Sobre a literatura, democracia, fascismo, culto à personalidade e os Processos de Moscou

Lion Feuchtwanger e Josef Stálin

janeiro de 1937


Título Original: Interview with Lion Feuchtwanger.

Fonte para a tradução: Fundo de Arquivos RGASPI. F. 558. Op. 11. D. 820. L. 3-22, Casa de Publicações 8 de Novembro — Editora de Literatura Marxista-Leninista e Progressista.

Tradução: Thales Caramante.

HTML: João Victor Bastos Batalha.

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Nota do tradutor

O escritor antifascista alemão Lion Feuchtwanger visitou a União Soviética em 1937. Posteriormente, escreveu um livro que intitulou “Moscou 1937 — Minha Visita Descrita Para Meus Amigos”. Nele, ele relembrou sua visita à URSS e aos debates prementes entre o povo naquela época (como a coletivização, a industrialização, a luta contra o fascismo, a conspiração de direita-trotskista etc.), além disso, sua conversa com o camarada Stálin, que está sendo publicada na íntegra pela primeira vez em português.

Feuchtwanger: Eu gostaria de pedir que o senhor aprofundasse a definição das funções de um escritor. Sei que o senhor os chamou de “engenheiros da alma”.

Stálin: Um escritor, quando capta com lucidez as necessidades essenciais das amplas massas populares em determinado momento histórico, pode exercer um papel imensamente relevante no desenvolvimento da sociedade. Ele sintetiza ideias dispersas e sentimentos inconscientes dos setores progressistas da população, convertendo a ação instintiva das massas em consciência organizada.

Ele molda a opinião pública de sua época. Auxilia as forças progressistas da sociedade a compreenderem suas tarefas com mais nitidez e a acertarem o alvo com maior precisão. Em suma, ele pode tornar-se um precioso instrumento a serviço da sociedade e de suas aspirações mais avançadas. Mas também existe outro grupo de escritores que, por não compreenderem as novas tendências de sua era, acabam por atacar tudo o que é novo em suas obras, servindo assim às forças reacionárias da sociedade. O papel desses escritores não é pequeno, mas é negativo do ponto de vista do avanço histórico. Há ainda um terceiro grupo de escritores que, sob o pretexto de um objetivismo mal compreendido, tentam permanecer neutros, recusando-se a se alinhar tanto com os setores progressistas quanto com os reacionários. Esses costumam ser alvejados por ambos os lados e, via de regra, não exercem papel significativo no desenvolvimento das sociedades e das nações, sendo esquecidos com a mesma rapidez com que esquecemos a neve do último inverno.

Feuchtwanger: Gostaria de saber como o senhor compreende a diferença entre o chamado de um escritor científico e o de um escritor-artista que expressa sua visão de mundo, seu próprio eu.

Stálin: Escritores científicos geralmente operam com conceitos abstratos, enquanto os escritores de ficção trabalham com imagens. Estes últimos apresentam o que lhes interessa de forma mais concreta, por meio de imagens artísticas. Os cientistas escrevem para um público mais seleto e especializado, ao passo que os artistas se dirigem às amplas massas. Diria que a atividade dos escritores científicos possui um maior grau de cálculo, enquanto os escritores-artistas são mais diretos, espontâneos, havendo muito menos cálculo em sua atividade.

Feuchtwanger: Eu gostaria de perguntar qual o significado de sua definição da intelligentsia como classe intermediária, em seu informe sobre a Constituição da URSS. Alguns consideram que a intelligentsia não está ligada a nenhuma classe, teria menos preconceitos, maior liberdade de julgamento, mas menos direitos. Como disse Goethe: “só é livre aquele que contempla, não aquele que age”.

