Alocução ao Pais na Noite de 29 de Setembro de 1974

Vasco Gonçalves

29 de Setembro de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Eu não vou propriamente fazer um comunicado sobre os acontecimentos que se passaram nos últimos dias, mas antes, tecer algumas considerações sobre eles, a ver se tiramos algumas lições dos momentos que acabamos de viver, lições essas que são muito importantes para a consolidação e desenvolvimento da democracia em Portugal, lições essas em que está vitalmente interessado o Povo Português e o M.F.A. Nós acabamos de viver o primeiro ataque em forma da reacção ao Movimento do 25 de Abril, nos moldes que, digamos, já são clássicos, porque eles são adoptados pela reacção em todas as partes do mundo. Esses moldes consistem em aproveitar da impreparação política das pessoas, dos motivos de interesse nacional que calam fundo no coração das populações e, em particular, utilizar a emotividade suscitada por esses «slogans», por essas declarações, no sentido de dar a aparência de um grande apoio popular aos desígnios mascarados daqueles que estão interessados precisamente em prejudicar essas massas populares.

Nós tivemos o exemplo recente em Moçambique, em Lourenço Marques, em que aquela minoria de bandoleiros arrastou muita gente honrada, muitos portugueses honrados de Moçambique, na emotividade que criou, nos apelos à bandeira nacional, ao hino nacional, etc. Quer dizer: servem-se abusivamente dos motivos mais caros aos patriotas, para procurarem obter, conseguir, opor-se aos processos históricos e aos verdadeiros interesses nacionais. Nós sabemos os milhões de contos que custou essa rebelião em Lourenço Marques, as dezenas e dezenas de vidas e as centenas de feridos. Sabemos de parte da população que foi motivada por essa gente, que foi enganada por essa gente. Aqueles que menos estão interessados na Pátria, no desenvolvimento nacional, são os que neste momento mais apelam para essa mesma Pátria, para esse mesmo desenvolvimento nacional, mas junto de camadas muitas vezes pouco esclarecidas, incautas; e então em Portugal isso é fácil, é relativamente fácil ainda hoje, pois o nosso povo viveu 48 anos sob uma propaganda sistemática de embrutecimento. Em particular o povo do campo é tão pouco esclarecido que acredita nessa propaganda insidiosa que se faz a todo o momento contra o Movimento das Forças Armadas caluniando-o, acusando-nos de objectivos que nunca tivemos. Chegam a dizer que queremos roubar as casas onde os pobres vivem, agitam os mesmos papões que agitou o fascismo durante 48 anos e não é de admirar que algum êxito obtenham, porque as ideologias, as mentalidades forjadas, formadas ao longo de 48 anos, não se modificam de um dia para o outro.

Desta vez, com uma larga cópia de meios, à mistura, com armamento, muito dinheiro, etc., a reacção montou uma manifestação desse tipo. Nós estávamos a par do que se ia passando não só por meio dos nossos serviços de informação militar, como também pela larga ajuda que a Imprensa, a parte da população mais vigilante, os movimentos democráticos e os partidos políticos deram a este processo, cimentando, assim, a unidade que é condição essencial para a consolidação e o desenvolvimento da democracia em Portugal, para que o programa do Movimento das Forças Armadas possa ser posto em prática sem ambiguidades. Essa unidade entre o povo e o M.F.A. que saiu reforçada da prova por que acabamos de passar.

O M.F.A. tomou precauções no sentido de minorar o mais possível as consequências da tal manifestação. Por outro lado os sectores democráticos e mais esclarecidos da população também fizeram muito para que essa manifestação não fosse para a frente. E não o fizeram utilizando meios violentos — isto é necessário que todo o País saiba. Foi através de persuasão, através de uma vigilância verdadeiramente democrática que se travou o passo à reacção. Não foi através de homens armados, nem de tiros, nem de mocadas que foram descobertas as armas nos carros que vinham a caminho de Lisboa. E a população, consciente do que se estava passando, aceitou de bom grado essa vigilância no sentido de evitar que a manifestação, tal como estava preparada, levasse a confrontações, a tiros, à violência, que obrigasse à intervenção das Forças Armadas ou da força de segurança e que prejudicasse assim a unidade do Povo e das Forças Armadas.

É claro que na sequência destes acontecimentos desenvolveu-se uma crise que está ultrapassada, e da qual saíram mais reforçados o M.F.A., as forças democráticas e aqueles que estão sinceramente empenhados em levar este país, em paz, em tranquilidade e sem tiros para os caminhos do futuro, que são os caminhos da garantia da liberdade cívica, do progresso social, do progresso económico em que estávamos empenhados, já muito antes do 25 de Abril.

Ao longo da crise que se desenvolveu, todos os esforços foram feitos para evitar tiros entre os portugueses. Isto tem sido uma constante de todas as acções do M.F.A.; nós não queremos a guerra civil entre os portugueses. Bater-nos-emos sempre com a maior paciência, com a maior calma, com a maior firmeza para que isso não aconteça. Por vezes as pessoas impacientam-se, não compreendem talvez a nossa acção. Será pela prática, pelas consequências que forem observando da nossa acção, por aquilo que formos fazendo que verificarão que o MFA é constituído por gente honrada, por oficiais que puseram acima de tudo o amor da Pátria e que procuram ser o motor do apoio ao desenvolvimento democrático, e que são o motor no seio das Forças Armadas.

