Estudos Soviéticos em Educação Matemática

Tipos de Generalização no Ensino: Problemas de Lógica e Psicologia na Estruturação dos Currículos Escolares

V. V. Davydov


6. Crítica à teoria empírica do pensamento em psicologia


6.1. O problema da generalização nas obras de Vygotskii

Um dos pontos da teoria psicológica de Vygotskii (1896-1934) que mantém o seu significado como um problema científico genuíno até hoje é o seu tratamento da estrutura, função e formação da generalização como um método particular de refletir a realidade na consciência de uma pessoa. Muitas das teses centrais dessa teoria, relativas a questões como o papel dos símbolos na formação das funções mentais superiores, a estrutura hierárquica da consciência e a ligação entre instrução e desenvolvimento, encontraram sua própria expressão concentrada, refinamento e visão de longo alcance na interpretação da generalização desenvolvida intensamente por Vygotskii nos últimos anos de sua vida.

Vygotskii expressou uma interpretação especificamente psicológica da essência social do homem em seu conceito da qualidade mediada das funções mentais através de sistemas de formações simbólicas materiais e verbais. Um sinal como meio é um sinal de algo, que se torna seusignificado no processo de organização da atividade combinada das pessoas. Para Vygotskii, o sistema de signo-significado-comunicação era uma unidade do comportamento humano e de todas as funções mentais que implementam esse comportamento. Contudo, no início, essa era apenas uma unidade abstrata de qualquer função, não expressando a natureza específica de cada uma delas e não conduzindo à compreensão das suas características concretas. Entretanto, Vygotskii tentou encontrar um objeto particular de análise que, por um lado, fosse essencialmente significativo na atividade humana e, por outro lado, pudesse representar uma variação da estrutura encontrada, na forma mais detalhada.

Ele encontrou tal objeto, foi o pensamento falado, como uma função amplamente desenvolvida e em constante operação do homem como ser social. A experiência secular da filosofia, da psicologia e da pedagogia colocou nas mãos do investigador algumas volumosas informações sobre essa função, a partir das quais foi possível delinear seu produto-generalização específico, que se fixa em um conceito. De acordo com as características desse tipo de produto, pode-se fazer um julgamento objetivo sobre o processo de produção dele, sobre o próprio pensamento falado.

As teses iniciais foram as seguintes: “[...] a unidade que chamamos de pensamento falado está ligada ao significado de uma palavra”; “[...] do ponto de vista psicológico, o significado de uma palavra é acima de tudo generalização, mas uma generalização, como é fácil ver, é um extraordinário ato verbal de pensamento, que reflete a realidade de uma forma totalmente diferente da forma como ela é refletida nas sensações e percepções imediatas” (Vygotskii, 1956, p. 49, grifos do autor);

[...] A comunicação pressupõe necessariamente generalização e desenvolvimento do significado verbal – isto é, a generalização torna-se possível com o desenvolvimento da comunicação [...]. Há todos os motivos para considerar o significado de uma palavra não apenas como a unidade do pensamento e da fala, mas também como unidade de generalização e intercâmbio social, comunicação e pensamento” (Vygotskii, 1956, p. 51-52, grifos do autor).

Vygotskii formulou com entusiasmo essas teses, direcionando-as contra as tendências naturalistas e biologizantes da psicologia. Deve-se dizer, entretanto, que essas teses em si eram bem conhecidas na filosofia clássica e na psicologia filosófica. Também no início do nosso século, psicólogos experimentais (Piaget, Stern, Vygotskii e outros) revelaram seu significado de forma abrangente, usando material factual considerável. A novidade da posição de Vygotskii estava em outro lugar. Depois de ter assimilado rapidamente a experiência dos investigadores anteriores, passou a uma análise genético-causal do pensamento e da fala, a um estudo da formação do significado verbal e suas formas superiores. Ele orientou-se para investigar tipos de significado altamente diversificados. A psicologia tradicional os diferenciou apenas fracamente, não separou o significado verbal de outras noções, fechando o caminho para a origem de suas formas superiores.

Assim, Vygotskii enfrentou um problema investigativo complexo: era necessário encontrar a continuidade genética das variadas formas de significado verbal e das generalizações ocultas nelas.

