Contribuição para o Estudo da Questão Agrária

Álvaro Cunhal

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5 - A Divisão da Propriedade


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Acerca da divisão da propriedade era Portugal, apenas existem publicados raros, dispersos e incompletos elementos de estudo. As estatísticas são totalmente silenciosas, os investigadores tímidos e ocasionais, e um espesso véu de mistério envolve este aspecto capital da sociedade portuguesa — um dos mais salientes traços da sua fisionomia económica e social. Dir-se-ia tratar-se de uma questão puramente particular dos proprietários rurais, ou de uma questão entre os proprietários rurais e o Estado, apenas interessando os primeiros individualmente e o segundo para efeito do fisco. Isso explicaria porque os elementos existentes nas matrizes prediais e no Instituto Geográfico e Cadastral se mantêm no mais rigoroso secretismo.

A verdade é, porém, que não se pode conhecer um país sem conhecer a divisão da propriedade e que o conhecimento de como se encontra fisicamente dividida a terra e dos benefícios ou malefícios para a cultura da divisão existente; de como se encontra dividida a propriedade da terra, se esta pertence a muitos, se a poucos, e do que pertence a cada qual; é questão de interesse para toda a nação, indispensável para se ter qualquer ideia da solução dos problemas agrários, tanto no aspecto social como no aspecto económico.

Tal conhecimento é, também, indispensável para a compreensão do grau de desenvolvimento do capitalismo. A divisão da propriedade esclarece acerca do peso da classe feudal dos grandes agrários e dá uma base para o estudo do peso da pequena burguesia e do proletariado dos campos. Sem o conhecimento da divisão da propriedade não se podem conhecer as posições da pequena e da grande produção na agricultura, a importância relativa dos restos da produção natural e da grande exploração capitalista.

Daí a necessidade de se tentar traçar aqui um quadro geral, embora (pela penúria de elementos) não se possa fazer mais que um estudo elementar indirecto e fragmentado.

Panorama Geral

O panorama geral da divisão da propriedade em Portugal (continente) apresenta-se com extrema simplicidade. O Tejo separa o País em duas grandes zonas. Na do Norte predomina a pequena propriedade; na do Sul, a grande. Entre uma e outra, ao longo do Tejo, estende-se como que uma terceira zona com caracteres intermediários, onde nem sempre a pequena propriedade se confina ao norte do rio e a grande propriedade ao sul. Neste conjunto apenas se observa uma ampla mancha discordante (a de pequena propriedade no litoral do Algarve) e, mais timidamente e com características muito particulares, pequenas manchas de grande propriedade no Centro e no Nordeste.

A estas zonas correspondem os distritos da forma seguinte: na zona intermédia ao longo do Tejo, os distritos de Lisboa, Santarém e Castelo Branco; na zona sul, onde predomina a grande propriedade, os distritos de Portalegre, Évora, Beja e Setúbal; na zona Norte, onde predomina a pequena propriedade, os distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Bragança, Vila Real, Viseu, Guarda, Aveiro, Coimbra e Leiria; cora características parcialmente discordantes, o distrito de Faro no Sul — e concelhos de vários distritos no Centro e Nordeste.

Esta nítida diferenciação das zonas de grande e pequena propriedade facilita, por um lado, o estudo da pequena e da grande exploração agrícola em Portugal; dá, por outro lado, lugar a numerosas confusões e a grosseiros esquematismos. Isso resulta de não se terem em conta três ordens de restrições ao significado da área dos prédios rústicos. A primeira é a variedade do solo agrícola e das condições de cultura em Portugal. A segunda é a variedade de tipos de pequenas e grandes explorações. A terceira é a não coincidência da propriedade e da exploração.

