Forma e Conteúdo: Prática

Sergei Eisenstein

1940


Primeira Edição: Escrito em 1940 e publicado na revista Iskusstvo Kino (Arte Cinematográfica) em janeiro de 1941 com o título de “Montagem Vertical”. Ultimo de uma série de três ensaios. Os dois anteriores foram publicados nas edições de setembro e dezembro desta mesma revista.

Tradução: Reinaldo Pedreira Cerqueira da Silva

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


. . . se, a uma composição que já é interessante devido à escolha do tema, tu acrescentas uma disposição de linhas que aumenta o efeito, se tu acrescentas o chiaroscuro que atraia e prenda a imaginação, e cor adequada aos personagens, tu “resolvestes um difícil problema – tu entraste no reino das ideias superiores, fazendo o que o músico faz quando, para um único tema, adiciona recursos de harmonia e suas combinações”.
EUGENE DELACROIX(1)

Eu sempre pegava a partitura e a lia cuidadosamente durante a execução, a fim de que, ao mesmo tempo, reconhecesse o som – a voz – como se fosse – de cada instrumento e a parte que lhe era destinada. . . Ouvindo atentamente, também descobri, por mim mesmo, a intangível ligação entre cada instrumento e a verdadeira expressão musical.
HECTOR BERLIOZ(2)

Um poema de Shakespeare ou Verlaine, que parece tão livre e vivo e tão distante de qualquer objetivo consciente como a chuva que cai sobre um jardim, ou as luzes do entardecer, revela-se o discurso rítmico de uma emoção de outro modo incomunicável, pelo menos tão adequadamente.
JAMES JOYCE(3)

No ensaio A sincronização dos sentidos apreciamos os novos aspectos propostos pela combinação audiovisual – que resolve inteiramente um novo problema composicional. A solução deste problema composicional leva a descobrir uma chave para à medida que combina o tamanho de uma faixa musical e com a da faixa da imagem; a chave da igualdade rítmica deve-nos capacitar a unir ambas as faixas "verticalmente" ou simultaneamente: igualando cada frase musical contínua a cada fase das contínuas faixas de imagem paralelas – nossos planos. Isto será condicionado por nossa adesão à lei que nos permite combinar "horizontalmente" ou continuamente: plano após plano, no cinema mudo - frase após frase de um tema em desenvolvimento na música. Orientamo-nos neste problema por uma análise das teorias existentes sobre a relação dos fenômenos sonoros e visuais. Nós examinamos também o aspecto das relações dos fenômenos visuais e sonoros com emoções particulares.

Com estes problemas na cabeça, discutimos a questão da correlação entre música e cor. E concluímos que a existência de equivalentes "absolutos" de som e cor – mesmo se encontrados na natureza – não podem desempenhar um papel decisivo na obra criativa, exceto de um modo ocasional, "complementar".

O papel decisivo é desempenhado pela estrutura da imagem da obra, não tanto usando correlações universalmente aceitas, mas estabelecendo em nossas imagens de particulares obras criativas quaisquer correlações (de som e enquadramento, som e cor, etc.) que sejam ditadas pela ideia e tema da obra particular.

Passemos agora das premissas genéricas para os métodos concretos de construção de relações entre música e plano. Esses métodos não vão variar na essência, não importa a mudança de circunstancias: não faz diferença se o compositor escreve a música para "ideia geral" de uma sequência, ou para a montagem provisória ou final da sequência; ou, se o procedimento tenha sido organizado em direção oposta, com o diretor construindo a montagem visual para a música que já tinha sido composta e gravada na trilha sonora.

Gostaria destacar que em Alexandre Nevsky literalmente todas estas abordagens possíveis foram utilizadas. Há sequências em que os planos foram montados de acordo com a trilha musical previamente gravada. Outras para as quais peças da música inteira, foi escrita de acordo com a montagem final dos planos. Há sequências que contêm ambas as abordagens. Há até sequências que fornecem material para humoristas. Tal caso ocorre, por exemplo, na cena da batalha onde gaitas e tambores são tocados pelos soldados russos vencedores. Não consegui achar um modo de explicar para Prokofiev qual efeito preciso deveria ser "visto" em sua música para aquele instante de alegria. Vendo que não estávamos chegando a lugar nenhum, mandei que fossem fabricados alguns instrumentos "adereços", filmei-os sendo tocados (sem som) visualmente, e projetei os resultados para Prokofiev – que quase imediatamente entregou-me um exato "equivalente musical" daquela imagem visual de gaitas e tambores que lhe mostrara.

De modo semelhante foram produzidos os sons das trombetas sopradas pelas fileiras alemãs. Do mesmo modo, mas inversamente, seções inteiras da partitura algumas vezes sugeriam soluções visuais plásticas, que nem de nós dois havíamos vislumbrado antes. Frequentemente essas seções se adequavam tão perfeitamente "som interior" unificado da sequência que agora eles parecem "vislumbrados de modo anterior." Foi o caso da cena de Vaska e Gravilo Olexich se abraçando antes de partirem de seus postos, assim como de uma grande parte da sequência dos cavaleiros galopando para o ataque – ambas as sequências tiveram efeitos que não esperávamos absolutamente.

Estes exemplos são citados para confirmar a declaração de que o "método" que estamos propondo agora foi provado "de trás para frente" para verificarmos todas as suas possíveis variações e matizes.

O que é então este método de construção de correspondências audiovisuais? Uma respostar, ingênua, para este problema será descobrir elementos equivalentes para a representação na música. Esta resposta seria não apenas ingênua, mas infantil e absurda também, inevitavelmente relaciono a confusão de Shershavin no romance de Pavlenko Aviões vermelhos voam pro Leste:

De sua mochila ele retirou um caderno com uma capa de oleado descascado, com a inscrição Música...

"O que é isto?” ela perguntou.

“Minhas impressões sobre a música”. Certa vez tentei reduzir tudo o que ouvia em um sistema, para entender a lógica da música antes de entender a música em si. Encantei-me com certo velho, um pianista de cinema, um ex-coronel da Guarda. “O que faz estes instrumentos soarem assim”? 'Como coragem, ' disse o velho. 'Por que coragem? ' Repliquei. Ele deu de ombros. 'Dó maior, si bemol maior, fá bemol maior são tons firmes, resolutos, nobres, ' ele explicou. Habituei-me a vê-lo antes do filme começar e conquistei-o com minha ração de cigarros- já que eu não fumava – e perguntava-lhe como a música devia ser entendida... .

"Continuei a visitá-lo no cinema, e em papéis de bala ele escreveu o nome das obras que ele tocava e seu efeito emocional. Abra o caderno e riremos juntos." . . .

Ela leu:

“Canção das Donzelas de Demônio de Rubinstein: tristeza”.

“Fantasiestuecke (Peça de Fantasia), nº 2 de Schumann: inspiração”.

“Barcarolle (Barcarola) dos Contos de Hoffman de Offenbach: amor”.

"Ouverture (Abertura) para a Dama de Espada de Tchaikovski: doença."

Ela fechou o caderno.

"Não posso continuar a ler,” disse. “Estou envergonhada de ti.”

Ele corou, mas não se rendeu.

"E, sabe, escrevi e escrevi, ouvi e tomei notas, comparei, confrontei. Um dia o velho estava tocando algo grandioso, inspirado, alegre, animador, e eu imaginei imediatamente o que denotava: significava arrebatamento. Ele terminou a peça e me jogou uma nota. Acontece que ele estava tocando Dança Macabra, de Saint-Saens, um tema de terror e horror. E eu percebi três coisas: primeiro, que meu coronel não entendia nada de música; segundo, que era burro que só ele, e terceiro, que apenas forjando alguém se torna ferreiro”(4)

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FIGURA 1 (Dois planos de Alexandre Nevsky mostrados para Prokofiev por
Eisenstein (ver acima), para que
o compositor escrevesse seu “equivalente musical").
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Figura 2

Além de definições patentemente absurdas como estas, quaisquer definições que se aproximem deste método de compreensão limitadamente representativa da música inevitavelmente conduz a visualizações de caráter muito banal – se , por qualquer razão forem exigidas visualizações:

"Amor": um casal se abraçando.

"Doença": uma velha com um saco de água quente no estômago.

Se ainda também evocarmos a imagem da "Barcarolle" uma série de cenas de Veneza, e a Abertura da dama de Espada várias paisagens de São Petersburgo – o que acontece? A "ilustração" dos amantes e a "ilustração" da velha são destruídas.

Mas retiremos destas “cenas” venezianas apenas os movimentos de aproximação e afastamento da água, combinamos com o jogo de luzes correndo e retrocedendo sobre a superfície dos canais, e imediatamente nos afastamos, pelo menos um grau, da série de fragmentos de "ilustração", e nos aproximamos de uma resposta para o movimento de uma barcarola sentido interiormente.

O número de imagens “pessoais” que surgem desse movimento interior é ilimitado.

E todas irão refletir este movimento interno, porque todas se basearão na mesma sensação. Isto inclui até a ilustração engenhosa da “Barcarola” de Offenbach pelas mãos de Walt Disney(5), onde a solução visual é um pavão cuja cauda reverbera "musicalmente” e que olha para o lago para lá encontrar os contornos idênticos das penas opalescentes de sua cauda reverberando de cabeça para baixo.

Todas as aproximações, retrocessos, ondulações, reflexos e opalescências que chegam à cabeça com uma essência adequada a ser retirada das cenas venezianas foram mantidas por Disney de acordo com o movimento da música: a cauda aberta e seu reflexo se aproximam e se afastam de acordo com a proximidade, do lago da cauda aberta em leque – as penas tremulam e reverberam – e assim por diante.

O que é importante aqui é que a imagem nunca está em contradição com "tema de amor" da "Barcarola." Somente há uma substituição de amantes “retratados” por um traço característico de amantes – aproximações e recuos opalácios sempre-cambiantes de aproximações e afastamentos um do outro. Ao invés de um plano literal, este traço tornou possível uma base de composição, tanto para o estilo de desenho de Disney nesta sequência quanto para o movimento da música.

Bach, por exemplo, construiu sua música sobre esta mesma base, procurando eternamente por aqueles movimentos meios que davam expressão ao movimento fundamental personalizando seu tema. Em sua obra sobre Bach, Albert Schweitzer fornece inúmeras citações musicais para prová-lo, inclusive a curiosa circunstância encontrada na Cantata de Natal nº 121(6):

Até onde ele ousará ir na música é revelado pela cantata de Natal Cristum weir sollen loben schon (nº 121). O texto da ária "Johannis freudenvolles Springen erkannte dich mein Jesu schon " refere-se à passagem do evangelho de São Lucas, "E, aconteceu que, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o bebê deu saltos no útero." A música de Bach é simplesmente uma grande série de convulsões violentas.

