Armamento das Massas Revolucionárias. Edificação do Exército do Povo

Vo Nguyen Giap


II - Tradições e Experiências do Nosso Povo na Edificação das Forças Armadas


CAPA

As teses marxistas-leninistas sobre a organização militar do proletariado são essencialmente extraídas da prática e da experiência das revoluções proletárias e das guerras nacionais da Europa na época do capitalismo e do imperialismo, bem como das da luta militar e da organização militar das classes e das nações através da história.

Da história da luta contra os agressores estrangeiros e da organização militar do nosso povo ressaltam certas características marcantes que as distinguem da luta militar e da organização militar de numerosos países da Europa. O que Engels achava desejável no referente à insurreição de todo o povo e à guerra do povo e no referente ao armamento das massas na Europa do século XIX, desenrolou-se frequentemente no nosso país desde há um milhar de anos, mesmo na época feudal. A prática e a experiência originais, ricas e vivas do nosso povo ilustram melhor ainda os geniais pensamentos de Marx, Engels e Lenine sobre o modo de dirigir a insurreição de todo o povo e a guerra do povo, bem como a organização militar do proletariado e das nações em luta pela sua libertação.

Ao contrário de muitos países ocidentais, em que a formação da nação está ligada à desagregação do regime feudal e ao nascimento do capitalismo, a nossa nação formou-se e desenvolveu-se após lutas muito antigas contra a agressão e a dominação dos feudais estrangeiros. «No decurso de vários séculos da nossa história, eclodiram sucessivamente numerosas sublevações nacionais e guerras nacionais».

O Vietnam é um dos berços da humanidade. Depois da fundação do país de Van Lang pelos reis Hung e no decorrer de milénios antes da era cristã, as tribos pertencentes à etnia Viet, na luta contra a natureza e contra as outras tribos para sobreviverem e se desenvolverem, forjaram a pouco e pouco os fatores bastante sólidos que iriam determinar a constituição da nação: viveram de geração em geração sem mudar de território, tinham língua própria, uma economia e um regime político-social com um certo nível de desenvolvimento, e uma cultura e uma tradição moral próprias. Também os sentimentos nacionais e a consciência nacional, o espírito de soberania do nosso povo surgiram muito cedo; e a sua vitalidade era muito forte. No decurso de lutas contra agressores poderosos, o nosso povo soube guardar a sua terra natal, combater com coragem e inteligência, trabalhar com aplicação e tenacidade, dar provas de espírito criador, para sobreviver e para se desenvolver.

O nosso país é belo e rico em recursos naturais, ocupa uma posição estratégica no Sueste asiático e encontra-se sobre vias de comunicação terrestres e marítimas importantes, do Norte ao Sul e do Este ao Oeste, semelhante a uma base de partida para o mar ou a uma testa de ponte permitindo ao mar pôr pé em terra firme. Isso explica que o nosso país tenha sido muitas vezes cobiçado por agressores poderosos que pretendiam subjugar e explorar o nosso povo, e utilizar o nosso território como trampolim para se expandirem em diferentes direções. Ao longo de toda a sua multimilenária história, o nosso povo teve constantemente que fazer face a agressões, teve que empreender guerras sucessivas para defender a Pátria, teve que salvaguardar a independência nacional alternando as sublevações e as guerras de libertação para a reconquistar. Os sentimentos nacionais e a consciência nacional, o ideal de soberania e a vontade indomável de combater para salvaguardar e reconquistar a independência não cessaram de se desenvolver entre o nosso povo ao longo destas insurreições e guerras. Pouco a pouco, criámos uma tradição das mais preciosas, que temos constantemente cultivado e enriquecido: uma tradição heroica de luta contra a agressão estrangeira pela independência e pela liberdade.

Éramos um pequeno país, com um território pouco extenso e população pouco numerosa. No início da era cristã, o nosso povo vivia principalmente nas regiões agora denominadas Bac Bo e Norte Trung Bo, sendo constituído por cerca de um milhão de almas na época das duas irmãs Trung; depois o território estendeu-se e a população desenvolveu-se. Mas a maior parte das vezes tínhamos que enfrentar agressores cujas forças eram bem mais poderosas que as nossas. Assim, obrigados a «combater o grande com o pequeno» para preservar a terra natal, para triunfar sobre adversários ferozes, tivemos que empregar a força de todo o povo, de todo o país, e não somente contar exclusivamente com o exército.

As nossas resistências à agressão estrangeira eram todas guerras justas. Por outro lado, o nosso povo sempre foi animado de um patriotismo ardente, sempre esteve consciente da necessidade de assegurar a coesão nacional e firmemente decidido a ser senhor do seu país, possuído de uma indomável vontade de lutar. Também nas insurreições e guerras nacionais que marcaram a nossa história, havia normalmente no aspecto de organização militar um «exército da justa causa» saído das massas armadas ou um exército nacional, fazendo-se uma coordenação entre as massas armadas e o exército nacional ou, inversamente, entre o exército nacional e as massas armadas. Desde muito cedo o nosso povo teve por tradição «todo o país conjuga as suas forças»(1) para combater a agressão estrangeira e não cessou de a cultivar e enriquecer. Esse é um segredo para conquistar a vitória que foi descoberto e instituído como princípio no século XIII pelo nosso herói nacional Trân Quoc Tuân, apoiado na milenária experiência de luta do povo. Este princípio tornou-se na época atual a linha da «união de todo o povo». Já no tempo dos Tân florescia a divisa «todo o povo é soldado»(2). Desde os tempos mais remotos, o nosso povo fez seu este adágio: «quando o agressor entra em casa também as mulheres pegam em armas». Essa é uma realidade ao mesmo tempo grandiosa e familiar da luta do nosso povo.

A participação das massas nas insurreições e guerras nacionais no nosso país, a tradição «todo o povo combate o agressor», permitem-nos afirmar que as insurreições e guerras nacionais da nossa história eram já insurreições populares e guerras do povo. Essencialmente dirigidas pela classe feudal, eram bastante generalizadas e atingiam níveis de desenvolvimento bastante elevados, apesar dos limites devidos à classe dirigente e ao contexto histórico da época.

Põe-se também uma questão: que forma tomavam as lutas de classes no seio do nosso povo e que papel desempenhava a organização armada nestas lutas de classes?