Quanto à variedade do solo agrícola e das culturas, não só se desenham regiões do trigo, do milho, do centeio, do arroz, dos vinhos, do azeite, da cortiça, de algumas frutas, da criação de gados, como há, de norte a sul, todo um entrelaçar de regiões diversas. No Minho, fere o contraste entre as serranias e as várzeas dos vales. Em Trás-os-Montes, a terra fria com o centeio, a batata e os gados e a terra quente com a vinha, a oliveira, a amendoeira, a laranjeira. No distrito de Aveiro, a cultura das areias do litoral contrastando com as vinhas da Bairrada, os arrozais do Vouga e a pecuária do interior. No distrito de Coimbra, os campos da ribeira de Soure e do Mondego e solos pobres e acidentados. No distrito de Viseu, a região duriense, a região "minhota" de La-fões, a região dos vinhos do Dão, as regiões montanhosas. No distrito da Guarda, a região duriense, as regiões serranas e a terra fria e seca do Coa e da raia. No de Leiria, as dunas pobres e as ricas do litoral, as serras pedregosas do interior e as vinhas e jardins. No de Faro, os vales e aluviões da beira-mar, a serra e a meia-serra. E até no Alentejo, onde é mais uniforme o tipo de lavoura, com predomínio dos cereais praganosos e dos montados, não faltam grandes regiões de olival, outras de ricos arrozais, outras de feição beiroa (Portalegre, Mar-vão), outras de belas hortas e pomares.

Todas estas sub-regiões se encontram, se cruzam e se abraçam, por vezes em áreas relativamente restritas. Concelhos há com grandes diferenciações, estendendo-se uns por vertentes desde as úberes baixas dos vales às cumeadas agrestes das montanhas, abarcando outros terrenos das mais variadas feições, aproximando e acasalando as mais díspares culturas. A floresta, a horta, as searas, os pastos serranos, a vinha, os pomares, os montados, tudo se entrecruza numa estranha variedade e complexidade nos nove milhões de hectares do nosso pequeno país. A cada passo se encostam várzeas fertilíssimas a terrenos magros e secos, zonas de regadio a zonas de sequeiro, terrenos naturalmente pobres que o trabalho do homem tornou ricos a terrenos naturalmente ricos que têm sido conservados na mediania.

Quanto à variedade de tipos de pequenas e grandes explorações, ela corresponde de certa forma à variedade das culturas, mas corresponde também (principalmente no que diz respeito ã grande exploração) à mais elevada ou mais baixa composição orgânica do capital. A pequena exploração do seareiro do Alentejo distingue-se em área, rendimentos, tipos de cultura, da pequena exploração das várzeas do Minho, e uma e outra da pequena exploração nas areias da Aguçadoura ou da Gafanha, do regadio beirão ou da pequena exploração dos povos serranos de pastores. A grande exploração alentejana, latifundiária e "extensiva", distingue-se em área, rendimentos, tipos de cultura, da grande exploração arrozeira do vale do Sado e uma e outra da grande exploração duriense ou das lavouras evoluídas dos aluviões do Tejo.

Quanto à não coincidência da grandeza da propriedade e da exploração, convém fixar alguns factos. Há pequenas propriedades com cultura intensíssima e pequenas propriedades com cultura pobre. Há grandes propriedades com cultura "extensiva" e grandes propriedades com elevadíssimos investimentos de capital. Há grandes propriedades subdivididas em pequenas explorações agrícolas e há grandes explorações agrícolas assentes em pequenas e médias propriedades.

Não se tendo em conta toda esta gama de variedades e diferenças na agricultura portuguesa, e tomando a área dos prédios rústicos como única medida de grandeza da exploração, é-se conduzido inevitavelmente aos erros mais grosseiros. Uma mesma área pode indicar uma grande, uma média ou uma pequena exploração. Assim, por exemplo, enquanto, no Alentejo, 10 ha da seara em terras pobres são uma pequena exploração, os mesmos 10 ha em regiões de regadio podem ser uma grande exploração.

Compreendidas, porém, estas restrições ao significado das diferenças da área dos prédios rústicos, é ainda essa área uma base indispensável para o estudo da divisão de propriedade.

A tabela 12 indicando por distritos a área média prédios rústicos, confirma o apontado esboço.