Stálin: Expressei a compreensão marxista clássica da intelligentsia. Não disse nada de novo: uma classe é um agrupamento social que ocupa uma posição estável e permanente no processo de produção. A classe operária tudo produz, mas não possui os meios de produção. Os capitalistas são proprietários do capital e, no sistema capitalista, sem eles a produção é inviável. Os latifundiários possuem a terra, que é o meio de produção essencial. Os camponeses possuem pequenos lotes e os arrendam, mas ocupam uma posição definida na agricultura. Já a intelligentsia é um elemento de serviço, não uma classe social. Não produz nada e não ocupa um lugar independente no processo produtivo. Ela está presente nas fábricas e indústrias, servindo aos capitalistas; está também nas propriedades rurais, servindo aos latifundiários. E assim que a intelligentsia se comporta de maneira inadequada, é imediatamente substituída. Há um setor da intelligentsia que não está diretamente ligado à produção, como escritores e trabalhadores culturais. Estes se consideram o “sal da terra”, uma força dirigente acima das classes sociais. Mas nada de sério pode surgir disso. Na Rússia dos anos 1870, um grupo de intelligentsia tentou violentar a história, arrastando a sociedade para a república quando as condições objetivas ainda não estavam maduras. Nada disso deu certo. Foram derrotados — eis o exemplo do que representa o suposto poder independente da intelligentsia!

O papel da intelligentsia é de serviço — e isso é honroso, mas é serviço. Quanto mais claramente ela compreender os interesses das classes dominantes e melhor os servir, maior será seu papel. Dentro desses limites e sobre essa base, seu papel é sério.

Mas isso significa que a intelligentsia deve ter menos direitos? Na sociedade capitalista, sim. Lá se valoriza o capital — quem tem mais capital é considerado mais inteligente, melhor e com mais direitos. Os capitalistas dizem: a intelligentsia faz barulho, mas não tem capital algum. Logo, não tem igualdade real. Em nossa sociedade, é completamente diferente.

Se no capitalismo o indivíduo se compõe de corpo, alma e capital, para nós ele se constitui de alma, corpo e capacidade de trabalho. E todos podem trabalhar: possuir capital não confere nenhum privilégio entre nós — pelo contrário, nos deixa irritados. Portanto, a intelligentsia é plenamente igual a operários e camponeses em nossa sociedade. O intelectual pode desenvolver todas as suas potencialidades e trabalhar como qualquer trabalhador ou camponês.

Feuchtwanger: Se compreendi bem, o senhor também considera que o escritor-artista apela mais ao instinto do leitor do que à sua razão.

Mas, nesse caso, o escritor-artista não seria mais reacionário do que o científico, já que o instinto é mais reacionário do que a razão? Como sabemos, Platão queria expulsar os escritores de seu Estado ideal.

Stálin: Não se pode brincar com a palavra “instinto”. Eu falei não apenas de instintos, mas também de estados de espírito, de disposições inconscientes das massas. Isso é algo maior que simples instinto. Além disso, não considero os instintos imutáveis ou estáticos. Eles se transformam.

Hoje, as massas não desejam travar sua luta contra os opressores sob forma religiosa, como nas guerras religiosas do século 17 e anteriores, na Alemanha e na França. Mais tarde, elas passam a combater de maneira mais consciente, como na Revolução Francesa.

Platão possuía uma consciência escravocrata. Os senhores de escravos precisavam de escritores, mas os transformavam em escravos (temos exemplos de escritores que foram literalmente vendidos como escravos) ou os expulsavam quando deixavam de servir adequadamente aos interesses da ordem escravista.

Já na nova sociedade soviética, o papel do escritor é imenso. Ele se torna ainda mais valioso por refletir diretamente, quase sem mediação, os novos estados de espírito das massas. E se perguntarem quem capta mais prontamente os novos sentimentos e correntes sociais, direi que é o artista, e não o cientista. O artista está ali, na fonte, no cadinho onde fervilham os novos sentimentos. Por isso, pode orientá-los em nova direção, enquanto a literatura científica vem depois. É equivocado considerar o escritor-artista como necessariamente conservador ou reacionário. A história não confirma isso. Os primeiros ataques contra a sociedade feudal vieram de artistas — Voltaire, Molière criticaram o antigo regime antes mesmo dos enciclopedistas.

Na Alemanha, houve Heine, Börne, e depois vieram Marx e Engels. Não se pode dizer que o papel de todos os escritores seja reacionário. Alguns o são, quando expressam e defendem sentimentos reacionários.

Maxim Gorky captou os sentimentos revolucionários ainda difusos e as aspirações da classe operária muito antes da eclosão da Revolução de 1905.

Feuchtwanger: Eu gostaria de perguntar quais são os limites da crítica na literatura soviética.