O trabalho de Vygotskii e seus colegas fez um estudo experimental dos processos de formação dos chamados conceitos artificiais em crianças de várias idades, além de realizar uma investigação comparativa da formação de conceitos cotidianos e científicos.(1)

Conceitos artificiais diz respeito a significados verbais que as crianças desenvolvem numa situação experimental, em relação a combinações sonoras anteriormente sem sentido. Assim, para as crianças russas as combinações bat, dek, rots, e mup pode assumir um certo significado, incluindo uma conexão com certos atributos, ao resolver problemas especiais de agrupamento de sólidos (por exemplo, bat significa pequeno, estatuetas curtas, independentemente de sua cor e forma). O tipo de agrupamento feito pelas crianças (as características dos atributos que são delineados, a estabilidade da orientação em relação a eles quando os grupos estão sendo comparados, etc.) permite fazer um julgamento sobre a generalização que se forma nesse processo e que é introduzida pela criança no significado da palavra, bem como sobre as operações intelectuais que a ela conduzem. Para que tais problemas sejam resolvidos, nenhum conhecimento especial é exigido da criança de qualquer idade. Portanto, a natureza do significado da generalização depende apenas do potencial intelectual das crianças.

Essa metodologia de Sakharov e Vygotskii assegura a criação de uma situação objetiva que obriga a criança a operar com o signo verbal para generalizar uma variedade de objetos. Contudo, Vygotskii não atribuiu nenhum significado independente a essa metodologia, e acreditou que somente juntamente com outras metodologias de investigação ela pode ser usada para fazer uma avaliação abrangente do nível de intelecto das crianças em uma determinada idade (veja, por exemplo, Vygotskii [1956, p. 183]).

A formação de conceitos artificiais permite sondar a extensão e largura dos processos intelectuais das crianças em diferentes idades. Depois de analisar toda a coleção de dados experimentais, Vygotskii destacou três níveis básicos de generalização, que são qualitativamente distintos e, em algum momento, geneticamente relacionados: sincretismos (1), complexos (2) e conceitos (3).

Típica do primeiro nível (primeira infância) é uma coerência incoerente do grupo de objetos, que se unificam sem base suficiente, de acordo com uma impressão aleatória, que às vezes captura, mas geralmente não destaca algumas das conexões objetivas usando esses objetos (unificação de acordo com a proximidade espacial puramente externa, de acordo com um atributo vívido ou extravagante, e assim por diante). A criança não compara essas relações subjetivamente significativas com as conexões reais entre os objetos e transfere para eles suas próprias impressões aleatórias.

A generalização complexa tem várias formas diferentes. O que há de semelhante neles é que a criança combina objetos em conformidade com conexões reais, embora com base na experiência sensorial direta. Aqui, qualquer conexão pode servir de base para incluir um objeto em um complexo – apenas para que esteja presente. Durante o surgimento de um complexo, essas conexões, como base de agrupamento, mudam constantemente, parecendo deslizar, perdendo seus contornos, continuando a ter em comum apenas o fato de serem descobertas por meio de alguma situação prática. Neste nível, as crianças ainda não são capazes de considerar um atributo ou uma relação de objetos fora de uma situação visível que está à mão, uma situação em que esses objetos revelam uma abundância de atributos que se intersectam mutuamente. Portanto, as crianças também deslizam de um recurso para outro, depois para um terceiro e assim por diante. Todos os atributos são iguais em seu significado funcional, e não há hierarquia entre eles. Um objeto específico é incluído em um complexo como uma unidade visual real, com todos os atributos reais inalienáveis.

O signo verbal tem papel primordial na formação desse tipo de generalização. Funciona como uma designação familiar de objetos que são combinados em alguma base real. Um lugar especial entre os complexos é ocupado por uma forma – o pseudo-conceito, que constitui uma “forma altamente difundida de pensamento complexo de uma criança, que prevalece sobre todo o resto e é, muitas vezes, quase exclusiva nos anos pré-escolares” (Vygotskii, 1956, p. 177). Nas características externas da generalização, o que se produz é um conceito, mas no tipo de processo que leva à generalização, é um complexo. Assim, a criança pode selecionar livremente todos os triângulos e combiná-los em um grupo independentemente de sua cor, tamanho e assim por diante. Contudo, uma análise especial mostra que essa combinação foi feita pela criança com base na compreensão visual de um atributo visível característico de triangularidade (fechamento, a intersecção característica de linhas, etc.), sem qualquer delineamento das propriedades essenciais dessa figura como geométrica - isto é, sem uma ideia de triângulo.

A descrição e interpretação teórica de generalizações complexas, particularmente pseudoconceitos, é a principal contribuição acadêmica de Vygotskii. A psicologia tradicional tratava como conceito qualquer generalização expressa por uma palavra ou por qualquer agrupamento de objetos. Entretanto, alguns psicólogos mostraram, há muito tempo, que uma generalização, análoga a um conceito, pode ocorrer até mesmo na esfera do pensamento puramente visual (Iensh et al.).(2) Isso destruiu gradualmente o preconceito de que a generalização no pensamento aparece apenas na sua forma mais desenvolvida – na forma de um conceito. Vygotskii, descrevendo um pseudoconceito como uma imitação altamente sutil de um conceito, resumiu a luta contra esse preconceito.

