dado ao imperialismo norte-americano, que o Vaticano incita a marchar contra a URSS, exortando a que «a juventude americana esteja sempre pronta para se lançar com todo o seu coração nas nobres aventuras e remover os obstáculos que existem e que são um desafio à sua coragem» e proclamando que «esta é a hora da América» (25-11-1946).

Ela aparece-nos na acção anti-soviética constante que, a coberto da defesa da paz, visa provocar uma nova guerra — a cruzada anti-soviética — grande esperança da reacção do mundo.

Ela aparece-nos, finalmente, no que mais directamente toca os nossos interesses e aspirações patrióticas: no auxílio que o Vaticano dá ao regime salazarista.

No dia 13 de Maio de 1946, o Papa enviou uma «mensagem aos Portugueses» por ocasião da grande peregrinação a Fátima. Tal mensagem não se limitou a matéria religiosa. Além de outras referências, Sua Santidade fala em que Portugal esteve fora da guerra porque «N.a S.a velou por nós e por vossos governantes». E depois de longas considerações significando a necessidade de os católicos não serem «neutros nem indecisos» «nesta hora decisiva da História», terminava:

«A todos vós... ao Ex.mo Presidente da República, ao ilustre chefe e aos membros do governo, damos, com todo O AMOR E CARINHO PATERNO, A BENÇÃO APOSTÓLICA.»

É tão claro o apoio ao salazarismo, tão nítida a indicação aos católicos portugueses para apoiarem o «Ilustre Chefe» que estas transcrições dispensam mais comentários.

Mas o Papa não se limitou a enviar as suas palavras revestidas da autoridade que lhe dá o seu papel na Igreja Católica Romana. Ele mandou um seu emissário, Masella. Num banquete efectuado em 15-5-1946, ao qual assistiram todo o governo e alto clero, o Presidente da República e Masella pronunciaram significativos discursos de amizade. O legado pontifício, entre outras coisas de interesse, manifestou que transmitiria ao Santo Padre a satisfação pelo «magnífico convívio em que vejo reunidos S.a Em.a o Cardeal Patriarca, o Sr. Presidente do Conselho, o Sr. Núncio Apostólico» e

«estou certo de que estas demonstrações de dedicação, acatamento e amor filial despertarão no Seu coração (do Santo Padre) as mais gratas ressonâncias».

Tais declarações não se fazem sem interesse. Não devemos esquecer que, a conferenciar com Masella, veio do Brasil o embaixador salazarista e intervencionista Teotónio Pereira, esse «diplomata de mérito, homem de acção e de vontade firme» que «tantos serviços prestou à causa da paz, que desenvolveu uma grande obra na guerra de Espanha e na guerra europeia» e de quem «muito há a esperar da sua obra no Brasil», como diz o jornal católico Apóstolo da Juventude (6-1-1946); ou, como insiste O Mensageiro Paroquial, «esse ilustre diplomata que tantos serviços prestou à causa da paz» (13-1-1946). Depois da conferência com Masella, o agente Teotónio Pereira voltou para o Brasil... via Estados Unidos (para onde agora foi nomeado embaixador), onde teve prolongadas conversas com o Cardeal Spellman, animador da cruzada «anticomunista» no hemisfério ocidental e que, quando em Março de 1946 passou por Lisboa, chamou a Salazar «este grande homem de Portugal».

Quem pode fechar os olhos a estas manobras da reacção internacional contra as liberdades, a segurança e a paz? Quem pode desligar destas manobras a ida do Cardeal Cerejeira ao Brasil e a ilegalização do Partido Comunista Brasileiro depois da campanha do Brasil-Portugal, do clero e dos agrupamentos fascistas brasileiros, e a constante acção conjugada da Emissora Nacional, e a ida de Plínio Salgado, depois de muitos anos de vida em Portugal, em relações estreitas com o alto clero e as esferas governamentais? Quem pode desligar destas manobras o facto de o «pretendente ao trono português», D. Duarte Nuno, ser casado com uma princesa brasileira e ter sido padrinho do seu filho Sua Santidade o Papa? Quem pode desligar de todas estas manobras as palavras do representante do Papa em Lisboa, o Núncio Apostólico, no seu discurso no banquete ao general Carmona (em 12-31946), a quem chamou o «verdadeiro símbolo das virtudes do povo português»:

«É-me agradável invocar a benção de Deus sobre este querido País que durante a guerra se tornou altamente benemérito da Humanidade, socorrendo como oásis da paz («trampolim bendito» lhe chamou Brasil- Portugal — Ed) quem sofria os horrores da luta («paraíso sonhado pelos que na Europa, etc.», dizia o Brasil-Portugal — Ed) e que hoje, como centro importantíssimo das comunicações mundiais, está todo empenhado em FACILITAR O CONTACTO E A CONGREGAÇÃO DOS POVOS.»

Esta pequena indiscrição do Núncio em Lisboa indica a verdadeira razão da ajuda do Vaticano a Salazar, os serviços que o governo de Salazar dá ao Vaticano pelas suas manobras e conspirações internacionais.

É assim que o Vaticano espera ganhar simpatia e amizade no coração do povo português? É obedecendo a uma tal política, agindo não em «obediência hierárquica» em matéria religiosa, mas em obediência política a uma potência estrangeira que a Igreja Católica Portuguesa espera mostrar o seu nacionalismo e fortalecer a sua posição num Portugal liberto de torturas e suseranos estrangeiros?

Não se torna agora claro que, no próprio Vaticano, a Igreja Portuguesa encontra estímulo para apoiar decididamente o fascismo salazarista, uma vez que, como disse o Cardeal em São Paulo, «para fazer o que Cristo mandaria basta ajoelhar aos pés de Pio XII, ouvir humildemente e atentamente o que ele diz e ordena»? Não é verdade que o apoio a Salazar se torna um dever de todos os católicos, dever que lhes é imposto pela Igreja em matéria não-religiosa, uma vez que «na obediência ao representante de Cristo nunca pode haver ilusão»?

Quem prega a concórdia e a tolerância?

Nós submetemos ao juízo crítico de todos os portugueses e muito especialmente dos católicos, estes factos, atitudes e afirmações. Por eles se vê que o Vaticano, os altos dignitários da Igreja Portuguesa, os sacerdotes reaccionários, a imprensa católica, longe de prosseguirem uma acção para a concórdia e para a fraternidade humanas, em vez de sentirem e aconselharem tolerância e amor, conduzem uma política activa de apoio ao fascismo, espalham a divisão e o ódio. E somos nós, comunistas, ofendidos, insultados, caluniados, sujeitos às mais terríveis perseguições, somos nós que erguemos o estandarte da tolerância, da concórdia, da unidade. Fazemo-lo porque estão em jogo não a sorte de um partido ou de um grupo, mas os interesses do nosso povo, da nossa pátria, da paz, dum melhor futuro para a humanidade. São esses interesses que defendemos e isto determina a nossa atitude. Só a unidade de todos os homens e mulheres honrados e progressivos pode pôr barreira à desenfreada exploração fascista e ao terror policial, à arbitrariedade e ao crime, às concessões que ameaçam a independência, à preparação de uma nova hecatombe universal. Não há divergências de convicções religiosas e filosóficas que possam, por si só, afastar os homens duma unidade estabelecida com tal objectivo.

De há muito, o Partido Comunista estendeu lealmente a mão aos católicos, afirmando o seu desejo de união para a luta pelo bem-estar, o Progresso e a Independência de Portugal. Os nossos apelos têm sido ouvidos. Milhares de trabalhadores católicos têm aceitado e apertado a mão que os comunistas lhes estendem lealmente e têm participado ao lado dos comunistas, dos trabalhadores de outras convicções políticas e religiosas, em milhares de lutas pelo melhoramento das condições de vida das classes trabalhadoras, contra a organização corporativa que asfixia a economia nacional, contra a repressão e o terror fascistas, pelas liberdades. Nas lutas dos operários, camponeses, pescadores, pequenos produtores, estudantes, intelectuais, nos organismos de unidade que são as Comissões das Empresas, das Praças de Jorna, do MUD, católicos e comunistas dão-se as mãos fraternalmente. E assim, contra os desejos e campanhas dos divisores da Nação, se forma e se forja a unidade nacional, se estabelece a concórdia e a tolerância, e a fraternidade na acção completa a fraternidade no sofrimento.