Ao sul do Tejo, áreas médias distritais de 8, 13, 18 e 20 ha. Ao norte do Tejo, áreas médias desde menos de 3.000 a pouco mais de 8.000 metros quadrados. Na zona intermédia, ao longo do Tejo, áreas médias um pouco superiores a 1 ha.

As manchas discordantes reflectindo-se na área média de 1,8 ha no distrito de Faro e, embora em menor grau, na área média relativamente elevada nos distritos transmontanos e da Guarda. A diferenciação entre as regiões da grande e da pequena propriedade aparece com nitidez.

Dito isto mesmo de outra maneira: ao notar-se que nos distritos alentejanos e de Setúbal há, em média, um mínimo de 5 e um máximo de 12 prédios rústicos por quilómetro quadrado, enquanto no distrito do Porto a média sobe a quase 200 prédios por quilómetro quadrado, nos de Braga, Leiria e Coimbra fica entre 200 e 300 e nos de Viseu, Aveiro e Viana do Castelo excede os 300 prédios rústicos por quilómetro quadrado, tem-se uma visão clara da desproporção entre o norte e o sul do Tejo.

TABELA 12
Área média dos prédios rústicos(1)
(1949)
Distritos Superfície
(ha)
Número
de prédios
Área média
(ha)
Aveiro 270.820 910.086 0,2976
Beja 1.027.611 78.864 13,03
Braga 273.020 638.695 0,4275
Bragança 654.563 1.117.879 0,5855
Castelo Branco 670.365 572.060 1,17
Coimbra 395.576 1.129.783 0,3501
Évora 738.828 42.005 17,58
Faro 507.160 281.205 1,80
Guarda 549.616 660.407 0,8322
Leiria 343.508 836.122 0,4108
Lisboa 274.700 215.502 1,27
Portalegre 613.288 73.465 8,34
Porto 228.188 443.432 0,5145
Santarém 668.924 463.403 1,44
Setúbal 510.548 25.971 19,65
Viana do Castelo 210.838 743.742 0,2835
Vila Real 423.820 750.437 0,5645
Viseu 500.580 1.587.769 0,3153
Continente 8.861.956 10.570.827 0,8374

Essa desproporção é, porém, nitidamente mais acentuada do que as áreas médias dos prédios rústicos por distrito deixam prever. Isto resulta de que é muito elevado o número de pequenos prédios existentes nas zonas de grande propriedade e é importante a área ocupada pelos grandes nas zonas de pequena propriedade. E assim a área efectiva dos prédios que predominam nas zonas de pequena propriedade é incomparavelmente superior à área média geral dos prédios dessas zonas, e a área efectiva dos prédios que predominam nas zonas de pequena propriedade é muito inferior à área média geral dos prédios dessas zonas.

A área média dos prédios rústicos no distrito de Portalegre é apenas de 8 ha, mas (conforme veremos em pormenor) 56% da superfície do distrito são ocupados por prédios de mais de 250 ha e 17% por prédios de mais 1.000 ha, não sendo raros os prédios de mais de 4.000 e 5.000 ha. (Só a Herdade da Torre das Vargens do Marquês da Fronteira, com uma produção de cortiça de 300.000 arrobas no valor de 20.000 contos, tem cerca de 10.000 ha.)

A área média no distrito de Évora é de 18 ha, mas (conforme veremos em pormenor) 67% da superfície do distrito são ocupados por prédios de mais de 250 ha e 18% por prédios de mais de 1.000 ha, não sendo raros os prédios que ultrapassam os 5.000 ha.

A área média no distrito de Setúbal é de 20 ha; na parte do distrito de Santarém ao sul do Tejo é de 15 ha; mas, nas regiões do pliocénico, sobe a 70% da área total a superfície ocupada por prédios de mais de 200 ha(2), sendo aí numerosos os prédios gigantes com milhares e milhares de hectares. Os da Casa de Palmeia sobem a 5000 ha; os da Casa Agrícola da Barrosinha, da Soc. Abel Pereira da Fonseca, a 5.000; as Herdades dos Fidalgos e da Mata do Duque do Cadaval, a 7.000; os da antiga Casa Agrícola de Portugal, a 13.000; a Herdade da Com-porta atinge 15.000; as herdades do Rio Frio e da Palma, assim como os latifúndios da Companhia das Lezírias, atingem 16.000 a 17.000 ha.

