Sobre o trabalho entre as mulheres

Giocondo Dias

Janeiro de 1982


Primeira publicação: Jornal A Voz da Unidade, edição 89, 15/21 de janeiro de 1982.
Transcrição: Lucas Silva.
HTML: Lucas Schweppenstette.

As teses ora em discussão dizem que nós, comunistas, “apoiamos e estimulamos o movimento específico e autônomo e a luta contra as desigualdades que penalizam a mulher em todos os terrenos”. E, mais adiante, salientam: “Não se pode pensar em avançar na luta democrática sem que, paralelamente, avancem os direitos da mulher”.

As afirmações acima mencionadas têm profundo sentido autocrítico, pois reconhecem a nossa subestimação do papel que a mulher deve desempenhar na sociedade, bem como as nossas deficiências na luta para aplicar a Resolução de maio de 19791.

Desejo externar a minha opinião sobre assunto tão importante e tão sério. E, na medida das minhas possibilidades, procurar dar a minha modesta contribuição.

As mulheres sofrem uma opressão específica que as abrange em seu conjunto — ao lado da opressão de classe que atinge um grande setor —, que consiste numa situação de subordinação, discriminação e dependência perante os homens e frente a sociedade e ao Estado. Tal opressão se expressa na desigualdade que padecem – embora de maneira diferente segundo a classe a que pertencem, no aspecto político, econômico, cultural e social —, opressão esta que se vê reforçada na família pelo papel das mulheres na transmissão da ideologia. As trabalhadoras assalariadas realizam um duplo trabalho e experimentam uma dupla opressão, a que se refere ao especificamente feminino e à exploração de classe.

A luta pela libertação das mulheres adquire um alto conteúdo revolucionário, porque delineia a necessidade de mudanças no conjunto da sociedade, que compreendem não somente o campo econômico como também o ideológico e o político-jurídico. Neste sentido, a discussão da questão da mulher adquire especial importância, porque permite definir nosso projeto de sociedade, não só no que se refere às relações de produção, mas também no que diz respeito às novas relações sociais.

É necessário empreender desde agora a luta a fim de resolver as seguintes questões: 1) a integração das mulheres ao trabalho social produtivo; 2) a socialização e tecnificação do trabalho doméstico, mediante a criação de serviços, como creches, restaurantes, lavanderias populares, etc., que tendam a eliminar a dupla jornada; 3) a promulgação de leis que as liberem de sua condição subordinada; e 4) enfrentar com êxito a moral dominante e os costumes ancestrais, que as confinam em situações de inferioridade do ponto de vista da cultura.

Devido às tarefas que deverão cumprir, os comunistas concebem a revolução socialista como produto da luta do proletariado e como resultado das lutas de vários setores e categorias sociais, entre eles as mulheres. Não obstante, para conquistar a superação desse estado secular de sujeição e subordinação, é necessária a mais ampla luta popular, especialmente da classe operária, que estimule a existência, e que tinha a força suficiente para impulsionar as mudanças.

É importante o avanço na organização das mulheres e a luta para que haja unidade de ação entre os diversos grupamentos feministas, os partidos, sindicatos, associações, bem como nas diversas batalhas que começam a ser empreendidas (como a que se refere à maternidade voluntária), porque abrem caminho à renovação dos costumes e a conquistas profundas. Devemos, contudo, reconhecer que o movimento de massas feminino é ainda incipiente e que só nos últimos tempos começa, com grandes dificuldades, a sua longa e árdua caminhada.

Por outro lado, o movimento feminino se ressente da falta de um movimento operário forte e autônomo, livre do controle do Estado; e do fato de vivermos e atuarmos numa situação de transição, onde não estão assegurados os elementos essenciais dos direitos humanos e a vida democrática é por demais limitada.

É de grande relevância a necessidade de se ampliar o número de forças sociais que se incorporem à luta; e, no que se refere às mulheres, a responsabilidade dos comunistas é a de trabalhar pelo fortalecimento das organizações e dos movimentos femininos, e para que se desenvolva um grande movimento autônomo e unitário, quer dizer: que não dependa do Estado, de nenhum partido político ou qualquer outra força, no qual sejam as mulheres que decidam democraticamente a conduta de sua organização, com a consciência de que a luta pela libertação feminina não é nem pode ser problema exclusivo de um só partido ou de um grupo. As mulheres devem lutar por sua libertação, não só como parte integrante dos partidos e organizações sociais, mas de forma autônoma, com tarefas e metas específicas, mesmo no interior desses partidos e organizações.

As responsabilidades dos comunistas no desenvolvimento do movimento das mulheres deve se expressar no impulso que se dê ao mesmo, desde as organizações de base, assim como na atividade de cada frente específica: sindical, camponesa, estudantil, etc., conferindo-se especial atenção à organização dos trabalhadores assalariados, valorizando, além do mais, o caráter múltiplo que tem a luta por sua emancipação.

Os comunistas sempre têm proclamado a necessidade da libertação das mulheres, no entanto, só nos últimos tempos é que o referido conceito vem ganhando plena compreensão e aceitação, convertendo-se em parte significativa da nossa luta. Da atitude que assumirmos em face dos seus movimentos dependerá, em grande medida, que se considere as mulheres como parte integrante do conjunto das forças revolucionárias, abandonando-se a mentalidade de que elas constituem um setor unicamente de apoio.

Não obstante, nós, comunistas, como constituintes da sociedade atual, não estamos isentos das formas de tratamento, costumes e avaliações que não concorrem para acabar com a opressão da mulher. Existem concepções atrasadas que se refletem, por um lado, na escassa importância que se dá ao trabalho com as mulheres e, por outro, no tratamento que dificulta sua atividade em termos de qualidade. Por isso, devemos empreender uma luta ideológica, dentro e fora de nossas fileiras, que combata as velhas concepções que encaram o trabalho com as mulheres como secundário. E, além do mais, ter consciência de que a militância das mulheres exige medidas concretas que reduzam os efeitos das condições predominantes na sociedade, tendentes e encerrá-las na vida do lar.

Do mesmo modo, é necessário combater, no seio das nossas fileiras, as relações eivadas de elementos de discriminação e subordinação. Tais relações devem ceder espaço a uma participação das mulheres, de forma que a cooperação, o companheirismo e a solidariedade sejam os princípios sobre os quais se apoiem as relações entre os comunistas.

As militantes comunistas devem ser conscientes de sua condição de mulher e da especificidade de sua opressão, e de que as batalhas pela libertação requerem formas de lutas particulares. As comunistas estão chamadas a uma militância múltipla, como comunistas e como mulheres. Porém, isso requer que os comunistas criem os instrumentos que impulsionem e auxiliem em todos os escalões o desenvolvimento do trabalho feminino: as comissões de trabalho entre as mulheres, as quais devem contribuir para uma elaboração que objetive a atualização da nossa política sobre essa questão, partindo do entendimento de que todos os comunistas, não só as mulheres devem ser responsáveis pelo seu desenvolvimento.

Os comunistas devem compreender que um chamamento às mulheres para que se incorporem às tarefas revolucionárias não será escutado, ou o será pela metade, se não se adotarem como metas as demandas especificamente femininas, pelas quais hoje em dia tendem a se organizar as mulheres.


Inclusão: 20/09/2023