Porque se opõem a esta concórdia e unidade os altos dignitários da Igreja, os sacerdotes fascistas e a imprensa católica? Porque grita um jornal católico que «à política da mão estendida tem oposto a Igreja a maior firmeza, aconselhando a intransigência com o erro comunista»? Porque grita outro jornal que «católico liberal é uma forma como qualquer outra de ser protestante» (s/i:)? Porque afirma o Cardeal que tudo separa o comunista do cristão, que «há a separá-los toda a dimensão do homem» (s/ir), que «não há conciliação possível entre o cristianismo e o comunismo histórico», que «nos separa e opõe radicalmente a concepção da vida, a ideia do homem, o problema de Deus e da alma humana, o evangelho do amor»? Porque esta oposição à unidade dos católicos com os portugueses democratas e progressivos? Uma só explicação se pode encontrar para esta pregação de intolerância e de divisão: o desejo de que subsista o regime fascista com todo o seu cortejo de misérias e violências.

A pregação da tolerância só faz a Igreja Católica naqueles países onde uma efectiva separação entre o Estado e a Igreja lhe não permite regalias em prejuízo do povo e uma acção política dominante. Em tais países, a Igreja acusa os democratas de intolerantes e reivindica poderes que não tem. O Cardeal Cerejeira afirma que «não é lícito a cada um impor pela força o ideal político dos seus sonhos» (21-11-1946). Isto é remoque injusto aos democratas; a Salazar e à Igreja já isso é lícito. Quando a Igreja tem papel dominante na política de um país, tal como em Portugal, então toda a pregação da tolerância desaparece. Senhora da verdade eterna, a Igreja torna-se a intolerância personificada. Excomunga os seus adversários ideológicos, procura cortar-lhes a possibilidade de ganharem o pão, tenta, pelos discursos nos templos e pela imprensa, isolar e condenar a uma vida de miséria os que não aceitam a autoridade do clero. E até sobre os adversários que morrem a Igreja lança o ódio e o rancor, como no caso de uma banda de música duma aldeia portuguesa que foi excomungada por tocar no funeral de um ateu.

Em relação aos democratas de hoje, o clero reaccionário segue a máxima de São Tomás em relação aos heréticos:

«Não só se pode excomungá-los como matá-los.»

E em relação à sua política nos vários Estados, regula-se por outro princípio:

«Quando eu sou mais fraco, peço-vos liberdade porque esse é o vosso ideal: mas quando sou o mais forte, tiro-vos a liberdade porque este é o meu ideal»;

No interesse do povo e do país, como no da própria Igreja, os católicos honrados não podem deixar de desejar uma modificação desta política reaccionária.

Que às palavras comuns correspondam acções comuns

Por muito que o fascismo e os católicos que o apoiam o não queiram, os problemas que afligem a Nação e o mundo são tão graves e angustiantes que se não esquecem pela mera promessa duma melhor vida além-túmulo. E daí a necessidade, para os altos dignitários da Igreja, de virem dar resposta às preocupações e anseios da massa católica. Nessa resposta utilizam palavras e expressões que nós, comunistas, e todos os outros democratas colocamos para traduzir as aspirações do nosso povo. Mas os altos dignitários e a imprensa católica desvirtuam-lhes o sentido e nada mais temem do que o esforço dos católicos para dar realidade ao que eles próprios definem como aspirações.

Segundo o Cardeal Cerejeira (discurso de 21-11-1946), a Igreja «afirma e defende» o princípio da «defesa das legítimas liberdades». Se assim é, pergunta-se: Porque apoia o Cardeal o regime salazarista que nega a liberdade de associação política, de reunião e de imprensa? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas que reclamam e lutam para que tais liberdades sejam concedidas ao povo português?