Acima de tudo, ele enfatizou que os pseudo-conceitos não são apenas propriedade exclusiva da criança.

Mesmo o pensamento em nossa vida cotidiana ocorre com muita frequência em pseudoconceitos […]. Embora a formação de conceitos e a operação com eles sejam acessíveis ao pensamento de um adulto, de forma alguma todo o seu pensamento está preenchido com essas operações (Vygotskii, 1956, p. 196). [...] As formas superiores de pensamento complexo na forma de pseudoconceitos são uma maneira de transição sobre a qual nosso pensamento cotidiano permanece, contando com a fala comum (Vygotskii, 1956, p. 197).

Mas quais são os mecanismos para o surgimento de pseudoconceitos que determinam sua preservação estável?

O contacto falado entre adulto e criança surge muito cedo, e isso é impensável sem um entendimento mútuo. Esse último, em particular, pode ser fundado numa coincidência, na gama específica de objetos aos quais adulto e criança atribuem as suas palavras. A criança não cria sua própria fala sozinha, seus próprios significados verbais, e não determina o alcance de suas atribuições objetais – ela domina a fala dos adultos e recebe deles uma série de objetos específicos, que são designados por essas palavras. Entretanto, os adultos não podem transmitir imediatamente à criança o seu próprio método de pensamento, com base no qual foi feita uma generalização. A criança é obrigada a combinar os objetos que lhe são indicados em grupos (ou seja, generalizá-los) por um método diferente daquele utilizado pelos adultos; apenas a criação de complexos que abrangem a mesma gama de objetos como conceitos que são acessíveis a ela. Em virtude disso, torna-se possível um entendimento mútuo entre a criança e os adultos, mas um significado complexo fornece apenas os contornos de um conceito. Esse significado é construído por operações intelectuais diferentes das de um conceito: é um pseudo- conceito. O significado de uma palavra difere de seu objeto de referência; é algo maior que esse objeto.(3)

Desde a infância, uma pessoa domina a fala comum e “viva” das pessoas ao seu redor e os nomes que ocorrem dentro dela. Vygotskii (1956, p. 193) escreveu:

Se traçarmos a lei pela qual as famílias de palavras são combinadas, veremos que novos fenômenos e objetos são normalmente nomeados de acordo com um atributo, o que não é essencial do ponto de vista da lógica e não expressa logicamente a essência desse fenômeno. Um nome nunca é um conceito no início de seu surgimento.

Naturalmente, o domínio da fala viva leva a pessoa a pseudoconceitos e a operar extensivamente com eles na prática.

Vygotskii mostrou a inadequação da descrição psicológica das generalizações – incluindo as conceituais – de acordo apenas com a sua atribuição de objeto específico: esta última pode ser formalmente idêntica, tanto numa generalização complexa como numa generalização conceitual (uma análise genética é necessária para revelar as várias operações intelectuais que estão por trás desses tipos de generalizações).(4) Contudo, Vygotskii deu mais um passo – ele revelou a fonte interna do parentesco entre o pseudoconceito e o conceito.

Encontramos uma descrição vívida do tratamento da formação de conceitos na psicologia tradicional nas seguintes palavras de Vygotskii (1956, p. 206-207):

Uma série de concepções concretas fundamentam um conceito [....] A formação do conceito ocorre pelo mesmo método que um retrato de família é obtido por uma fotografia de grupo de Galton [...]. As imagens são impostas umas às outras de modo que as características semelhantes e frequentemente repetidas, comuns a muitos membros da família, aparecem em relevo nítido e enfático, enquanto as características aleatórias e individuais que são diferentes em determinados indivíduos, quando sobrepostas umas às outras, borram um ao outro e escondem um ao outro. Desta forma, obtém-se um delineamento das características semelhantes, e a totalidade de todos os atributos comuns delineados numa série de objetos e características semelhantes é, do ponto de vista tradicional, um conceito no sentido próprio da palavra. É impossível conceber algo mais falso do ponto de vista do curso real do desenvolvimento do conceito do que esta imagem “lógica” [...].

Se essa imagem lógica for falsa, então por qual caminho os processos verdadeiros de formação de conceitos podem ser buscados? O problema é angustiante e difícil, e seu tratamento por Vygotskii não foi tranquilo, muito menos definitivo. Contudo, ao analisá-lo ele mostrou a força da sua própria intuição psicológica e a profundidade do seu pensamento filosófico.