Como toda a sociedade dividida em classes e por antagonismos de classe, a nossa sociedade evoluía e desenvolvia-se através de lutas encarniçadas, principalmente entre a classe feudal e os camponeses. O exército do Estado feudal era também no nosso país um instrumento nas mãos da classe feudal para manter a sua dominação. Tinha por função interna a repressão do povo, essencialmente dos camponeses, e, por função externa, a luta contra a agressão estrangeira e a invasão de outros países. Quando se exacerbavam os antagonismos de classe no seio da nação, geralmente em épocas em que não havia agressão estrangeira, os camponeses, que tinham um espírito revolucionário e democrático bastante elevado, organizavam as suas próprias forças armadas para fazerem insurreições e motins contra os feudais vietnamitas. Levanta-se aqui uma questão importante que não será tratada no quadro desta obra.

Todavia, face ao perigo da agressão estrangeira ou sob a ameaça constante das forças de agressão em tempo de paz, quando primavam as contradições entre o nosso povo e os feudais estrangeiros agressores, as diferentes classes no seio da sociedade vietnamita uniam-se, atenuavam provisoriamente as suas contradições para reagrupar todas as forças da nação e fazer frente ao agressor estrangeiro, exceção feita aos casos em que os feudais venderam o país ou capitularam perante o inimigo. As lutas nacionais, do ponto de vista marxista, são uma forma da luta de classes; entre nós, nessa época, a luta era entre feudais e camponeses vietnamitas por um lado, querendo ambos salvaguardar o território nacional, e, por outro, os feudais estrangeiros agressores. A classe feudal do nosso país, durante o seu período de ascensão, tinha um espírito nacional. Recorria a certas formas de democracia para encorajar as massas a combaterem o agressor. Trân Quoc Tuân pensou em «preparar as forças do povo» para conseguir «profundas raízes para implantarem solidamente a árvore», o que considerava «uma política superior de salvaguarda do país». O nosso movimento nacional não estava também dissociado do papel organizador e dirigente da classe feudal na época em que esta desempenhava ainda um papel positivo na nossa história, e sobretudo não estava dissociado das poderosas forças dos camponeses, ardentemente patriotas, que constituíam então a maioria da nação. Por isso, quando a classe feudal em declínio traía os interesses nacionais, os camponeses erguiam-se para a derrubar; foi o caso do movimento dos Tay Son, que brandiu a bandeira da independência nacional sob a direção de Nguyên Huê. O movimento camponês dos Tay Son tornara-se um movimento nacional, o que lhe permitiu levar a insurreição e a guerra nacional a um nível muito alto, derrubar os feudais do país, vencer os agressores estrangeiros e alcançar brilhantes vitórias.

O processo de formação e desenvolvimento do nosso povo, a tradição «todo o povo combate o agressor», «todo o povo é soldado» que se manifestou nas insurreições e guerras nacionais, são incontestavelmente traços originais, são uma realidade grandiosa da nossa história com consequências em numerosos aspectos da nossa atividade social. Exerciam uma ação profunda nas insurreições e guerras e sobre a antiga organização militar do nosso povo nas insurreições e guerras nacionais.

As lutas contra a agressão estrangeira e a organização militar do nosso povo nos «séculos anteriores à era cristã» refletem-se por um lado nas nossas lendas e tradições orais e, por outro, em certos documentos históricos.

Não é por acaso que, na época dos reis Hung e do país de Van Lang, existia, paralelamente à lenda de Son Tinh — Thuy Tinh que refletia a luta árdua do nosso povo contra a natureza, a tradição oral de Thanh Giong que exaltava a luta heroica dos nossos ancestrais contra a agressão estrangeira. Esta tradição cristaliza os traços típicos do nosso passado de luta contra a agressão estrangeira: a vontade indomável de combate do nosso povo, a força invencível das massas em luta... Thanh Giong engrandeceu-se de maneira prodigiosa quando interpretou o apelo à salvação nacional. Serviu-se de barras de ferro e de troncos de bambu para aniquilar o inimigo. Era apoiado por trabalhadores, pescadores e guardadores de búfalos, que combatiam o inimigo com enxadas, varas de bambu, paus... Esta tradição oral, transparente e altamente simbólica, ilustra os adágios: «todo o povo combate o agressor», «todo o país combate o agressor», imagem que ficou do nosso povo numa época anterior à da história escrita.

Igualmente desde muito cedo, aconteceu no nosso país levantarem-se espontaneamente massas armadas contra o agressor estrangeiro. Já no século III antes da era cristã, os habitantes de «Au Lac», em ligação com as outras tribos Viet, combateram as tropas de agressão dos Tân durante decénios, nomeando generais os bravos de entre os bravos, combatendo de noite, lançando ataques-surpresa, aniquilando centenas de milhar de inimigos para por fim alcançarem a vitória. Esta maneira de combater e organizar as forças era característica das massas populares que, movidas pelo ódio ao agressor, se erguiam para o aniquilar. E não podemos deixar de estabelecer o paralelo com a maneira corajosa e flexível como os patriotas americanos combateram, de modo disperso, na sua guerra de independência contra os colonialistas britânicos no século XVIII, elogiada pelo próprio Engels. Os habitantes que se armavam espontaneamente e combatiam o agressor eram precisamente os nossos «guerrilheiros» da antiguidade.

Na nossa história apareceu muito cedo a «organização de um exército nacional «destinado a combater os agressores estrangeiros. O exército do rei An Zuong compreendia um corpo de infantaria e uma frota, tendo por base comum a cidadela de Co Loa(3). Este exército dispunha de uma arma muito eficaz, uma espécie de besta que lançava ao mesmo tempo um grande número de flechas com pontas de bronze que se fabricavam em grandes quantidades. Encontrámos dezenas de milhar de exemplares dessas armas no sector de Co Loa, o que testemunha um certo nível de desenvolvimento muito cedo alcançado pela organização militar. O aparecimento das bestas e das flechas de bronze marca um grande progresso da nossa técnica militar dessa época. Será essa a origem da lenda da besta mágica? Mas, mesmo com uma besta mágica, se não soubermos apoiar-nos no povo ou se deixarmos adormecer a sua vigilância, não poderemos escapar da desgraça de perder o país. O rei An Zuong deixou-se bater por Treu Da.

Desde então o nosso país tombou sob a dominação dos feudais estrangeiros. Durante dez séculos, o nosso povo não cessou de se sublevar e de combater pela libertação nacional, pela reconquista da independência. As insurreições nacionais eclodiram continuamente, século após século, transformando-se algumas em guerras de libertação. A primeira foi a das duas irmãs Trung, que se estendeu a todo o país, sucedendo-lhe as de Chu Dat, Luong Long, Dame Trieu, Ly Bi, Ly Tu Tiên e as de Dinh Kien, Mai Thuc Loan, Phung Hung, Zuong Thanh... Por fim, a sublevação de Khuc Thua Zu e a vitória de Ngô Quyên no rio Bach Dang puseram termo à dominação estrangeira e permitiram a reconquista da independência nacional.