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Figura 4

Uma busca semelhante, ainda mais involuntária, foi confessada por um tipo bem diferente de compositor, Giuseppe Verdi, em carta a Leon Escudier:

Hoje enviei a Ricordi o último ato de Macbeth terminado e revisto. . . .

Quando ouvi-lo, observará que escrevi uma fuga para a batalha!!! Uma fuga? Eu, que repilo tudo o que cheira a academia e que não faço uma coisa há quase trinta anos!!!! Mas digo-lhe que neste caso, essa forma musical é a ideal. A repetição do tema e do contra-tema, o choque das dissonâncias, os sons entrechocantes, expressam uma batalha bastante bem ...(7)

As imagens musicais e visuais na realidade não são medidas através de elementos estritamente "plásticos". Se alguém fala de profundas relações genuínas e proporções entre a música e a imagem, só pode set com referência às relações entre os movimentos fundamentais da música e o plano, i.e., elementos estruturais e composicionais, já que relações entre "planos" , e os "planos" produzidos pelas imagens musicais, são em geral tão individuais quanto à percepção e tão pouco concretos que não podem caber em “recomendações” rigorosamente metodológicas.

O exemplo de Bach é prova eloquente disso.

Podemos falar apenas do que é realmente "comensurável" i.e., o movimento na base tanto da lei estrutural da peça determinada, quanto da lei estrutural da representação pictórica determinada.

Neste caso, uma compreensão das leis estruturais do processo e do ritmo que estão na base da estabilização e desenvolvimento de ambos proporciona o único fundamento firme para o estabelecimento de uma unidade entre os dois.

Isto ocorre não apenas porque esta compreensão do movimento regulado é "materializada" em igual medida através da especificidade particular de qualquer arte, mas é principalmente porque a lei estrutural é geralmente o primeiro passo em direção à personificação de um tema através de uma imagem ou forma da obra criativa, não importa o material no qual o tema é modelado.

Isto fica claro contanto que trabalhemos com a teoria. Mas o que acontece na prática?

A prática revela este princípio com uma simplicidade e clareza ainda maiores.

A prática é construída, de certo modo, de acordo com as seguintes linhas:

Todos nós falamos de peças particulares de música como "transparente" ou como "dinâmica", ou como tendo um "padrão definido", ou com tendo "traços indiferenciados".

Nós fazemos isto devido a muito de nós, enquanto ouve música, entreve algum tipo de imagens plásticas, vagas ou nítidas, concretas ou abstratas, mas de alguma forma particularmente relacionada e correspondendo a nossas próprias percepções de uma dada música.

No caso mais raro de uma visualização abstrata ao invés de concreta ou dinâmica, um episódio que alguém registrou a respeito de Gounod é significativo. Ao ouvir um concerto de Bach, Gounod súbita e ponderadamente observou: "Eu sinto algo octogonal nesta música. . . ."

Esta declaração é menos surpreendente quando lembramos que o pai de Gounod "era um pintor de grande mérito" e sua avó materna era "uma musicista e uma poetisa também."(8) Ambas as correntes de impressões foram tão vívidas em sua infância, que ele registrou nas suas Memórias as possibilidades igualmente atraentes de trabalhar tanto nas artes plásticas como na música.

Mas numa análise final tal "geometrismo" pode não ser tão excepcional.

Tolstoi, por exemplo, fez a imaginação de Natasha retratar um conjunto muito mais intricado - uma imagem completa de um homem – através de uma figura geométrica: Natasha descreve Pierre Bezukhov para sua mãe como um "quadrante azul."(9)

Dickens, outro grande realista, ocasionalmente mostra as imagens de seus personagens através deste "meio geométrico," e é bastante provável que, nestes casos, seja apena através deste meio que possa revelar a personagem “profundamente”.

Vejamos o Sr. Gradgrind na página de abertura de Hard Times (Tempos Difíceis) – um homem de parágrafos, cifras e fatos, fatos, fatos:

O cenário era abóboda simples despojada, monótona de uma sala de aula. E o dedo indicador quadrado do orador enfatizava suas observações sublinhando cada sentença com uma linha feita na manga do professor. A ênfase era ajudada pela parede quadrada da testa do orador, que tinha as sobrancelhas como base, enquanto seus olhos encontravam cômoda instalação em duas escuras cavernas, sombreadas pela parede. O porte obstinado do orador, casaco quadrado, pernas quadradas, ombros quadrados – mais ainda, seu próprio cachecol, treinado para rodear sua garganta sem dar um aperto incomodo, como um fato obstinado, o que realmente era - , tudo aumentava a ênfase.

"Nesta vida, só o que queremos são Fatos, senhor; nada além de Fatos!”

Outro exemplo de nossa visualização normal da música é a capacidade de cada um de nós, naturalmente com variações individuais e com um grau maior ou menor de expressividade, de "descrever" com o movimento das nossas mãos, o movimento percebido por nós em alguma nuança da música.

O mesmo é verdadeiro quanto à poesia, onde o ritmo e a métrica são sentidos pelo poeta, originariamente, como imagens de movimento.

Puchkin expressou claramente como o poeta se sente quanto a esta identificação entre métrica e movimento, em sua estrofe irônica, a sexta de O chalé em Kolomma:

Pentâmetros exigem uma cesura para descanso
Depois do Segundo pé, concordo.
Se não tu oscilas entre fosso e cume.
Mesmo que estejas reclinado num sofá,
Sinto-me como se um cocheiro embriagado
Estivesse me sacudindo sobre campos de milho numa carroça.(10)

E é Puchkin quem proporciona alguns dos melhores exemplos de tradução do movimento de um fenômeno para o verso.

Por exemplo, o bater de uma onda. O idioma russo não tem uma palavra que descreva adequada e sucintamente todo o movimento de uma onda, subindo numa subindo numa curva e espirrando água quando cai. A língua alemã é mais afortunada: tem uma palavra composta - wellenschlag- que descreve este quadro dinâmico com absoluta exatidão. Em algum lugar Dumas pai lamenta o fato de a língua francesa obriga os escritores escrever: "o som da água batendo contra a superfície," enquanto um escritor inglês tem à sua disposição a palavra singular rica,"splash."

Porém, duvido que a literatura de qualquer nação tenha mais brilhante tradução para o movimento da poesia, da dinâmica das ondas batendo, do que a passagem da enchente de o cavaleiro de Bronze, de Puchkin. Em seguida ao conhecido dístico:

Vejam Petropol como flutua,
Como Tritão no fundo, até a cintura!

prorrompe a enchente:

Um cerco! Perigosas ondas, atacando
Sobem como ladrões pelas janelas; refluindo,
As duras proas dos barcos golpeiam o vidro;
Tinas, cheias de panos ensopados, passam boiando;
E toras, telhados e choças, tudo despedaçado,
Espalhadas as mercadorias dos prósperos comerciantes,
E as míseras quinquilharias do esmoler,
Pontes varridas pelas rajadas de vento,
Caixões arrancados dos túmulos alagados - tudo
Nadando nas ruas!(11)

A partir do material apresentado acima podemos formular um método simples, prático, de combinações audiovisuais.

Nós devemos saber como apreender o movimento de uma determinada peça musical, fixando seu caminho (sua linha ou forma) como base da composição plástica que deve corresponder à música.

Já existem exemplos deste método, de construir uma composição plástica com base em linhas musicais firmemente determinadas, no campo da coreografia do balé, onde há uma total correspondência entre o movimento da partitura e o da mise-en-scène.

Porém, quando temos diante de nós vários planos com "independência" igual(12), pelo menos no que diz respeito à sua flexibilidade original, mas diferindo na composição, devemos, mantendo a música diante de nós, selecionar e organizar apenas os planos que demonstrem corresponder à música de acordo com as condições acima citadas.

Um compositor deve seguir o mesmo procedimento quando pega uma sequência montada cinematográfica: ele é obrigado a analisar o movimento visual tanto através da construção abrangente da montagem, quanto da linha estilística desenvolvida de plano a plano - até as composições dentro dos planos. Ele terá de basear sua composição de imagem musical nesses elementos.

O movimento que reside na base da obra de arte não é abstrato ou isolado do tema, mas a personificação plástica sintética da imagem através da qual o tema é expresso.

"Subindo," "expandindo-se," “quebrado", "bem alinhavado", "mancando", "desenvolvendo-se suavemente”, "remendado", "ziguezagueando" - são termos usado para definir este movimento nos casos mais abstratos e generalizados. Veremos em nosso exemplo como uma linha pode conter não apenas as características dinâmicas mas também todo um conjunto complexo de elementos fundamentais e significados particulares para aquele tema e àquela imagem. Algumas vezes a personificação primaria da futura imagem será encontrada na entonação. Mas isto não afetará as condições básicas – porque a entonação é o movimento da voz queflui do movimento da emoção, que deve servir como um fator fundamental para se esboçar a totalidade da imagem.

É exatamente este fato que torna tão fácil descrever uma entonação com um gesto, assim como um movimento da música em si. Da base do movimento da música, todas estas manifestações brotam com força igual - a entonação da voz, o gesto e o movimento do homem que executa a música. Em outra parte consideraremos este ponto com mais detalhes.

Aqui queremos salientar que a linha pura , isto é o esboço particularmente “gráfico" de uma composição, é apenas um dos muitos meios de se visualizar o caráter de um movimento.

Esta "linha" – o caminho do movimento – sob diferentes condições e em diferentes obras de arte plásticas – podem ser obtidas de outros modos além dos puramente lineares.

Por exemplo, o movimento pode ser obtido com o mesmo sucesso através de matizes diferentes dentro da estrutura imagística de cor ou luz, ou pelo desdobramento sucessivo de volumes e distâncias.

Em Rembrandt, a "linha de movimento" é descrita pelas densidades cambiantes de seu chiaroscuro.

Delacroix encontrou sua linha através do caminho seguido pelo olho do espectador ao se mover de forma para forma, de modo como às formas são distribuídas ao longo do volume da pintura. Ele registrou em seu Diário sua admiração pelo uso, por Leonardo, de "Ie systeme antique du dessin par boules" ( o sistema antigo de desenho por bolas)(13), um método que, de acordo com seus contemporâneos, o próprio Delacroix usou durante toda a sua vida.