Stálin: Devemos distinguir entre a crítica construtiva e aquela que, sob o pretexto de criticar, visa disseminar oposição ao sistema soviético.

Por exemplo, há escritores que não concordam com nossa política nacional e com o princípio da igualdade de direitos entre as nações. Esses gostariam de criticar nossa política nacional, e tudo bem criticar uma vez. No entanto, sua intenção real não é a crítica construtiva, mas sim a propaganda contra nossa política de igualdade. Não podemos permitir propaganda que incite uma parte da população contra outra, uma nação contra outra. Não podemos tolerar constantes lembranças de que os russos foram uma nação dominante no passado.

Existe um grupo de escritores que não deseja que combatamos elementos fascistas, e é fato que tais elementos ainda existem entre nós. Permitir propaganda a favor do fascismo e contra o socialismo é algo inadmissível.

Eliminadas as tentativas de propaganda contra as políticas do governo soviético, contra o socialismo e a favor do chauvinismo, nossos escritores têm uma liberdade imensa — maior do que em qualquer outro lugar.

Acolhemos com entusiasmo a crítica que busca expor deficiências com o objetivo de superá-las. Nós mesmos, enquanto dirigentes, incentivamos e garantimos aos escritores as mais amplas possibilidades de exercício dessa crítica.

Mas a crítica voltada a derrubar o sistema soviético não encontra simpatia entre nós. Temos esse pecado entre nós.

Feuchtwanger: Parece haver um mal-entendido. Não acredito que um escritor deva, necessariamente, ser reacionário. Mas, dado que o instinto caminha atrás da razão, pode acontecer de um escritor tornar-se reacionário sem querer. Por exemplo, em certas obras de Gorky, imagens de assassinos e ladrões acabam gerando empatia. E nas minhas próprias obras, há reflexos de instintos retrógrados. Talvez por isso sejam lidas com interesse. Tenho a impressão de que antes havia mais obras literárias que criticavam certos aspectos da vida soviética. Quais seriam as razões para isso?

Stálin: Suas obras são lidas com interesse e bem recebidas em nosso país não porque contenham elementos de atraso, mas porque refletem com veracidade a realidade. Quer você tenha ou não desejado impulsionar o desenvolvimento revolucionário da Alemanha, na prática, independentemente de suas intenções, suas obras revelaram as perspectivas revolucionárias do país. Após ler seus livros, o leitor se pergunta: “Não é possível continuar vivendo assim na Alemanha”.

A ideologia, inclusive a literatura, sempre caminha um pouco atrás do desenvolvimento real. Hegel dizia que a coruja de Minerva sempre voa ao anoitecer.

Primeiro surgem os fatos, depois sua reflexão na consciência. Não se deve confundir a visão de mundo de um escritor com o efeito de sua obra.

Veja-se o caso de Gogol e suas “Almas Mortas”. A visão de mundo de Gogol era, sem dúvida, reacionária. Era um místico. Não acreditava que a servidão deveria ser abolida. Seria incorreto presumir que ele quisesse combater a servidão. Suas correspondências pessoais estão repletas de opiniões reacionárias. E, no entanto, apesar de suas intenções, “Almas Mortas” exerceu um enorme impacto sobre várias gerações de intelectuais revolucionários nos anos 1840, 1850 e 1860, pela verdade artística que encerra.

Não se deve confundir a cosmovisão de um autor com a influência concreta que sua obra exerce sobre o leitor. Havia mais obras críticas no passado? É possível. Não estudei sistematicamente os dois períodos da literatura russa.

Antes de 1933, poucos escritores acreditavam que a questão camponesa pudesse ser resolvida com base nos kolkhozes. Havia, portanto, mais críticos.

Os fatos convencem. A política de coletivização do governo soviético, que uniu o campesinato à classe operária, triunfou.

A relação entre a classe operária e os camponeses era a questão mais crucial e preocupava profundamente os revolucionários de todos os países.

Parecia insolúvel: o campesinato, com seu apego à propriedade privada, arrastava o país para trás, enquanto o proletariado avançava. Essa contradição levou a muitas derrotas revolucionárias. Foi assim na revolução francesa de 1871 e na revolução alemã. Faltava ligação entre operários e camponeses.