Segundo o Cardeal, a Igreja «afirma e defende» «a protecção aos fracos e humildes». Se assim é, pergunta-se: Porque apoia o Cardeal o regime salazarista que consagra a mais brutal exploração dos trabalhadores e lança sobre eles a força das armas, as prisões em massa, as deportações para o Tarrafal, quando reclamam melhores condições de vida? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas que reclamam e lutam pelo melhoramento das condições de vida dos «fracos e humildes»?

Segundo o Cardeal, a Igreja «afirma e defende» o sentido da moralidade e dos direitos». Se assim é, pergunta-se: Porque apoia o Cardeal o regime salazarista em que são protegidos e animados a corrupção na administração pública, a prostituição, os escândalos e irregularidades, a arbitrariedade, o abuso do poder? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas para pôr termo a tal estado de coisas?

Segundo o Cardeal, a Igreja «afirma e defende» «a consagração da pessoa humana». Se assim é, pergunta-se: Porque apoia o Cardeal o regime salazarista que condena o povo português à mais espantosa miséria e ao analfabetismo, nega as possibilidades de triunfo profissional a todos os seus adversários políticos, protege os homens não em função do seu valor, mas da sua fidelidade política e subserviência? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas para que os direitos da pessoa humana sejam firmemente consagrados na nossa infeliz pátria?

Segundo o Cardeal («Instrução sobre o Comunismo», 22-2-1947), é «postulado fundamental da paz e concórdia social numa sociedade cristãmente organizada um salário que assegure a existência da FAMÍLIA E SEJA TAL QUE TORNE POSSÍVEL AOS PAIS O CUMPRIMENTO DO SEU DEVER natural de criar uma prole sãmente alimentada e vestida». Se assim é, pergunta-se: Porque apoia o Cardeal o regime salazarista que segue uma política de salários de miséria, que condena os filhos dos trabalhadores à fome e aos farrapos e responde com a violência das armas aos pedidos dos trabalhadores para aumento dos salários? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os seus irmãos de trabalho e sofrimento na luta pelo aumento de salários das classes trabalhadoras?

Segundo o Cardeal, é também «postulado da paz e concórdia social» «uma habitação digna de pessoas humanas». Se assim é, pergunta-se: Porque apoia o Cardeal o regime salazarista que, após 21 anos de governação, condena o povo português às barracas de madeira, aos bairros da lata, às «ilhas», aos casebres escuros e miseráveis onde reina a promiscuidade, às rendas elevadíssimas, à falta de habitação? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas para pôr termo a esta situação?

Segundo o Cardeal, outro «postulado» é a possibilidade de dar aos filhos «uma instrução suficiente e uma educação apropriada». Porque apoia então o Cardeal o regime salazarista em que a maioria esmagadora das crianças não frequenta as escolas para começar desde cedo os mais violentos trabalhos na indústria, nos campos, nas ruas? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas para conquistar para a infância portuguesa uma vida feliz?

Segundo o Cardeal, é último «postulado» «providenciar para os tempos de aperto, enfermidade e velhice». Pergunta-se: Que protecção têm no Portugal salazarista os desempregados, os camponeses e pescadores nas invernias prolongadas, os doentes e os velhos? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas para alcançar seguros sociais e uma previdência apropriada, assegurar melhores dias aos velhos e impossibilitados?

Segundo o Cardeal, «para o cristão a palavra democracia implica a limitação do Estado, a igualdade perante a lei, o pluralismo social, a garantia dos direitos da pessoa humana, o respeito da liberdade individual, a aceitação dos valores morais, o poder ao serviço do bem comum, a participação de todos na gestão pública». Pergunta-se então: Porque apoia o Cardeal o regime salazarista e diz ser Portugal um «país ainda chamado cristão», quando o Estado exerce arbitrária e limitadamente o seu poder, quando a lei é aplicada de forma diferente aos cidadãos, quando a liberdade individual é escarnecida pelo governo e pela sua polícia política, quando só os fascistas podem participar na política e na administração? Porque não hão-de os católicos unir-se a todos os democratas para conquistar para Portugal uma democracia onde tais princípios estejam não só no papel e nas palavras enganosas dos dirigentes mas na realidade e nos factos?