Num impressionante eco próximo das ideias de Delacroix sobre linha e forma, o Frenhofer de Balzac (em Le Chef-d'ceuvre Inconnu) (A obra prima desconhecida), diz que o corpo humano não é feito de linhas e, falando rigorosamente, "II n'y a pas de lignes dans la nature ou tout est plein" (Não existem linhas na natureza, onde tudo é cheio).

Em oposição a tal ponto de vista, podemos invocar um entusiasta do "contorno" - William Blake, cujo patético apelo,

Ó querida Mãe contorno, Sábia entre as sábias . . .(14)

Pode ser encontrado entre suas mais ásperas polêmicas com Sir Joshua Reynolds, e contra a preocupação insuficiente de Sir Joshua com a firmeza do contorno.

Deve ficar claro que nosso argumento não diz respeito ao fato do movimento na obra de arte, mas aos meios pelos quais este movimento é personificado, que é o que caracteriza e distingue a obra dos diferentes pintores.

Na obra de Durer, tal movimente é frequentemente expresso pela alternância de fórmulas matematicamente exatas através das proporções de suas figuras.

Isto não está muito longe da expressão de outros pintores, Michelangelo em particular, cujo ritmo flui dinamicamente através dos músculos ondulantes e túrgidos de suas figuras, servindo assim para dar voz não apenas ao movimento e posição destas figuras, mas basicamente para dar voz a todo o êxtase das emoções do artista.(15)

Piranesi revela um êxtase não menos emocional com sua linha particular - uma linha construída a partir dos movimentos e variações dos "contra-volumes" - os arcos e abóbodas quebrados de seus Carceri, com suas linhas entrelaçadas de movimento, entretecidas com as linhas de suas intermináveis escadas – rompendo o ponto de fuga espacial acumulado com um ponto de fuga linear.

De modo semelhante, Van Gogh expressa o movimento de sua linha com sucessivas e espessas pinceladas de cor, como que num esforço desesperado para fundir o êxtase de sua linha a uma extasiante explosão de cor. A seu modo ele usava uma lei de Cézanne que não poderia conhecer – uma lei usada de um modo inteiramente diferente pelo próprio Cézanne:

Le dessin et la couleur ne son point distincts… (O desenho e a cor não são absolutamente diferentes…)(16).

Além disso, qualquer “comunicador" percebe a existência de tal "linha". Um especialista de qualquer meio de comunicação tem de construir sua linha, se não a partir de elementos plásticos, então certamente de elementos "dramáticos" e temáticos.

Neste caso, devemos ter em mente que, no cinema, a seleção de "correspondências" entre quadro e música não deve satisfazer-se com nenhuma dessas "linhas," ou mesmo com uma harmonia de várias usadas juntas. Além dos elementos formais gerais, a mesma lei tem de determinar a seleção das pessoas certas, dos rostos certos, dos objetos, das ações certas e das sequências certas, diferente de todas as seleções igualmente possíveis dentro das circunstancias de uma situação dada.

Voltando aos dias do cinema mudo, falávamos de "orquestração" da tipagem de rostos(17) em repetidos casos (por exemplo, na produção da “linha” ascendente de tristeza, através dos primeiros planos intensificados, na sequência do "velório de Vakulinchuk" em Potemkin) .

De modo parecido, no cinema falado surgem momentos como os mencionados acima: o abraço de adeus entre Vaska e Gavrilo Olexich em Alexandre Nevsky. Isto só poderia ocorrer em um momento preciso da partitura musical, do mesmo modo que os primeiros planos dos elmos dos cavaleiros alemães não podiam ser usados antes do momento em que o foram na sequência do ataque, porque apenas naquele momento a música muda de caráter, de um caráter que pode ser expresso por planos gerais e médios para outro que demanda batidas visuais rítmicas, primeiros planos do galope e recursos semelhantes.

Além disso, não podemos negar o fato de que a impressão mais imediata e surpreendente será alcançada, é claro, a partir de uma coincidência do movimento da música com o movimento do contorno visual – com a composição gráfica do quadro; porque este contorno, esboço ou linha é o mais vívido "enfatizador" da própria ideia do movimento. Mas passemos ao objeto de nossa análise e tentemos, através de um fragmento do sétimo rolo de Alexandre Nevsky, demonstrar como e por que uma determinada série de planos numa determinada ordem e uma determinada duração foi relacionada de um modo particular, em vez de em qualquer outro modo com uma determinada peça da partitura musical.

Tentaremos descobrir neste caso o "segredo" das correspondências verticais sequenciais que, passo a passo, relacionam a música com os planos através de um movimento idêntico, que está na base do movimento musical, assim como do figurativo.

De particular interesse, neste caso, é o fato que a música foi composta para o elemento pictórico já inteiramente montado.

O movimento visual do tema foi totalmente apreendido pelo compositor, na mesma medida em que o movimento musical acabado foi apreendido pelo diretor na cena subsequente do ataque, onde os planos foram montados de acordo com uma trilha musical previamente gravada.

Porém, um método exatamente idêntico de unir organicamente através do movimento é usado em ambos os casos. Em consequência, metodologicamente, não tem nenhuma importância o elemento a partir do qual começa o processo de determinar combinações audiovisuais.

O aspecto audiovisual de Alexandre Nevsky alcança sua mais complete fusão na sequência da "Batalha sobre o gelo" - particularmente no "ataque dos cavaleiros" e na "punição dos cavaleiros". Este aspecto também se torna um fator decisivo, porque entre todas as sequências de Alexandre Nevsky, o ataque pareceu o mais comovente e inesquecível para os críticos e o público. O método usado nele de correspondência audiovisual é o mesmo de todas as outras sequências do filme. Assim, para nossa análise, escolheremos um fragmento que pode ser, de certo modo satisfatoriamente reproduzido numa página impressa – um fragmento onde todo o conjunto é resolvido através de quadros quase imóveis, no qual um mínimo se perde quando seus planos são mostrados numa página em vez de em uma tela. Foi tal fragmento que escolhemos para análise.

São os 12 planos da "espera ansiosa do amanhecer" que precede o início do ataque e da batalha, e que se segue a uma noite cheia de inquietação e ansiedade, nas vésperas da "Batalha sobre o gelo". O conteúdo temático desses 12 quadros tem uma unidade simples: Alexandre na Montanha do Corvo e as tropas russas no sopé da montanha as margens do Lago Chudskoye congelado, perscrutando a distancia, de onde o inimigo aparecerá.

Um diagrama (que não aparecerá na presente tradução – n. do t.) mostra quatro divisões. As duas primeiras descrevem a sucessão de planos e os compassos musicais que, juntos expressam a situação. XII planos; 17 compassos. (Essa disposição particular dos planos e dos compassos será explicada no processo de análise; esta disposição está ligada aos principais componentes internos da música e do plano).

Imaginemos estes XII planos e estes 17 compassos musicais – não como os vemos no diagrama, mas como o sentimos vendo-os na tela. Que parte desta sequência audiovisual exerceu maior impacto sobre nossa atenção?

A impressão mais forte parece vir do plano III seguido do plano IV. Devemos ter em mente que tal impressão não vem da fotografia dos planos sozinha, mas é uma expressão audiovisual que é criada pela combinação desses dois planos juntos com a música correspondente, que é o que se experimenta no público. Estes dois planos, III e IV, correspondem a estes compassos de música -5, 6, 7 e 8.

Que isso é o mais imediato e mais impressionante tema do audiovisual pode ser verificado tocando os quatro compassos no piano "ao acompanhamento" da reprodução dos dois planos correspondentes. Essa impressão foi confirmada na avaliação deste excerto durante a projeção aos estudantes no Instituto Estatal de Cinematografia.

Tome estes quatro compassos e tente descrever no ar com a mão essa linha de movimento sugerida pelo movimento da música. O primeiro acorde pode ser visualizado como um "plataforma inicial".

As cinco notas seguintes, procedendo da escala para cima, encontraria uma visualização de gesto natural em uma linha tensamente crescente. Portanto, em vez de descrever esta passagem com uma linha de escalada simples, vamos tender ligeiramente para arquear o nosso gesto correspondente-ab:

figura
Figura 5

O próximo acorde (no início do sétimo compasso) precedido de um agudo décimo sexto criará nestas circunstancias a impressão de uma queda repentina –bc. A linha seguinte de quatro repetições da mesma nota, em oitavas, separas do resto, pode naturalmente descrever um gesto horizontal, que são indicados até por acentos entre c e d.

Isto também pode ser descrito por um gesto de nossa mão, que nos apresentará o seguinte desenho representando o movimento dentro da composição linear dos dois quadros:

figura
Figura 6

De A a B o gesto “arqueia” para cima – desenhando um arco através da escura nuvem delineada, que pende sobre a parte inferior mais clara do céu.

De b a c – uma queda abrupta ao olho: da margem superior do enquadramento do plano II quase até a margem inferior do enquadramento do plano IV – a máxima queda possível nesta posição vertical.(18)

De c a d - uniformemente horizontal – sem nem um movimento ascendente, nem um descendente, mas duas vezes interrompido pelas pontas dos estandartes que ficam acima da linha horizontal das tropas.

Agora juntemos os dois gráficos. O que verificamos? Ambos os gráficos de movimento correspondem-se absolutamente, isto é, verificamos uma completa correspondência entre o movimento da música e o movimento do olho sobre as linhas da composição plástica.

Em outras palavras, exatamente o mesmo movimento está na base de ambas as estruturas musical e plástica.

Creio que este movimento também pode ser ligado ao movimento emocional. O tremolo crescente dos violoncelos na escala de dó menor acompanha claramente a excitação cada vez mais tensa , assim como, a crescente atmosfera da expectativa. O acorde parece romper esta atmosfera. A série de colcheias parece descrever a linha imóvel das tropas: o sentimento da tropa disseminados ao longo de toda a frente; um sentimento que cresce novamente no plano V, com tensão novamente no plano VI.

É interessante notar que no plano IV, que corresponde aos compassos 7 e 8, contém dois estandartes, enquanto a música contém quatro colcheias.. O olho parece passar sobre esses dois estandartes duas vezes, de modo que a frente de batalha parece duas vezes mais ampla do que na realidade vemos diante de nós no plano. Indo da esquerda para a direita, o olho "liga” as colcheias aos estandartes e as duas notas restantes levam a percepção para fora, além da margem direita do enquadramento, onde a imaginação indefinidamente continua a linha de frente das tropas.

Agora fica claro porque esses dois planos justapostos atraíram particularmente nossa atenção. O elemento plástico do movimento e o movimento musical movimento coincidem, com um máximo de descrição.

Prossigamos, porém, para verificar o que atraía nossa “segunda" atenção. Passando esta sequência novamente, somos atraídos pelos planos I, VI-VII, IX-X.