Durante o período de dominação estrangeira, não podíamos naturalmente ter um exército nacional. As nossas forças armadas eram essencialmente constituídas pelas «tropas da justa causa», organizadas nas insurreições sob a direção dos lac hau, lac tuong, governadores civis e militares e notáveis patriotas, isto é, os representantes da classe feudal da época. As «tropas da justa causa», que tinham o carácter de forças armadas das massas insurretas, apareciam mais ou menos como um exército. As forças insurrecionais, ora limitadas ora consideráveis, tinham sempre a participação de diversos estratos sociais e compreendiam cidadãos patriotas, etnias do delta e da região alta, notáveis, chefes de tribos, mandarins patriotas...

Depois da vitória da insurreição, ou quando esta se prolongava como guerra de libertação, os dirigentes organizavam até um certo estádio o exército nacional para conduzir a guerra.

O movimento de luta de massas, as insurreições das «tropas da justa causa» exerciam a sua influência sobre os elementos vietnamitas de tropas integradas no aparelho de dominação estrangeira: rebentaram numerosos motins. No decurso de um deles, em 803, o chefe militar Vuong Quy Quyen, um vietnamita, amotinou-se e expulsou um mandarim estrangeiro.

Nessa época, a consciência nacional e o patriotismo do nosso povo manifestaram-se claramente nas insurreições, das quais a mais representativa foi a das duas irmãs Trung, no início da nossa era. O aspecto original desta insurreição, que começou em Mê Linh (o atual Hà Tây), consistiu em «ter tido eco unânime»(4) nos mandarins civis e militares e nos habitantes dos 65 distritos e cidades, isto é, no conjunto do território.

Este «eco unânime» em todo o país do apelo para a salvação nacional feito pelas irmãs Trung, constitui um dos mais raros fenómenos na história. Pode-se dizer que foi um «levantamento em cadeia», uma insurreição popular que refletia a existência de uma clara consciência nacional entre os governadores civis e militares e entre os habitantes das diferentes tribos que formavam a população do antigo país de Au Lac.

A insurreição das duas irmãs foi coroada de êxito e reconquistou a independência nacional. Proclamaram-se senhoras do reino e organizaram o Estado a «o exército nacional». Três anos depois, os agressores invadiram novamente o nosso país. As duas irmãs opuseram-lhes o seu jovem exército mas foram batidas.

A insurreição de Ly Bi, em meados do século VI, foi uma insurreição de grande envergadura na medida em que conseguiu «reunir os heróis das diferentes províncias» num levantamento simultâneo. Em três meses, conseguiu destruir o poder dos ocupantes. As «tropas da justa causa» dirigidas por Ly Bi apoderaram-se rapidamente da cidadela de Thang Long e golpe a golpe derrotaram duas contra-ofensivas do exército de agressão dos Liang.

Depois da vitória, fundou-se o Estado de Van Xuan e o seu exército. Na resistência que se seguiu para salvaguarda do país, o exército de Ly Bi foi batido. Mas, Trieu Quang Phuc reorganizou as forças, retomou a base de Za Trach aplicou uma «estratégia de longa duração»(5), pôs em prática a tática das pequenas escaramuças, dos combates isolados, o golpe de mão, o ataque noturno para desgastar o inimigo. Depois, quando os Liang tiveram várias desordens no seu próprio país, Trieu Quang Phuc passou à contra-ofensiva, derrotou o exército agressor e reconquistou a independência. O Estado independente de Van Xuan viveu mais de meio século. Nessa época foi uma grande vitória. Tinha nascido a ideia de uma guerra de longa duração. A escaramuça, o combate isolado, o golpe de mão, o ataque noturno.. tinham atingido um novo grau de desenvolvimento.

Depois da derrota do Estado de Van Xuan, passaram três séculos durante os quais o nosso povo não cessou de se sublevar, combateu o inimigo de armas na mão e desencadeou várias insurreições. No século X, a luta estava num ponto alto. Apoiando-se no movimento armado, aproveitando o enfraquecimento dos Tang motivado pelas sucessivas insurreições camponesas no seu país, o recuo e a morte do «tiet dô su» (pro-cônsul) dos Tang, Khuc Thua Zu, apoiado pelo povo, sublevou-se, proclamou-se «tiet dô su» e restabeleceu a soberania nacional. Durante vários decénios, esta soberania passou por rudes provas e mesmo por eclipses. Só em 938 o nosso povo pôde verdadeiramente reconquistar a independência, graças à vitória alcançada pelo exército de Ngô Quyên sobre o exército de agressão dos Han do Sul. Esta batalha fluvial, com juncos de combate e paus ferrados, com métodos corajosos e engenhosos, é testemunho do poder combativo e do grau de desenvolvimento do nosso exército nacional naquela época. O historiador Le Van Huu louvou nestes termos o feito de Ngô Quyên que «com o jovem exército da nossa terra Viet conseguiu derrotar o exército de Liu-huang Tao que contava com um milhão de homens», «excelente estratagema e excelente condução em combate», «fundar o Estado e proclamar-se rei» de modo que os agressores não tornassem a ousar invadir o nosso país.

A vitória de Bach Dang marcou uma grande viragem na nossa história, o começo da época em que o nosso povo conquistou uma independência total, edificou e desenvolveu um Estado feudal cada dia mais próspero, e consolidou e salvaguardou esta independência durante vários séculos consecutivos. O Estado feudal centralizado, promoveu, de dinastia em dinastia, políticas cada vez mais completas para edificação e consolidação do aparelho do poder do Estado central, e, nos diversos escalões, para dar um impulso forte à edificação económica e ao desenvolvimento da cultura, e para consolidar e reforçar a defesa nacional. Sob a direção da classe feudal — que desempenhava então um papel positivo no desenvolvimento da nação — o nosso povo conduziu guerras patrióticas para salvaguardar a independência nacional. E, cada vez que perdia o país, sublevava-se e lançava-se numa guerra de libertação para reconquistar a independência.

O desenvolvimento das nossas forças armadas nessa época esteve estreitamente ligado a essas guerras e insurreições. Refletia o desenvolvimento multilateral de um Estado independente, edificado na base de um regime feudal constantemente consolidado em todos os planos.

A diferença notável entre a edificação das forças armadas do Estado feudal no nosso país e em diversos Estados feudais europeus reside no fato de entre nós se tratar de um regime de «todo o povo é soldado» e não de um regime de «mercenários». O regime «todo o povo em armas», de que Engels falava, só surgiu na Europa no decurso dos primeiros anos da revolução burguesa francesa.