Quanto aos distritos onde predomina a pequena propriedade, onde a área média dos prédios rústicos oscila entre 0,3 e 0,8 ha, abundam as courelas de 1 décimo, um vigésimo de hectare e ainda menos, não sendo raras as de 1 centésimo de hectare.

Uma indicação esclarecedora é fornecida pelo número de prédios com rendimentos colectáveis inferiores a 15$00. Eles sobem a mais de 50% nos distritos de Bragança, Coimbra e Viseu; passam de 40% no distrito de Leiria; passam de 30% nos de Aveiro, Viana do Castelo e Vila Real(3). Em contraste com este número elevadíssimo de courelas insignificantes não deixa de haver nas zonas de pequena propriedade prédios de grande extensão e valor. Aguardando elementos que adiante se verão, cite-se, desde já, que com rendimentos colectáveis superiores a 20 contos (valor oficial dos prédios superior a 400 contos, mas valor real superior a 2.000) encontramos 11 no distrito de Aveiro; 2 no distrito de Braga; 18 no de Bragança; 26 no de Coimbra; 15 no de Leiria; 1 no de Viana do Castelo; 13 no de Vila Real; 21 no de Viseu, etc. É fácil concluir que a grande maioria dos prédios destes distritos tem extensão muito inferior à área média indicada.

A área média dos prédios rústicos não é pois mais do que indicação geral que, mal compreendida, leva a uma ideia menos exacta do real panorama da divisão da propriedade. Como sublinhou Lénine, os números médios referentes à divisão da propriedade "são fictícios e produzem uma ilusão de bem-estar geral"(4). Nas regiões de grande propriedade, a média esconde a extensão desmedida das grandes propriedades; nas regiões de pequena propriedade, a média diminui a gravidade da situação dos pequenos agricultores.

Essa mesma diferenciação entre as zonas as aproxima entretanto. A existência de numerosos pequenos prédios nas regiões de grande propriedade e de grandes nas regiões de pequena, cria, dentro de umas e outras, um contraste entre a grande e a pequena produção ainda mais vivo que o existente entre as várias regiões. Como adiante se verá, apesar das notáveis diferenças do tamanho dos prédios entre o Norte e o Sul, por quase todo o País (incluindo regiões de pequena propriedade) verifica-se a concentração da maior parte da terra num reduzido número de mãos.

As Áreas Médias dos Prédios Rústicos

A tabela 13, classificando os concelhos do continente, segundo a área média dos prédios rústicos, apresenta um quadro geral da situação.

A tabela pormenoriza e comprova o panorama anteriormente esboçado. Vêem-se nos distritos do sul do Tejo (excepto Algarve) elevadas áreas médias em todos os concelhos, sendo apenas em 7, no total de 55 concelhos inferiores a 5 ha, em nada menos de 31 concelhos superiores a 10 ha e em 18, a 20 ha. Vê-se nos distritos intermédios (Lisboa, Santarém e Castelo Branco) e no de Faro, com a sua parte litoral discordante, a diversidade de áreas médias de concelho para concelho. Vêem-se, nos distritos transmontanos e no da Guarda, por influência dos solos pobres serranos, das manchas de grande propriedade e dos 25% de superfície baldia no caso de Vila Real, as áreas médias não desceram abaixo dos 3.000 metros quadrados e excederam na maioria dos casos (em 34 concelhos, no total de 40) o meio hectare. Nos restantes distritos do norte do Tejo (Aveiro, Braga, Coimbra, Leiria, Porto, Viana do Castelo e Viseu) predominam os concelhos com baixas áreas médias: no total de 116 concelhos, a área média dos prédios rústicos é inferior a 0,3 ha em 39 e apenas em 27 excede o meio hectare.