Observando mais de perto a música desses planos, encontraremos uma estrutura parecida com a música do plano III. (Falando resumidamente a música de todo este fragmento consiste, na realidade, em duas frases de dois compassos, A e B, alternando-se de determinado modo. O fator distintivo aqui é que, enquanto eles pertencem estruturalmente à mesma frase A, variam em tonalidade: a música dos planos I e III pertence a uma tonalidade [dó menor] , enquanto a música dos planos VI-VIII e IX-X pertence a outra [dó sustenido menor] . A relação desta mudança tonal com o significado temático da sequência será levantada na análise do plano V).

Assim, a música planos I, VI-VII e IX-X duplicará o gráfico do movimento que encontramos no plano III .

Mas ao olharmos para os próprios planos, encontramos o mesmo gráfico de composição linear que, com a linha do movimento musical, “uniu” os planos III e IV à sua música (compassos 5, 6, 7, 8) ?

Não.

E no entanto a sensação de uma unidade audiovisual parece tão poderosa nestas combinações.

Por quê?

A explicação pode ser achada em nossa discussão anterior dos variados possíveis da linha de movimento. O gráfico de movimento que encontramos para os planos III e IV não precisam ficar restritos a linha a-b-c sozinha, mas pode ser expressa através de meios plásticos quaisquer a nosso dispor. Assim encontramos na prática casos hipotéticos sugeridos acima.

Complementemos nossa discussão anterior com a ajuda de três novos casos - I, VI-VII, IX-X.

1º CASO. A fotografia não pode exprimir a sensação total do plano I, porque este plano torna-se visível gradualmente: surgindo da escuridão, primeiro vemos à esquerda um grupo de homens com uma bandeira e em seguida, gradualmente revelado, um céu manchado, com nuvens espalhadas irregularmente.

Podemos ver que o movimento dentro deste plano é absolutamente idêntico à nossa descrição do movimento dentro do plano III. A única diferença reside no fato que o movimento do plano I é não- linear, mas é um movimento de iluminação gradual do plano –um movimento de grau crescente de claridade.

De modo que nossa "plataforma de lançamento" a, que correspondia ao acorde inicial do plano III, aqui é encontrada na escuridão antes que fade-in (surgimento gradual) comece — uma "linha d´água" de escuridão a partir da qual os graus de iluminação gradual do quadro podem ser contados. O "arqueamento" aqui é formado a partir da progressiva cadeia de planos – cada um dos quais é mais claro do que o anterior. O arqueamento do plano III é refletido aqui por uma curva de iluminação gradual de todo o plano. Os estádios individuais são marcados pelo aparecimento de manchas de nuvens maiores e mais claras. Ao surgir o plano totalmente iluminado, a mancha mais escura (a do centro do plano) aparece primeiro. Seguida por uma mais clara acima. Depois tomamos consciência de todo o céu de um tom claro geral – como um "carneirinho" mais escuro no centro inferior direito e no canto superior esquerdo.

Vemos que a linha curva de movimento é duplicada aqui, até nos detalhes, mas não é expressa através do contorno da composição plástica, e sim através de uma, "linha" de tonalidade clara.

Podemos assim declarar existir uma correspondência entre o plano I e o plano III, em seu idêntico movimento básico, uma correspondência, no primeiro caso, de tom.

2º CASO. Examine o par de planos - VI -VII. Eles devem ser examinados como um par, porque a frase musical A cai totalmente dentro do plano I (sobre uma imagem), aqui cobre totalmente duas imagens. A variação da frase A que está sobre os planos VI -VII pode ser identificada como Az. (Ver o diagrama geral de todo o fragmento).

Verifiquemos esta combinação de acordo com nossa percepção da música.

Eis o que vemos no primeiro dos dois planos: quatro guerreiros com escudos e lanças erguidas estão de pé à esquerda; atrás deles, mas na extremidade esquerda, o contorno da alta montanha pode ser visto; mais distante ainda, mas em direção à extremidade direita – filas de guerreiros espalhando-se ao longe.

Sem verificar as reações dos outros, a impressão causada em mim pelo primeiro acorde do compasso 10 é de uma pesada massa de som, rolando ao lado da linha de lanças, do topo do enquadramento para a base.

figura
Figura 7

(Por mais subjetiva que esta impressão possa ser, foi exatamente graças a ela que senti a necessidade de dar a este plano um lugar particular na montagem).

Atrás do grupo de quarto lanceiros, a linha de guerreiros espalha-se em estádios de profundidade, à direita. O “estádio” mais proeminente é a passagem da totalidade do plano VI para a totalidade do plano VII, que continua a linha dos guerreiros na mesma direção, para longe em distância. As dimensões dos guerreiros no plano VII são de certa forma maiores, mas movimento geral para o fundo (em estádios) prolonga o movimento do plano VI. No segundo plano há outro estádio claramente definido: a linha branca do horizonte vazio na extremidade direita do enquadramento. Este elemento do plano VII quebra a linha contínua dos guerreiros e nos introduz numa nova esfera – em direção ao horizonte onde o céu se funde com a superfície congelada do Lago Chudskoye.

Tracemos o gráfico deste movimento básico através dos planos por meio dos estádios:

figura
Figura 8

Diagramamos os agrupamentos das tropas como se eles fossem bastidores recuando até o fundo de um cenário teatral - I, 2, 3, 4. Nossa superfície inicial é formada pelos quatro lanceiros do plano VI. Esses coincidem com a superfície da tela, que origina todo movimento para o fundo. Desenhando uma linha para unir estes "biombos teatrais", obtemos uma determinada curva a, I, 2, 3, 4. Aonde vimos uma curva espantosamente semelhante? Esta ainda é a mesma linha curva de nosso "arco,", mas agora encontrada não ao longo da superfície vertical do plano, como no plano III, mas movendo-se em perspectiva horizontal para o fundo do plano.

Esta curva tem exatamente a mesma surperfície inicial, o nosso biombo e quarto guerreiros de pé. Além disso, as várias fases têm limites definidos, dando extremidades bem definidas aos biombos sucessivos, que podem ser encerrado dentro de quatro linhas verticais: as três figuras de guerreiros que ficam afastados da linha da tropa no plano VII (x, y, z) – e a linha que separa o plano VI do plano VII.

Podemos encontrar uma correspondência musical para este corte de horizonte no VII?

Um fato a ser considerado com relação a isto: a música da frase A z não se estende sobre a totalidade dos planos VI e VII, de modo que a frase B z começa a ser ouvida durante o plano VII. Este início inclui três quartos do compasso 12.

O que estes três quartos contêm?

Exatamente aquele acorde antecedido por uma semicolcheia fortemente acentuada, que no plano III correspondeu à sensação de uma queda abrupta do plano III para o plano IV.

No primeiro caso, todo o movimento foi colocado ao longo de uma superfície vertical, e a pausa musical abrupta foi visualizada como uma queda (do canto superior direito do enquadramento III para o canto inferior esquerdo do plano IV). Aqui a totalidade do movimento é horizontal – para o fundo do plano. Pode-se assumir sob estas condições que o equivalente plástico de uma pausa musical tão aguda apareça como um solavanco análogo – agora não de cima para baixo, mas em perspectiva, para dentro. O "solavanco" no plano VII, da linha dos guerreiros para a linha do horizonte é exatamente deste modo. De novo obtemos uma "pausa máxima", já que na paisagem o horizonte representa o limite de profundidade!

Temos razão de considerar esta faixa do horizonte à direita do plano VII como o equivalente visual do ”solavanco” entre o compasso 11 e três quartos do compasso 12.

Acrescentaríamos que, de um ponto de vista simplesmente psicológico, esta correspondência audiovisual transmite um sentimento pleno e preciso para a plateia, cuja atenção é levada para além do horizonte, a algum ponto invisível do qual ela espera que o inimigo ataque.

Assim, vemos como as faixas de música – tal como o "solavanco" no começo dos compassos 7 e 12 – podem ser resolvidas plasticamente variando-se o uso da pausa plástica.

Em um caso é uma pausa ao longo da linha vertical durante a passagem de plano a plano -III-IV. No outro caso – uma pausa ao longo de uma linha horizontal, dentro do quadro do plano VII no ponto M. (Ver Figura 7).

Mas isto não é tudo o que pode ser encontrado nesses dois pares de planos. No III, nosso "arco" saltou cruzando a superfície. No VI -VII saltou para dentro em perspectiva, isto é, espacialmente. Ao lado deste segundo "arco" foi arrumado em série nossos sistemas de biombos teatrais, revelando-se no espaço. Este recesso, da superfície da tela (biombo a) para o espaço da tela, acompanha a escala de sons ascendentes.

Assim no caso de VI -VII, podemos salientar outro tipo de correspondência entre música e imagem – resolvida através do mesmo gráfico e com o mesmo movimento. Isto é – correspondência espacial.

Tracemos um gráfico geral desta nova variante da correspondência entre música e representação da imagem. Para completar nosso quadro deveríamos terminar a frase B da partitura (acrescentando um compasso e uma semínima). Isto nos dará uma total repetição da frase musical que examinamos nos planos III e IV. Mas nossa linha pictórica exigirá a adição do plano VIII ao VI-VII – porque esta repetição da frase B (na realidade B z aqui) termina com o final do plano VIII.

Assim o plano VIII exige nosso exame neste momento.

Plasticamente pode ser dividido em três partes. Antes de mais nada nossa atenção é atraída pelo primeiro detalhe (close-up) a aparecer nesta sequência de oito planos – Vasilisa com um elmo. Isto ocupa apenas uma parte do enquadramento, deixando o resto para a linha de frente das tropas, enquadrada quase do mesmo modo como nos enquadramentos anteriores. O plano VIII serve como um plano intermediário, já que contém, primeiro, um acabamento plástico do motivo em VI -VII. (Não devemos esquecer que o recuo para o fundo do plano VII teve o efeito de um alargamento, comparado com o tamanho relativo do plano VI, proporcionando uma oportunidade posterior de mudança do plano VIII para o detalhe). Os três planos ­ VI-VII-VIII – são ligados posteriormente organicamente por sua correspondência com a sequência musical sequência A z-B z . Os extremos mais afastados desses quatro compassos 10, I I, 12, I 3 coincidem com as extremidades mais afastadas dos pares de planos-VI -VIII, embora de dentro desse agrupamento as divisões entre os planos VII e VIII não coincidirem com as divisões entre os compassos I I e 12. (Ver o diagrama geral).

O plano VIII completa a frase dos planos médios das tropas (VI-VII- VIII) e introduz a frase dos primeiros planos (VIII- IX- X), que agora aparece.