O geral, caracterizado na psicologia tradicional apenas como algo semelhante ou idêntico em objetos, pode ser o conteúdo, não apenas de um conceito, mas também de um pseudoconceito (complexo). “[...] Construir um complexo,” Vygotskii (1956, p. 202) escreveu, “[…] pressupõe delinear um atributo conhecido que é comum a diferentes elementos”. Certamente esse atributo comum ainda não é privilegiado ou estável aqui. O pensamento complexo conecta os objetos percebidos em grupos, e “dá os primeiros passos no caminho para generalizar os elementos descoordenados da experiência” (VIGOTSKII, 1956, p. 198). A fase inicial do processo ontogenético de formação do pensamento nos conceitos “[...] está extraordinariamente próxima de um pseudoconceito. Essa combinação de vários objetos concretos é criada com base na máxima similaridade em seus elementos” (VIGOTSKII, 1956, p. 198).

“Esta generalização, que é criada pela criança com base na semelhança máxima, é ao mesmo tempo um processo mais pobre e mais rico do que o pseudoconceito” (VIGOTSKII, 1956, p. 199).

A próxima fase – conceitos potenciais – é um delineamento de um grupo de objetos de acordo com um atributo comum e habitual por meio de abstração isolada. Aqui, a concretude da situação é destruída, e as pré-condições são criadas para combinar atributos abstratos em um conceito. Este último não é apenas uma unificação e uma generalização, mas também um delineamento, uma abstração, um isolamento de elementos particulares, um tratamento de elementos abstraídos “independentemente da conexão concreta e real em que são dados na experiência” (VIGOTSKII, 1956, p. 202). Um conceito surge quando uma série de atributos abstraídos são sintetizados recentemente. “[...] A síntese abstrata torna-se a forma básica de pensamento, pela qual a criança compreende e interpreta a realidade ao seu redor” (VIGOTSKII, 1956, p. 202). A palavra tem papel decisivo aqui, como meio de dirigir a atenção para o atributo geral apropriado, como meio de abstração. Aqui, a palavra-sinal tem uma função diferente no pensamento complexo.

Assim, tendo previamente estabelecido a natureza idêntica de pseudoconceitos e conceitos em sua atribuição de objeto, Vygotskii indica então a base objetiva para esse fenômeno – uma generalização de um único tipo está subjacente a ambos. É obtido de diferentes maneiras (diferentes operações intelectuais), assume uma forma diferente (fundindo-se com o objeto real no complexo e uma natureza abstrata no conceito), mas, em princípio, reflete o mesmo conteúdo.

Tendo detectado essa circunstância, Vygotskii revelou, na verdade, a incorreção do seu método inicialmente adotado para analisar a natureza de um conceito. Ao longo deste percurso, a natureza específica dos conceitos reais como um tipo distinto de reflexão generalizada da realidade na consciência humana permaneceu desconhecida; a falsa imagem lógica, que Vygotskii criticou duramente, revelou-se insuperável.

Ele mesmo demonstrou a razão de um resultado tão insatisfatório quando, em determinado momento da análise teórica do problema, abordou o conceito a partir de posições na teoria cognitiva que eram essencialmente diferentes daquelas em que se apoiou a psicologia tradicional. Assim, ele escreveu:

Mas mesmo os próprios conceitos, tanto para o adolescente como para o adulto, uma vez que a sua aplicação se limita à esfera da experiência puramente quotidiana, muitas vezes não ultrapassam o nível dos pseudoconceitos e, possuindo todos os atributos de um conceito do ponto de vista lógico-formal, ainda não são conceitos do ponto de vista da lógica dialética, permanecendo apenas como concepções gerais – ou seja, complexos (VIGOTSKII, 1956, p. 204).

Do ponto de vista da lógica dialética, os conceitos, tal como são encontrados em nossa fala cotidiana, não são conceitos no sentido próprio da palavra. Antes, eles são concepções gerais das coisas. Contudo, é indiscutível que constituem uma fase de transição de complexos e pseudoconceitos para conceitos verdadeiros no sentido dialético da palavra (VIGOTSKII, 1956, p. 196-197).