No Vietnam, o regime «todo o povo é soldado» foi edificado e gradualmente aperfeiçoado ao longo de várias dinastias.

Sob os Dinh-Lê, após a eliminação da «rebelião dos doze senhores» e a fundação do Estado feudal centralizado, foi instituído o regime de recenseamento da população a fim de recrutar homens. As forças armadas eram organizadas num sistema de «apelo aos homens para se agruparem em torno das bandeiras em caso de necessidade e seu reenvio para os campos após a batalha». Graças a este sistema, e com um núcleo constituído por uma força permanente limitada, o Estado feudal de então podia organizar dez grupos de tropas totalizando cerca de um milhão de homens sob o comando do general Lê Hoan. Este número deveria abranger a totalidade dos homens inscritos nas listas. Para a época feudal, este era um extraordinário método de armamento da totalidade da população, indispensável para uma pequena nação como a nossa que quisesse combater a agressão estrangeira.

O desenvolvimento multilateral da nação feudal independente sob os Ly surgia nitidamente nos regulamentos e na política respeitante à organização das forças armadas. Foi instituído o serviço militar nos campos, o camponês era também soldado, fazia o serviço militar ao mesmo tempo que trabalhava na produção. Os Ly dividiam os homens inscritos em duas categorias, de 18 a 20 anos e de 20 a 60 anos; estes últimos entravam num regime de rotação nas listas do exército e eram incorporados em tempo de guerra. Era aquilo a que hoje se chama o serviço militar obrigatório.

Sob os Tran, a organização das forças armadas fazia-se a partir da mobilização das forças de todo o povo, de todo o país, segundo a ideia de Tran Quoc Tuan «todo o país conjuga as forças», que se concretizou na concepção de «fazer de cada habitante um soldado». O historiador Phan Huy Chu salienta:

«A situação das forças armadas era então muito forte. De um modo geral, em tempo de paz, concentravam-se em locais favoráveis e, em caso de guerra, combatiam energicamente».

Nessa altura, os elementos do povo eram todos soldados, o que permitia derrotar o agressor e fortificar a situação do país. As forças armadas organizadas no tempo dos Tran segundo um regime bem definido, refletiam o crescimento e consolidação do regime feudal após três séculos de edificação em tempo de paz.

Apoiando-se no regime «todo o povo é soldado», o Estado feudal, no plano da organização concreta, criou diferentes categorias de tropas: as tropas da Corte, no escalão central; as das marchas no território; as dos grandes senhores e dos chefes de tribo, entre as minorias étnicas; os huong binh, dân binh, tropas locais de base, nas comunas, aldeias, etc. As tropas da Corte designavam-se «tropas dos Filhos do Céu» no tempo dos Dinh-Lê, «tropas permanentes»e «tropas em armas» sob os Ly e os Trân. Eram as tropas no ativo, aquilo a que hoje se chama tropas permanentes. Quanto às tropas dos campos, que «em tempo de paz estão nos lares para cultivarem os arrozais e, em caso de alerta, são chamados às fileiras», eram denominadas «tropas externas», correspondendo ao que hoje denominamos tropas de reserva.

Os huong binh e thô binh eram organizados pela administração feudal em tempo de paz para manter a dominação do Estado feudal nas aldeias e comunas; em tempo de guerra, combatiam o agressor ao lado das massas populares, constituindo assim as amplas forças armadas do povo.

Se, no decurso dos dez séculos de luta pela independência, as forças armadas do nosso povo foram essencialmente constituídas pelas «tropas da justa causa», nas insurreições em que participavam as largas massas populares, na época da edificação e da consolidação da independência nacional, foram as forças do exército que constituíram a frente da defesa nacional e das guerras pela defesa da Pátria. Era um exército regular de um Estado feudal independente, com uma organização cada vez mais aperfeiçoada. O exército dos Ly compreendia infantaria, cavalaria, tropas montadas em elefantes e armada; o armamento englobava, para além das lanças e bestas... catapultas. O dos Tran possuía engenhos para lançar projéteis inflamados, o que constituía uma espécie de artilharia. O nosso povo dava grande importância ao equipamento militar e sabia tirar partido do desenvolvimento das forças produtivas para aperfeiçoar diversos engenhos e armas de guerra eficazes. Havia cuidado na alimentação das tropas, considerando-se «a alimentação vital para os homens». As tropas permanentes não eram numerosas, mas sabiam bater-se e, quando eclodia a guerra, podiam-se multiplicar rapidamente. Dava-se igualmente grande importância ao treino das tropas. Para aperfeiçoamento dos generais e oficiais, Trane Quoc Tuan redigiu duas obras: «Binh thu yêu luoc» (Resumo dos princípios da arte militar) e «Van Kiep tong bi truyên thu» (Transmissão do segredo de Van Kiep).

O historiador Phan Huy Ohu coligiu os estatutos do exército do Estado feudal em «Binh chê chi» (Monografia da organização do exército), que faz parte da sua grande obra «Lich triêu hiên chuong loai chi» constituída pelos seguintes capítulos:

  1. organização e composição do exército;
  2. princípios da seleção;
  3. subvenções e regulamento de manutenção dos homens;
  4. métodos de treino;
  5. interdições;
  6. métodos de exame;
  7. rituais.

Isto mostra que a nossa organização militar tinha uma estrutura bastante completa, o que é testemunho da grande vigilância dos nossos ancestrais que, após longos anos de paz, não deixaram de continuar à edificação das forças armadas, de encorajar as massas para se exercitarem no manejo das armas e de consolidar a defesa nacional para salvaguarda da independência do país. Como é óbvio, o exército do Estado feudal não tinha a função exclusiva de «defender o país», tinha também a missão de «manter a ordem», isto é, de reprimir as lutas populares.

O nosso povo reconquistara a independência e edificara um Estado bem estruturado, tendo o seu patriotismo e combatividade atingido um nível superior de desenvolvimento. Se, na época da perda da independência, esse patriotismo e essa combatividade se traduziam na determinação de prosseguir o combate para reconquistar a independência, na época da independência recobrada traduziam-se na vontade de edificar o país com as suas próprias forças tornando-o forte e poderoso, na vontade de lutar energicamente para preservar os nossos montes e rios, para salvaguardar o território nacional que os nossos antepassados tinham conquistado e construído à custa de tanto sangue e sacrifício. Apoiando-se no seu patriotismo e combatividade, graças às forças armadas edificadas na base de um regime feudal cada dia mais florescente, graças também ao génio militar dos nossos heróis nacionais, o nosso povo alcançou nessa época vitórias das mais brilhantes da história da salvaguarda da nossa Pátria. O país edificava-se e consolidava-se em todos os planos, económicos e militares, mas continuava a ser um pequeno país. A política de «todo o povo é soldado» permitiu, com um exército bem treinado mas pouco numeroso, vencer brilhantemente os mais poderosos e bárbaros exércitos de agressão da época, salvaguardando a independência e a liberdade da nação.