A importância do assunto justifica uma análise mais detalhada.

No distrito de Aveiro, onde em nenhum concelho a área média dos prédios rústicos alcança o meio hectare, destacam-se três concelhos com áreas médias inferiores a um quinto de hectare: Oliveira do Bairro com 1.842 metros quadrados, Vale de Cambra com 1.622 e Murtosa com 1.598.

No distrito de Beja, apenas no concelho de Cuba a área média é inferior a 5 ha (4,4), ficando compreendida entre 5 e 10 ha em 4 concelhos, entre 10 e 20 em 7, e ultrapassando os 20 ha em dois: Odemira com 28 e Castro Verde com 48 ha.

No distrito de Braga, a área média dos prédios rústicos é inferior a 0,3 ha em 2 concelhos (Esposende com 2.294 metros quadrados e Amares com 2.320), e superior a meio hectare em 4: Terras do Bouro, Vila Nova de Famalicão e os dois concelhos de Basto, estes últimos com quase 0,9 ha.

TABELA 13
Concelhos classificados segundo as áreas médias dos prédios rústicos(5)
(1949)
Distritos Hectares
Até 0,3 0,3-0,5 0,5-1 1-2 2-5 5-10 10-20 Mais de 20 Total
Aveiro 9 10 19
Beja 1 4 7 2 14
Braga 2 7 4 13
Bragança 2 8 2 12
Castelo Branco 1 1 2 5 1 1 11
Coimbra 5 11 1 17
Évora 1 4 3 5 13
Faro 3 4 8 1 16
Guarda 9 4 1 14
Leiria 5 3 5 3 16
Lisboa 5 6 1 1 13
Portalegre 1 3 3 4 4 15
Porto 7 9 16
Santarém 3 4 5 2 2 2 2 20
Setúbal 1 6 1 5 13
Viana do Castelo 7 3 10
Vila Real 4 9 1 14
Viseu 11 9 3 1 24
Continente 40 60 61 33 19 22 17 18 270

No distrito de Bragança, têm áreas médias inferiores a meio hectare dois concelhos (Bragança e Vinhais) e superiores a um hectare outros dois (Torre de Moncorvo com 1,1 e Freixo com 1,9).

No distrito de Castelo Branco há quatro concelhos com áreas médias inferiores a 1 ha (Oleiros, Vila do Rei, Sertã e Proença-a-Nova, destacando-se este último com 2.767 metros quadrados) e dois concelhos com mais de 2 ha: Penamacor com 3,6 e Idanha-a-Nova com 7,2.

No distrito de Coimbra, onde apenas no concelho de Pampilhosa da Serra a área média excede meio hectare (1,0) destacam-se dois concelhos com menos de um quinto de hectare: Penela com 1.884 metros quadrados e Miranda do Corvo com 1.776.

No distrito de Évora, apenas no concelho de Borba a área média é inferior a 5 ha (3,8), ficando compreendida entre 9 e 10 ha em 4 concelhos, entre 10 e 20 em 3 e ultrapassando os 20 ha em 5 concelhos: Portei, com 21; Mora, com 25; Arraiolos, com 26; Évora, com 39, e Montemor-o-Novo, com 48.

No distrito de Faro, apenas em 3 concelhos (Alportel, Loulé e Olhão) a área média não alcança 1 ha, embora lhe esteja muito próxima, e apenas num concelho excede os 5 ha: Aljezur, com 5,2.

No distrito da Guarda, apenas no concelho de Manteigas a área média ultrapassa os 2 ha (2,5), ficando em todos os outros concelhos compreendida entre o meio hectare e o hectare e meio. No distrito de Leiria, entre os 5 concelhos com áreas médias inferiores a 0,3 ha (Pombal, Ansião, Figueiró, Alvaiázere e Pedrógão) destaca-se este último com 1.131 metros quadrados. Outros não andam longe do hectare. Três apresentam áreas médias superiores a 1 ha.