Neste mesmo modo a frase do príncipe na montanha foi levada através dos planos I-II-III, e foi seguida por uma nova frase de planos gerais de guerreiros no sopé da montanha. Esta segunda frase foi introduzida não por um cruzamento num único plano mas através do cruzamento da montagem.

Em seguida ao plano III vem a frase "as tropas", mostrada num plano geral (IV), seguida do "príncipe na montanha" novamente – também mostrada num plano geral (V).

Isto é essencial: a passagem do “príncipe" para as "tropas" é marcada por uma mudança musical essencial musical – uma passagem de uma tonalidade para outra (dó menor para dó sustenido menor).

Uma passagem menos importante – não de um tema (príncipe) para outro (tropas), mas dentro de um tema – de um plano médio dos guerreiros para os detalhes – não é resolvida através de um cruzamento de montagem crossing (como em III-IV­V-VI) mas dentro de um plano – o plano VIII.

Esta solução é alcançada pela composição que contém dois planos: o novo tema é mostrado em detalhe, enquanto o tema que gradualmente se afasta (o plano geral da linha de frente) retrocede para o segundo plano. Deve-se notar, além disso o fato, que o "afastamento" do tema anterior também é expresso filmando-se as tropas (no segundo plano do quadro) com um abandono deliberado da profundidade de foco, de modo que esta linha recessiva levemente fora de foco proporciona um fundo para o detalhe de Vasilisa.

Este detalhe de Vasilisa introduz os outros detalhes de Ignat e Savka (IX-X) que, unidos aos dois últimos desse fragmento (XI-XII), nos darão uma nova interpretação plástica de nosso gráfico de movimento.

Mas esta parte de nossa análise tem de esperar nosso próximo passo.

De nosso exame do plano VIII depende a conclusão de nosso gráfico do grupo de planos (VI-VII­VIII).

As três divisões do plano VIII podem ser descritas assim:

No detalhe do enquadramento- o rosto de Vasilisa. Mais para a direita há uma longa fila de tropas – fotografadas sem um foco claramente definido, que resulta na ênfase dos pontos mais luminosos de seus elmos. Na estreita seção entre a cabeça de Vasilisa e a extremidade esquerda do enquadramento pode ser vista parte da linha de tropas cercada de estandartes.

O que corresponde a isto na partitura musical?

Este plano é coberto por um compasso musical completo e uma semínima – o fim do compasso 12 e todo o compasso 13. Este fragmento musical contém três elementos diferentes, dos quais o do meio – o acorde que abre o compasso 13 – vem para o primeiro plano. Este acorde tem o "impacto" de uma fusão total com o detalhe em nosso plano.

Do meio desse compasso partem quarto colcheias, interrompidas por pausas. Exatamente como este movimento musical horizontal uniforme foi acompanhado pelas minúsculas bandeiras do plano IV, os pontos mais luminosos dos elmos, movendo-se levemente da linha da tropa do plano VIII, acompanham estas notas com estrelinhas.

Apenas nessa extremidade esquerda não há “correspondência” musical.

Mas – esquecemos a colcheia que permaneceu como sobra do compasso 12 anterior, e que “à esquerda” precede o acorde de abertura do compasso I 3; é esta colcheia que corresponde à estreita faixa o quadro à esquerda da cabeça Vasilisa.

Esta analise do plano VIII e seu movimento musical correspondente pode ser diagramado assim:

figura
Figura 9

Neste ponto espero ouvir uma exclamação bastante natural - "Espere aí! Não é um pouco exagerado combinar uma linha de música tão exatamente com uma representação pictórica? A esquerda de um compasso musical e a esquerda de um enquadramento não significam coisas absolutamente diferentes?”

Um quadro imóvel existe espacialmente, isto é, simultaneamente, e não se pode pensar que é sua esquerda ou direita, ou seu centro, que ocupam qualquer ordem no tempo, enquanto a pauta musical contém uma definida ordem movendo-se no tempo. Na pauta a esquerda significa “antes”, enquanto a direita “depois”.

Todas as objeções acima seriam válidas se nosso plano contivesse elementos que aparecessem sucessivamente, como indicado pelo diagrama a seguir (Figura 10).

As objeções inicialmente, parecem bastante razoáveis.

Mas então percebemos que um fator extremamente importante foi ignorado, a saber, que o conjunto imóvel de um quadro e suas partes não entram na percepção simultaneamente (com exceção dos casos nos quais a composição é calculada para criar exatamente um efeito como este) .

A arte da composição plástica consiste em levar a atenção do público através do caminho certo e na sequência certa determinados pelo autor da composição. Isto se aplica ao movimento do olho sobre a superfície de um quadro se a composição é expressa pictoricamente ou sobre a superfície da tela se estamos falando de planos cinematográficos.

É interessante notar aqui que, num estágio anterior da arte gráfica, quando o conceito de "trajetória do olho” ainda era difícil de separar de uma imagem física – os caminhos foram introduzidos na pintura como trajetórias do olho, ilustrações concretas de caminhos, ao longo das quais eram distribuídos os eventos que o artista desejava retratar numa sequência particular. Um dos mais dramáticos (e cinematográficos) de todos os manuscritos ilustrados com iluminuras é o manuscrito grego do século VI conhecido com Gênese de Viena(19) – no qual este recurso é usado repetidamente. Ele se preocupou apenas com uma sequência de cenas que, frequentemente, naquele período, eram descritas em uma pintura. O desenvolvimento deste recurso prolongou-se até a era da perspectiva, onde as cenas eram colocadas nos diferentes planos de um quando, com um efeito semelhante ao de um caminho. Assim, o quadro de Dirk Bouts, O Sonho de Elias no deserto, mostra Elias dormindo no primeiro plano, enquanto outro Elias parte num caminho que serpenteia no fundo do quadro. Em A adoração dos pastores, de Domenico Ghirlandaio, o Menino cercado pelos pastores ocupa o primeiro plano, e numa estrada que serpenteia a partir do segundo plano aparecem os Reis Magos; de modo que a Estrada une eventos que estão separados por 13 dias (24 de Dezembro – 6 de Janeiro).

figura
Figura 10

Memling usou este mesmo recurso, mas numa composição muito mais complexa (e excitante), ao distribuir todas as sucessivas Estações da Paixão através das ruas de uma cidade, em sua Paixão de Cristo, presentemente em Turim.

Mais tarde, quando tais saltos no tempo desapareceram, a estrada física, como um meio de dirigir a visão do espectador diante de um quadro, também desaparece.

A estrada é transformada na trajetória do olho, transferida de uma esfera de representação para outra de composição.

Os meios usados neste estádio posterior do desenvolvimento são variados, apesar de terem características comuns: há, geralmente, num quadro algo que atrai a atenção antes de todos os outros elementos. A partir deste ponto a atenção se desloca de acordo com a trajetória desejada pelo artista. Esta trajetória pode ser descrita ou por uma linha de movimento, ou por um caminho de tons graduados, ou pelo “jogo” das personagens do quadro. Um caso clássico de interpretação neste sentido é a análise de Rodin sobre L´Embarquement pour Cythère, de Watteau, que não posso deixar de reproduzir:

Nesta obra de arte, a ação, se tu observares, começa no primeiro plano à direita e termina no segundo à esquerda.

O que tu notas primeiro na frente do quadro, na fresca sombra, perto de uma escultura do busto de Cypris enfeitado com guirlanda de rosas é um grupo composto de uma jovem mulher e seu enamorado. O homem usa uma capa bordada com um coração transpassado, símbolo gracioso da viagem que fará.

Ajoelhado a seus pés, ele suplica ardentemente que a dama se entregue. Mas ela reage a suas súplicas com uma indiferença talvez fingida, e parece absorvida no estudo dos desenhos de seu leque. Próximo a eles há um pequeno cupido, sentado seminu sobre sua aljava. Ele acha que a jovem demora muito, e puxa a sua saia para sugerir que ela seja menos teimosa. Mas o bastão do peregrine e a carta de amor ainda estão no chão. Esta é a primeira cena.

Eis a segunda: à esquerda do grupo sobre o qual falei há outro casal. A dama aceita a mão de seu amante, que a ajuda a levantar-se. Ela está de costas para nós, e tem uma daquelas nucas louras que Watteau pintava com graça tão voluptuosa.

Um pouco mais distante está a Terceira cena. O amante coloca o braço em redor da cintura da amada para aproximá-la de si. Ela se vira em direção aos companheiros, cuja demora a inquieta, mas permite-se ser levada passivamente para longe.

Agora os amantes descem para o cais e todos riem em direção ao barco; os homens não mais precisam suplicar, as mulheres jogam-se em seus braços.

Finalmente os peregrinos ajudam as namoradas no pequeno navio, que, decorado com flores e bandeirolas de seda vermelha ao vento, balança como um sonho dourado sobre a água. Os marinheiros, inclinados sobre os remos, se preparam para partir. E, levados pela brisa, pequenos cupidos voam na frente, para guiar os viajantes em direção à ilha azul do horizonte(20).

Teremos o direito de afirmar que nossos “quadros” cinematográficos também podem determinar o movimento do olho sobre uma trajetória determinada?

Podemos dar uma resposta afirmativa, e acrescentar que nos 12 planos que estamos analisando, este movimento ocorre precisamente da esquerda para a direita, através de cada um dos 12 planos de modo idêntico, e corresponde plenamente, em seu caráter pictórico ao caráter do movimento da música.

Dissemos que a música tem duas fases - A e B – que se alternam ao longo da duração de todo o fragmento.

A é construída assim:

figura
Figura 11

B é construída assim:

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Figura 12

Primeiro, um acorde. Depois, contra o plano de fundo da ressonância do acorde, há uma escala ascendente(21), movendo-se em um "arco", ou então uma repetição de uma nota em um movimento horizontal .

Plasticamente, todos os enquadramentos são construídos do mesmo modo (exceto IV e XII, que não funcionam realmente como planos independentes mas como continuações do movimento dos planos anteriores).

Na realidade cada um deles têm à esquerda um “acorde” mais pesado, mais sólido, muito plástico, que atrai a atenção do olho em primeiro lugar.

Nos planos I-II-III este "acorde" é um grupo de figuras escuras, colocado na pesada massa da montanha. Elas atraem nossa atenção por outro motivo: são os únicos seres vivos do plano.

No plano V- essas figuras, mas com a massa do rochedo.

No plano VI- os quarto lanceiros no primeiro plano.

No plano VII- a massa das tropas, etc.