Os problemas na formação de conceitos residem nessas ideias. Uma imagem que se baseia no ponto de vista tradicional e formalmente lógico é falsa. Sua falsidade é que apenas um caso particular de generalização se destaca, aqui, como o único permitido e abrangente. Além disso, esse caso de generalização não destaca a natureza específica do conceito na sua forma mais desenvolvida. Esse tipo de generalização, que se torna até uma abstração verbal, ainda não ultrapassa o quadro das concepções gerais, dentro de cujos limites um conceito formal está internamente aliado a um pseudoconceito e a um complexo. As tentativas de encontrar a natureza específica de um conceito em sua abstratividade, como Vygotskii perguntava originalmente, não ultrapassam esses limites, que são especificados pelo conteúdo da própria generalização, como se ela não tivesse mudado na forma externa, e foi realizada por meio de uma variedade de processos psicológicos.(5) Ao longo desse caminho, é impossível perder o contato com a imagem tradicional, por mais falsa e inadequada que pareça ser. A saída é alterar o ponto de vista do próprio conceito, passar a uma análise de sua natureza dialética. Esse é o resultado mais importante do estudo teórico de Vygotskii sobre as diferentes formas de generalização.

Vygotskii deu forma concreta ao problema da diferença entre conceitos formalmente lógicos e verdadeiros no nível psicológico como um problema da diferença entre formas de formar conceitos cotidianos (espontâneos) e científicos em crianças. Aqui, ele percebeu a chave para toda a história do desenvolvimento mental da criança (VIGOTSKII, 1956, p. 213). A pesquisa feita por Shif (1935) sob orientação de Vygotskii teve os seguintes resultados: “O que há de novo na nossa investigação [...] é a revelação de uma forma distinta de desenvolver os conceitos científicos da criança, em comparação com os seus conceitos espontâneos e a apuração das leis básicas desse desenvolvimento” (VIGOTSKII, 1956, p. 41).

Vygotskii apresenta dados que mostram o contraste entre as maneiras de formação de conceitos cotidianos (espontâneos) e científicos como paradoxais, do ponto de vista tradicional, e ainda assim baseados em princípios profundos, em essência. Os conceitos espontâneos surgem quando a criança encontra coisas reais, suas propriedades específicas, entre as quais ela encontra – após longa comparação – certas características semelhantes e usa palavras para atribuir isso a uma determinada classe de objetos (ela forma um conceito, ou mais precisamente, uma noção geral). Esse é o caminho do concreto ao abstrato. Tendo tal conceito, a criança toma consciência do objeto nele representado, mas não tem consciência “do conceito em si, do seu próprio ato de pensamento, pelo qual ela representa o objeto” (VIGOTSKII, 1956, p. 286).

Em contrapartida, o desenvolvimento de um conceito científico começa com o trabalho sobre o próprio conceito como tal, com uma definição verbal, com operações que não pressupõem uma aplicação espontânea desses conceitos (VIGOTSKII, 1956). Esse conceito começa a surgir, não com um encontro direto com as coisas, mas imediatamente com uma relação mediada com um objeto (através de uma definição que expressa uma certa abstração). Desde os primeiros passos na instrução, a criança estabelece relações lógicas entre conceitos, e somente com base nisso ela abre caminho até um objeto, entrando em contato com a experiência. Desde o início ela está mais consciente do conceito em si do que do seu objeto. Aqui, há movimento do conceito para a coisa – do abstrato para o concreto. Esse percurso só é possível no âmbito de uma instrução especialmente organizada em conhecimentos científicos para as crianças, e é um resultado específico dela.

Vygotskii destacou três características psicológicas básicas na formação dos conceitos científicos das crianças. Primeiro, há o estabelecimento de relações entre os conceitos, a formação de um sistema para eles; segundo, há uma consciência da própria atividade mental; e terceiro e último, em virtude de ambos, a criança adquire uma relação particular com o objeto, que lhe permite refletir aquilo que é acessível aos conceitos cotidianos (penetração na essência do objeto).

[...] A própria essência de um conceito e de uma generalização pressupõe, apesar dos ensinamentos da lógica formal, um enriquecimento e não um empobrecimento da realidade apresentada no conceito, em comparação com a percepção e contemplação sensorial e direta dessa realidade. Contudo, se a generalização enriqueceu a percepção direta da realidade, isso claramente não pode ocorrer de qualquer forma psicológica que não seja através do estabelecimento de ligações, dependências e relações semelhantes entre os objetos representados no conceito e o resto da realidade (VIGOTSKII, 1956, p. 295).