Resolvemos esse problema com êxito. Naturalmente, após tais vitórias, há menos espaço para a crítica. Por acaso deveríamos ter evitado tais conquistas para dar margem a mais críticas? Pensamos diferente. O problema não é tão grande assim.

Feuchtwanger: Estou aqui há apenas quatro ou cinco semanas. Uma das primeiras impressões que tive foi que algumas formas de expressar respeito e admiração por você me parecem exageradas e de gosto duvidoso. O senhor me parece uma pessoa simples e modesta. Essas manifestações não são um incômodo para o senhor?

Stálin: Concordo inteiramente com você. É realmente desagradável quando as coisas são levadas a proporções hiperbólicas. As pessoas entram em êxtase por ninharias. De centenas de saudações que recebo, respondo apenas uma ou duas. Não permito que a maioria seja publicada e, assim que tomo conhecimento, veto as mais entusiasmadas. Em nove de cada dez dessas saudações, há um completo mau gosto. E isso me causa desconforto.

Quero explicar, de forma humana, de onde vem essa adoração desmedida, quase melosa. Ao que parece, conseguimos resolver uma grande tarefa em nosso país, pela qual gerações lutaram ao longo dos séculos — os babuvistas, os herbertistas, diversas seitas revolucionárias francesas, inglesas e alemãs. Ao que tudo indica, a resolução dessa tarefa tão cara ao proletariado e ao campesinato — a emancipação da exploração — provoca enorme entusiasmo. As pessoas estão tão felizes por terem se libertado da exploração que literalmente não sabem o que fazer com tanta alegria.

A libertação da exploração é algo grandioso, e o povo celebra isso do seu jeito. Atribuem tudo isso a mim, o que, evidentemente, não é verdade. O que pode um homem sozinho? Vêm em mim um conceito coletivo e acendem uma fogueira de entusiasmo ao meu redor.

Feuchtwanger: Como simpatizante da URSS, vejo e sinto que os sentimentos de amor e respeito por você são profundamente sinceros e elementares. Justamente por você ser tão amado e respeitado, não poderia usar suas palavras para colocar um fim nessas manifestações de entusiasmo que constrangem alguns de seus amigos no exterior?

Stálin: Já tentei fazer isso várias vezes. Mas não adianta. Quando você diz que isso não é bom, que é inadequado, as pessoas pensam que estou apenas sendo falsamente modesto.

Queriam organizar uma celebração para o meu aniversário de 55 anos. Proibi, por meio do Comitê Central do PC(b), que isso ocorresse. Começaram a chegar queixas, dizendo que eu estava impedindo o povo de comemorar, de expressar seus sentimentos, e que aquilo não era sobre mim, mas sobre eles. Outros diziam que eu estava sendo teimoso. Como impedir essas manifestações de entusiasmo? Não podemos usar a força. Há liberdade de expressão. Podemos apenas pedir, como camaradas.

Isso é um reflexo de certa falta de cultura. Com o tempo, isso passará. É difícil conter a alegria do povo. Seria lamentável adotar medidas severas contra operários e camponeses.

Já houve grandes vitórias. No passado, os latifundiários e capitalistas eram os demiurgos, e os trabalhadores, os camponeses, não eram sequer considerados humanos. Agora, essa casta foi derrubada. Os capitalistas e os proprietários foram expulsos, e os trabalhadores e camponeses são os senhores de suas vidas. Estão exultantes.

Nosso povo ainda tem um certo atraso cultural, e é por isso que tais expressões de alegria se manifestam dessa forma. Não há o que fazer com leis ou proibições. Acabaríamos em uma situação ridícula. E quanto ao fato de que algumas pessoas no exterior fiquem constrangidas com isso — não há muito o que fazer. Cultura não se conquista da noite para o dia. Estamos fazendo muito nessa área: somente em 1935 e 1936, construímos mais de duas mil escolas novas apenas nas cidades. Estamos fazendo tudo ao nosso alcance para elevar o nível cultural, mas os resultados levarão cinco ou seis anos para se manifestar. A elevação cultural é lenta. Os surtos de entusiasmo crescem rápido e de maneira desajeitada.