O generalíssimo Lê Hoan esmagou o exército agressor dos Song nas batalhas de Chi Lang e de Bach Dan.

Ly Thuong Kiêt lançou uma ofensiva preventiva em território inimigo aniquilando as bases de apoio essenciais do agressor. No decurso da resistência que se seguiu no território nacional, o grande exército da Corte entrou sucessivamente em importantes batalhas na frente do rio Nhu Quyet, aniquilando mais de metade das forças adversárias, enquanto dezenas de milhar de homens das tropas regionais incluindo os huong binh e os thô binh operavam em coordenação na própria retaguarda do inimigo, atacando os seus pequenos destacamentos de combate e de transporte. Na região de Lang Son, os Tày, sob o comando de Than Canh Phuc, entrincheiraram-se na floresta e depois atacaram, aplicando eficazmente a tática dos golpes de mão, dos combates noturnos, etc. Assim, já nessa época apareceu a coordenação de combate entre o grande exército e as forças regionais, criando uma posição estratégica de ataque ao inimigo ao mesmo tempo na frente e na retaguarda. Esta coordenação de ação era um aspecto original da arte militar de um pequeno povo que se opunha à guerra de agressão de um inimigo poderoso. A agressão dos Song foi derrotada. Tiveram que reconhecer o nosso país como um reino independente.

No decurso das três resistências contra as tropas dos Yuan, no século XIII, graças à existência do exército e dos huong binh e thô binh organizados na base do regime «todo o povo é soldado», Trân Quoc Tuân coordenou o combate das tropas concentradas, o grande combate do exército nacional, com as escaramuças no mesmo terreno dos huong binh, thô binh e das massas armadas, do princípio ao fim da guerra.

É evidente que o exército desempenhava um papel decisivo. Houve numerosas batalhas conduzidas pelo exército que tiveram brilhantes desfechos, como as de Dông Bô Dâu, Ham Tu, Chuong Duong, Van Kiêp, Bach Dang... Mas as massas armadas também eram numerosas e tinham um papel muito importante. A população das montanhas interceptava, imobilizava e dizimava grande número de inimigos. Os zân binh, isto é, as tropas para-militares dos campos, combatiam nas suas áreas apoiando-se nas aldeias e lugares. Desde muito cedo, a nossa população aprendeu a lutar utilizando esses apoios. Já nessa altura se podia falar de «aldeias de resistência». Os habitantes escondiam os seus bens, provocando o vazio perante o inimigo e criando-lhe numerosas dificuldades de abastecimento em víveres. Os dois caracteres «Sat That» (Morte aos Tártaros!) tatuados nos braços dos oficiais e soldados traduziam a determinação de resistir, o espírito de sacrifício que animava o nosso povo nessa época. Tratava-se verdadeiramente de uma guerra de todo o povo, de todo o país. Era realmente a guerra do povo na época feudal.

O exército de agressão mongol dos Yuan tinha posto a Europa e a Ásia a fogo e sangue, tinha conquistado e apagado do mapa numerosos Estados do mundo. Mas, por três vezes invadiu o Vietnam e por três vezes foi esmagado pelo povo vietnamita. As grandes vitórias das guerras de resistência da época dos Trân, conduzidas pelo nosso herói nacional Trân Quoc Tuân, vitórias devidas fundamentalmente ao fato de «todo o país conjugar as suas forças», tal como o reconheceu o próprio Trân Quoc Tuân, eram testemunho do alto nível de desenvolvimento da organização das massas armadas nas guerras patrióticas do nosso país.

Em meados do século XIV, o grupo feudal decadente dos Trân intensificou a opressão e a exploração da população. Sucederam-se numerosas insurreições de camponeses e escravos domésticos, durante cerca de meio século. Ho Quy Ly aproveitou-se disso para se apoderar do trono e fundou a dinastia dos Ho. O povo foi dividido. A resistência contra a agressão dos Ming, organizada por Ho Quy Ly, apoiava-se no exército, nas armas aperfeiçoadas, nas cidadelas fortificadas, e não no povo. Foi um fracasso.

Mas os agressores não conseguiram subjugar o nosso povo. As insurreições multiplicavam-se.

Le Loi organizou a sublevação de Lam Son com cerca de 2000 «soldados da justa causa». A insurreição desenvolveu-se como guerra de libertação, apoiada nas «tropas da justa causa» com a colaboração das massas armadas insurretas. Com a transformação da insurreição em guerra de libertação, estas tropas formaram o exército, que na altura da vitória contava com mais de 200 000 homens e uma organização bem estruturada, graças à experiência adquirida a partir dos Ly e dos Trân.

«Brandir os cacetes como se fossem estandartes, reunir os servos rurais e os pobres»(6), era uma frase célebre de Nguyên Trai que traduzia o carácter de massa das forças insurrecionais Eram constituídas por forças consideráveis de camponeses trabalhadores; durante cerca de metade do século anterior tinham combatido sem sucesso os feudais Trân, mas agora reuniam-se sob a bandeira nacional de Le Loi e Nguyên Trai. Além disso, a sublevação de Lam Son rebentou em condições diferentes da das insurreições dos dez séculos precedentes de dominação estrangeira. O nosso país tinha sido dominado pelos Ming durante vinte anos mas, antes conseguira construir um Estado feudal independente e manter e consolidar a independência nacional durante cerca de cinco séculos consecutivos e vencer sucessivamente vários agressores poderosos. Também, depois das dificuldades dos primeiros anos, durante os quais as «tropas da justa causa» tiveram que se retirar para as montanhas e ripostar com pequenas escaramuças esporádicas às ofensivas inimigas, as forças insurrecionais desenvolveram-se rapidamente, sobretudo depois de terem uma orientação justa: apoderaram-se do Nghê An para o utilizarem como trampolim, e libertarem Thanh Hoa e depois Tân Binh e Thuân Hoa. Onde quer que as «tropas da justa causa» chegassem, a população sublevava-se para as apoiar e abastecer, integrava-se nelas, armava-se para lhes dar ajuda, investia sobre as guarnições inimigas, aniquilava as tropas adversárias, desintegrava o poder estrangeiro opressor nos distritos e libertava vastas regiões.