No distrito de Lisboa, onde em nenhum concelho a área média dos prédios rústicos é inferior a meio hectare, destacam-se dois concelhos com mais de 2 ha: Azambuja, com 2,9, e Vila Franca, com 5,8. No distrito de Portalegre, a área média não chega a dois hectares no concelho de Gavião (1,7), está compreendida entre 2 e 5 ha em 3 concelhos (Nisa, Marvão e Campo Maior), entre 5 e 20 ha em 7 e passa de 20 ha em 4 concelhos: Arronches, com 23, Ponte de Sor, com 24, Monforte, com 30, e Avia, com 37.

No distrito do Porto, a área média não atinge 0,4 ha em 3 concelhos (Felgueiras, Paços de Ferreira e Paredes) e em nenhum passa de 1 ha.

No distrito de Santarém, é nítida a diferenciação entre os 7 concelhos com áreas médias inferiores a 1 ha, os 9 com áreas médias de 1 a 10 ha e os 4 com mais de 10 ha. Entre os primeiros destacam-se os de V. N. de Ourem, Sardoal e Ferreira do Zêzere (todos ao norte do Tejo) com menos de meio hectare. Os últimos 4 (todos ao sul do Tejo) são Saívaterra de Magos com 11 ha; Chamusca, com 16; Coruche, com 30, e Benavente, com 39.

No distrito de Setúbal, apenas no concelho de Almada a área média dos prédios rústicos é inferior a 5 ha, e ultrapassa os 20 ha em 5 concelhos: Montijo e Sines, com 21; Santiago do Cacem, com 29; Grân-dola, com 41, e Alcácer do Sal, com 67.

No distrito de Viana do Castelo, onde a área média dos prédios rústicos não atinge o meio hectare em qualquer concelho e é inferior a 0,3 em 7, destacam-se dois concelhos com áreas médias inferiores a um quinto de hectare: Valença do Minho com 1.813 metros quadrados e Monção com 1.856.

No distrito de Vila Real, 4 concelhos possuem áreas médias inferiores a meio hectare: Alijo, Chaves, Santa Marta de Penaguião e Vila Real. Só um concelho possui áreas superiores a 1 ha: Ribeira de Pena, com 1,2.

No distrito de Viseu, entre 11 concelhos com áreas médias inferiores a 0,3 ha, destacam-se dois com menos de um quinto de hectare: Castro Daire, com 1.973, e Santa Comba Dão, com 1.789 metros quadrados. Apenas no concelho de S. João da Pesqueira a área média sobe a 1 ha.

São de notar entre os 35 concelhos com mais de 10 ha de área média dos prédios rústicos os 18 concelhos citados com mais de 20 ha, dos quais três com mais de 30 e menos de 40 ha, 3 com mais de 40 ha e menos de 50 ha, e 1 com mais de 60 ha. São de notar, também, entre os 40 concelhos com área média inferior a 3000 metros quadrados, os 10 citados onde a área média não atinge os 2000 metros quadrados. Valorizadas estas diferenças pelo que atrás se disse acerca da real extensão dos prédios predominantes nas zonas de pequena e de grande propriedade — extensão incomparavelmente superior à média nas zonas de grande propriedade e muito inferior à média nas de pequena — tem-se uma ideia dos violentos contrastes regionais.

Considerando o número e superfície territorial dos concelhos das diversas categorias, temos o seguinte resumo:

  Número Hectares Percentagem
Com menos de 0,5 ha 100 2.189.170 24,7
Com 0,5 — 2 ha 94 2.843.143 32,1
Com 2 — 5 ha 19 599.505 6,8
Com mais de 5 ha 57 3.217.374 36,4
Total 270 8.849,192 100,0

Se tivermos por concelhos onde predomina a grande propriedade aqueles onde a área média dos prédios rústicos é superior a 5 ha e concelhos onde predomina a pequena propriedade aqueles onde a área média é inferior a meio hectare, vemos que, enquanto os primeiros ocupam 36% do território, os últimos ocupam apenas 25%.