Feuchtwanger: Não estou me referindo ao sentimento de amor e respeito vindos dos trabalhadores e camponeses, mas a outros casos. Os seus bustos, expostos em diversos lugares, são feios e malfeitos. Qual o sentido de se ter um busto ruim na exposição de planejamento urbano de Moscou, sendo logo a primeira imagem que salta à mente? E por que um busto de má qualidade numa exposição de Rembrandt, que é montada com tanto bom gosto?

Stálin: Sua pergunta faz todo o sentido. Eu estava me referindo às amplas massas, não aos burocratas de diferentes instituições. Quanto aos burocratas, não se pode dizer que sejam destituídos de gosto. O problema é que eles têm medo de que, na ausência de um busto de Stálin, sofram críticas dos jornais, de seus superiores ou mesmo dos visitantes. Trata-se de uma forma peculiar de carreirismo, um tipo de “autodefesa”: para evitar reprimendas, exibem bustos de Stálin.

Sempre que um partido vence, elementos estranhos e carreiristas se unem a ele. Para se protegerem, adotam máscaras — expõem bustos, escrevem palavras de ordem nas quais nem acreditam. Quanto à baixa qualidade dos bustos, isso ocorre tanto por intenção (sei que acontece), como também por falta de habilidade na seleção. Por exemplo, vi retratos meus e de camaradas na manifestação do Primeiro de Maio que pareciam com qualquer um. As pessoas os carregam com entusiasmo, sem perceber que são retratos inadequados. Não é possível emitir uma ordem para que se exponham apenas bons bustos — que vão para o inferno! Não temos tempo para essas coisas, temos outras tarefas e preocupações mais urgentes e sequer prestamos atenção a esses bustos.

Feuchtwanger: Receio que o uso da palavra “democracia” por parte do senhor — compreendo perfeitamente o significado da nova Constituição e a saúdo — não seja inteiramente feliz. No Ocidente, durante 150 anos, a palavra “democracia” tem sido entendida como democracia formal. O mal-entendido não estaria no uso dessa palavra, que já está impregnada de certo sentido no exterior? Tudo parece girar em torno dessa palavra. Não seria o caso de inventarmos um novo termo?

Stálin: Não temos apenas a democracia tal como foi herdada dos países burgueses. Temos algo incomum, temos um acréscimo — a democracia socialista. Isso é diferente. Sem esse acréscimo, haveria confusão. Com ele, pode-se compreender. No entanto, não queremos abandonar o termo democracia, porque, em certo sentido, somos herdeiros e continuadores dos democratas europeus, alunos que demonstraram a insuficiência e os limites da democracia formal e a transformaram em democracia socialista. Não queremos ocultar esse fato histórico.

Ademais, não queremos abandonar o termo “democracia” porque, no mundo capitalista, está em curso uma luta pelos últimos resquícios de democracia contra o fascismo. Nessas condições, não queremos renunciar à palavra democracia; queremos unir nossa frente de luta com a dos trabalhadores, camponeses e intelectuais contra o fascismo, pela democracia. Ao preservar o termo “democracia”, estendemos a mão a eles e lhes dizemos que, após a vitória sobre o fascismo e o fortalecimento da democracia formal, ainda será necessário lutar por sua forma mais elevada, pela democracia socialista.

Feuchtwanger: Talvez, como escritor, eu atribua importância excessiva às palavras e às associações que carregam. Parece-me que a crítica burguesa, baseada no mal-entendido do termo “democracia”, é prejudicial. A União Soviética criou tantas coisas novas, por que não criar também uma nova palavra?

Stálin: Camarada, nisso você se engana. Os aspectos positivos de manter a palavra “democracia” superam, em muito, os inconvenientes decorrentes da crítica burguesa. Tomemos o movimento da frente única na França, na Espanha. Diferentes camadas sociais uniram-se para defender os minguados resquícios de democracia. A frente única contra o fascismo é uma frente de luta pela democracia. Trabalhadores, camponeses e intelectuais nos perguntam: como vocês, soviéticos, encaram nossa luta pela democracia? Respondemos: lutem, sim, pela democracia, mesmo que ela seja ainda o estágio mais baixo da democracia. Nós os apoiamos, pois já construímos uma etapa superior de democracia — a democracia socialista. Somos herdeiros dos antigos democratas — dos revolucionários franceses, dos revolucionários alemães — herdeiros que não se imobilizaram, mas elevaram a democracia a um novo patamar.