Os Ming enviaram reforços. Com um exército de «apenas algumas centenas de milhares de homens, mas unidos como os cinco dedos da mão», diferente do dos Ho, constituído por «um milhão de homens mas com divisões internas» Le Loi e Nguyên Trai, secundados por brilhantes generais, organizaram grandes batalhas e alcançaram vitórias retumbantes em Tôt Dông-Ghuc Dông e Chi Lang-Xuong Giang, pondo fora de combate centenas de milhar de inimigos. A população sublevou-se em massa. Em todo o lado por onde passavam as «tropas da justa causa», «as pessoas seguiam-nas em multidões compactas, ofereciam-lhes álcool ao longo das estradas», «quanto mais combatiam e mais vitórias alcançavam, aniquilavam o inimigo por todo o lado como se estivessem a destruir objetos quebrados ou a varrer ramos mortos»(7). A população também participava diretamente e sob diversas formas nos combates. Em Cô Lông, a vendedora de chá da família Luong conseguiu com ardis aniquilar o inimigo e tomar a cidadela. Recebeu de Le Loi o título de «Construtora do país».

Nguyên Trai dava grande importância à «ofensiva psicológica» isto é ao trabalho de agitação junto do inimigo e das tropas fantoches para os convencer a passarem-se para o seu campo. Esta tática levou à rendição do adversário em várias cidades: Nghe An, Ziên Châu, Thi Câu, Dông Quan... num total de 100 000 soldados inimigos. Juntaram-se às fileiras do povo dezenas de milhar de mercenários autóctones.

A vitória da resistência contra os Ming foi a vitória da guerra do povo conduzida por Lê Loi e Nguyên Trai. Mas, ao contrário da guerra patriótica de defesa da Pátria sob os Trân, tratava-se aqui de uma insurreição nacional que tinha evoluído para guerra de libertação com batalhas conduzidas pelas «tropas da justa causa» organizadas como exército e combinadas com amplas sublevações de massas; «uma vez brandido o estandarte da justa causa, todo o país se subleva tal como uma colmeia amotinada» e as grandes batalhas «estrondosas e fulgurantes» eram acompanhadas por escaramuças, «galerias de formigas minando o dique», aniquilava-se o exército inimigo, destruindo o poder do ocupante, para libertar o país e reconquistar a independência nacional. Sem o levantamento da população, não seria possível destruir a base desse poder, nem estender o prestígio e influência das tropas insurretas e criar-lhes campos de ação. E sem as «tropas de justa causa», que mais tarde evoluíram para exército e conduziram grandes batalhas de extermínio, não teria sido possível vencer a guerra de agressão e varrer o poder da dominação estrangeira. A ação coordenada entre o exército nacional e as massas armadas conheceu, em relação à guerra patriótica da época dos Trân, um novo desenvolvimento cujo traço fundamental eram os amplos levantamentos populares.

Depois da vitória, Lê Loi e Nguyên Trai reconstruiram rapidamente o país, empenhando o regime feudal centralizado numa nova etapa de desenvolvimento florescente que teve reflexos nos progressos da organização militar. Continuando e enriquecendo a tradição «todo o povo é soldado» e apoiados nas experiências da época dos Ly e dos Trân, os reis Lê organizaram o exército da corte no escalão central, as tropas de marcha e regionais e as das aldeias. Os grandes senhores não tinham tropas próprias. A maior parte dos homens do exército foi desmobilizada, regressando aos arrozais e ficando apenas em armas uma centena de milhar de homens. O regime de alistamento por inscrição manteve-se com vista ao recrutamento e chamada em caso de guerra. «As listas eram submetidas a um controlo trienal, de modo a que ninguém fosse omitido. Quando a situação o exigia, chamavam-se tanto os militares como os civis e todos eram soldados». Foi uma experiência em matéria de organização das forças armadas em tempo de paz, combinando a consolidação da defesa nacional com a edificação económica, preparando o país para uma possível guerra de defesa da pátria em caso de invasão estrangeira. Pretendia-se também, evidentemente, consolidar a dominação do Estado feudal.

A partir do século XVI, o regime feudal começou a declinar. Durante mais de duzentos anos as tropas feudais destruíram-se com lutas intestinos. A guerra civil entre os Trinh e os Mac durou mais de meio século. Seguiu-se a dos Trimh e dos Nguyên que durou quase cinquenta anos e conduziu à divisão do país durante mais de um século. Os feudais decadentes oprimiam e exploravam os camponeses ao máximo. Com receio de levantamentos populares, ordenaram o confisco das armas de fogo e limitaram o seu fabrico pela população. As lutas camponesas eram ferozmente reprimidas pelo exército. Eclodiam constantemente insurreições e motins de grande envergadura, nomeadamente a sublevação dos Tây Son dirigida por Nguyên Huê, no século XVIII, que constituiu o auge.

Esta sublevação marcou uma nova etapa da insurreição e da guerra, a da coordenação entre as massas armadas e o exército no nosso país. Sendo originalmente um movimento camponês, evoluiu para movimento nacional e, enquanto que a classe feudal decadente tinha capitulado perante o agressor, a estreita combinação desses dois movimentos permitiu que a bandeira da salvação nacional passasse para as mãos de Nguyên Huê, eminente líder do movimento camponês. Nessa época, a insurreição camponesa e as guerras nacionais foram animadas por um novo e vigoroso ímpeto ofensivo.

No início da sublevação, os camponeses e as outras camadas desfavorecidas da população tinham sido incitadas a sublevar-se com a palavra de ordem «tirar aos ricos para distribuir aos pobres». A sublevação estendeu-se por todo o país, desenvolvendo-se como guerra camponesa que derrubou o regime feudal e depois como guerra nacional que pôs termo à agressão dos feudais estrangeiros.

As forças armadas da insurreição camponesa, antes de se ter transformado em guerra nacional, foram edificadas a partir das «tropas da justa causa» e tornaram-se pouco a pouco um exército com a larga participação dos camponeses e outras camadas da população. Isto marcou um novo desenvolvimento da organização militar em termos de objetivos políticos e de envergadura das suas formações, bem como em nível de organização e arte militar. As primeiras «tropas da justa causa» dos Tây Son eram claramente uma organização armada de massas pobres: camponeses, artesãos, etc., que arranjavam eles próprios as armas mais diversas: cacetes, lanças, choços, sabres, armas de fogo, etc. No decurso da insurreição, por toda a parte onde passavam as tropas de Nguyên Huê, os camponeses e as outras camadas oprimidas sublevavam-se em cadeia, vinham engrossar as suas fileiras e derrubavam o poder feudal decadente. O prestígio e o poder de Nguyên Huê eram imensos. As suas tropas desenvolviam-se rapidamente. A partir das sublevações, Nguyên Huê organizou o exército dos Tây Son. Era o exército dos camponeses, que se tornou exército nacional. A sua organização e armamento atingiram um nível de desenvolvimento bastante elevado. Compreendia uma infantaria, uma cavalaria, tropas montadas em elefantes e uma frota. Estava armado com mosquetes e canhões de diferentes calibres, diversas categorias de embarcações de guerra e grandes barcos que podiam transportar elefantes, uma centena de homens e canhões. Nguyên Huê mandava montar canhões nos barcos e mesmo no dorso dos elefantes, o que era por assim dizer a sua artilharia de campanha.