Entre as palavras que nós, comunistas, e todos os democratas empregamos e aquelas que os católicos responsáveis empregam há muitas palavras comuns. Essas palavras comuns existem porque as aspirações fundamentais do povo português, a sua sede de justiça e de liberdade, a sua necessidade duma vida desafogada, de instrução e cultura, são comuns a todos os trabalhadores, às classes médias, a todos os portugueses honrados, quaisquer que sejam as suas convicções políticas ou crenças religiosas. As palavras comuns traduzem aspirações comuns. Simplesmente, nós empregamos tais palavras e lutamos para que a realidade nacional venha a corresponder a elas. E há quem as empregue para iludir, para dividir e para desviar o povo do caminho da luta. Como explicar, por exemplo, que, afirmando-se luta pela justiça, pelo amor, pela igualdade perante a lei, pela consagração da pessoa humana, pela liberdade individual, não se diga uma palavra contra os atropelos, as violências e os crimes do salazarismo? Como explicar que, proclamando-se o perdão e o amor e reclamando-se tolerância para os crimes de guerra nazis, se não diga uma palavra em favor dos trabalhadores portugueses espancados, massacrados e deportados, se não erga a voz contra as prisões sem julgamento e a existência do campo sinistro do Tarrafal, onde morreram, vítimas dos maus tratos, 30 democratas, entre os quais o grande português que foi Bento Gonçalves? Como explicar que se não erga a voz contra as violências e crimes da PIDE, contra os assassinatos a tiro dos grandes democratas que foram Alfredo Diniz e Dr. Ferreira Soares, contra os assassínios com torturas nos calabouços da polícia política de dezenas de democratas, entre os quais Vieira Tomé, Ferreira Marquês, Germano Vidigal, Augusto Martins?

Na luta se vê quem é sincero e quem se sacrifica para atingir os objectivos comuns. se temos aspirações comuns, devemos agir em comum para a sua realização. É para isso que continuamos estendendo lealmente a mão aos católicos portugueses.

Católicos, unamo-nos!

Os dirigentes católicos reaccionários insistem constantemente no que separa os católicos dos comunistas e outros democratas portugueses, procurando mostrar que a barreira é tal que torna impossível qualquer entendimento ou acção comum.

A verdade é que, tal como tem sublinhado o Partido Comunista, «aquilo que nos separa nada é comparado com o que nos une» (239). Todos os portugueses e portuguesas honrados, sejam comunistas, católicos, republicanos, socialistas, monárquicos ou sem partido, estamos interessados em que Portugal seja liberto do fascismo e encaminhado para a democracia. Todos estamos interessados em que às classes trabalhadoras e classes laboriosas em geral seja assegurada uma melhor vida. Todos estamos interessados em que o país seja liberto dos monopólios corporativos que asfixiam a economia nacional e arruínam os pequenos e médios produtores. Todos estamos interessados em que terminem as perseguições, os crimes da PIDE, as ilegalidades, o Tarrafal, e que no país sejam instauradas as liberdades e realizadas eleições livres. Todos estamos interessados em que os povos coloniais se não afastem de Portugal, em consequência de uma política de exploração e opressão coloniais. Todos estamos interessados em que Portugal não seja pasto do imperialismo estrangeiro, nem instrumento dos fomentadores da guerra, mas que, pelo contrário, desenvolva todos os seus recursos através de uma política pacífica e de relações amigáveis com todas as nações do mundo. Todos estamos interessados em que o governo se não sirva da religião para seus fins de exploração e terror, em que a Igreja cesse a sua política reaccionária e fascista. Todos estamos interessados na oposição a essa política enquanto ela subsistir.