Quanto aos críticos, devemos dizer que a democracia não foi criada para pequenos grupos de escritores, mas para permitir que uma nova classe — a burguesia — tivesse condições de combater o feudalismo. Quando o feudalismo foi derrotado, a classe operária quis usar a democracia para lutar contra a burguesia. Nesse momento, a democracia tornou-se perigosa para a burguesia. Antes, ela servia à burguesia na luta contra o feudalismo; depois, quando o proletariado passou a utilizá-la contra a burguesia, tornou-se indesejável.

A democracia passou a representar uma ameaça, e o fascismo surgiu. Alguns setores da burguesia aceitam o fascismo com razão: a democracia lhes foi útil, mas agora virou um risco.

A democracia oferece ao proletariado meios legais para lutar contra a burguesia. Essa é sua essência, e não foi criada para que escritores tivessem o direito de se atacarem mutuamente nas páginas dos jornais.

Se encararmos a democracia por esse prisma, veremos que nossos trabalhadores dispõem de todos os direitos imagináveis: liberdade de reunião, imprensa, expressão, organização sindical e assim por diante.

Isso precisa ser explicado a nossos amigos que ainda oscilam. Preferimos ter poucos amigos, mas firmes. Muitos amigos vacilantes são um fardo.

Conheço bem esses críticos. Alguns nos perguntam: por que não legalizamos um grupo ou, como dizem, um partido trotskista? Alegam: se legalizarem o partido trotskista, então há democracia; se não, não existe democracia. E o que é esse partido trotskista? Descobrimos — e já sabíamos há tempos — que se trata de um grupo de espiões aliados a agentes do fascismo japonês e alemão, que sabotam minas, explodem pontes, provocam descarrilamentos. Em caso de guerra contra nós, planejavam todas as medidas para provocar nossa derrota: explodir fábricas, ferrovias, assassinar dirigentes e assim por diante. E querem que legalizemos espiões, agentes de potências inimigas!

Nenhum Estado burguês — nem os Estados Unidos, nem a Inglaterra, nem a França — legalizaria espiões e agentes estrangeiros.

Então por que nos propõem isso? Somos contra esse tipo de “democracia”.

Feuchtwanger: Justamente porque a democracia no Ocidente já está tão corrompida e fede, deveríamos abandonar essa palavra.

Stálin: Mas o que dizer da Frente Popular que luta por democracia? Na França, na Espanha, o governo da Frente Popular — as pessoas estão lutando, derramando sangue, não por ilusões, mas por um parlamento, pela liberdade de greve, pela liberdade de imprensa, pelos sindicatos dos trabalhadores.

Se não reduzirmos democracia ao direito dos escritores de se agredirem mutuamente na imprensa, mas a entendermos como democracia para as massas, então sim, há algo pelo qual lutar.

Queremos manter a Frente Popular com as massas da França e de outros países. A ponte para isso é a democracia, conforme compreendida pelas massas.

Existe diferença entre a França e a Alemanha? Os trabalhadores alemães gostariam de ter um parlamento real novamente, liberdade sindical, de expressão e de imprensa? Naturalmente. Käthe Kollwitz está no parlamento, Ernst Thälmann está num campo de concentração, os operários franceses podem fazer greve, os alemães não podem, e assim por diante.

Feuchtwanger: Agora temos três conceitos em jogo — fascismo, democratização e socialismo. Existe uma diferença entre socialismo e democracia.

Stálin: Não vivemos numa ilha isolada. Nós, marxistas russos, aprendemos a democratização com os socialistas do Ocidente — com Marx, Engels, Jaurès, Guesde, Bebel. Se criássemos uma nova palavra, isso alimentaria ainda mais as críticas: diriam que os russos rejeitam a democracia.

Feuchtwanger: Foi publicado um informe sobre o julgamento de Zinoviev e outros. Esse informe baseou-se principalmente nas confissões dos réus. Sem dúvida, existem outros materiais sobre esse julgamento. Eles poderiam ser publicados também?

Stálin: Que materiais?

Feuchtwanger: Os resultados da investigação preliminar. Tudo aquilo que comprove a culpa deles para além das confissões.