Nós procuramos acima de tudo a paz, a tranquilidade e que não haja mortos entre os portugueses. Fizemos uma revolução cujas consequências ainda estão em pleno desenvolvimento, de que nos podemos orgulhar já de certas realizações que em cinco meses se podem considerar extraordinárias: fizemos a paz na Guiné, iniciámos um processo de descolonização em Moçambique. Estamos empenhados em resolver o problema da descolonização de Angola. Julgo que isto são realizações que devem estar presentes na cabeça de todos os portugueses. Os nossos soldados deixaram de caminhar para as colónias como dantes. Portugal tem hoje abertos largos caminhos de cooperação para o futuro. Ainda na recente Assembleia das Nações Unidas se mostrou o apoio caloroso que hoje temos nos meios que antes nos repudiavam, nos assobiavam e não nos permitiam mesmo o convívio com outras nações. Nós não somos um país poderoso do ponto de vista económico; não estamos, portanto, em condições de desenvolver uma política neocolonialista em África. Temos, portanto, muitas condições para ser aceites pelos povos africanos que dão os seus passos no caminho da independência económica e do progresso social. Estamos portanto em condições de poder forjar com esses povos a unidade, desenvolver a cultura em África e de criar em África pátrias de expressão lusíada. Isso não teria sido possível sem o Movimento do 25 de Abril, sem o apoio das forças populares a esse Movimento. Ora isso é muito importante que se compreenda, são realizações bastante válidas da nossa revolução. Pois é precisamente no momento em que nos encontramos empenhados nessas realizações que os nossos inimigos procuram destruí-las; chegam a caluniar-nos e a dizer que vendemos a Guiné e Moçambique aos movimentos de libertação, não percebendo que nenhum povo é livre quando oprime outros povos; que é precisamente neste caminho que estamos traçando, que encontramos os verdadeiros objectivos da presença de Portugal em África; que não há talvez exemplo para outro país no mundo, que tenha conseguido arrancar para um processo de descolonização como nós arrancámos em Moçambique.

É precisamente num momento destes que as forças da reacção se empenham em nos combater. Mas nós, M.P.A., e Forças Armadas e o povo português estamos vigilantes. Esta crise fortaleceu mais essa unidade, fortaleceu mais as condições de desenvolvimento da democracia em Portugal, e ainda de esclarecimento das nossas posições, de levarmos o M.F.A. e as Forças Armadas a todos os pontos do País, a fim de esclarecerem bem os nossos objectivos, de combaterem a calúnia, de combaterem precisamente o futuro desse povo português dizendo eles, reacionários, que são os verdadeiros defensores desse futuro e não nós.

Nós queríamos sobretudo que essa lição fosse tirada. Que foi reforçada a unidade entre as Forças Armadas e o povo português, que novos caminhos estão abertos à democracia em Portugal, à realização do programa do M.F.A. em que estamos sinceramente empenhados e em que pusemos a nossa honra e em que abatemos bandeiras, para que esse programa possa ir avante. O programa é isento no sentido de que não serve partidarismos, não serve partidos, serve a Nação portuguesa, feto não significa qualquer crítica aos partidos; fizemos o 25 de Abril para que os partidos pudessem viver em liberdade em Portugal. Nós queremos dizer que os militares, os homens das Forças Armadas, que estão interessados em que seja posto em prática o programa do M.F.A., esses homens põem acima de tudo os objectivos do Movimento e não as inclinações partidárias que possam ter e que têm o direito a ter como portugueses que são, Mas como militares também que são, esses militares sabem que faz parte da servidão militar porem acima de tudo os interesses unitários da sua Pátria e abaterem bandeiras partidárias na presença desses interesses unitários. Os caluniadores do M.F.A. e das Forças Armadas dizem que nós defendemos interesses partidários, o que é profundamente falso. Nós defendemos é os verdadeiros interesses do povo português, que estão traduzidos no programa que nós elaborámos e no programa que pretendemos levar ao fim e que levaremos ao fim, contra tudo e contra todos. Poderão ter a certeza de que as Forças Armadas estão atentas não a isso: defenderão o seu programa contra tudo e contra todos. Estão atentas às manobras da reacção, mas não se podem defender da reacção, não podem combater essas manobras sem uma unidade íntima com o povo português, a qual saiu alicerçada dessa crise.

Nós queremos dizer ao País que os maus dias estão passados, que melhores dias virão com certeza, que o caminho que traçamos é muito difícil. Todos sabem as condições que herdámos no 25 de Abril, mas é certo que essas condições não servem para justificar tudo. Nós temos muito e muito que fazer à nossa frente. Temos muito que trabalhar. As tensões sociais que se têm desenvolvido ultimamente de certo modo têm prejudicado a produtividade do nosso país. Mas estamos convencidos que essa produtividade pode ser aumentada desde que o povo tenha confiança na Revolução do 25 de Abril.

E daqui mesmo nós exortamos o nosso povo que, para comemorar esta vitória sobre a reacção, que o próximo domingo seja um domingo de trabalho nacional, um domingo em que o povo vá para as oficinas, vá para os campos, vá para as fábricas trabalhar, como manifestação de alegria por esta vitória que obtivemos sobre a reacção. Estamos convencidos de que o povo isso compreenderá e que poderá fazer do próximo domingo uma jornada de vitória nacional, de vitória do 25 de Abril. E no trabalho demonstrar que está de facto interessado, verdadeiramente interessado no progresso da Nação. Não pretendemos que o fruto desse trabalho seja entregue, nem ao Governo Provisório nem ao Movimento das Forças Armadas: o produto desse trabalho será para quem trabalhar. Mas nós sabemos que esse produto irá juntar-se ao produto nacional. O que pretendemos é que as massas, quer do campo quer da cidade, os intelectuais, etc., demonstrem ao País essa unidade com as Forças Armadas, alicerçada no trabalho quotidiano. E por isso aqui exortamos que façam do próximo domingo uma jornada de trabalho nacional, comemorando a vitória que acabamos de obter.

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Abriu o arquivo 05/05/2014