Quanto aos restantes concelhos, a área média de 0,5 a 5 ha não é por si suficientemente característica. Dos 19 concelhos com área média de 2 a 5 ha, na grande maioria (salvo talvez alguns dos algarvios) predomina em absoluto a grande propriedade; no concelho de Cuba, por exemplo, a área média dos prédios rústicos não chega aos 5 ha, mas, conforme veremos em detalhe, as grandes propriedades (de mais de 200 ha) ocupam mais de 50% da superfície do concelho. Dos 94 concelhos com áreas médias de 0,5 a 2 ha, tão-pouco se pode afirmar serem concelhos onde predomina a pequena propriedade — uns há que sim, outros há que não — e, em todo o caso (como adiante mostraremos), não se pode dizer predominar neles a pequena exploragão agrícola. Isto significa que os concelhos onde predomina a grande propriedade devem ocupar área superior àqueles onde predomina a pequena.

Todas as áreas médias dos prédios rústicos atrás referidas foram calculadas em relação à superfície territorial. Não se descontou a área baldia, porque esta constitui, de certa forma, para povoações de pastores, uma compensação para a reduzida área dos prédios rústicos. Mas, para que se fique com uma mais correcta ideia no que respeita às regiões onde são mais extensos os baldios, aqui se acrescenta alguma coisa.

Ainda hoje os baldios ocupam em Portugal 407.544 ha, correspondendo a 4,6% da superfície do País. Em alguns distritos, e mais particularmente em alguns concelhos, a área baldia é muito considerável. No distrito de Viana do Castelo a área baldia sobe a 27% da superfície territorial, passando de 10% em todos os 10 concelhos, de 20% em 7 e de 30% em 4 — Melgaço, Ponte de Lima, Caminha e Paredes de Coura — indo nos últimos dois além de 40%. No distrito de Vila Real a área baldia sobe a 25%, passando de 10% em 5 dos 14 concelhos e subindo a 40% no de Boticas; a 52% no de Vila Pouca de Aguiar; a 53% no de Montalegre; a 68% no de Ribeira de Pena! No distrito de Viseu, a área baldia sobe a 15%, passando de 10% em 11 dos 24 concelhos e de 20% em 5 —Castro Daire, Moimenta, Oliveira de Frades, Sátão e Vila Nova de Paiva — no último dos quais atinge 57%! No distrito de Coimbra, a área baldia sobe a 9%, passando de 10% em 8 dos 17 concelhos e indo além de 20% no de Arganil. Fora estes quatro distritos em que a área baldia atinge, no conjunto distrital, mais elevadas percentagens, em relação à superfície total há, dispersos por quase todo o País, concelhos onde os baldios têm grande extensão. Referindo apenas àqueles onde os baldios ocupam mais de 10% da superfície total, são de citar: entre 10% e 20%, Sever do Vouga e Arouca, no distrito de Aveiro, Gouveia, no da Guarda, V. N. de Ourem, no de Santarém; entre 20% e 25%, Covilhã, no distrito de Castelo Branco; Seia, no da Guarda, e Castanheira de Pêra, no de Leiria; mais de 30%, Alcanena, no distrito de Santarém, e Porto de Mós e Batalha, no de Leiria. Deve ainda referir-se que, no distrito de Bragança, embora não atingindo tão elevadas percentagens, a área baldia sobe a 25 000 hectares, 4% da superfície do distrito(6).