Stálin: Entre os juristas, há duas escolas. Uma sustenta que a confissão do acusado é a prova mais significativa de sua culpa. A escola anglo-saxônica considera que elementos materiais — como uma faca, um revólver etc. — são insuficientes para estabelecer a autoria de um crime. Para eles, a confissão tem mais valor.

Há também a escola alemã, que prefere as provas materiais, mas também atribui valor à confissão do acusado. É curioso que algumas pessoas ou escritores estrangeiros não se deem por satisfeitos com a confissão dos réus. Kirov foi assassinado — isso é um fato. Zinoviev, Kamenev, Trotsky não estavam presentes. Mas os autores do crime os apontaram como instigadores. Todos eles são conspiradores experientes: Trotsky, Zinoviev, Kamenev e outros. Não deixam rastros documentais. Foram desmascarados em acareações com seus próprios aliados, e então tiveram de confessar.

Outro fato — no ano passado, houve um acidente ferroviário militar na estação de Shumikha, na Sibéria. O trem seguia para o Extremo Oriente. Como se afirmou em tribunal, a operadora de alavanca de desvio errou a direção e enviou o trem para o trilho errado. Dezenas de soldados do Exército Vermelho morreram. A jovem operadora não admitiu culpa, dizendo que seguira instruções. O chefe da estação e o oficial de plantão foram presos, alguns confessaram os erros. Foram condenados. Recentemente, prenderam outros envolvidos na região — Boguslavsky, Drobny e Knyazev. Alguns desses, embora ainda não julgados, declararam que o desastre foi ordenado por um grupo trotskista. Knyazev, trotskista e agente japonês, revelou que a operadora era inocente. Os trotskistas, em conluio com agentes japoneses, planejavam sabotagens. Para encobrir o crime, usaram a operadora como bode expiatório e lhe deram uma ordem oral para agir assim. Provas materiais indicavam culpa da operadora, mas os testemunhos a inocentaram. Temos mais que confissões. Dizem que os réus confessam esperando liberdade. Isso é absurdo. São todos experientes e sabem bem o que significa assumir tais crimes. Em breve, ocorrerá o julgamento de Pyatakov e outros. Se comparecer, ouvirá coisas reveladoras.

Feuchtwanger: Escrevi uma peça sobre a Índia, onde Lord Hastings acusa um adversário, que na verdade planejava um golpe, de outro crime qualquer. Críticos estrangeiros (não eu) dizem que não compreendem a psicologia dos réus: por que não defendem seus pontos de vista e confessam?

Stálin: Primeira questão: por que caíram tão baixo? Todos esses homens — Zinoviev, Kamenev, Trotsky, Radek, Smirnov e outros — combateram Lênin em vida. Hoje se dizem bolcheviques-leninistas, mas quando Lênin estava vivo, eram seus adversários.

No 10º Congresso do Partido, em 1921, Lênin aprovou uma resolução contra o fracionismo. Ele disse que o fracionismo contra o Partido, se persistente, jogaria seus autores no campo da contrarrevolução. O sistema soviético permite apoiar, ser neutro, mas lutar contra ele leva à contrarrevolução.

Esses homens lutaram contra Lênin e contra o Partido.

Durante as negociações de paz de Brest-Litovski, em 1918. Em 1921, na questão dos sindicatos. Após a morte de Lênin, em 1924, intensificaram o combate ao Partido, sobretudo em 1927. Nesse ano, fizemos um referendo entre os membros do Partido: 800 mil apoiaram a plataforma do Comitê Central, apenas 17 mil apoiaram Trotsky.

A luta deles se aprofundou, formaram um partido paralelo. Organizaram manifestações contra o governo soviético, foram exilados, foram à clandestinidade. Restavam-lhes oito ou dez seguidores.

Desceram degrau por degrau. Alguns não acreditam que Trotsky e Zinoviev colaboraram com a Gestapo. Mas seus aliados foram presos junto com agentes da Gestapo. Isso é um fato. Em breve você ouvirá que Trotsky firmou um pacto com Hess para explodir pontes e trens quando Hitler guerreasse contra nós. Trotsky não pode retornar à URSS sem que esta seja derrotada.