Um conceito particular só pode existir por meio de um sistema de conceitos, mas a presença deste último está inseparavelmente ligada à consciência da própria atividade mental. “Conscientização e qualidade sistemática são totalmente sinônimos no que diz respeito aos conceitos [...]” (VIGOTSKII, 1956, p. 248). A consciência das operações mentais é uma recriação daquilo que existe na imaginação para a expressão verbal, o que está necessariamente ligado à generalização dos próprios processos mentais. É esta reflexão, o uso da consciência para a sua própria atividade, que engendra o tipo particular de generalização que está presente num conceito científico, nas formas superiores do pensamento humano. “A abstração e a generalização do pensamento são fundamentalmente diferentes da abstração e da generalização das coisas” (VIGOTSKII, 1956, p. 304).(6)

Vygotskii viu a singularidade da generalização do pensamento na criação de uma pirâmide de conceitos, que permite uma passagem mental de uma propriedade particular de um objeto para outra através de um conceito geral. Tal conceito surge nas crianças antes de suas aplicações específicas. Vygotskii atribuiu um significado excepcional a esse fenômeno real do pensamento infantil (infelizmente, ainda não foi adequadamente estudado na psicologia infantil). Assim, ele escreveu o seguinte:

O pensamento, na expressão figurativa de Vogel, quase sempre se move para cima e para baixo na pirâmide de conceitos, e raramente numa direção horizontal. Esta situação, na sua época, significou uma revolução regular nos ensinamentos psicológicos tradicionais sobre a formação de conceitos. No lugar da noção anterior, segundo a qual um conceito emergia por um simples delineamento de atributos semelhantes a partir de uma série de objetos concretos, o processo de formação de conceitos passou a ser concebido pelos investigadores em sua real complexidade como um complicado processo de pensamento em uma pirâmide de conceitos, passando sempre do geral para o particular e do particular para o geral (VIGOTSKII, 1956, p. 207).

Mais uma observação de Vygotskii (1956, p. 208): “O processo de formação de conceitos se desenvolve a partir de dois aspectos – do aspecto do geral e do aspecto do particular – quase simultaneamente”.

Ao mesmo tempo, a investigação psicológica do pensamento numa pirâmide de conceitos com movimento bilateral é um problema de considerável dificuldade. O próprio Vygotskii (1956, p. 296) designou-o como “o problema de maior alcance e conclusivo” em sua investigação, e um que não está de forma alguma desenvolvido – pode-se acrescentar – e que foi apenas indicado em linhas gerais como uma tarefa para estudos futuros.

Ao adequar toda a estrutura de suas dúvidas teóricas à necessidade de articular o conteúdo particular da generalização do pensamento, Vygotskii não conseguiu estabelecer e descrever com precisão qual é o conteúdo. Para explicar as suas peculiaridades, ele promulgou o conceito de “relações comuns”, mas em primeiro lugar, as suas características superficiais tinham um sentido metafórico e, em segundo lugar, pela avaliação do próprio Vygotskii (1956), esse ponto da sua teoria era demasiado geral e sumário e permaneceu subdesenvolvido. A própria hipótese que foi apresentada a propósito disso é notável por expor o núcleo das aspirações teóricas de Vygotskii na resolução do problema da generalização.

Uma relação de comunhão é uma relação vertical de conceitos, por assim dizer, de acordo com o potencial de expressão um pelo outro (planta, flor, rosa). Dentro de uma única estrutura de generalização (sincretismos, complexos, pré-conceitos, conceitos) pode haver diferentes tipos de pontos em comum, e em diferentes estruturas pode haver pontos em comum de um único tipo (por exemplo, flor pode ser um significado geral e pode pertencer a todas as flores, tanto no nível do pensamento complexo quanto no nível do pensamento conceitual). Existem relacionamentos complexos aqui. Ao mesmo tempo, uma lei geral também é estabelecida para conectar relações de comunalidade com níveis de pensamento, estruturas de generalização. A cada um deles corresponde o seu próprio sistema específico de comunalidade e de relação entre conceitos gerais e particulares, a sua própria medida da unidade do abstrato e do concreto. Um objeto real pode ser refletido em diferentes sistemas de pontos comuns. Aqui, a ideia de Vygotskii é dirigida contra tornar absoluto algum tipo de relacionamento já conhecido, contra o esforço por parte de certas escolas psicológicas para reduzir a riqueza de formas de pensamento a alguma descrição formalmente inequívoca, na qual todos os gatos são pardos.(7) Ele afirma a diversidade qualitativa e a continuidade genética das medidas de comunalidade:

[...] O movimento do geral para o particular e do particular para o geral, no desenvolvimento dos conceitos, revela-se diferente em cada fase do desenvolvimento dos significados, em relação à estrutura de generalização que predomina nesse nível. Na passagem de um estágio para outro, o sistema de semelhanças muda, e toda a ordem genética para o desenvolvimento de conceitos superiores e inferiores muda (VIGOTSKII, 1956, p. 298).

Chamamos atenção para a última sentença – a “toda a ordem genética para o desenvolvimento de conceitos superiores e inferiores muda” (VIGOTSKII, 1956, p. 298). Assim, o domínio do particular sobre o geral, do concreto sobre o abstrato, é uma ordem particular intrínseca ao pensamento complexo e ao desenvolvimento de conceitos cotidianos. Essa relação muda para o oposto na estrutura da generalização de outro tipo – durante a generalização de pensamentos, nos conceitos científicos, o geral domina o particular.