E em cada um desses planos há algo à direita do enquadramento que ocupa a atenção secundária: algo leve, etéreo, “movendo-se” sucessivamente, que induz o olho a segui-lo.

Por exemplo, ao longo do plano III há um grande movimento dos violoncelos, surgindo na escala de dó menor.

No plano III- o "arco" ascendente.

Nos planos VI-VII –os "biombos teatrais" das tropas para a profundidade. De modo que, em todo o sistema plástico de enquadramentos, o lado esquerdo está “antes”, enquanto o direito está “depois”, porque o olho foi dirigido de um modo particular da esquerda para a direita através de cada um desses quadros imóveis.

No processo de dividir as composições dos planos ao longo de uma linha vertical, isto nos dá o direito de marcar nossas batidas e compassos musicais entre vários elementos plásticos que compõem esses planos.

Foi em nossa percepção desta circunstância que baseamos a montagem desta sequência particular – e tornamos nossas correspondências audiovisuais mais exatas. Esta analise, certamente tão meticulosa para o leitor quanto o foi para o escritor, só poderia ser feita, é claro, post factum [após o ocorrido], mas vale a pena para provar quanto o grau de “intuição" de composição é responsável pelas corretas estruturas audiovisuais – e como o "instinto" e a "sensação" pode materializar a montagem sonoro-visual. Parece desnecessário salientar que essas são as premissas baseadas totalmente num desejo da verdade na escolha do tema, e um desejo de vitalidade na forma de seu tratamento.

De plano a plano de nossa sequência, o olho se acostuma a “ler” a imagem da esquerda para a direita.

Ao mesmo tempo, esta contínua leitura horizontal da sequência induz à leitura horizontal em geral, de modo que os planos são percebidos psicologicamente como colocados lado a lado numa linha horizontal na mesma direção da esquerda para a direita.

Isto é o que nos permite não apenas dividir cada plano "no tempo" sobre nossa linha vertical, mas também colocar plano após plano sobre uma linha horizontal, e descrever sua correspondência com a música de modo mais rigoroso.

Continuemos a tirar vantagem desta circunstância descrevendo com um gesto a sucessão de planos VI-VII-VIII, ao lado do movimento da música que é fundida com estes planos, e o movimento daquele impulso plástico da totalidade na qual ambos, imagem e música se baseiam. (Ver diagrama geral). Este é o mesmo movimento que passa através da combinação dos planos III-IV. Uma diferença interessante aqui, entre o movimento através dos dois planos e o mesmo movimento através de três planos, é que o efeito de uma "queda" é, no último caso, colocado dentro do enquadramento (plano VII), em vez da passagem entre dois planos (planos III e IV).(22)

Sobre este gráfico, e acrescentando-se os enquadramentos restantes, podemos construir o diagrama gráfico geral da totalidade do fragmento. Comparando o gráfico III-IV com o VI-VII-VIII, podemos ver como o desenvolvimento audiovisual das “variações” sobre uma linha básica de movimento é muito mais complicada no segundo caso.

Observamos que o movimento da esquerda para a direita através de cada enquadramento sugeriu psicologicamente que os enquadramentos estão na realidade colocados um em seguida do outro sobre uma linha horizontal que corre em uma direção- para a direita. Esta particularidade permitiu a organização do nosso diagrama do modo como o vemos.

Ligado a isso, outro fator muito mais importante, de um tipo diferente, é agora revelado. O efeito psicológico da esquerda-para-a-direita associa a sequência total a uma forma concentrada de atenção, dirigida de algum lugar à esquerda em direção a algum lugar à direita.

Isto salienta nosso “indicador” dramático – que a direção dos olhos de todas as personagens desses planos para um ponto – com apenas uma exceção do detalhe de Ignat no IX.

No plano IX Ignat olha para a esquerda, mas exatamente por causa disso a direção geral de nossa atenção para a direita é fortalecida.

Este detalhe enfatiza nossa direção geral, que é desenvolvida pelo “som triplo” dos detalhes dos planos VIII­IX-X, onde mantém uma posição média no menor espaço de tempo – apenas três quartos de um compasso -, enquanto os planos VIII e X ocupam um compasso mais uma colcheia e um compasso mais uma semínima, respectivamente.

Este movimento em direção à esquerda substitui o que teria sido uma série monótona

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Figura 13

Por uma série nervosa:

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Figura 14

Na qual o terceiro detalhe (plano X) adquire, ao invés de uma direção geral, vagamente expressiva, que a primeira arrumação teria produzido, uma ênfase ainda maior de sua direção para a direita, como se fotografado com uma lente de 180 graus.

Exemplos podem ser encontrados na adesão de Puchkin a uma construção semelhante. Em Ruslan e Ludmila ele fala dos que morreram na batalha contra os habitantes de Pechenega: um atingido por uma flecha, outro esmagado por uma clava, e um terceiro pisoteado por um cavalo.

Uma sequência de flecha, clava e cavalo corresponderia a um crescendo direto.

Puchkin, no entanto, dá uma ordem diferente. Ele distribui o "peso" do choque não numa simples linha ascendente, mas com um “recuo" do elo média da corrente:

não: flecha-clava-cavalo,
mas: clava-flecha-cavalo.

Este, derrubado, por um golpe de clava;
E aquele- atingido por uma flecha;
Outro, prensado por seu escudo,
Esmagado por um cavalo enfurecido...(23)

Assim, esses movimentos isola-os do olho, da esquerda para a direita, através da sequência, aumentam a sensação de haver algo à esquerda, lutando “com todas as suas forças” para dirigir-se a algum lugar à direita.

Esta é precisamente a sensação que a totalidade dos doze planos procurava: o príncipe sobre o rochedo, o exército ao pé da montanha, a atmosfera de espera- todos dirigidos àquele ponto, à direita, ao fundo, a algum lugar além do lago, do qual o inimigo ainda invisível aparecerá.

Neste ponto o inimigo é mostrado através da espera do exército russo.

Seguindo-se a estes 12 planos existem três planos vazios da superfície congelada do lago.

Na metade do Segundo desses três planos o inimigo aparece "numa nova qualidade" –através do sopro de suas trombetas. “O som da trombeta termina no plano do grupo de Alexandre-para dar sentido de que o som “vem de longe” (da série de terras desérticas) e finalmente “alcançou”“ Alexandre (ou "percebe-se sobre a imagem dos russos").

A entrada do som no meio do plano de terras desérticas inimigas, de modo que é ouvido como se saísse do centro do quadro – de frente. E então é ouvido de frente, no plano dos russos (que está frente a frente com o inimigo).

O plano seguinte mostra a distante linha da cavalaria alemã, movendo-se de frente, parecendo fluir do horizonte com o qual o início parecia estar fundido. (Este tema de um ataque frontal é preparado muito antes pelos planos IV e XII –ambos planos frontais: seu papel principal na sequência, além de sua função como equivalentes plásticos da músicas nestes pontos).

A tudo o que foi dito uma ressalva básica deve ser acrescentada.

Está perfeitamente evidente que uma leitura horizontal de uma sequência de planos, ligados um ao outro por uma concepção horizontal, não é sempre pertinente. Como mostramos, neste caso ela flui totalmente da sensação da imagem total exigida pela sequência: uma sensação determinada pela direção da atenção da esquerda para a direita.

Este aspecto particular da imagem por nós desejada é obtido plenamente tanto pela música quanto pela imagem, e pela genuína sincronização de ambos. (Até a música parece expandir-se, afastando-se dos pesados acordos do lado “esquerdo”. Tentemos imaginar por um momento os efeitos resultantes desses acordes colocados “à direita”, isto é, das frases terminando em acordes, não haveria a sensação de “voo” além dos espaços do Lago Chudskoye, como a alcançada).

Ao trabalhar para obter outras imagens – em outros casos - , a composição de quadros pode “treinar” o olho para uma leitura plástica totalmente diferente.

O olho pode ser treinado não para ligar um enquadramento a outro como em nosso fragmento mas para colocar plano sobre plano – como camadas.

 

Figura 11

Isto produziria ou a sensação de ser levado para o fundo, ou a sensação de imagens correndo em direção ao público.

Imaginemos, por exemplo, uma sequência de quatro primeiros planos de tamanho crescente, cada um de uma pessoa diferente, cada um colocado no meio de seu plano. Uma percepção natural desta serie de planos não seria diagramada no desenho de cima, mas como no de baixo (ver figura 15).

figura
Figura 15

Este não seria um movimento em frente do olho – da esquerda para a direita, mas um movimento afastando-se do olho numa sequência 1, 2, 3, 4 – ou em direção ao olho, 4, 3, 2, 1.

O que acabamos de observar é um Segundo tipo de movimento em nossa análise do som da trombeta e a mudança para um movimento frontal em direção ao fundo- que se segue à nossa primeira sequência.

O som cai num plano semelhante ao plano XII –um plano como este poderia ser lido do mesmo modo ("pela inercia") da esquerda para a direita, assim como em direção ao fundo (ver figura 16).

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Figura 16

Mas duas coisas ajudam a nos chamar a atenção para o fundo.

Primeiro, o som irrompe do centro cronológico do plano, de modo que nossa percepção, guiada pela analogia e por um sentido de espaço, coloca o som no centro espacial do plano.

Segundo, um movimento como um degrau, da camada branco-acinzentada de neve indo para cima a partir da margem da base do plano.

figura
Figura 17

Esta camada leva o olho para cima, mas este movimento ascendente sobre a superfície é ao mesmo tempo uma aproximação do horizonte; pode então ser lido psicologicamente como um movimento espacial em direção ao horizonte, ou para o fundo, o que é exatamente o que precisamos neste caso. Este movimento é em seguida fortalecido pelo plano seguinte, que tem uma composição quase idêntica, mas com uma linha de horizonte mais baixa – de modo que o aumento do céu influencia o olho a perceber uma distância até maior. Mais tarde esta direção condicionada do olho é materializada – primeiro auditivamente (com um som que se aproxima) e depois concretamente (com os cavaleiros galopando), quando o momento de ataque se aproxima.

Com uma distribuição sistemática de formas, linhas ou movimentos, é igualmente possível treinar o olho para fazer uma leitura vertical, ou em qualquer direção desejada.

Há mais um pouco a acrescentar à nossa análise dos planos IX-X e XI-XII. Como já mencionado, os planos IX-X caem na frase A I (igual a A, mas com nova tonalidade). Devemos observar que os planos XI-XII caem na frase Bl do mesmo modo.

O diagrama geral mostra que, diferente dos planos III e IV, onde uma imagem cobre dois compassos das frases A e B, dois enquadramentos cobrem dois compassos das frases A I e BI .