Apoiando-se no levantamento das massas, nomeadamente camponeses e outras camadas pobres, o poderoso exército dos Tây Son dirigido por Nguyên Huê, com grande capacidade de combate e dotado de uma grande mobilidade, marcou a história nacional com feitos armados prodigiosos.

Graças às suas célebres batalhas — a sublevação da cidade de Quy Nhon, a tomada da província de Quang Ngai, a libertação de Phu Yên e os cinco ataques vitoriosos contra a cidadela de Gia Dinh, as tropas Tây Son abalaram a dominação feudal dos Nguyên que se mantinha há mais de duzentos anos. Depois, com a vitória estrondosa de Rach Gârn-Xoai Mut, em que aniquilaram dezenas de milhar de homens das tropas siamesas, Nguyên Huê aniquilou a sua agressão.

De seguida, as tropas Tây Son forçaram a cidadela de Phu Xuân através de operações-relâmpago, avançando até à ribeira Gianh onde, em coordenação com a população insurreta, despedaçaram as tropas dos Trinh em dez dias.

«As nossas tropas puseram-se imediatamente a caminho em direção ao Norte»(8) e Nguyên Huê apoderou-se de surpresa de Vi Hoang e depois libertou Thang Long, acabando em menos de um mês com a tricentenária dominação feudal dos Trinh e lançando as bases da reunificação do país, da capital do Norte a Gia Dinh(9).

Os feudais Lê, agarrados ao poder, levaram os Tsing a invadir o nosso país. Face a este perigo, as tropas Tay Son movimentaram-se em direção ao Norte. Graças a uma marcha-relâmpago, com um ímpeto irresistível de «ganhar a guerra com uma só batalha» e com uma vontade inquebrantável de vencer para «fazer ver aos agressores que o heroico Vietnam tem os seus próprios senhores»(10), o nosso herói nacional, o camponês Nguyên Huê, que se tinha proclamado imperador, derrotou num espaço de cinco dias, na gloriosa batalha de Ngoc Hoi-Dong Da, os 200 000 homens das tropas Tsing, acabando com os seus ímpetos de agressão.

A insurreição dos Tây Son, movimento camponês que se prolongou como movimento nacional, apoiada num «amplo levantamento armado das massas e num exército poderoso» derrubou três clãs feudais reacionários no país e derrotou duas invasões estrangeiras, conseguindo a unificação da pátria e salvaguardando a independência nacional, o que foi um grande feito dos nossos camponeses revolucionários e da nossa nação que não encontra igual na nossa história e que dificilmente encontrará paralelo na história do movimento camponês dos outros países.

No século XIX, o nosso povo teve que passar por uma prova de extrema gravidade. O imperialismo francês lançou-se à conquista do nosso país. Tratava-se de um inimigo novo, de uma potência capitalista ocidental, dotada de um importante potencial económico e militar e muito diferente do antigo agressor feudal. Internamente, o regime feudal tinha entrado em decadência, tendo a classe feudal deixado de ser um fator de progresso na história nacional. A sua política ultra-reacionária lançara a nossa sociedade no caos e na ruína. O estado feudal recorria constantemente ao exército para reprimir as sublevações camponesas, pelo que o exército se opôs totalmente ao povo perdendo totalmente o seu apoio na nação. Quanto aos camponeses, levantavam-se em armas e lançavam-se em centenas de insurreições sucessivas, de maior ou mais fraca envergadura, para se oporem à dominação draconiana e à repressão feroz da classe feudal.

Face à agressão do imperialismo francês e ao perigo iminente de perder o país, as massas camponesas sublevavam-se em toda a parte, mas os feudais Nguyên, recusando toda a espécie de reforma, acentuavam a repressão. Agarrando-se a interesses egoístas de classe — antes capitular perante o agressor do que avançar com o povo — abandonaram o país às mãos do imperialismo francês. Passando por cima da vergonhosa capitulação dos Nguyên, o nosso povo continuava a luta. Durante cerca de um século de dominação francesa, com uma indomabilidade jamais posta em causa, as sublevações foram contínuas e organizaram-se «tropas da justa causa» para a resistência. Nessa altura eclodiram os movimentos de Truong Cong Dinh, Nguyên Trung True... no Sul e os movimentos de Phan Dinh Phung, Nguyên Thiên Thuât, Hoang Hoa Tham... no Norte. O nosso povo combatia valorosamente ao lado das «tropas de justa causa», uma geração após outra, sem todavia alcançar o objetivo, porque lhe faltava uma linha e uma direção justas nas condições históricas da nova época. Foi preciso esperar até ao nascimento1 da classe operária vietnamita e do seu partido de vanguarda para que a nossa história sofresse uma grande viragem.

A história das insurreições e guerras e a história da organização militar do país testemunham heroicas tradições de luta do nosso povo contra a agressão estrangeira, tradições de um pequeno país unido estreitamente e conjugando todas as suas forças para combater e vencer agressores muito mais poderosos. As nossas insurreições e guerras nacionais foram no passado insurreições do povo e guerras do povo que alcançaram um nível de desenvolvimento bastante elevado.

Para o triunfo destas insurreições e guerras nacionais, o nosso povo pôs em prática desde muito cedo no plano da organização militar o princípio «todo o povo é soldado» levando as largas massas a participarem no combate sob diferentes formas, das quais a mais elevada foi a luta armada ao lado do exército regular. Assim, nas insurreições e guerras nacionais, salvo nalguns casos em que combatiam ou as forças armadas de massas ou o exército isoladamente, a nossa organização militar compreendia geralmente o exército nacional e as forças armadas de massas atuando em conjunto, assumindo essa articulação diferentes formas de organização e diferentes níveis de desenvolvimento, com graus de importância e papéis diferentes segundo as condições e as circunstâncias históricas concretas. Deste modo, nas insurreições e guerras nacionais multiplicou-se a força de todo o país, de todo o povo, e aplicaram-se de modo criador os princípios da arte militar tradicional:

Assim, a combinação das massas armadas com o exército nacional e vice-versa era para o nosso povo um princípio de organização e mesmo de arte militar para alcançar a vitória na insurreição nacional e na guerra nacional, guerra de defesa da pátria com o carácter de guerra de libertação.