Isto, em essência, foi a introdução do princípio do desenvolvimento no domínio das investigações especificamente psicológicas, uma orientação para a análise concreta da origem de formas superiores e melhores. Tal objetivo diferia essencialmente dos princípios da psicologia tradicional que, em quase todos os casos, estudava o problema da formação de conceitos na infância usando o exemplo de conceitos quotidianos, e depois estendia-o, sem qualquer verificação, a outras esferas do pensamento, incluindo conceitos científicos (VIGOTSKII, 1956).

Uma característica típica do pensamento especificamente conceitual propriamente dito – a possibilidade de designar qualquer conceito por um número infinito de métodos usando outros conceitos (a lei de seus equivalentes) atraiu a atenção de Vygotskii. Por exemplo, uma unidade pode ser expressa como a diferença de quaisquer números contíguos, como a razão entre qualquer número e ele mesmo, e assim por diante. A equivalência de conceitos depende das relações de comunalidade, da sua medida que, por sua vez, é determinada pela estrutura da generalização. Portanto, o nível de desenvolvimento do pensamento das crianças pode ser julgado objetivamente pela amplitude e liberdade da expressão mútua equivalente. “Os conceitos estão ligados, não pelo tipo de agregado, por fios associativos, e não pelo princípio das estruturas das imagens percebidas ou concebidas, mas pela própria essência da sua natureza, pelo princípio da relação com a comunalidade” (VIGOTSKII, 1956, p. 307). A medida de comunalidade determina o caráter, a orientação e os mecanismos de todas as operações que manifestam generalização em determinado nível de seu desenvolvimento. Assim, Vygotskii adequou todo o percurso de suas investigações à necessidade de distinguir entre conceitos racionais-empíricos (concepções gerais) e conceitos teóricos, propriamente científicos. A solução dessa questão, a nosso ver, pressupôs uma consideração especial e cuidadosa dos seus aspectos lógicos e epistemológicos do ponto de vista da dialética. Em particular, era importante comparar a interpretação tradicional, lógico-formal, do geral com a sua interpretação dialética, mas Vygotskii (1956, p. 296) acreditava que é o “aspecto lógico dessa questão, que foi desenvolvido e estudado com suficiente completude,” e que se deve passar diretamente à resolução de “problemas genéticos e psicológicos relacionados com essa questão”. Contudo, no início da década de 1930, tal conclusão era prematura – naquela altura, a nossa lógica dialética ainda não tinha compreendido ou assimilado o rico legado filosófico clássico na resolução dessa questão, de modo a poder falar com confiança de completude suficiente no desenvolvimento do seu aspecto lógico.

Essa circunstância foi detectada nas obras do próprio Vygotskii, em sua distinção entre conceitos espontâneos (cotidianos) e científicos. Infelizmente, Vygotskii não possui uma base bem desenvolvida para tal distinção, mas em uma obra de Shif (1935), cujo prefácio foi escrito por ele mesmo, são citados os seguintes fundamentos para distinguir entre esses tipos de conceitos:

Ao falar de conceitos espontâneos, aduzimos o contato com um amplo meio social e a ausência de um sistema no conhecimento assim adquirido como índice básico das condições de formação desses conceitos e como sua fonte. É um determinante para conceitos científicos [...] que são adquiridos e desenvolvidos sob a orientação do professor e com a sua ajuda, e que os conhecimentos são transmitidos às crianças num determinado sistema aqui (SHIF, 1935, p. 32).

O autor continua:

A criança incorpora uma série de conceitos nas condições de sua experiência pessoal, nas condições de um contato amplo e extra sistêmico com um amplo meio social. Esses são os conceitos comuns que lhe são próximos, que concordamos em chamar de conceitos “cotidianos”. Alguns conceitos surgem apenas na escola, no processo de educação. A sua fonte não é a experiência pessoal da criança – ela começa a sua vida com uma palavra ou com uma definição (SHIF, 1935, p. 75).

Assim, a diferença determinante entre os conceitos cotidianos e os científicos foi encontrada, não no seu conteúdo objetivo, mas no método e nas formas de domínio (experiência pessoal... o processo de instrução). Alguns estão sem sistema, outros são dados em um sistema. Conceitos científicos são conceitos especificados na escola.(8)

Contudo, como se sabe, os conceitos empíricos também possuem um certo sistema (por exemplo, no domínio das relações gênero-tipo). Na escola, especialmente nas séries primárias, são exatamente esses conceitos que são ensinados, em geral. É claro que os conceitos científicos são dados num sistema – mas num sistema particular (veja o capítulo 7). É esse ponto, decisivo num nível lógico, que Vygotskii e os seus colaboradores ignoraram. Portanto, o critério genuíno para conceitos científicos não foi dado em suas obras.