Vejamos se os planos IX-X-XI-XII repetem o gráfico de movimento que determinamos para os planos III-IV. Se sim, em que aspecto novo? Os primeiros três-quartos do primeiro compasso caem no detalhe, do plano IX. Estes três quartos incluem o acorde de introdução-"a plataforma de lançamento", como nós a denominamos em outras vezes. O plano que acompanha este acorde parece quase como um prolongamento de parte do plano VI: o detalhe de um homem com barba (Ignat) contra um fundo cheio de lanças poderia ter sido tomada com a câmara mais próxima dos quatro lanceiros do plano VI. Os restantes cinco quartos da frase cai no plano X-cujo fundo está relativamente livre de lanças, comparado com o fundo do plano IX. Esta "simplificação" se assemelha à do plano VI, se tu comparas o lado esquerdo do plano com seu lado direito. Nosso “solavanco” também pode ser encontrado neste detalhe – mas neste caso é expresso de um modo inteiramente novo- como baforadas no ar frio, exaladas por uma garganta nervosamente tensa. O "arco" neste exemplo é construído sobre um elemento principal do crescente suspenso, agora "interpretado" –aumentando a excitação.

Uma nova personificação do nosso "movimento" é revelada – um fator psicológico que atua, interpreta – tecido na crescente emoção.

Ao lado deste fator, devemos visualizar o plano X como tendo volume. Na mudança do plano X para o plano XI, análogo a "queda" de III-IV, temos um salto não menos abrupto de um volume redondo - o rosto jovem de Savka em detalhe num primeiro plano para um plano geral de pequenas figuras, de costas para a câmara, vislumbradas ao longe. Este salto é produzido não apenas através de uma diminuição brusca de proporções, mas através de uma meia-volta completa das personagens.

Estes dois planos-X e XI-são análogos aos do lado direito e esquerdo do plano VII. Cada metade do plano VII ganha aqui um enquadramento inteiro, que produz seu próprio efeito. Naturalmente estes são enriquecidos e recebem mais peso (compare VII e XI, ou a linha do horizonte em VII com a totalidade do plano deserto gélido do lago no plano XII) .

Vestígios dos outros elementos podem ser encontrados aqui também. O esvoaçar dos estandartes que salientam no plano IV, e os pontos mais luminosos móveis do plano VIII aqui aparecem como raios verticais, alternando branco e cinza, espalhando-se pela superfície congelada.

Assim podemos encontrar o mesmo gráfico de movimento que determinou a sincronização do movimento interno da música com e da imagem, que reaparece através de variados meios plásticos:

Tonalmente (Plano I)

Linearmente (Plano III)

Espacialmente (os biombos teatrais dos planos VI-VII)

Dramática e substancialmente (pela interpretação dos planos IX-X e pela mudança plástica do detalhe do volume do plano X para volumes menores do plano XI).

E, também, a espera ansiosa do inimigo foi expressa através de vários tipos mudanças: por meios vagos, insinuados, "gerais" , através da luz do plano I; depois a linha do plano III, e após pela mise-en-scène e o agrupamento dos planos VI-VII, e finalmente por uma montagem integrada dos planos VIII-IX-X.

Há um plano no qual ainda não tocamos em nossa análise- o plano V. Ao nos referirmos a ele acima, nós o chamamos de um plano de "transição". Tematicamente isto é uma descrição exata: uma passagem do príncipe sobre o rochedo para as tropas a seus pés.

Este plano também contém uma mudança musical - e sua mudança de uma tonalidade para outra é coerente com sua função temática, e com o caráter plástico do plano. Este é o único plano onde o “arco” é transposto da direita do enquadramento para o lado esquerdo. Neste caso, serve para esboçar, não a parte aérea do enquadramento, mas a parte pesada, solida: aqui o arco não se move para cima mas para baixo – tudo em total correspondência com a música: uma clarineta na seção grave exprimindo um movimento descendente contra um fundo de violinos em tremolo.

Apesar dessas diferenças este plano não pode ser visto como totalmente libertos de suas responsabilidades com relação à sequência como um todo. Quanto ao tema, este plano está totalmente ligado aos outros planos.

O caráter diferente deste plano poderia ser explicado sem qualquer hesitação se ele contivesse algum elemento antagônico- se , por exemplo, os cavaleiros alemães aparecessem de algum modo neste plano. Um corte tão evidente, que quebrasse deliberadamente a textura geral da sequência, seria, num caso como este, seria, num caso como este, não apenas “desejável", mas na realidade necessário. O tema do inimigo realmente irrompe deste modo, como um som duro, novo, alguns planos adiante, como descrito acima. Mais tarde, os temas "discordantes" dos dois adversários se cruzam num combate de planos discordantes: numa discordância de faixas de montagem, diferindo-se claramente quanto à composição e a estrutura – cavaleiros alemães branco – tropas russas pretas; tropas russas imóveis – cavaleiros galopando; rostos russos expostos, emocionalmente vivos – rostos alemães escondidos pelas viseiras das máscaras de ferro.

Este antagonismo dos dois adversários é mostrado pela primeira vez como um antagonismo de planos reunidos por meio do contraste – que resolvem a fase introdutória da batalha sem ainda colocar as tropas em contato. Uma batalha cinematográfica já começou, porém, através deste antagonismo de elementos plásticos que caracterizam os beligerantes.

Mas um antagonismo total como este não ocorre entre o plano V e os outros planos. Apesar de haver uma diferença entre as características do plano V e as dos outros planos, o plano V não se afasta de sua unidade.

Como isto é obtido?

Já que vimos que as características do plano V são muito diferentes das características dos outros planos, aparentemente teremos de olhar além dos limites de apenas este enquadramento para obtermos a resposta.

Plano II Plano VIII

Examinando toda a série de enquadramentos, logo descobriremos dois que, num menor grau, descrevem o mesmo arco curvo invertido que caracteriza a linha descendente do rochedo do plano V.

Descobrimos que o plano V é colocado aproximadamente no meio do caminho entre estes dois.

Um plano prepara o aparecimento do plano V. O outro o fecha (ver figura 18).

Esses dois planos, por assim dizer, "amortecem" o aparecimento e desaparecimento do plano V, cujo surgimento e desaparecimento, sem eles, teria sido muito repentino.

Esses dois planos são II e VIII.

Na realidade, se desenharmos uma linha direcional das duas principais massas, podemos ver uma coincidência no contorno do rochedo do plano V:

figura
Figura 18

O plano V difere dos dois planos II e VIII porque alinha não é fisicamente esboçada, mas funciona como uma linha de construção ao longo da qual surgem as formas principais de II e VIII.

Além desta ligação mais fundamental do plano V com outros planos, há também curiosos "ganchos" que unem V a seus vizinhos imediatos - IV e VI.

É ligado ao plano IV pela minúscula bandeira esvoaçando acima do rochedo, continuando o jogo de bandeiras sobre a linha da tropa do plano IV; a última modulação rítmica musical das bandeiras na realidade coincide com o aparecimento da bandeira no plano V.

O plano V é ligado ao plano VI pelo contorno negro do rochedo, cuja base ocupa a esquerda do plano VI.

Esta base do rochedo tem uma importância que ultrapassa as considerações de seus elementos de composição plástica. Encerra informação topográfica-provando que o exército está no sopé da Montanha do Corvo. A falta de tais "informações insignificantes” muito frequentemente leva a uma falta de lógica topográfica e estratégica definida, que permite que a maioria das batalhas cinematográficas seja fundida num caos histérico de escaramuças através das quais é impossível discernir o quadro geral de todo evento em desenvolvimento.

Além desses elementos, devemos notar aqui outros meios de se obter unidade de composição- através de um tipo espelhado de contraste. A mesma unidade pode ser vista no plano V , pode ser sentida quantitativamente, pela representação da mesma quantidade com um sinal de mais ou menos.

Nossa percepção deste plano seria totalmente diferente se, por exemplo, o plano V contivesse não apenas a mesma (porém invertida) curva do arco, mas também uma linha quebrada ou reta. Então teríamos procurado suas relações entre elementos tão opostos como preto-branco, imóvel-móvel, etc., onde estaríamos tratando com qualidades que são diametralmente opostas em vez de com quantidades iguais equipadas com indicações diferentes.

Porém, tais indicações gerais poderiam nos conduzir muito longe.

Em vez disso, exploremos nosso fato estabelecido – que podemos desenhar um diagrama geral de correspondência audiovisual e um gráfico de movimento dessa correspondência através de toda a sequência analisada. (Durante este resumo de nossa análise é aconselhável seguir o argumento enquanto mantemos um olho no diagrama geral).

Neste estádio da discussão, deixaremos de lado os detalhes de como as repetições e variações são entrelaçadas harmoniosamente. A este respeito o diagrama é muito claro, tanto através de seu espaçamento, quanto de suas figuras.

Há outra questão que ainda não foi abordada por nossa análise.

No início de outro ensaio, falamos de um princípio geral, de acordo com o qual a unidade e correspondência áudio visual são obtidas. Nós o definimos como uma unidade de ambos os elementos de uma "imagem", isto é, através de uma imagem unificadora.

Acabamos de descobrir que o "unificador" dos elementos plástico e musical é o impulso de um movimento que frequente e repetidamente passa através de toda a construção da sequência. Não é uma contradição? Ou devemos, por outro lado, manter que dentro de nossa típica figura linear (isto é, típica de uma determinada parte da obra) há uma "imagem" definida, e que esta imagem está firmemente ligada a um "tema" da parte?

Isto aparece em nosso gráfico geral do movimento, como mostrado na figura 1?

Se tentarmos ler este gráfico emocionalmente junto com a questão temática da sequência, comparando um com o outro, podemos descobrir uma curva "sismográfica" de um determinado processo e ritmo de desagradável espera.

Começando com um estado de relativa calma, desenvolve-se para um crescente movimento ascendente – que pode ser lido como um período de tensão-espera.

Perto do auge desta tensão, há uma súbita descarga, uma complete queda-um suspiro de alívio.

Esta semelhança não pode ser realmente considerada acidental, porque a estrutura aparentemente semelhante do gráfico emocional é na realidade o protótipo do próprio gráfico de movimento, que, como cada gráfico de composição vivo, é um fragmento da atividade do homem, iluminado por uma emoção determinada- um fragmento da regularidade e do ritmo desta atividade.