Por que confessam? Porque caíram na ilusão de estarem certos, mesmo vendo nossos sucessos. Querem, antes de morrer ou serem condenados, ao menos contar a verdade ao povo. Desejam fazer um último ato de utilidade: ajudar a verdade a emergir. Abandonaram suas antigas convicções, agora creem que o socialismo aqui é inviável, causa perdida.

Acreditam que toda a Europa será dominada pelo fascismo e que o povo soviético perecerá. Para salvar seus seguidores, pensam em pactuar com os Estados fascistas mais fortes, garantindo a sobrevivência de seus quadros e o poder que receberiam desses acordos. Estou transmitindo o que Radek e Pyatakov dizem. Consideram Alemanha e Japão os principais Estados fascistas. Negociaram com Hess, em Berlim, e com um representante japonês. Concluíram que, após a derrota da URSS na guerra, teriam de fazer concessões: ceder parte da Ucrânia à Alemanha, o Extremo Oriente ao Japão, abrir a economia soviética ao capital alemão e japonês. Querem dissolver os kolkhozes e restaurar a “iniciativa privada”, reduzir a participação estatal na indústria e conceder parte dela a concessionários. Essas são as condições do pacto, segundo relatam. Justificam a traição dizendo que o fascismo vencerá de qualquer modo, e que essas “concessões” visam preservar o que for possível. Tentam racionalizar essa capitulação com essa “teoria”. É uma teoria absurda. Uma teoria de desespero, nascida do pânico.

Agora, acham que estavam errados e querem revelar tudo antes do julgamento.

Feuchtwanger: Se têm teorias tão absurdas, não seria o caso de interná-los num hospital psiquiátrico em vez de levá-los ao banco dos réus?

Stálin: Não. Há muitos que dizem que o fascismo triunfará. Devemos enfrentá-los. Sempre foram alarmistas. Temiam tudo: quando tomamos o poder em Outubro, na paz de Brest, na coletivização. Agora temem o fascismo.

O fascismo é um absurdo, um fenômeno passageiro. Eles entram em pânico e, por isso, criam tais “teorias”. São partidários da derrota da URSS na guerra contra Hitler e o Japão. Por isso mesmo, despertam o interesse dos hitleristas e japoneses, a quem enviam informes sobre cada explosão e cada ato de sabotagem.

Feuchtwanger: Retornando ao julgamento anterior, quero dizer que algumas pessoas estranham o fato de que não apenas um, dois ou três, mas todos os acusados tenham confessado.

Stálin: Como isso acontece na prática? Acusam Zinoviev. Ele nega. Fazem acareações com seus seguidores, já capturados e desmascarados. Um, depois outro, depois um terceiro o desmascara. Ele acaba tendo de confessar, exposto por seus próprios correligionários.

Feuchtwanger: Eu mesmo estou convencido de que queriam realizar um golpe de Estado. Mas está se provando demais. Seria mais convincente se provassem menos.

Stálin: Não se trata de criminosos comuns. Ainda lhes resta alguma consciência. Veja Radek, por exemplo. Confiávamos nele. Zinoviev e Kamenev o caluniaram há muito. Não o tocamos porque não havia provas. Pensava-se que Kamenev e Zinoviev mentiam de propósito. Depois, surgiram novos elementos: duas dezenas de militantes de base, presos ou prestando depoimentos espontaneamente, reconstruíram o quadro da culpa de Radek. Tivemos de prendê-lo. A princípio, ele negava tudo, escreveu cartas dizendo-se inocente. Um mês atrás, redigiu uma longa carta tentando provar sua inocência. Mas, aparentemente, nem ele mesmo se convenceu, pois no dia seguinte confessou seus crimes e revelou muito do que desconhecíamos. Quando você pergunta por que confessam, a resposta comum é: “estamos cansados de tudo isso, perdemos a fé na justiça de nossa causa, é impossível ir contra o povo — esse oceano. Queremos ajudar a revelar a verdade antes de morrer, para não parecermos tão miseráveis, tão Judas”.

Não são criminosos comuns, ladrões. Ainda guardam traços de consciência. Afinal, Judas, após a traição, enforcou-se.

Feuchtwanger: Sobre Judas — isso é uma lenda.

Stálin: Não se trata de uma lenda qualquer. O povo judeu condensou nessa lenda uma profunda sabedoria nacional.