A organização militar dependia, em primeiro lugar, do regime político, da natureza de classe do Estado. Ligava-se estreitamente ao carácter e aos objetivos das insurreições e das guerras. O fato de a organização militar nacional poder mobilizar as largas massas e combater o agressor em todo o país devia-se acima de tudo ao carácter justo das insurreições e guerras nacionais; o objetivo político dessas insurreições e guerras era a conquista e salvaguarda da independência nacional.

Nessas insurreições e guerras havia urna unidade quanto ao interesse nacional e ao objetivo da luta que permitia a articulação entre as «tropas da justa causa», criadas pelos representantes da classe feudal, e as largas massas, ou entre estas e o exército do Estado feudal, ainda que esta unidade tivesse limites impostos pela natureza da classe feudal e pelas condições históricas. Nesses termos, as «tropas de justa causa» e o exército podiam apoiar-se no patriotismo ardente, na coesão nacional e na indomável combatividade das massas. As massas participavam ativamente no exército, apoiavam-no e tomavam diretamente parte nos combates contra o agressor, efetivando a coordenação entre o exército e as massas armadas. As forças «huong binh e thô binh» reuniam assim as condições para pôr em prática a sua força de combate. As forças armadas de massas podiam em muitos casos ser alargadas e lutavam em estreita coordenação com o exército nacional reforçando assim a nação. O regime «todo o povo é soldado» permitia pois que cada cidadão patriota participasse no combate pela salvação nacional, contribuindo para a defesa da pátria. Como vimos, a classe feudal aplicava certas formas de democracia para encorajar as massas à sublevação e ao combate. Os nossos heróis nacionais aplicavam na edificação do exército certas ideias progressistas que refletiam o carácter justo das insurreições e guerras nacionais. Incutiam aos generais e soldados os princípios:

As coisas eram diferentes quando o Estado feudal utilizava o exército não para «defender o país», mas para «liquidar as desordens», isto é, para reprimir as massas, ou quando, face ao- perigo de agressão estrangeira, a classe feudal dominante, mais preocupada com os seus interesses egoístas do que com o interesse nacional, utilizava o exército para reprimir o movimento camponês no interior do país, em vez de o utilizar para combater o invasor. Isto geralmente passava-se nas épocas de decadência da classe feudal. O regime «todo o povo é soldado» era então abolido e o recrutamento tomava-se uma calamidade. Nessas alturas, agudizava-se o antagonismo que sempre tinha existido entre a classe feudal e as massas. Estas revoltavam-se contra o Estado feudal e contra o exército reacionário, indo até à luta armada e criando as suas próprias organizações armadas para combater e derrubar o Estado feudal e aniquilar o seu exército.

A organização militar do regime feudal estava ainda subordinada às condições materiais e técnicas, ao nível de desenvolvimento das forças produtivas desse regime. O progresso do equipamento militar, desde as simples bestas até às balistas com flechas de ponta de bronze e às outras armas, catapultas, projéteis incendiários, armas de fogo, grandes barcos de guerra, canhões montados em elefantes, etc., era outrora um dos fatores determinantes das formas concretas de organização, dos métodos de combate e da potência combativa das forças armadas do nosso povo.

Importa precisar que, naquela época, o agressor, ainda que poderoso, se encontrava como nós sob o regime feudal. É certo que os seus efetivos eram mais importantes que os nossos mas, em termos de equipamento e armamento, não tinham necessariamente superioridade, por vezes até estavam em inferioridade.

Como o equipamento e o armamento eram sensivelmente os mesmos de um lado e outro, a questão que se punha ao nosso povo e às organizações militares nacionais era «combater o grande com o pequeno», «opor o menos numeroso ao mais numeroso». Só na época atual, face aos exércitos de agressão do imperialismo, o nosso povo tem que resolver um outro problema: como é que, com forças militares mediocremente armadas, edificadas na base de uma economia atrasada em relação à do inimigo, se podem enfrentar e vencer exércitos de agressão não só superiores em número como dotados de um equipamento e armamento mais modernos?

A prática das insurreições e guerras nacionais, com a participação de largas massas, prova a justeza das concepções do materialismo histórico e da ciência proletária relativas ao papel das massas populares na história em geral e nas insurreições e guerras em particular. Confirma igualmente as teses geniais do marxismo-leninismo sobre o armamento das massas e a edificação do exército na insurreição e na guerra das classes revolucionárias e dos povos oprimidos contra as classes exploradoras e a agressão estrangeira.

Um estudo da situação na Europa na mesma época conduz-nos à seguinte constatação: enquanto a história das guerras europeias na Idade Média é constituída por morticínios entre diferentes grupos feudais utilizando exércitos mercenários, a história das guerras no nosso pois nessa altura é a das insurreições e guerras nacionais, das insurreições do povo e guerras do povo.

A tradição «todo o país conjuga as suas forças» para combater a agressão estrangeira, a experiência das insurreições do povo e das guerras do povo e a experiência da organização militar articulando o exército nacional com as forças armadas de massas são tradições e experiências preciosas do nosso povo. São também feitos notáveis e raros na história militar das nações.

Com o nascimento da classe operária e do nosso Partido, esta tradição e estas experiências foram recebidas em herança e, à luz do marxismo-leninismo e da linha política e militar do Partido, levadas a um nível superior de desenvolvimento nas novas condições históricas, para combater e vencer os mais ferozes agressores da nossa época.


Notas de rodapé:

(1) Trân Quoc Tuân. Testamento: «Forças nacionais». (retornar ao texto)

(2) Textos e comentários da História gerai do Viet por ordem imperial; tomo VI. (retornar ao texto)

(3) Nos arredores de Hanói. (retornar ao texto)

(4) in «Hau Hart Thu», Cartas dos Han posteriores. (retornar ao texto)

(5) in «Daí Viet Su Ky Toan Tíui, Ky Nha tien Ly: tri cuu chi ke», História completa do Dai Viet, Crónica dos Ly anteriores: Estratégia de longa duração. (retornar ao texto)

(6) Nguyên Trai: Birih Ngo Dai Cao (Proclamação sobre a pacificação dos Ngo). (retornar ao texto)

(7) Nguyên Trai: Binh Ngo Dai Cao (Proclamação sobre a pacificação dos Ngo). (retornar ao texto)

(8) Proclamação dos Tay Son. (retornar ao texto)

(9) A atual Saigão. (retornar ao texto)

(10) Nguyên Huê: Proclamação aos generais e soldados em Thanh Hoa. (retornar ao texto)

Inclusão 21/01/2013