A linha a-b-c na figura I reproduz muito claramente o estado de "prender a respiração", segurando-a até que o pulmão esteja pronto para explodir – explodir não apenas devido à crescente tomada de ar, mas também devido à crescente emoção que está ligado ao ato físico. - "A qualquer momento o inimigo aparecerá no horizonte". E então, "Não, ele ainda não está a vista." E se respire aliviado: o pulmão expandindo entra em colapso com a exalação profunda . . . Mesmo aqui, numa simples descrição, involuntariamente colocamos depois dessa ação . . . –reticências: as reticências de uma pulsação anticlímax, uma reação à crescente tensão anterior.

Aqui algo mais prende nossa atenção no gráfico. Uma repetida sensação estacionaria, combinada com o acorde introdutório da nova frase musical antes de novamente aumentar o suspenso-então uma queda- e assim por diante. E assim todo o processo segue em frente, ritmicamente, invariavelmente repetindo-se com a mesma monotonia que torna o suspenso tão insuportável para quem o experimenta...

Interpretando deste modo, nosso gráfico de curvas ascendentes, quedas e ressonâncias horizontais pode ser imediatamente considerado como a meta a ser alcançada, a personificação gráfica da imagem, que representa o processo de um determinado estado de suspenso angustiante(24).

Uma construção como esta pode obter plenitude realista e a plena imagem do “suspenso” apenas através da plenitude dos planos-quadros- apenas quando esses quadros são cheios de representação plástica composta de acordo com o gráfico mais generalizado do nosso tema.

Junto com um firme gráfico generalizado do conteúdo emocional da sequência que se escuta várias vezes na partitura musical, o elemento das representações de imagens móveis carrega a responsabilidade pelo aumento do tema de suspenso.

Em nossa sequência, vemos uma crescente intensidade de variadas representações passando consecutivamente através de uma série de variadas dimensões:

I . Tonal I.

2. Linear III-IV.

3. Espacial VI-VII-VIII.

4. Substantial (as massas em detalhe) e ao mesmo tempo: Dramática (a interpretação destes detalhes através de IX-X-XI-XII).

A própria ordem na qual essas dimensões mudam forma uma linha definidamente crescente – de um insubstancial, vagamente alarmante “jogo de luzes” (o fade in), para a clara e concreta ação humana, a atividade das personagens realistas, realisticamente esperando por um adversário realista.

Uma questão permanece sem resposta – uma pergunta levantada por todo ouvinte ou leitor que complete pela primeira vez um quadro de regularidade das estruturas de composição: “Tu sabias disto tudo previamente? Tu antecipaste isto? Tu calculaste cada detalhe?”

Este tipo de pergunta em geral revela uma ignorância de quem a faz quanto ao verdadeiro modo pelo qual o processo criativo se verifica.

“É um erro achar que, com a composição de um roteiro de filmagem – e não importa se se trata de um detalhado “roteiro de ferro” ou” à prova de erro “-, o processo criativo terminou”. Infelizmente esta é uma opinião ouvida com muita frequência – que o trabalho criativo termina assim que as formas de composição são estabelecidas, e que é nelas que todas as sutilezas da construção são determinadas.

Isto está longe de ser um panorama real do processo – no máximo, e apenas até certo ponto, é uma imagem aceitável.

Está especialmente longe da verdade em relação às cenas e sequências de uma construção “sinfônica”, onde os planos são ligados por um processo dinâmico, que desenvolve um tema amplamente emocional, mais do que de uma sequência da fase de enredo, que pode desenvolver-se apenas naquela ordem e sequências definidas, ditadas pelo bom senso.

Isto está ligado a outra circunstância – a de que durante o período de trabalho raramente se formulam estes “comos” e “por quês”, que determinam esta ou aquela escolha de “correspondência". No período de trabalho, a seleção básica é transformada não em avaliação lógica, como uma após-análise deste tipo, mas numa ação de direta.

Construir nossa ideia não através da inferência, mas colocá-la diretamente nos planos e no curso da composição.

Involuntariamente me lembro de que Oscar Wilde negava que as ideias de um artista nascessem "nuas," para apenas mais tarde serem vestidas com mármore, tinta e som.

O artista pensa diretamente em como manipular seus recursos materiais. Seu pensamento é transformado em ação direta, expressa não por uma fórmula, mas por uma forma.

Mesmo nesta "espontaneidade" , as leis, bases, motivações necessárias para exatamente esta e não outra distribuição dos elementos de alguma coisa passam através da consciência (e algumas vezes são reveladas em voz alta, mas a consciência não para explicar essas motivações – ela corre em direção a finalização da própria estrutura em si). O prazer de decifrar estas “bases” fica para uma análise posterior, que, algumas vezes ocorre anos depois de passar a “febre” do “ato criativo” – este “ato” ao qual Wagner, no auge de as ascensão criativa, em 1853, se referiu ao recusar-se a colaborar numa revista dedicada à teoria musical que estava sendo organizada por seus amigos: “quando tu crias , tu não explicas”(25).

As leis que governam os frutos do “ato” criativo não são de modo algum relaxadas ou reduzidas por isso – como procuramos demonstrar na análise acima.


Notas de rodapé:

(1) (Nota de Serguei Eisenstein) Journal, de Eugène Delacroix. (retornar ao texto)

(2) (N. S. E.): Citado a partir de The Life of Hector Berlioz, traduzido por Katharine F. Boult, Dutton, 1923. (retornar ao texto)

(3) (N.S.E): Citado em James Joyce, de Herbert Gorman, do ensaio de Joyce sobre James Clarence Mangan publicado em 1903. (retornar ao texto)

(4) (N.S.E): Piotr Pavlenko, Aviões vermelhos voam para o Leste, 1938. (retornar ao texto)

(5) Em Birds of a feather, desenho animado feito em 1931, dirigido por Burton Gillet e produzido por Walt Disney (1901-1966) como parte da série Silly Simphonies (Sinfonias Ingênuas), filmes em que a animação era feita em sincronismo com a faixa musical previamente gravada ou concebida especialmente para que os movimentos fossem sublinhados pela música. A série iniciou-se em 1929, com o desenho The Skeleton Dance (A Dança do Esqueleto), dirigido por Ub Iwerks (1901-1971) e destacou-se em 1932, com a apresentação do primeiro desenho animado em technicolor, Flowers and Trees (Flores e Árvores), também dirigido por Burton Gillett. Ao todo, 69 Silly Simphonies foram produzidas por Disney até 1939. (retornar ao texto)

(6) (N. S. E): Albert Schweitzer, J. S. Bach, Breitkopf & Härtel, 1911. (retornar ao texto)

(7) (N. S. E): Numa carta de 3 de fevereiro de 1865, traduzida e publicada in Music & Letters, Londres, abril de 1923. (retornar ao texto)

(8) (N. S. E) : Charles Gounod, Autobiographical Reminescenses, Londres, 1896. (retornar ao texto)

(9) (N. S. E) Tolstoi, Guerra e Paz, livro VI, capítulo 13. (retornar ao texto)

(10) (N. S. E) : Puchkin, edição citada, vol. II, p. 431. (retornar ao texto)

(11) (N. S. E): Puchkin, edição citada, vol. II, p. 468. Em algum outro lugar descrevi a “reconstrução” exata dessas linhas do bater, rolar e quebrar de uma onda que perderiam inteiramente o sentido diante de qualquer tradução. (retornar ao texto)

(12) (N. S. E): “Independente apenas no sentido de que tematicamente podem ser ordenadas em qualquer sequência”. Os 12 planos da “sequência da espera” citados neste ensaio são precisamente deste tipo. Em sua natureza temática e narrativo-informativa, poderiam ter sido arrumadas em qualquer ordem. Sua arrumação final foi determinada pelas exigências puramente interpretativas e emocionais da construção. (retornar ao texto)

(13) (N. S. E): Journal, de Eugène Delacroix, 10 de março de 1849. (retornar ao texto)

(14) (N. S. E): Blake, edição citada, p. 816. (retornar ao texto)

(15) (N. S. E): Podemos lembrar o que Gogol disse sobre ele: “Para Michelangelo o corpo servia apenas como uma revelação da força da alma, de seu sofrimento, de seu choro alto, de sua natureza invencível – e para ele mera plástica era eliminada, e o contorno do homem assumia proporções gigantescas em sua função como símbolo; o resultado não é o homem, mas as paixões do homem.” (Gogol, Arabesques, “Os últimos dias de Pompéia”.) (retornar ao texto)

(16) (N. S. E): Leo Larguier, Cézanne, ou le drame de la peinture. Paris, Denöel & Steele. (retornar ao texto)

(17) Ver “Do teatro ao cinema”. Eisenstein explica neste texto que a tipagem como método de trabalho não se limita ao uso de rostos sem maquilagem ou a substituição de atores por tipos naturalmente expressivos, mas se entende como processo criativo a uma abordagem específica das ações reunidas pelo conteúdo do filme. (retornar ao texto)

(18) (N. S.E): Melodicamente a sensação de queda é obtida através de um salto de si para sol sustenido. (retornar ao texto)

(19) (N. S. E): Die Wiener Genesis, Viena. Dr. Breno Filser Verlag, 1931. (retornar ao texto)

(20) (N. S. E): Auguste Rodin, L´Art, 1912. (retornar ao texto)

(21) (N. S. E): Por exemplo, junto com o plano II há um tremolo dos violoncelos, crescendo numa escala em dó menor. (retornar ao texto)

(22) (N. S. E): Os diferentes comprimentos dos diagramas das medidas musicais (10 e 12, por exemplo) não têm relação com o conteúdo da música nem dos planos, foram condicionados exclusivamente pelas exigências da diagramação. (retornar ao texto)

(23) (N. S. E): Puchkin, edição citada, vol. II, p. 267. (retornar ao texto)

(24) (N. S. E): “... à proporção que a raiva de Osmoin gradualmente aumenta, começa (exatamente quando a ária parece estar terminando) o alegro assai que está numa medida totalmente diferente, e numa clave diferente; isto pode produzir um grande efeito. Porque exatamente como um homem com raiva avassaladora ultrapassa todos os limites da ordem, moderação e propriedade, e se esquece inteiramente de si, do mesmo modo a música deve também esquecer de si mesma. Mas como a música... nunca deve deixar de ser música , passei de fá (clave na qual a ária está escrita) não para uma clave distante, mas para uma próxima; não para a mais próxima, ré menor, mas um pouco mais distante, lá menor” (Mozart, em carta de 26 de setembro de 1781, a seu pai, com relação a Die Entführung aus dem Serail (O rapto no serralho)). (retornar ao texto)

(25) (N. S. E): Correspondance of Wagner and Liszt. Scribner´s, 1897. Vol. I, Carta 125, Zurique, 16 de agosto de 1853. (retornar ao texto)

Inclusão 11/05/2019