Como resultado, as considerações no sentido de que o pensamento se move numa pirâmide de conceitos, tanto do geral para o particular como do particular para o geral, perdem definição inequívoca. A questão é que, em princípio, isto é permitido numa pirâmide mais ou menos sistematizada de conceitos empíricos. O domínio que parte do geral, de uma definição verbal em si, não caracteriza de forma alguma a natureza científica de um conceito – quaisquer concepções gerais empíricas cotidianas podem ser especificadas de maneira semelhante no ensino.(9)

Várias teses de Vygotsky, relacionadas com o problema da generalização e da formação de conceitos, mantêm o seu significado acadêmico para a psicologia moderna. Vamos apontar os básicos:

  1. existe, acima de tudo, a ideia de análise genética causal como método de investigação de um problema,
  2. uma compreensão da necessidade de distinguir entre a generalização das coisas e a generalização das ideias, uma vez que estão relacionados a um tipo diferente de conexão entre o geral e o particular, e
  3. inclusão nos mecanismos psicológicos de um conceito teórico da característica de consciência do ato de pensamento, reflexão, investigação da origem e natureza do próprio conceito.

Notas de rodapé:

(1) N. A.: A metodologia e os dados experimentais desses estudos são detalhados nos trabalhos de Vygotskii e seus colaboradores (Vygotskii, 1956; Vygotskii, 1960; SHIF, 1935). Aqui, lançamos alguma luz, principalmente sobre o aspecto teórico do assunto, com exposição mínima de materiais empíricos. (retornar ao texto)

(2) N. T.: Mantida a grafia do texto fonte, sem data de publicação. Não há informações sobre esta obra na lista de referências do original. (retornar ao texto)

(3) N. A.: Uma expressão de Hegel, que apontou uma circunstância semelhante de forma vívida, é bem conhecida: “[...] um ditado moral, saindo dos lábios de um jovem, mesmo que ele o tenha entendido totalmente e de forma correta, é desprovido do significado e do alcance que tem para a mente de um homem maduro que a vida tornou sábio, que expressa nele toda a força do conteúdo que lhe é inerente”; Lenin (s.d.b, p. 90) valorizou muito essa ideia de Hegel: “uma boa comparação (materialista)”. (retornar ao texto)

(4) N. A.: Aqui, Vygotskii (1956) não diminuiu, de forma alguma, o papel da referência de objeto em todas as formas de generalização. Assim, ele enfatizou particularmente o seu papel na explicação materialista de um conceito: “O que é mais essencial para um conceito é a sua atribuição à realidade [...]” (VIGOTSKII, 1956, p. 149). (retornar ao texto)

(5) N. A.: Deve-se enfatizar que foi o estudo cuidadoso desses diferentes processos que permitiu a Vygotskii estabelecer a identidade de seu conteúdo objetivo. (retornar ao texto)

(6) N. A.: Aqui, Vygotskii enfatizou constantemente o fato de que um novo tipo de generalização surge com base em uma generalização inferior, e permanece em constante inter-relação com ela (particularmente, os conceitos científicos surgem em virtude dos fundamentos estabelecidos pelos conceitos cotidianos). (retornar ao texto)

(7) N. A.: Vygotskii (1956) objetou categoricamente a redução das características qualitativas da mente a certos denominadores comuns. Logo, ele viu um grande defeito na psicologia da Gestalt em seu apagamento, através de seu próprio “denominador estrutural”, de quaisquer fronteiras entre “o pensamento em suas melhores formas e a percepção mais elementar” (Vygotskii, 1956, p. 328). (retornar ao texto)

(8) N. A.: Shif (1935, p. 33) escreveu que “os conceitos que as crianças adquirem na escola [...] concordamos em chamar de ‘científicos’ [...]”. (retornar ao texto)

(9) N. A.: Recentemente, tentativas estão sendo feitas novamente para caracterizar o movimento para um conceito da palavra como método distinto de domínio (KABANOVA-MELLER, 1962). Há, aqui, uma qualidade distintiva, porque em princípio, todos os conceitos especificados na escola são apreendidos pelas crianças naquele conteúdo que já é determinado pelo professor (de forma mais ampla pelo assunto educacional). Contudo, isso ainda não diz nada sobre o tipo de tais conceitos. (retornar ao texto)

Inclusão: 19/03/2024