Esta comunidade de interesses e aspirações explica porque milhares de trabalhadores e homens, mulheres e jovens progressistas católicos de todas as profissões, se estejam unindo a todos os democratas portugueses na luta por uma melhor vida e um melhor futuro.

Nós desejamos que essa unidade se alargue e fortaleça. Desejamos que os católicos honrados participem não só nas lutas das classes trabalhadoras como nas comissões de unidade que, nas empresas, nos escritórios, nos campos, em todos os locais de trabalho, são os legítimos defensores dos interesses dos trabalhadores. Desejamos que os católicos participem não só na luta para colocar à frente dos Sindicatos Nacionais gente séria que defenda os interesses dos associados como nas comissões sindicais que, legalmente, fazem interessar os trabalhadores na acção dos SN, e nas listas de unidade a propor nas próximas eleições. Desejamos que os católicos participem nos organismos de defesa dos interesses de todas as camadas laboriosas, dos professores, intelectuais e artistas portugueses. Desejamos que os católicos progressistas participem não só nas lutas contra a ordem fascista e por uma ordem democrática como nas comissões do mud, que são os organismos legais que lutam pelas liberdades e por eleições livres. Desejamos que os jovens católicos participem não só nos movimentos da juventude portuguesa por uma vida de mais saúde, mais cultura e mais liberdade como nas comissões do mud juvenil, que é a organização de todos os jovens progressistas de Portugal, quaisquer que sejam as suas convicções políticas ou religiosas. Desejamos que os católicos participem não só nos protestos contra as violências e os crimes da ditadura fascista e da polícia política e no auxílio às suas vítimas, como nas comissões de assistência. Desejamos que os católicos progressistas mais activos e decididos participem não só nas acções dirigidas pelo Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista como nos organismos do movimento de unidade nacional, incluindo os de maior responsabilidade. Desejamos que os católicos participem, ombro com ombro, com todos os portugueses honrados e progressistas nas acções, nos movimentos, nas lutas, para a realização das nossas aspirações comuns.

Mais ainda. Nós desejamos que aqueles católicos que se identificam connosco nas soluções para os grandes problemas nacionais e nos ideais de justiça social, que connosco desejam a edificação de uma sociedade comunista, que se dispõem a aceitar a linha política e a disciplina do Partido e se dispõem a trabalhar numa organização do Partido, e que só não se identificam connosco porque mantêm as suas crenças religiosas — desejamos que tais católicos, sacerdotes ou não, venham ao nosso partido, onde não há qualquer reserva para com eles.

Ao desmascararmos o papel reaccionário e antinacional do alto clero fascista, não só defendemos os interesses do povo e do país como mostramos o nosso respeito pelas crenças e pela religião, que esse alto clero (seguido por muitos outros dirigentes católicos — sacerdotes ou não) está comprometendo e desviando dos seus fins.

A nossa política é uma política de Unidade e de Concórdia. Os nossos propósitos são os de todos os portugueses e portuguesas honrados. nada nos move contra o catolicismo, como contra qualquer OUTRA RELIGIÃO.

O nosso profundo desejo e objectivo é que, no Portugal Democrático de amanhã, exista, como hoje não existe, uma completa liberdade para cada qual professar a religião e o ideal que entender. O nosso desejo é que a Igreja e o Clero, por se dedicarem apenas aos assuntos religiosos, não vejam limitada a sua acção. O nosso desejo é que, na obra de reconstrução democrática de Portugal, não haja convicções religiosas nem ideias filosóficas que afastem os homens e prejudiquem o seu esforço conjugado para assegurar ao nosso Povo e à nossa Pátria dias melhores e mais livres.

Na luta imediata pelo melhoramento das condições de vida dos trabalhadores e classes médias, contra os crimes e o terror, pelas liberdades, pela libertação de Portugal dos monopólios corporativos e da infiltração imperialista; na luta por um Governo de Concentração Nacional que ouça e respeite a voz da Nação; na luta pela Liberdade, o Bem-Estar, o Progresso e a Independência de Portugal.

Católicos, unamo-nos!


Inclusão: 31/05/2020