É evidente que, descontada a área baldia, a área média dos prédios rústicos é efectivamente muito inferior à que atrás foi indicada. No conjunto de cada distrito, as diferenças não são sensíveis, salvo no de Viana do Castelo, em que a área média referida à superfície total era de 2.835 metros quadrados e passa a ser de 2.074, no de Vila Real, em que passa de 5.645 para 4.222 metros quadrados, e no de Viseu, em que passa de 3.153 para 2.690 metros quadrados, Mas em alguns concelhos as diferenças são notáveis. É o que sucede com particular destaque no distrito de Viana do Castelo, o distrito do continente onde é mais baixa a área dos prédios rústicos calculada em relação à superfície total, e onde a situação apa-rece agravada pelos extensos baldios: no concelho de Ponte de Lima a área média desce de 0,3 para 0,2 ha; nos de Caminha e Melgaço, onde excedia os 0,2 ha, para respectivamente 1.533 e 1.434 metros quadrados; nos de Paredes de Coura, de quase 0,4 ha para menos de 0,2. No distrito de Viseu são de sublinhar os concelhos de Oliveira de Frades e de Vila Nova de Paiva, em que vemos a área média dos prédios rústicos descer respectivamente de 2.409 para 1.477 e de 2.892 para 1.234 metros quadrados! No distrito de Coimbra, nos concelhos de Miranda do Corvo e Penela, a área média, já inferior a 0,2 ha, desce para 0,15. E o concelho de Ribeira de Pena (Vila Real), que se apresentava com a ilusória área média de 1,2, revela-se afinal como tendo menos de 0,4 ha. Vê-se desta forma agravar-se mais ainda a situação dos pequenos agricultores nas regiões de minifúndio. Pensando-se que não faltam grandes prédios rústicos nas regiões de pequena propriedade, tem-se uma ideia do extraordinário retalhamento e das consequentes dificuldades de cultura e de vida.

O quadro não está, porém, ainda completo. Além dos baldios, haveria a descontar a área submetida ao regime florestal, na parte respeitante a propriedades do Estado e dos corpos e corporações administrativas. Por falta de elementos convenientes, desistimos de fazer esse cálculo, embora lhe atribuamos importância. Há casos em que só descontando a área baldia e tal área submetida ao regime florestal se pode formar uma ideia correcta da área média dos prédios rústicos. Tal o caso do distrito de Leiria, e em especial do concelho da Marinha Grande, dada a grande extensão das matas do Estado; tal o caso do Marão, etc. Em vários concelhos as diferenças são muito sensíveis. No concelho de Mondim de Basto, distrito de Vila Real, por exemplo, a área média dos prédios rústicos de cerca de 1 ha em relação à superfície total do concelho desce para menos de meio hectare, descontada a área submetida a regime florestal. Há um concelho, Mira, no distrito de Coimbra, em que a área média dos prédios rústicos em relação à superfície total orça pelo meio hectare e que, descontada a área submetida a regime florestal, desce para 1293 metros quadrados!

Nestes concelhos a terra é uma manta de retalhos, roubada ainda pelas extremas, pelos caminhos e carreiros, pelas serventias.


Notas:

(1) Superfície: Anuário Estatístico; número de prédios: Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos. Todo este estudo é feito apenas em relação ao continente, pois em virtude da falta de elementos, com grande pena tivemos de desistir de considerar a Madeira e os Açores, partes integrantes do território português e da nação portuguesa, embora ignoradas por muitos portugueses e cobiçadas por não poucos estrangeiros. Nalguns assuntos podíamos ter incluído as ilhas. Como na grande maioriai não o podíamos fazer, restringimos este ensaio à parte continental de Portugal. (retornar ao texto)

(2) J. Sousa e Melo, A Propriedade e a Exploração na Mancha Pliocénica ao sul do Tejo, in J. C. I., Problemas de Colonização, I, p. 31. (retornar ao texto)

(3) Calculado na base de elementos da Estatística Agrícola de 1946. (retornar ao texto)

(4) Lénine, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, cap, II, II. (retornar ao texto)

(5) Calculado na base de elementos do Anuário Estatístico de 1941 (superfície territorial) e Anuário Estatístico das Contribuições ê Impostos de 1949 (número de prédios rústicos). Considera-se o concelho do Entroncamento como fazendo ainda parte do de Vila Nova da Barquinha (do qual foi separado por decreto de 14 de Novembro de 1945), a fim de tornar estes elementos comparáveis com outros apresentados neste estudo. Os concelhos de Lisboa e Forto não foram incluídos. (retornar ao texto)

(6) J. C. I., Reconhecimento dos Baldios do Continente. (retornar ao texto)

Inclusão 24/07/2006